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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PATRICIA RIZZO TOMÉ Responsabilidade civil por erro médico São Paulo 2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PATRICIA RIZZO TOMÉ

Responsabilidade civil por erro médico

São Paulo

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PATRICIA RIZZO TOMÉ

Responsabilidade civil por erro médico

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção do título de

MESTRE em DIREITO na subárea Direito Civil,

sob a orientação do Professor Doutor Eduardo

Pellegrini de Arruda Alvim.

São Paulo

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PATRICIA RIZZO TOMÉ

Responsabilidade civil por erro médico

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para a obtenção do título de

MESTRE em DIREITO na subárea Direito Civil,

sob a orientação do Professor Doutor Eduardo

Pellegrini de Arruda Alvim.

Aprovada em: _____________

Banca Examinadora

Professor Doutor Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim (Orientador)

Instituição: PUC-SP Assinatura:_________________

Prof. Dr._______________________________________________________

Instituição:________________________Assinatura:____________________

Prof. Dr._______________________________________________________

Instituição:_________________________Assinatura:___________________

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Ao meu saudoso avô, João (1919-1998), e à minha querida avó, Marietta

Aos meus amados pais, Paulo e Helena

Aos meus queridos irmãos, Paula, Tatiana e Paulo

Aos meus amados filhos, Gabriela e Rafael e

Ao meu eterno amor, companheiro e amigo, Maurício.

Por serem a fonte do meu equilíbrio, força, amor e determinação para

cumprir a minha missão de amor ao Direito.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, por permitir que hoje eu possa concluir mais esta etapa da minha

caminhada e por ter colocado neste trajeto pessoas que me auxiliaram direta ou

indiretamente para a conclusão deste trabalho. A elas, ofereço todo o meu carinho e eterna

gratidão.

Ao meu querido orientador, Professor Doutor Eduardo Arruda Alvim, pelos

ensinamentos oferecidos com muita dedicação, amizade, disponibilidade, carinho e

incentivo. A ele, meu profundo carinho e respeito.

Aos Mestres, Doutor Arruda Alvim e Doutora Thereza Alvim, exemplos de saber

conjugados à humildade de ensinar, com os quais aprendi de maneira imensurável, minha

eterna admiração e respeito. Obrigada, sobretudo, pelos ensinamentos que muito

ultrapassaram o âmbito jurídico, os quais levarei sempre para a minha vida.

Ao querido amigo e Professor Daniel William Granado, pelos ensinamentos,

orientações, incentivo e carinho; pela atenção e disponibilidade que tanto contribuíram para

a concretização deste estudo.

Ao Professor Everaldo Augusto Cambler, pelas orientações significativas e

imprescindíveis ao desenvolvimento desta pesquisa.

Ao CNPQ e à PUC-SP, pelo auxílio.

À minha querida amiga, prima e grande companheira, Carolina Souza, pela atenção,

carinho e ensinamentos médicos que me permitiram compreender e concluir este tema

maravilhoso.

Ao grande amigo desta trajetória, a quem tenho a honra de chamar de pai, e à minha

amada mãe, que leu inúmeras vezes os meus escritos, auxiliando nos momentos necessários.

Aos meus irmãos, Paulo, Paula e Tatiana, com amor, pela ajuda e apoio; mesmo sem

conhecimento especifico, contribuíram em diversas situações com o meu trabalho de

pesquisa.

A dois grandes amores, presentes de Deus, meus filhos queridos Gabriela e Rafael,

por toda a paciência e compreensão em razão da minha ausência, o que permitiu a

conclusão deste estudo tão importante para a minha vida.

Por fim, a mais profunda gratidão ao meu grande amigo, companheiro e amado

esposo, Maurício. Faltam-me palavras para agradecer-lhe por todo o amor, carinho,

paciência, incentivo, compreensão e apoio nas incalculáveis horas as quais me dediquei

para a conclusão deste trabalho, um grande sonho que agora se concretiza.

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RESUMO

Nossa pesquisa tem por objetivo analisar a responsabilidade civil do médico por danos

efetivamente causados em virtude de erros cometidos durante a atuação profissional.

Erros estes que podem decorrer de atos próprios ou de atos de terceiros, como é o caso

de danos ocasionados por enfermeiros que atuam em cumprimento de ordens médicas.

Nesta dissertação, o estudo da relação contratual de meio estabelecida entre o médico e

o paciente é fundamental. Destaca-se, sobretudo, o enfoque do cumprimento integral

dos deveres médicos, em especial, o dever de prestar a informação completa e

transparente de maneira individualizada, considerando cada paciente em relação a sua

doença, para que as pessoas possam daí sim, amplamente esclarecidas, consentirem

sobre a realização de cirurgias ou tratamentos de risco.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Erro médico. Relação médico-paciente.

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ABSTRACT

Our research aims to analyze the liability of the physician for injuries caused on account

of errors made during his/her professional practice.

These errors may result from their own acts or third parties’ ones, such as injuries

caused by nurses working in compliance with doctors' demands.

In this dissertation, the study of the contractual relationship of compromise established

between doctor and patient is essential. Of special note here is the approach for full

compliance of medical duties. This refers especially to the duty to provide full and clear

information on an individual basis, considering each patient and his/her respective

sickness. Thus, patients would be made fully aware about their particular situation and

would be able to better decide whether they consent on performing surgeries or risky

treatments.

Keywords: Liability. Medical error. Doctor-patient relationship.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9

2 RESPONSABILIDADE CIVIL 11

2.1 Evolução histórica 11

2.2 A responsabilidade civil no Código Civil brasileiro 13

2.3 Conceito e função 16

2.4 Responsabilidade civil objetiva e subjetiva 21

2.5 Responsabilidade civil contratual e extracontratual 23

2.6 Pressupostos da responsabilidade extracontratual 27

2.6.1 Conduta 28

2.6.2 Culpa 30

2.6.3 Dano 31

2.6.4 Nexo de causalidade 35

2.7 Causas excludentes da responsabilidade civil 37

3 RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE 41

3.1 Breves considerações 41

3.2 Deveres médicos 46

3.3 A boa-fé objetiva e os deveres anexos 54

3.4 O consentimento informado 60

3.5 A importância do prontuário 67

4 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA 69

4.1 Breves considerações 69

4.2 Legislação aplicável 73

4.3 Natureza da relação 78

4.4 Obrigação de meio e de resultado 80

4.5 A culpa na responsabilidade médica 83

4.5.1 Da negligência 84

4.5.2 Da imprudência 87

4.5.3 Da imperícia 87

4.5.4 Erro médico 89

4.5.4.1Erro de diagnóstico 93

4.6 Dano médico 100

4.7 A importância da comprovação da culpa médica 103

4.8 Responsabilidade civil do cirurgião plástico 104

4.9 Responsabilidade civil do anestesista 106

4.10 A responsabilidade do médico prestando serviço no hospital 108

5 CONCLUSÃO 113

REFERÊNCIAS 116

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1 INTRODUÇÃO

Considerando o crescente número de processos judiciais visando indenização

civil por danos causados por profissionais médicos em consequência de condutas negligentes,

imperitas e imprudentes, temos a importância do estudo proposto.

O aumento das demandas judiciais em face dos médicos e hospitais tem como

causa principal a mudança do conceito do médico na sociedade, bem como os avanços

científicos e tecnológicos.

Os médicos eram considerados amigos e conselheiros das famílias, atendiam a

todos os familiares diretamente em suas residências, e formavam com seus clientes, laços de

afeto e de respeito.

Assim, era muito difícil um médico responder judicialmente por danos

causados, justamente em virtude da relação de amizade estabelecida entre o médico e os seus

pacientes.

No entanto, atualmente, o médico é tratado como um profissional que presta

serviços, sem qualquer vínculo ou relação mais próxima com o paciente, exceto em raríssimos

casos.

Esse distanciamento entre o médico e o paciente levou ao aumento das ações

judiciais. Haja vista que o paciente, ao sofrer um dano, busca a reparação independentemente

de quem seja o profissional.

O avanço científico e tecnológico contribuiu muito para o tratamento e a cura

de algumas doenças. Entretanto, acompanhados dos benefícios, vieram também os riscos.

Isso, porque, cirurgias delicadas tornaram-se possíveis, mas os riscos decorrentes destes

procedimentos aumentaram para os pacientes.

Desta forma, o avanço da Medicina trouxe mais riscos para a vida e para a

saúde do paciente, nos quais se incluem os danos por condutas negligentes, imperitas ou

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imprudentes de alguns profissionais, ocasionando danos, por vezes, irreparáveis. Assim, este

estudo tem por finalidade analisar, do ponto de vista jurídico, as questões relativas à

responsabilidade civil por danos causados aos pacientes durante a atuação do profissional

médico.

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2 RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 Evolução histórica

O direito é uma criação do homem que, através do seu desenvolvimento

histórico e cultural, instituiu normas para permitir uma convivência harmônica e

pacífica na sociedade, possibilitando a solução dos conflitos.

A responsabilidade civil foi o caminho encontrado para restabelecer o

“equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano”, no entendimento de José Aguiar

Dias1.

O instituto da responsabilidade civil foi sendo construído através de uma

lenta e gradual evolução do direito e da história da humanidade, que ainda está em

processo. Por ser dinâmico, o direito deve constantemente se adaptar aos novos fatos

sociais.

No período pré-histórico, compreendido até 4.000 a.C., verificamos as

primeiras formas rudimentares de responsabilidade. Nesta fase, tivemos o surgimento

da vingança coletiva2 como uma reação imediata, natural, instintiva e bastante primitiva

do ser humano aos danos causados.

Na Idade Antiga, dos anos 4.000 a.C. até 476 d.C. surgiram as primeiras

civilizações (Grécia, Roma, Egito, Palestina, Irã, Mesopotâmia e Fenícia) e a fundação

de Roma no século VIII a.C.

Nesta fase da história, a vingança coletiva foi substituída pela vingança

privada3, através da propagação da ideia do “olho por olho, dente por dente”, originada

na Lei de Talião.

1 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p. 43. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – responsabilidade civil. v.7. 14.ed. São Paulo: Saraiva,

2000, p. “Historicamente, nos primórdios da civilização humana, dominava a vingança coletiva, que se caracterizava

pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes”. 3 “A princípio, o dano escapa o âmbito do direito. Domina então a vingança privada, “forma primitiva, selvagem

talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas

origens, para a reparação do mal pelo mal”. (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de

Janeiro: Forense, 1950, p.26)

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Em seguida, surgiu em Roma a Lei das XII Tábuas, no século V a.C, em

configuração de uma reparação tarifada, reflexo da Lei de Talião.

Nenhuma diferença existia entre a responsabilidade civil e penal; além

disso, toda forma de responsabilidade era penal e objetiva, ou seja, não era apurada a

culpa do causador do dano, mas somente a existência de dano.

No entanto, foi na fase subsequente da composição que as pessoas

começaram a entender que seria mais conveniente reparar o dano com a composição “a

critério da vítima”4 ao invés de fazê-lo com a pessoa do devedor

5, como ocorria até

então. Desta forma, o dano causado passou a ser reparado com a prestação poena6 que

poderia corresponder a uma soma em dinheiro.

Em 286 a.C, no período romano Republicano, surgiu a Lex Aquilia,7um

marco importante na história do direito cujo intuito era tratar da responsabilidade civil.

A Lex Aquilia diferenciou a responsabilidade civil da penal, delineou a

ideia inicial da culpa como uma exigência para a reparação dos danos causados e deu

origem à responsabilidade extracontratual ou aquiliana.

4 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.27: “Já agora o

prejudicado percebe que mais conveniente do que cobrar a retaliação – que é razoàvelmente impossível no dano

involuntário e cujo efeito é precisamente o oposto da reparação, porque resultava em duplicar o dano: onde era um,

passavam a ser dois os lesados – seria entrar em comparação com o autor da ofensa, que repara o dano mediante a

prestação da poena, espécie de resgate da culpa, pelo qual o ofensor adquire o direito ao perdão do ofendido”. 5“El hecho de que todo deudor responda, em principio, por cualquier deuda frente al acreedor com todo su

patrimônio, no es natural, sino que descansa em una larga evolución Del derecho de obligationes y Del derecho de

ejecución. Originariamente , tanto em el Derecho romano como em el germânico respondia el deudor com su propia

persona, y ello em virtud de um contrato especial de responsabilidad, de uma espécie de autopignoración. Em caso de

incumplimento podia el acreedor apoderarse de La persona Del deudor, deternele e incluso venderle ene esclavitud.

Por conseguinte, el deudor era realmente objeto de La intervención del acreedor, que podía utilizar contra El uma

coacción directa. Poco a pocodejó sentirse lo inadecuado de tal objetivavión de La persona, y em lugar de La

responsabilidad de La persona fué apareciendo La del patrimonio del deudor. Desaparece así de La mente de los

juristas romanos la “vinculación” del deudor (“obligatio” = vínculo), su sumisióm a la voluntad y poder del acreedor,

para pasar a pimer plano el momento ético del “estar obligado”, del deber (“debere). (LARENZ, Karl. Derecho de

obligationes. Tradução de Jaime Santos Briez. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1958, p.33). 6 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.27. 7 Segundo José de Aguiar Dias, “O conteúdo da lei Aquília se distribuía por três capítulos. O primeiro tratava da

morte dos escravos ou animais, da espécie dos que pastam em rebanhos. O segundo regulava a quitação por parte do

adstipulator com prejuízo do credor estipulante. Regia casos de danos muito peculiares, que não interessa

pormenizar, salvo para, atentos à advertência de Chironi, assinalar que a pena irrogada contra a ilícita disposição

praticada pelo adstipulator, em relação ao crédito alheio, traduz o fato de já se considerar o direito de crédito como

coisa. O terceiro e último capítulo da lei Aquília ocupava-se do damnum injuria datum, que tinha alcance mais

amplo, compreendendo lesões a escravos ou animais e destruição ou deterioração de coisas corpóreas: “Ceterarum

rerum praeter hominem ET pecudem occisos si quis alteri damnum faxit quod usserit, gragerit, ruperit injuria,

quanti e ares erit diebustriginta proximis tantum aes domino dare damnos esto”.

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A culpa, tratada pela primeira vez na história do direito na Lei Romana

Aquilia, influenciou o Código Civil francês e, por consequência, o Código Civil

brasileiro de 1916, sob o projeto do cearense Clóvis Bevilaqua.

Por conseguinte, também interferiu no Código Civil italiano de 1865 e no

Código Civil português de 1867, considerando que ambos adotaram os pensamentos do

Código Civil francês.

A exigência da culpa para a reparação dos danos integrou por um longo

período muitas legislações. Mas, após a Primeira Guerra Mundial, com a modernização

das máquinas e o avanço da tecnologia, muitos acidentes começaram a ocorrer, não

apenas com trabalhadores, mas também nas estradas de ferro8.

Tais fatos exigiram dos juristas uma solução que permitisse

responsabilizar danos irreparáveis até então, pela impossibilidade de se comprovar a

culpa.

Assim, surgiu a teoria do risco, como fonte de reparação dos danos

causados, ao lado da antiga teoria da culpa.

A teoria do risco visa permitir por equidade reparar os danos causados

independentemente da existência de culpa, mas pela simples situação de risco criada

com a atividade exercida.

2.2 A responsabilidade civil no Código Civil brasileiro

A responsabilidade civil no Brasil foi construída em torno da teoria da

culpa, a qual foi parâmetro para vários sistemas jurídicos no mundo, desde a época da

Lex Aquilia, na Idade Antiga.

8 "Segundo Gaudemet, foram os acidentes de estrada de ferro e os que ligam às indústrias os que primeiro chamaram

a atenção dos juristas para a insuficiência da teoria da culpa, na segunda metade do século passado”. (ALVIM,

Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 5.ed. São Paulo: Saraiva, p.318).

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A teoria da culpa, fundamento da responsabilidade subjetiva, foi o pilar

de sustentação do Código Civil francês de 1804 que, por sua vez, influenciou o Código

Civil brasileiro de 1916, sob o projeto de Clóvis Bevilaqua, conforme mencionamos.

Não obstante a influência do Código de Napoleão sobre o Código Civil

brasileiro de 1916, também observamos interferências dos pensamentos germânicos

advindos do jurista e filósofo Tobias Barreto, discípulo de Clóvis Bevilaqua.

A regra geral do Código Civil de 1916, que direcionou as reparações

civis por danos causados em atuação ilícita, foi a do art. 159. Nele constava: “aquele

que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou

causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.

No Brasil, para que ocorresse a responsabilidade civil, seria necessária a

comprovação pela vítima de uma conduta omissiva ou comissiva “culposa” do causador

do dano, sob pena de inexistir reparação.

Excepcionalmente, o Código Civil permitia a responsabilidade objetiva

para as hipóteses dos arts. 1.527, 1.528 e 1.5299.

Em leis especiais10

também constavam hipóteses de responsabilidade

objetiva para os danos causados em acidentes do trabalho, assim como nos transportes

terrestre, aéreo ou marítimo.

Entretanto, sendo o direito um sistema de normas que visa organizar e

disciplinar a sociedade independentemente do momento vivido, teve de se adequar para

9 NEGRÃO, Theotonio. Código civil e legislação civil em vigor. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.244: Art.1.527.

“O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dono por este causado se não provar: I – Que o guardava e vigiava com

o cuidado preciso; II – Que o animal foi provocado por outro; III – Que houve imprudência do ofendido”; IV – Que o

fato resultou de caso fortuito, ou força maior. Art. 1.528. “O dono do edifício ou construção responde pelos danos

que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta”. Art. 1.529.

“Aquele que habitar uma casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas, que dela caírem ou forem

lançadas em lugar indevido”. 10 Lei de Estradas de Ferro nº 2.681/12, regulamentada pelo Decreto nº 51.813/63, alterado pelos Decretos nºs.

59.809/66, 58.265/66; Decreto nº 1.832/96; Decreto nº 61.588/67; Decreto nº13.724/19, mantido pelo Decreto nº 24.

637/34, reafirmado pelo Decreto– lei nº 7.036/44 e pela Lei nº 5.316/67, revogado pelo Decreto nº 99.999/91 – sobre

acidentes do trabalho, posteriormente tratado no art. 7º, XXVIII da Constituição Federal de 1988.

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15

acompanhar as constantes evoluções sociais. Em outras palavras, o direito deve ser

dinâmico e se atualizar diante da evolução mundial.

Em virtude do processo acelerado de mudanças, novos direitos foram

surgindo. Desta forma, com a Constituição Federal de 1988, outras modalidades de

responsabilidade civil foram introduzidas na sociedade, dentre elas, a consagração como

direito constitucional da indenização por danos materiais e morais, nos termos do art. 5º,

V.

A Constituição Federal de 1988 também passou a assegurar a

inviolabilidade dos direitos da personalidade, com direito à indenização material e

moral pelos danos decorrentes, conforme dispõe o art. 5º, X.

No entanto, a mudança mais significativa para a responsabilidade civil

adveio do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, resultado da Constituição

Federal de 1988. Estabeleceu-se como regra geral nas relações de consumo a

responsabilidade objetiva dos fornecedores de produtos e serviços. Estes passaram a

responder pelos danos causados independentemente de culpa. As comprovações do

dano, da conduta e do nexo causal eram suficientes para o fornecedor reparar os danos

causados; portanto, era desnecessário comprovar a atuação culposa, em vista da regra

geral.

O Código de Defesa do Consumidor foi criado para assegurar os direitos

do consumidor que, antes da sua existência, estavam em uma situação de

vulnerabilidade perante o fornecedor. Frequentemente os consumidores ficavam sem a

reparação devida pelos danos sofridos diante da dificuldade de comprovar a culpa do

fornecedor.

Esta forma de responsabilidade passou a determinar a reparação dos

danos, com fundamento na teoria do risco da atividade, ou seja, aquele que lucra deve

responder pelos riscos, com fundamento na equidade. Entretanto, esta assertiva aplica-

se para a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço.

Neste sentido, temos:

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16

A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço decorre, basicamente,

de um dano causado por um vício na fabricação, ou de um prejuízo

ocasionado pelo fornecimento de informações insuficientes e inadequadas

sobre a utilização e os riscos do produto. Nasce com a verificação de um

acidente de consumo hábil a lesionar a integridade física ou psíquica do

consumidor, ou suficiente para danificar seu patrimônio11

.

A Lei nº 8.078/90 estabeleceu que a responsabilidade dos profissionais

liberais seria subjetiva, em consonância com o Código Civil. No entanto, admitiu,

conforme o art. 6º, VIII, do CDC a inversão do ônus da prova para facilitar a defesa dos

direitos do consumidor, quando verossímil a sua alegação ou tratar-se de

hipossuficiente.

Na contínua busca e adaptação do direito às novas situações vividas pela

sociedade, o Código Civil de 2002 consagrou a responsabilidade civil objetiva ao lado

da subjetiva, adotando ambos os sistemas para a reparação de danos.

O Código Civil de 2002 manteve a responsabilidade subjetiva prevista no

Código Civil anterior (1916), com mínimas alterações, e adotou a responsabilidade civil

objetiva como sistema autônomo de reparação, sem configurá-lo apenas uma medida

excepcional.

O sistema de responsabilidade civil brasileiro, portanto, é um complexo

de normas. Há previsões sobre o instituto inseridas na Constituição Federal, no Código

Civil, no Código de Defesa do Consumidor e em leis especiais, a fim de permitir a

reparação dos danos causados a outrem.

2.3 Conceito e função

A palavra responsabilidade tem origem na expressão romana spondeo,

uma variação de stipulatio, que correspondia à época em um liame verbal estabelecido

entre o credor e o devedor, como uma forma de garantia, e não de responsabilidade.

11 SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Código de defesa do consumidor anotado. São Paulo: Saraiva, 2001

p.53.

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Em vista da ideia de garantia, Carlos Roberto Gonçalves12

indica que “a

palavra responsabilidade origina-se do latim re-spondere, que encerra a ideia de

segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado”.

Consta, igualmente, no dicionário jurídico, que respondere13

significa

“responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou

ou do ato que praticou”.

No mesmo dicionário jurídico, o sentido amplo da palavra corresponde a:

“responder por alguma coisa”; revela “dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja

em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para

satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais que lhe são

impostas”.

Conforme José de Aguiar Dias14

, “a responsabilidade é, portanto,

resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face de um

dever ou obrigação”.

Inevitável que todo aquele que cause um dano, em virtude de uma

conduta comissiva ou omissiva, tenha como consequência a obrigação de reparar os

prejuízos causados, seguindo-se a máxima do neminem laedere15

.

Segundo Fernando Noronha16

, “a responsabilidade civil é sempre uma

obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou

12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.15. 13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico – edição universitária. 4.ed. v. I, II, III e IV. Rio de Janeiro: Forense,

1996, p.124-125. 14 “Tôda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade”, “Digamos, então, que

responsável, responsabilidade, assim como enfim, todos os vocábulos cognatos, exprimem idéia de equivalência de

contraprestação, de correspondência. É possível, diante disso fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de

responsabilidade, no sentido, de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da atividade

do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de

responsabilidade, conforme o campo que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público

ou privado. A responsabilidade não é fenômeno exclusivo da vida jurídica, antes se liga a todos os domínios da vida

social”. (DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.5-7). 15 A ideia de responsabilidade decorre diretamente dos três preceitos jurídicos (praecepta juris), que sintetizavam o

direito privado romano, que no caso eram: honeste vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não lesar a

outrem) e suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu). 16 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p,451.: A responsabilidade civil é

sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos causados a

interesses coletivos ou transindividuais, sejam estes difusos, sejam coletivos stricto sensu”.

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danos causados a interesses coletivos ou transindividuais, sejam estes difusos, sejam

coletivos stricto sensu”.

O autor entende ainda que a palavra responsabilidade comporta duas

acepções as quais ele distingue, de um lado, uma acepção ampla e tradicional; de outro,

restrita e técnica. Esta divisão encontra correspondência à responsabilidade civil

contratual (chamada por ele de “responsabilidade negocial”) e a responsabilidade

extracontratual (“responsabilidade em sentido estrito, técnico ou geral”) .

Sérgio Cavalieri Filho17

e Rui Stoco18

entendem que a responsabilidade é

um dever jurídico secundário e sucessivo, uma vez que nasce do descumprimento de

uma obrigação originária. Assim, obrigação19

é, portanto, diferente de responsabilidade;

obrigação é um dever jurídico originário, e a responsabilidade um dever jurídico

secundário, que nasce com o descumprimento daquele.

Uma obrigação pode nascer através da manifestação da vontade humana,

nos contratos, nas declarações unilaterais ou nos atos ilícitos, como também pela

vontade do estado, que se configura na lei. 17 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.2-3. 18 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.155: “É, portanto, uma conseqüência e não uma obrigação original, considerando que esta constitui sempre um

dever jurídico originário, enquanto a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo ou consequente”. 19NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.30- 31.

“Outra forma de definir obrigação é com referência a noção de vínculo jurídico. Por esta via, poderemos definir

obrigação como sendo um vínculo constituído entre duas ou mais pessoas, pelo qual uma delas (ou algumas delas)

deve realizar, em benefício da outra (ou das outras), uma prestação que é do interesse desta (ou destas). Contudo, a

caracterização com referência ao vínculo jurídico também não parece ser o melhor do que a que se reporta à relação

jurídica”. “Na noção acima dada de obrigação, como relação jurídica em que uma pessoa pode exigir de outra uma

certa prestação, que satisfaz um interesse da primeira, enfatiza-se o lado ativo da relação, o direito do credor”. “Quem

preferir enfatizar o lado passivo da relação (como se faz geralmente, e como já se fazia na definição contida no

Corpus júris civilis, há pouco transcrita) dirá que a obrigação é relação jurídica em que uma pessoa está vinculada a

satisfazer a outra uma certa prestação, do interesse desta”. Em que consiste a obrigação (obligatio)? Cuida-se de

relação jurídica caracterizada pelos seguintes elementos formadores: a) sujeito ativo (credor), relativamente ao qual

se fala em crédito (creditum); b) sujeito passivo (devedor), relativamente ao qual se fala em débito (debitum); c)

vinculum iuris, que é o elo de ligação entre os sujeitos; d) objeto imediato, que é a prestação, consistente em dar,

fazer ou não-fazer (dare, facere ou non facere); e) objeto mediato, que é o bem da vida almejado (coisa, pecúnia,

serviço, etc.); f) responsabilidade na hipótese de inadimplemento (caracteristicamente, ela é atribuída ao devedor,

podendo, no entanto, ser atribuída a outra pessoa que a assuma, como, exemplificativamente, o fiador). Adotamos,

como se vê, a concepção dualista da obrigação, que faz a separação entre débito (Schuld) e responsabilidade

(Haftung). O crédito é direito de natureza relativa, pois que é oponível apenas ao sujeito passivo do vínculo

obrigacional, apartando-se, dessarte, dos direitos qualificados como absolutos (direitos da personalidade e direitos

reais), cuja oponibilidade é erga omnes. A essas considerações se deve acrescer que é fulcral que as partes se portem

com lisura e correção, o que é conseqüência da boa-fé objetiva, que impõe norma de conduta àquelas. Ademais,

enquanto vinculadas pela obrigação, as partes hão de manter-se em perfeito equilíbrio, de maneira que uma não

prevaleça sobre a outra. Esse equilíbrio de poder entre as partes, no microcosmo da relação jurídica obrigacional,

realiza a justiça comutativa e, mais ainda, aquilo que poderíamos denominar democracia obrigacional. Corolário do

equilíbrio de poder no microcosmo obrigacional é o equilíbrio das prestações avençadas pelas partes, de modo que

não há prevalência de uma sobre outra. (BITTAR, Carlos Alberto. Disponível em:

<www.diritto.it/material/straniero/dir_brasiliano/filho59.html>. Acesso em: 20 jun. 2013.

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Desta forma, descumprida uma obrigação, seja ela decorrente da vontade

das partes ou da lei, poderá haver um dano e, consequentemente, o surgimento do dever

secundário de indenizar.

Em vista do caráter secundário e sucessivo da responsabilidade em face

da obrigação, Karl Larenz20

já afirmava que a responsabilidade estava para a obrigação

assim como a sombra estava para o corpo físico.

A responsabilidade civil consiste em um dever jurídico secundário e

sucessivo de reparar todo e qualquer dano, de caráter patrimonial ou moral, causado a

outrem, seja por uma conduta voluntária pessoal ou de terceiro, nos casos indicados na

lei, que poderá ser comissiva e omissiva, mas que corresponda a um dano diretamente

causado em virtude do descumprimento de um dever jurídico primário.

Em momento anterior, indicamos que o instituto da responsabilidade

civil visa 21

“restabelecer o equilíbrio violado pelo dano”, acompanhando o

entendimento de Maria Helena Diniz, José de Aguiar Dias, Carlos Roberto Gonçalves e

Sérgio Cavalieri Filho, entre outros.

Para tanto, segundo Maria Helena Diniz,22

a função primordial da

responsabilidade civil é

garantir o direito do lesado à segurança, mediante o pleno ressarcimento dos

danos que sofreu, restabelecendo-se, na medida do possível, o status quo

ante. Logo, o princípio que domina a responsabilidade civil na era

contemporânea é o da restitutio in integrum, ou seja, da recomposição

completa da vítima a situação anterior à lesão, por meio de uma

reconstituição natural, de recurso a uma situação material correspondente ou

de indenização que represente do modo mais exato possível o valor do

prejuízo no momento de seu ressarcimento.

20 LARENZ, Karl. Derecho de obligationes. Tradução de Jaime Santos Briz.Madrid: Revista de Derecho Privado,

1958-1959,v.1, p.33.: “De acuerdo com la concepción actual, todo aquel que assume una obligación responde , em

caso de incumplimento, con todo lo que Le pertence. El que debe responde también. Cabe distinguir

conceptualmente la responsabilidad de la deuda, del deber prestar, pero auellá sigue a ésta como la sombra al

cuerpo”. 21 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – responsabilidade civil. v.7. 14.ed. São Paulo: Saraiva,

2000, p.5. 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – responsabilidade civil. v.7. 14.ed. São Paulo: Saraiva,

2000, p.7.

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20

Uma vez violada a norma geral de não lesar, nasce o dever secundário de

reparar os danos causados. Não sendo possível restabelecer os fatos e os danos causados

no status quo ante, “impõe-se o pagamento de um quantum indenizatório, em

importância equivalente ao valor do bem material ou compensatório do direito não

redutível pecuniariamente”23

.

Quando o prejuízo for de ordem material, poderá ser restituído ou

convertido em indenização em pecúnia, em valor correspondente ao prejuízo sofrido.

O grande dilema se situa no dano moral, diante da dificuldade de reparar

os danos ao status quo ante e de quantificar os danos produzidos na esfera moral, tendo

em vista o seu caráter extrapatrimonial.

Entretanto, em vista da inexistência de tarifamento do dano moral, o

sistema utilizado no direito brasileiro é o arbitramento pelo juiz, com base nos critérios

hermenêuticos para fixar o valor da indenização.

A teoria do desestímulo desenvolvida nos Estados Unidos da América

visa não atribuir à indenização apenas um caráter compensatório, mas também punitivo.

É uma função pedagógica com o intuito de impedir a prática reiterada da conduta lesiva.

Neste sentido, Fernando Noronha24

entende que, como função da

responsabilidade civil tem-se ainda a sancionatória (ou punitiva) e a preventiva (ou

dissuadora). Aquela busca impor uma sanção civil ao causador do dano como uma

forma de punir a conduta culposa ou dolosa praticada; esta consiste em impedir a prática

reiterada de condutas lesivas, como uma forma socioeducativa ao ofensor.

Este também é o entendimento da atual jurisprudência25

.

23 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil – contratos: teoria geral.

7.ed. v. IV, t.I. São Paulo: Saraiva, 2011, p.63. 24 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3.ed.São Paulo: Saraiva, 2010, p. 461-464. 25 BRASIL. Apelação. Acórdão nº 990.10.561190–7, Rel. Francisco Loureiro, julgado em 10.02.2011: APELAÇÃO

CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E LUCROS

CESSANTES – ATENDIMENTO HOSPITALAR DE EMERGÊNCIA EM RAZÃO DE ACIDENTE DE

TRÂNSITO – REALIZAÇÃO DE CIRURGIA – NECESSIDADE DE NOVO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO –

FALTA DE CLAREZA NA ORIENTAÇÃO DO PACIENTE QUANTO AOS TRÂMITES PRÉ– OPERATÓRIOS

– ABANDONO DE TRATAMENTO PELOPACIENTE NÃO CARACTERIZADO – INCORRETO

ENCAMINHAMENTO DO PACIENTE PARA O MUNICÍPIO DE SUA RESIDÊNCIA – OBRIGAÇÃO DE

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21

Na função ressarcitória, olha-se para a vítima, para a gravidade objetiva do

dano que ela padeceu26

. Na função punitiva, ou de desestímulo do dano

moral, olha-se para o lesante, de tal modo que a indenização represente

advertência, sinal de que a sociedade não aceita o seu comportamento27

.

Por fim, “a sanção da violação de uma regra de direito” 28

poderá seguir o

sistema da responsabilidade subjetiva ou objetiva, conforme desenvolveremos mais

adiante.

2.4 Responsabilidade civil objetiva e subjetiva

O Código Civil brasileiro de 2002 adotou dois sistemas para a reparação

dos danos. O primeiro, chamado de responsabilidade civil subjetiva; o segundo, de

responsabilidade civil objetiva.

Antes de abordarmos ambos os sistemas, consignaremos que o Código

Civil de 1916 adotou a responsabilidade civil subjetiva como regra geral, disciplinada

no art. 159, mas também adotou a responsabilidade civil objetiva excepcionalmente,

conforme constava nos arts.1.527, 1.528 e 1.529.

CONTINUIDADE DO TRATAMENTO – RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL E DOMÉDICO – DANO

MORAL CONFIGURADO – QUANTUM INDENIZATÓRIO INSUFICIENTE – JUROS DE MORA – TERMO

INICIAL – CITAÇÃO. Em razão da natureza contratual da relação médico–paciente, o termo inicial de incidência

dos juros moratórios é a citação. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL

(2) – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E LUCROS

CESSANTES – ATENDIMENTO HOSPITALAR DE EMERGÊNCIA EM RAZÃO DE ACIDENTE DE

TRÂNSITO – REALIZAÇÃO DE CIRURGIA – NECESSIDADE DE NOVO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO –

FALTA DE CLAREZA NA ORIENTAÇÃO DO PACIENTE QUANTO AOS TRÂMITES PRÉ-OPERATÓRIOS –

ABANDONO DE TRATAMENTO PELO PACIENTE NÃO CARACTERIZADO – INCORRETO

ENCAMINHAMENTO DO PACIENTE PARA O MUNICÍPIO DE SUA RESIDÊNCIA – OBRIGAÇÃO DE

CONTINUIDADE DO TRATAMENTO – RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL E DO MÉDICO – DANO

MORAL CONFIGURADO – MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. A entidade hospitalar

responde pela reparação dos danos causados ao paciente que teve dificultada a realização de cirurgia para enxerto

ósseo, em razão das confusas informações prestadas a respeito dos procedimentos pré-operatórios, bem como pela

negativa de atendimento ocorrida posteriormente, caracterizando-se a falha na prestação do serviço. 2. O alegado

abandono de tratamento não restou demonstrado nos autos, e ao retornar ao ambulatório buscando atendimento,

incumbia ao médicoe ao hospital assegurar a continuidade dos cuidados clínicos 3. O médico responde pelos

prejuízos causados ao paciente em decorrência da falha no atendimento, tendo em vista que não tomou as cautelas

necessárias no sentido de salvaguardar a saúde do paciente, que se encontrava em estado grave, necessitando de

cirurgia para enxerto ósseo. 4. O montante indenizatório fixado a título de dano moral deve ser majorado, a fim de

atender às funções compensatória e sancionatória da indenização, de modo principalmente a coibir a prática de

condutas semelhantes. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Apelação Cível AC 6816555 PR 0681655-5 (TJ-

PR), Relatora: Rosana Amara Girardi Fachin, Data de publicação: 23/09/2010) 26 SANTOS, Antônio Jeová dos. Dano moral indenizável. Lejus Editora, 1997, p.62. 27 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. p.220-222; SEVERO, Sérgio. Os danos

extrapatrimoniais. p. 186-190 28 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.129.

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22

Segundo muitos doutrinadores, a responsabilidade subjetiva, ou seja,

aquela com fundamento na culpa, foi a regra geral para a reparação dos danos desde a

Lex Aquilia, em substituição à responsabilidade objetivista. Esta teoria influenciou as

legislações da França e, consequentemente, da Itália, de Portugal e do Brasil.

A responsabilidade subjetiva foi a regra geral do Código Civil brasileiro

desde 1916, mesmo com a existência de previsão excepcional e de leis especiais29

sobre

a responsabilidade objetiva. Atualmente ela está disciplinada no art. 927 do Código

Civil: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a

repará-lo”.

O art. 927 nos remete ao art.186, também do Código Civil, com o qual

deverá ser conjugado, pois apresenta a definição do que seja ato ilícito. Assim, temos:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito

e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Neste sentido, todo aquele que adota um comportamento voluntário

culposo e causa dano a outrem tem por dever legal reparar os danos causados.

A responsabilidade subjetiva tem por fundamento a existência da culpa

como causa determinante para a reparação dos danos.

Por conseguinte, a responsabilidade civil objetiva está prevista

expressamente no art. 927, parágrafo único, do Código Civil: “Haverá obrigação de

reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando

a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem”.

Conforme verificamos, a responsabilidade objetiva dispensa a

comprovação da existência de conduta culposa, bastando a comprovação do dano e do

nexo causal entre a conduta e o resultado, em duas hipóteses: 1) nos casos previstos em 29 Como exemplo, citamos o Decreto nº 2.681, de 1912 (relativo a danos causados nas estradas de ferro), Lei nº

5.316/67, o Decreto nº 61.784/67, Lei nº 8213/91(referente a danos causados em decorrência de acidentes de

trabalho), as Leis nºs. 6.194/74 e 8.441/92 (tratando do seguro obrigatório de acidentes de veículos – DPVAT), Lei nº

6.938/81 (danos causados ao meio ambiente) e Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

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23

lei; 2) quando a natureza da atividade desenvolvida pelo autor do dano gerar perigo de

risco de dano aos direitos de outrem.

Segundo Agostinho Alvim,30

“o fundamento da teoria objetiva consiste

em eliminar a culpa como requisito do dano indenizável, ou seja, em admitir a

responsabilidade sem culpa, e isso porque cada um deve responder pelo risco de seus

atos”.

O autor argumenta ainda que a teoria do risco não se situa no campo do

“proveito”, ou seja, não é porque alguém obteve uma vantagem com a atividade

exercida que deverá reparar possíveis danos. Entende, por fim, que todos são

beneficiados com a atividade exercida e o risco é, portanto, indissociável desta relação.

Para tanto, a responsabilidade na teoria do risco se sustenta pelo simples fato de que

todos são responsáveis pelos riscos causados por suas condutas, estejam elas revestidas

ou não de culpa.

A responsabilidade objetiva corresponde a um dever jurídico secundário,

que pode decorrer das hipóteses legais ou do exercício de uma atividade que resulte em

risco de lesão aos direitos de terceiros.

2.5 Responsabilidade civil contratual e extracontratual

Conforme esclarecemos, uma obrigação pode se originar a partir da

vontade humana ou da vontade do Estado.

Quando um dano resultar do descumprimento de uma obrigação firmada

em um negócio jurídico, que poderá ser um contrato ou uma declaração unilateral de

vontade, teremos como consequência a responsabilidade contratual.

Sobre este aspecto, Silvio Rodrigues31

explica: “Quando alguém

descumpre uma obrigação contratual, pratica um ilícito contratual e seu ato provoca

30 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1949, p.306-

307. 31 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – parte geral. 23.ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 1993, p.326.

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24

reação da ordenação jurídica, que impõe ao inadimplente a obrigação de reparar o

prejuízo causado”.

Quando ocorrer um ilícito contratual, como regra, não há necessidade de

comprovação da conduta culposa, haja vista que a violação da obrigação contratual

preexistente presume a conduta culposa da parte inadimplente. Dispõe também Sérgio

Cavalieri32

:

Na realidade, entretanto, essa presunção de culpa não resulta do simples fato

de estarmos em sede de responsabilidade contratual. O que é decisivo é o tipo

de obrigação assumida no contrato. Se o contratante assumiu a obrigação de

alcançar um determinado resultado (obrigação de resultado – v. item 103) e

não conseguiu, haverá culpa presumida, ou, em alguns casos, até

responsabilidade objetiva; se a obrigação assumida no contrato foi de meio, a

responsabilidade, embora contratual, será fundada na culpa provada.

Para tanto, com a finalidade de sabermos a forma da culpa incidente ao

caso, é importante identificarmos na relação contratual a obrigação assumida, ou seja, a

obrigação de resultado ou de meio.

A relação contratual estabelecida entre o médico e o paciente tem por

objeto, como regra, o cumprimento de uma prestação de serviços de meio. Abordaremos

o tema em capítulo pertinente.

Para excluir a responsabilidade subjetiva aplicada ao descumprimento de

um dever preexistente previsto no contrato em exercício da autonomia das partes, será

necessário comprovar a culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, salvo a

responsabilização contratual expressa em relação a estes, conforme prevê o art. 39333

do

Código Civil.

No entanto, oportuno salientarmos que a prestação de serviços do médico

ao paciente, excepcionalmente, poderá ser pactuada em obrigação de resultado, como na

hipótese de realização de cirurgia plástica estética. Neste caso, o inadimplemento do

32 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.291. 33 Art.393. “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente

não se houver por eles responsabilizado”.

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médico ocasionará a presunção da sua culpa, a quem competirá comprovar o

cumprimento da obrigação assumida e sua atuação nos limites pactuados.

Através das palavras de Carlos Roberto Gonçalves34

, temos que:

Na responsabilidade extracontratual, o agente infringe um dever legal, e, na

contratual, descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. Nesta, existe

uma convenção prévia entre as partes, que não é cumprida. Na

responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a

vítima e o causador do dano, quando este pratica o ato ilícito.

A responsabilidade civil pela violação de dever contratual está prevista

no art. 389 do Código Civil, no qual consta expressamente: “Não cumprida a obrigação,

responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo

índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários advocatícios”.

As perdas e danos correspondem ao que a vítima “efetivamente perdeu”,

como também “o que razoavelmente deixou de lucrar”, conforme extraímos do art. 403

do Código Civil: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos

só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato,

sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Por conseguinte, quando ocorrer a violação de um dever jurídico geral da

ordem jurídica, e se resultar em dano, como consequência surgirá o dever jurídico

secundário, correspondente à responsabilidade civil extracontratual.

Também chamada responsabilidade aquiliana, a responsabilidade

extracontratual teve sua origem na Lex Aquilia de Damno, por isso o nome a ela

atribuído.

Consiste esta responsabilidade em um dever jurídico secundário e

sucessivo de reparar os danos causados, em decorrência da violação do preceito geral de

34 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – responsabilidade civil. 8.ed. v.4. São Paulo: Saraiva,

2013, p.22.

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não lesar, oriundo do preceito neminem laedere. Carlos Roberto Gonçalves35

assim

dispõe sobre este aspecto:

Outra diferenciação que se estabelece entre a responsabilidade contratual e a

extracontratual diz respeito às fontes de que promanam. Enquanto a

contratual tem a sua origem na convenção, a extracontratual a tem na

inobservância do dever genérico de não lesar, de não causar dano a ninguém

(neminem laedere).

Fernando Noronha36

critica as expressões utilizadas pela doutrina para se

referir às consequências jurídicas, decorrentes dos descumprimentos aos negócios

jurídicos (responsabilidade civil contratual) e ao dever geral de não lesar

(responsabilidade civil extracontratual). Ele entende que os termos são equivocados,

visto que deveriam ser utilizadas as expressões “responsabilidade civil negocial” para

identificar a responsabilidade contratual (por englobar tanto os contratos, como as

declarações unilaterais de vontade) e “responsabilidade civil em sentido estrito, técnico

ou geral” (para referir-se à responsabilidade civil extracontratual).

Por fim, a grande importância na distinção entre responsabilidade

contratual ou extracontratual está no ônus da prova.

Sobre este aspecto, Ruy Rosado de Aguiar Junior explica:

35 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.23. 36 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3.ed.São Paulo: Saraiva, 2010, p. 452-455.: “Vamos designar de

responsabilidade negocial a obrigação de reparar danos que sejam consequência do inadimplemento de obrigações

negociais. Em contraposição, falaremos em responsabilidade civil em sentido estrito, ou técnico, ou ainda em

responsabilidade civil geral, para referir as obrigações que visam a reparação de danos resultantes de violação de

deveres gerais de respeito pela pessoa e bens alheios; assim, esta responsabilidade abrangerá os danos causados a

pessoas que não estavam ligadas ao lesante por qualquer negócio jurídico e também aqueles que, embora causados a

alguém ligado ao lesante por um contrato ou por um negócio jurídico unilateral, ainda sejam resultado da violação de

deveres gerais superiores e preexistentes a esse negócio (e que por isso não devem ser encarados como violação

específica dele). “A responsabilidade civil, na acepção estrita ou técnica acima dada, é tradicionalmente chamada de

“responsabilidade extracontratual”; por sua vez, a responsabilidade negocial é usualmente chamada de

“responsabilidade contratual”. Trata-se, porém, de expressões equívocas, na medida em que ignoram a existência de

obrigações nascidas de negócios jurídicos unilaterais, como a promessa pública de recompensa, a garantia

convencional oferecida por fabricantes ao consumidor final e a subscrição de títulos de crédito (v.3, cap.22). Assim,

por um lado, a expressão responsabilidade contratual” esconde que a par da obrigação de indenizar derivada do

inadimplemento de contratos, e regendo-se pelos mesmos princípios, existe também aquela resultante do

inadimplemento de negócios jurídicos unilaterais. Por outro lado, a expressão “responsabilidade extracontratual”

poderia sugerir, erradamente, que o inadimplemento desses negócios jurídicos unilaterais se regeria por princípios

diversos dos aplicáveis aos bilaterais, ou contratos: a verdade é que, em matéria de responsabilidade pelo

inadimplemento, tanto os negócios jurídicos unilaterais como os bilaterais, ou contratos, estão sujeitos a regime

jurídico idêntico – e que é diverso do aplicável àquelas obrigações que aqui incluímos na expressão responsabilidade

civil, em sentido estrito”.

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27

A diferença fundamental entre essas duas modalidades de responsabilidade

está na carga da prova atribuída às partes; na responsabilidade contratual, ao

autor da ação, lesado pelo descumprimento, basta provar a existência do

contrato, o fato do inadimplemento e o dano com o nexo de causalidade;

incumbindo ao réu demonstrar que o dano decorreu de uma causa estranha a

ele; na responsabilidade extracontratual ou delitual, o autor da ação deve

provar, ainda, a imprudência, negligência ou imperícia do causador do dano

(culpa), isentando-se o réu de responder pela indenização se o autor não se

desincumbir desse ônus.37

No tocante à prestação de serviços médicos, a comprovação da

conduta culposa do profissional pelo autor da ação será imprescindível para reparar o

dano, tanto na relação contratual quanto na extracontrual.

Somente quando tratar-se de erro grosseiro ou obrigação de resultado

poderá ocorrer a dispensa da comprovação da culpa médica.

2.6 Pressupostos da responsabilidade extracontratual

Na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, o dever de reparação

ao dano causado decorre da violação do dever geral de não lesar, prescrito na máxima

neminem laedere ou alterum non laedere.

Os pressupostos indispensáveis para configurar a responsabilidade civil

extracontratual extraímos diretamente do art. 186 do Código Civil de 2002, que dispõe:

“aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito

e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Este também é o entendimento recente da justiça portuguesa38

. Neste

contexto, temos que a conduta, o nexo de causalidade, o dano ou o prejuízo e a culpa

37 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de Responsabilidade civil do médico. São Paulo, Revista dos Tribunais,

n.718/41. 38 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, Processo nº 64/109 TVPRT.P1.S1, da 1ª Secção, Relator:

Moreira Alves, datado de 14 de janeiro de 2014. Disponível em:

<http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1e91c8ad2a38f9aa80257c620040b126?OpenDocu

ment>. Acesso em: 2 fev. 2014. I– No âmbito da responsabilidade extra-contratual, como é o caso, a obrigação de

indemnizar só se constitui quando estão presentes, cumulativamente, os respectivos pressupostos: ilicitude, culpa,

dano e nexo causal. II – Compete a quem se arroga o direito à indemnização, alegar e provar os mencionados

pressupostos. III – Da verificação de uma situação ilícita não pode presumir-se o dano, que tem de ser concreto e

efectivo e provado pelo lesado. IV – Provado que a conta sacada não se encontra provisionada para pagamento dos

cheques apresentados, a sua devolução pelo banco com fundamento em ilegítima revogação, não é, por si só, causa

adequada para produzir qualquer dano concreto e efectivo ao portador respectivo, visto que, perante as circunstâncias

concretas conhecidas, não era razoável prever, face ao curso normal das coisas, que os cheques seriam pagos à A., se

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28

são os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, nos termos da lei, os quais

serão discutidos individualmente.

2.6.1 Conduta

A conduta é o primeiro pressuposto da responsabilidade civil. Ela se

traduz em um comportamento humano dotado de consciência e voluntariedade.

Consciência em relação à perfeita compreensão do comportamento que está sendo

realizado, e voluntariedade em vista da atuação espontânea do agente, em exercício

pleno da liberdade individual para realizar o ato.

Quando mencionamos voluntariedade, não nos referimos à intenção de

causar o dano, pois esta se liga ao dolo. A intenção do agente está no aspecto

psicológico ou subjetivo da pessoa, uma vez que consiste no objetivo interno e

individual para obter um determinado resultado com o comportamento praticado.

A conduta humana poderá se materializar através de um comportamento

positivo ou negativo. A conduta humana voluntária positiva (também chamada de

comissiva) consiste em um movimento corpóreo de ação do agente que, violando uma

norma preexistente, causa dano a outrem.

Por sua vez, a conduta humana voluntária negativa (também chamada de

omissiva) é a abstenção de um comportamento quando, em razão da lei, de um negócio

jurídico ou de uma conduta anterior, o agente deveria ter agido.

Em regra, a conduta omissiva não causa diretamente um dano, pois

conforme declina Sérgio Cavalieri,39

“porquanto do nada nada próvem”.

não fosse a devolução fundada na sua revogação, isto é, não era razoável prever que o dano invocado pela A. não se

verificaria se não fosse a conduta da R. V – Compete ao portador do cheque ilicitamente revogado e devolvido com

tal fundamento, alegar e provar que, se não fosse essa revogação e devolução ilícita do cheque apresentado a

pagamento no prazo legal, o título seria ou poderia ser descontado pelo banco sacado, já porque existia provisão

suficiente, já porque havia acordo que permitia ou mesmo impunha o pagamento, apesar de descoberto da conta,

acordo esse, que obviamente, não é facto notório. 39 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.24. “A

omissão, todavia, como pura atitude negativa, a rigor não pode gerar, física ou materialmente, o dano sofrido pelo

lesado, porquanto do nada nada provém”.

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No entanto, a omissão torna-se juridicamente relevante e passível de

responsabilidade quando o agente tinha um dever de agir ou de praticar determinado ato

para impedir o resultado em virtude de lei, negócio jurídico ou em decorrência de

conduta anterior, e não o adotou. Nestes casos, o não agir corresponde à permissão do

resultado, motivo pelo qual o agente será responsabilizado.

A omissão é a não realização da conduta quando o agente poderia ou

deveria concretizá-la sem colocar em risco a sua vida ou incolumidade.

Segundo Damásio Evangelista de Jesus40

,

quem omite não permanece inativo, mas realiza uma ação diferente a que se

podia e devia esperar. É o caso da enfermeira que, tendo de medicar o

paciente em estado de coma de hora em hora, permanece dormindo,

ocorrendo a morte do paciente.

Acrescentamos a observação de Silvio Rodrigues41

para quem a omissão,

geralmente, “se retrata através da negligência”.

Compartilhamos do entendimento de que a conduta é o gênero do qual a

ação e a omissão são espécies, ou seja, são formas pelas quais a conduta pode se

apresentar no mundo físico.

Desse modo, temos que a ação ou omissão se referem ao aspecto objetivo

da conduta, enquanto a vontade se traduz no aspecto intrínseco, psicológico ou

subjetivo da conduta, conforme explica Sérgio Cavalieri Filho42

.

A ilicitude da conduta acompanha a responsabilidade civil, mas poderá

decorrer de um ato lícito, como ocorre, por exemplo, na desapropriação.

Por fim, o comportamento humano que se materializa em uma ação ou

omissão, dotado de consciência e voluntariedade, deve revestir-se da culpa lato sensu.

40 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal – parte geral. 19.ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 208-209. 41 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – parte geral. 23.ed. v.I. São Paulo: Saraiva, 1993, p.328: “A atitude ativa

consiste em geral no ato doloso ou imprudente, enquanto a passiva, via de regra, se retrata através da negligência”. 42 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.72-73.

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30

Desta forma, adentraremos ao próximo pressuposto da responsabilidade civil aquiliana,

que é a culpa lato sensu.

2.6.2 Culpa

A culpa, base da responsabilidade civil do Código francês (arts. 1.382 e

1.383), e do Código Civil brasileiro de 1916, é considerada por muitos doutrinadores o

fundamento da responsabilidade civil.

No entanto, José de Aguiar Dias,43

adotando posição contrária, revela

que a culpa é substratum do ato ilícito e que, portanto, apenas qualifica o ato ilícito.

Neste sentido, Orlando Gomes44

pontua: “Não é toda violação de preceito

legal que constitui ato ilícito, ainda quando produz lesão ao direito subjetivo de outrem.

O que faz da violação um delito civil é o fato de ter sido culposo o ato lesivo”.

José de Aguiar Dias, ao citar Savatier45

, destaca:

A culpa (faute) é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e

observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o

delito civil ou, em matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do

dever, podendo ser conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpa

simples, chamada, fora da matéria contratual, de quase-delito.

A culpa é o elemento subjetivo anímico que reveste a conduta do agente

para violar uma norma de conduta preexistente.

Segundo Miguel Kfouri Neto46

, vale destacar a observação de Antunes

Varela: “culpa é, no fundo a imputação ético-jurídica do fato a uma pessoa, mas

imputação no sentido transcendente da reprovabilidade ou censurabilidade”.

43 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.227. “Adotando

ponto de vista que afasta a exclusividade da culpa como fundamento da responsabilidade civil, nem por isso nos

sentimos dispensado de estudá-la, até porque, embora menos ampla do que geralmente se lhe reconhece, ela tem sua

posição no sistema a que nos filiamos. Para nos inteirarmos da noção de culpa, cumpre partir da concepção do fato

violador de uma obrigação (dever) preexistente. Êsse fato constitui o ato ilícito, de que é substractum a culpa. Esta o

qualifica”. 44 GOMES, Orlando. Responsabilidade Civil. (Coord.) Edvaldo Brito. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.13. 45 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.124. 46 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p.90.

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31

O Código Civil brasileiro de 1916 não fez qualquer distinção entre o dolo

e a culpa, o que foi mantido pelo Código Civil de 2002, conforme o art. 186.

A culpa lato sensu abrange tanto o dolo como a culpa stricto sensu. O

dolo corresponde à vontade do agente na prática de um comportamento realizado com a

intenção de obter determinado resultado.

Por sua vez, a culpa stricto sensu consiste na vontade do agente em

praticar um comportamento sem desejar o resultado alcançado, por acreditar que ele não

ocorrerá. Entretanto, a vontade está presente tanto no dolo quanto na culpa stricto sensu.

Na culpa simples, o agente visa praticar apenas o comportamento

realizado, sem diligência de um bônus pater famílias, o que permite o resultado danoso

previsível, mas não desejado. A culpa simples pode se apresentar na forma de

negligência, imprudência ou imperícia, conforme prescreve o dispositivo legal.

Comprovar a culpa médica é um dos mais difíceis problemas a serem

enfrentados, considerando a dificuldade em demonstrar a negligência, a imprudência ou

a imperícia na atuação deste profissional que tivesse resultado um dano.

Desenvolveremos melhor o tema posteriormente.

Assim, uma conduta voluntária culposa que violar um dever preexistente

precisa causar dano a direito alheio para permitir a reparação ou a indenização. Nestes

termos, adentraremos ao próximo pressuposto da responsabilidade civil.

2.6.3 Dano

O dano é o pressuposto mais importante da responsabilidade civil, pois

sem a sua existência e comprovação é impossível haver reparação. Não haverá o que

reparar se não existir um dano.

Neste sentido, afirma Sérgio Cavalieri Filho47

: “Pode haver

responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano”, e conclui

47 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.73.

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em conformidade ao entendimento de Fischer48

: “o dano é não somente o fato

constitutivo, mas também, determinante do dever de indenizar”.

O dano, quanto a sua origem, é “único e indivisível”49

. Ele corresponde a

uma lesão certa e efetiva sobre um bem juridicamente tutelado pelo direito, haja vista

que autolesões não geram reparação. Assim entende José de Aguiar Dias50

:

Se devemos considerar dano tão-somente a repercussão prejudicial imediata

de um dado fato ou, ao contrário, o prejuízo consumado e definitivo, última

consequência da cadeia causal. Deve-se concluir desde logo pela aplicação da

noção de dano ao prejuízo consumado.

Este entendimento vincula o dano ao prejuízo imediato sofrido pela

vítima, de maneira que corresponde ao “prejuízo concreto sofrido por uma pessoa no

seu patrimônio, sob a forma de perda ou lesão de determinados elementos

patrimoniais”51

.

Entretanto, o autor entende que esta regra não deve ser adotada

exageradamente. Segundo ele, esse é o ponto de partida para configurar uma reparação.

Todavia, admite hipóteses nas quais os efeitos do dano possam atingir bens materiais ou

imateriais que integrem o patrimônio atual ou futuro da vítima.

Somente o dano certo e efetivamente produzido poderá gerar o dever

jurídico de reparar ou indenizar na esfera civil. No entanto, tratando-se de dano

produzido no âmbito do direito penal, a responsabilização ocorrerá, com a tentativa ou

consumação da lesão.

48 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1949, p. 172.

“No estudo que ora iniciamos, ocupar-nos-emos do dano como fato constitutivo e determinante do dever jurídico de

indenizar” 49 Minozzi apud DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.

314: “Deve notar-se que a distinção entre dano patrimonial e moral só diz respeito aos efeitos, não à origem do dano.

Neste aspecto, o dano é único e indivisível” 50 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.315. 51 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.317.

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33

Pelas palavras de Agostinho Alvim52

, o conceito clássico de dano era de

“diminuição do patrimônio”, entretanto, em sentido amplo, corresponderia “a lesão de

qualquer bem jurídico, e aí se inclui o dano moral”.

O dano pode atingir um bem jurídico tutelado auferível em dinheiro

(patrimonial), como também a um bem sem valor econômico (danos morais), nos quais

incluímos os danos estéticos.

O dano patrimonial consiste na ofensa a interesses puramente

financeiros, que representem um valor econômico. Já o dano moral implica em lesões

causadas à personalidade do indivíduo, entre os quais incluímos a saúde e a vida,

passíveis de serem violados na prestação de serviços médicos.

Poderão ocorrer situações fáticas nas quais apenas um bem patrimonial

ou extrapatrimonial tenha sido lesado. No entanto, poderá haver a violação a ambos os

bens jurídico, quando será possível cumular pedidos de indenizações, pela dupla ofensa,

conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça53

.

O dano patrimonial corresponde ao gênero, do qual são espécies o dano

emergente e os lucros cessantes. Ao falarmos em perdas e danos nos referimos à

responsabilidade civil patrimonial, que recai sobre o dano emergente ou o lucro

cessante.

Importante observarmos que o dano emergente é o prejuízo efetivamente

sofrido pela vítima, em razão da lesão direta causada pelo autor. É o prejuízo atual

experimentado pela vítima em decorrência da diminuição do seu patrimônio54

.

52 ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1949, p.171-

172. 53 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 37: “São cumuláveis as indenizações por dano material e moral

oriundos do mesmo fato”. “Uma pessoa que for ofendida ou tenha sofrido um violência contra a honra, liberdade ou a

imagem dela, pode entrar na justiça e pedir indenização por danos morais. Já o dano material acontece quando a

atitude de alguém danifica o patrimônio de outra pessoa. Então, será que um mesmo fato pode causar indenização por

danos materiais e morais? Sim, este é o teor da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça: um mesmo fato pode ser

motivo de danos materiais e morais”. (Disponível em: <WWW.stj.gov.br/porta_stjl>. Acesso em: 21 jan.2014) 54 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.317: “O dano se

estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente existente após o dano e o que possivelmente existiria,

se o dano não se tivesse produzido”.

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34

Neste sentido, afirma Arnaldo Rizzardo55

:

Quando os efeitos atingem o patrimônio atual, acarretando uma perda, uma

diminuição do patrimônio, o dano denomina-se emergente damnum

emergens; [...] se a pessoa deixa de obter vantagens em consequência de

certo fato, vindo a ser privada de um lucro, temos o lucro cessante lucrum

cessans.

O lucro cessante corresponde ao direito do lesado em receber o que

razoavelmente deixou de lucrar em razão da lesão sofrida. Equivale ao valor que

integraria o seu patrimônio, mas que não o fez em virtude do resultado danoso

experimentado.

Oportuno ressaltarmos também que meros aborrecimentos, pertencentes

a fatos inerentes ao dia a dia, não são considerados danos indenizáveis, conforme o

entendimento manifestado pela jurisprudência56

.

55 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.15. 56“CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO. COBERTURA DE INTERNAÇÃO HOSPITALAR. NEGATIVA

DE REEMBOLSO DAS DIÁRIAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE RESSARCIMENTO

CONFIGURADO. DANO MORAL INOCORRENTE. MERO ABORRECIMENTO COTIDIANO. O abalo

extrapatrimonial não está configurado, porquanto a hipótese em comento cuida de inadimplemento contratual, que,

por si só, não viola direitos da personalidade. Mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade

exacerbada estão fora da órbita do dano moral. Sentença que merece ser mantida, por seus próprios fundamentos.

RECURSO IMPROVIDO. (TJ–RS – Recurso Cível: 71003210648 RS , Relator: Fernanda Carravetta Vilande, Data

de Julgamento: 20/07/2011, Segunda Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia

22/07/2011). Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20119514/recurso-civel-71003210648-rs>.

Acesso em: 12 jun. 2013.

AÇÃO ORDINÁRIA E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PLANO DE SAÚDE – IMPLANTAÇÃO

DE ÓRTESE – STENTS EM CIRURGIA – EXCLUSÃO EXPRESSA DA COBERTURA NO CONTRATO –

CONTRATO ANTERIOR À LEI Nº 9.656/98 – OPÇÃO DE ADAPTAÇÃO DO CONTRATO NÃO

COMPROVADA NOS AUTOS – ÔNUS DA PROVA DA ADMINISTRADORA DE PLANO DE SAÚDE –

APLICAÇÃO DA LEI Nº 9.656/98 – COBERTURA DE PRÓTESES E ÓRTESES LIGADAS A ATO CIRÚRGICO

– MANTIDA A INEXIGIBILIDADE DA NOTA PROMISSÓRIA ASSINADA EM FAVOR DO HOSPITAL

SEGUNDO–APELANTE – INDEFERIDO O PEDIDO DE NULIDADE DO JULGADO – MANTIDO O

INDEFERIMENTO DA JUSTIÇA GRATUITA – INDEFERIDO O PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS

MORAIS – AUTORES QUE PASSARAM POR MEROS ABORRECIMENTOS – IMPROVIMENTO DOS TRÊS

RECURSOS. Aplica-se, in casu, o art. 10, da Lei nº 9.656/98, pois não fora assegurado à autora a opção de adaptação

à referida Lei, tal como predica o seu art. 35, caput, não havendo que se falar em prevalência do contrato firmado

anteriormente, que excluía a cobertura de próteses e órteses, mantendo-se, portanto, a nulidade da cláusula 2.2, alínea

m, de referido contrato, declarada na r. sentença primeva, e a cobertura total da cirurgia a que fora submetida a

autora, inclusive da colocação dos stents necessários à realização da mesma. As questões levantadas nos embargos de

declaração pelo hospital-segundo apelante foram, indubitavelmente, analisadas pelo MM. Juiz monocrático, o qual

entendeu, sob a ótica do julgamento de embargos declaratórios, não haver vícios na r. decisão embargada, não

havendo necessidade de manifestação expressa acerca de todas as alegações feitas pela parte embargante. Ademais,

mesmo para fins de prequestionamento, o juiz deve se ater às omissões, contradições e obscuridades eventualmente

existentes na decisão embargada. Prejudicada a questão do vício de vontade com a manutenção da r. sentença

primeva. Mantido o indeferimento da justiça gratuita requerida pelo hospital-segundo apelante, pois este não

comprovou seu atual estado de entidade beneficente. (TJ–MG 100240898302020011 MG 1.0024.08.983020-

2/001(1), Relator: HILDA TEIXEIRA DA COSTA, Data de Julgamento: 25/11/2009, Data de Publicação:

27/01/2010). Disponível em: <http://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7106808/100240898302020011-mg-

1002408983020-2-001-1>. Acesso em: 10 jul.2013

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35

A atuação profissional do médico é realizada diretamente no corpo

humano. Desta forma, a maior parte dos danos causados inevitavelmente atingem de

forma definitiva ou parcial ao corpo físico.

Em consonância ao entendimento de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona57

,

para haver o dever jurídico de reparar um dano, necessário comprovar a violação a

interesse juridicamente tutelado, (patrimonial ou extrapatrimonial) e a certeza do dano,

haja vista que danos hipotéticos não são indenizáveis. Exige-se que o dano seja “certo,

efetivo e indenizável”58

. E, por fim, a subsistência do dano no momento de exigir a sua

reparação em juízo.

Para existir o dever de reparar ou indenizar o dano sofrido pela vítima,

sua causa direta e imediata deve ser a conduta voluntária comissiva ou omissiva do

autor. Neste contexto, nos deparamos com outro pressuposto da responsabilidade civil:

o nexo causal. Sobre este aspecto, discorreremos a seguir.

2.6.4 Nexo de causalidade

O nexo de causalidade é o liame ou vínculo jurídico que une o

comportamento do agente ao dano produzido. Ao comprovar o nexo causal entre a

conduta lesiva e o resultado danoso experimentado pela vítima, será possível imputar o

dano ao seu causador.

Não basta adotar uma conduta ilícita ou a existência de um resultado

danoso para que o dever jurídico de reparar ou indenizar possa ser exigido pela vítima.

É necessário que o dano sofrido tenha como causa direta e imediata a conduta ilícita do

outro agente. Esta relação de causa e efeito denomina-se nexo causal, pressuposto

indispensável para a exigência de reparação ou de indenização. Por isso, Sérgio

Cavalieri Filho59

o qualifica como “vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre

a conduta e o resultado”.

57 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona Novo curso de direito civil – responsabilidade civil. 8.ed.

v.III. São Paulo: Saraiva, 2010. p.80-82. 58 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona Novo curso de direito civil – responsabilidade civil. 8.ed.

v.III. São Paulo: Saraiva, 2010. p.80-81. 59 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.47.

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36

Igualmente, Nehemias Domingos de Melo define o nexo causal60

: “a

relação de causa e efeito que liga o dano ao causador (responsabilidade subjetiva) ou ao

responsável pela atividade (responsabilidade objetiva)”.

Sendo o nexo de causalidade fundamental para imputar o dano ao autor,

necessária a comprovação da causa determinante do dano.

No entanto, verificar a causa determinante do resultado danoso é uma

questão bastante delicada na doutrina e na jurisprudência. A dificuldade existirá quando

o quadro fático apresentar diversas condições possíveis para conduzir ao resultado

danoso, haja vista que a causa única não gera dúvida em relação ao causador do dano.

Quando o fato apresentar mais de uma causa possível para o resultado,

será necessário ao magistrado utilizar-se de algumas das teorias sobre o tema para

resolver a questão. Entre as principais, estão: 1) a teoria da equivalência de condições

ou da conditio sine qua non e 2) a teoria da causalidade adequada.

A teoria da equivalência dos antecedentes, também chamada teoria

conditio sine qua non, foi adotada pelo art. 13 do Código Penal brasileiro e bastante

criticada. Ela considera causa como sinônimo de condição. Portanto, “todas as

condições, antecedentes necessárias do resultado, se equivalem”, segundo as palavras de

Sérgio Cavalieri Filho.

Com fundamento nesta teoria, todos os fatos antecedentes que integraram

a situação concreta e desencadearam o resultado danoso serão considerados causas.

Como exemplo, citemos a hipótese de um homicídio no qual não só o assassino, mas

também o vendedor da arma ou o seu fabricante sejam responsabilizados civilmente

pelo assassinato.

Dessa forma, serão imputados ao indivíduo todos os fatos que tenham

determinado o resultado e não só a causa determinante da lesão sofrida.

60 MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico – doutrina e jurisprudência. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2013, p.46.

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37

A teoria da causalidade adequada, por conseguinte, diferencia a causa da

condição. Esta foi a adotada pelo Código Civil brasileiro, pois causa configura a

situação fática adequada para permitir a ocorrência do dano.

Muitas condições podem integrar os fatos, no entanto, apenas uma será a

causa direta e imediata do resultado danoso. Nehemias Domingos de Melo61

, por

exemplo, assim a define: “Causa é o acontecimento que, sem a sua ocorrência, o dano

não existiria”.

Para obter a causa adequada será necessário um processo lógico do juiz.

Deverá ser feita uma exclusão hipotética de cada fato em relação ao resultado danoso,

excluindo-se os irrelevantes. Desaparecendo o fato e o resultado danoso, estaremos

diante da causa. Será causa somente o fato capaz de determinar o resultado danoso.

Salientamos ainda que existem situações nas quais o vínculo entre a

conduta culposa e o resultado danoso é desfeito através das excludentes do nexo causal.

Sobre elas será a nossa exposição na sequência deste estudo.

2.7 Causas excludentes da responsabilidade civil

As causas excludentes da ilicitude estão previstas no Código Civil de

2002. Segundo o art. 188, estado de necessidade e legítima defesa são duas causas para

a exclusão da ilicitude do ato e, por consequência, da responsabilidade civil.

No estado de necessidade o agente atua para salvaguardar uma situação

de perigo que pretende excluir; na legítima defesa, o agente está sofrendo uma agressão

injusta.

Legítima defesa “é a repulsa, proporcional à ofensa, no intuito de evitar

que direito próprio ou de outrem seja violado. O sistema autoriza a defesa da pessoa, de

61 MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico – doutrina e jurisprudência. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2013, p.46.

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38

terceiros e também dos bens de ambos, para evitar que ataque injusto cause dano à

pessoa e/ou bens”62

.

Por conseguinte, age em estado de necessidade: “aquele que, para salvar

a si ou a terceiro de perigo grave ou iminente, pratica ato que ofende direito de outrem”.

Como regra, tanto no estado de necessidade como na legítima defesa real

o agente não responde civilmente pelas consequências do ato, em vista da exclusão da

ilicitude. No entanto, conforme os arts. 929 e 930 do Código Civil de 2002, caso o

agente atinja terceiro inocente com seus atos, deverá indenizá-lo, mesmo em se tratando

de legítima defesa ou estado de necessidade; cabe ainda uma ação regressiva contra o

verdadeiro culpado.

Conforme salienta Carlos Roberto Gonçalves: “A legítima defesa

putativa também não exime o réu de indenizar o dano, pois somente exclui a

culpabilidade e não a antijuridicidade do ato”63

A segunda parte do art.188, I, do Código Civil de 2002, traz ainda que o

exercício regular de um direito também é uma causa excludente da ilicitude do ato.

Na responsabilidade civil do médico, configura exercício regular de um

direito as lesões causadas como consequência de cirurgias mutiladoras, com retirada de

membros. Um típico exemplo é o do diabético que precisa amputar um membro para

possibilitar seu tratamento e melhora.

Por conseguinte, o caso fortuito e a força maior igualmente são causas

excludentes. A força maior refere-se a eventos da natureza, aos quais é possível prevê-

los, mas não evitá-los. Já o caso fortuito vincula-se ao inevitável.

A doutrina traz diversas discussões sobre qual seria o conceito exato para

caso fortuito e força maior; entretanto, a melhor compreensão a respeito de ambos é

62 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código civil anotado e legislação extravagante.

2.ed. São Paulo: RT, 2003, p.258. 63 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – responsabilidade civil. 8.ed. v.4. São Paulo: Saraiva,

2013, p.467.

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39

aquela que entende por força maior o evento inevitável, mas previsível; o caso fortuito,

um evento totalmente imprevisível, como é o caso, por exemplo, do sequestro

relâmpago.

A doutrina ainda distingue o fortuito interno do externo. Entende que o

interno não exclui a responsabilidade civil porque o evento integra o processo de

elaboração do produto ou da execução do serviço. Já o caso fortuito externo, por ser

alheio ao processo produtivo ou da execução do serviço, poderá excluir a

responsabilidade civil por romper o nexo causal entre a conduta e o resultado danoso.

Genival Veloso de França exemplifica que “infeccções, inflamações,

reações alérgicas e cicatrizações atípicas”64

poderão ser consideradas caso fortuito ou

força maior, a depender do caso específico.

A culpa exclusiva da vítima prevista no Código de Defesa do

Consumidor também tem o condão de romper o nexo causal, uma vez que o dano tenha

resultado de conduta exclusiva da vítima e, assim, exclua o agente da responsabilidade.

No entanto, é necessário comprovar efetivamente a culpa da vítima para a exclusão da

responsabilidade.

No que se refere à culpa exclusiva da vítima, não devemos confundi-la

com responsabilidade concorrente. Esta apenas reduz a indenização nos termos

previstos pelo art. 945 do Código Civil de 2002. Entretanto, por não existir um

tarifamento nas indenizações, ao analisar o caso, o magistrado deverá fixar o valor da

indenização de acordo com os fatos específicos.

A responsabilidade exclusiva da vítima poderá igualmente excluir a

responsabilidade do médico, conforme assevera Genival Veloso de França:

Não é exagerado dizer-se que, assim como os médicos têm obrigação a

cumprir dentro da relação profissional, o paciente também tem suas

obrigações no cumprimento de cuidados com as condutas e prescrições a

seguir [...] Na obrigação do paciente, deve-se incluir o fiel cumprimento da

prescrição quanto à dosagem, ao horário e ao tempo de medicação, as

medidas e cuidados recomendados, a dieta prescrita e a orientação tanto na

64 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.315.

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40

sua duração como na forma de internamento [...] Uma das formas de

negligência do paciente é a suspensão ou alteração da prescrição médica.65

Por fim, o fato de um terceiro poder romper o nexo causal e excluir a

responsabilidade civil do agente poderá ocorrer também na prestação dos serviços

médicos. Assim, é necessário comprovar uma das causas excludentes para inibir a

responsabilidade, conforme o entendimento da jurisprudência66

.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves,

A exclusão da responsabilidade se dará porque o fato de terceiro se reveste de

características semelhantes às do caso fortuito, sendo imprevisível e

inevitável [...] Melhor dizendo, somente quando o fato de terceiro se revestir

dessas características, e portanto, equiparar-se ao caso fortuito ou à força

maior, é que poderá ser excluída a responsabilidade do causador direto do

dano. 67

65 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.303. 66 BRASIL Recurso Especial n. 908.359 – SC (2006/0256989-8). Relatora: Ministra Nancy Andrighi 67 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – responsabilidade civil. 8.ed. v.4. São Paulo: Saraiva,

2013, p. 472.

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41

3 RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE

3.1 Breves considerações

Faz parte da condição humana o sentimento de dor que acompanha as

inúmeras enfermidades que podem acometer o corpo físico ou mental.

Na Antiguidade, a cura das doenças era entregue às magias, uma vez que

as enfermidades pertenciam aos deuses, que as enviavam como uma forma de castigo

em algumas situações.

Hipócrates, “médico e filósofo grego”, “chamado de pai da Medicina”,

conforme explica Gilberto Bergstein,68

marcou de forma importantíssima a história da

Medicina no mundo, pois modificou o conceito de doença e da própria Medicina.

Segundo Genival Veloso de França69

,

Hipócrates fez com que a atenção do médico se voltasse para o doente e não

para os deuses, abandonando as teorias religiosas e algumas filosóficas. Fez

ver a necessidade e a utilidade da experimentação curativa, e passou a intervir

nas fases mais precoces da enfermidade, evitando sua evolução. [...]

Conduzia a Medicina dentro de um alto conteúdo ético. O diagnóstico

deixava de ser uma inspiração divina para constituir um juízo sereno e um

processo lógico, dependendo da observação cuidadosa dos sinais e sintomas.

Era a morte da Medicina mágica e o nascimento da Medicina clínica.

O pensamento Hipocrático consagrado no juramento de Hipócrates70

e no

Corpus Hippocraticum, compilado em sessenta escritos71

conduziu a nova perspectiva

68 BERGSTEIN, Gilberto. A informação na relação médico-paciente. São Paulo: Saraiva, 2013, p.23. 69 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.13. Relata que Hipócrates

“nasceu na pequena ilha de Cós, 400 anos antes de Cristo, tendo estudado em Atenas, praticado Medicina na Trácia,

Crotona, em Perinto, Salamina e Macedônia, morrendo com a idade de 104 e 107 anos em Tessália”. 70 Juramento de Hipócrates, versão de 1983 utilizada em Portugal. Disponível em:

<https://www.ordemdosmedicos.pt/?lop=conteudo&op=67e103b0761e60683e83c559be18d40c&id=6b8b8e3bd6ad9

4b985c1b1f1b7a94cb2>. Acesso em: 2 jan. 2014. “Prometo solenemente consagrar a minha vida ao serviço da

Humanidade/ Darei aos meus Mestres o respeito e o reconhecimento que lhes são devidos/ Exercerei a minha arte

com consciência e dignidade/ A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação/ Mesmo após a morte do

doente respeitarei os segredos que me tiver confiado/ Manterei por todos os meios ao meu alcance, a honra e as

nobres tradições da profissão médica/ Os meus Colegas serão meus irmãos/ Não permitirei que considerações de

religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu Doente/

Guardarei respeito absoluto pela Vida Humana desde o seu início, mesmo sob ameaça e não farei uso dos meus

conhecimentos Médicos contra as leis da Humanidade/ Faço estas promessas solenemente, livremente e sob a minha

honra”. 71 BERGSTEIN, Gilberto. A informação na relação médico-paciente. São Paulo: Saraiva, 2013, p.23.

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42

da Medicina em muitos países, tornando-se, inclusive, fundamento para o Código

Internacional de Ética Médica.

A Medicina passou a ter um sentido ético-moral e a saúde do paciente

tornou-se uma obrigação primordial do médico, conforme consta na versão de 1983 do

juramento Hipocrático: “A saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação”,

utilizado até os dias atuais em Portugal.

Durante muitos anos estabeleceu-se, então, uma relação de profunda

amizade e confiança entre o médico e o paciente. Desse modo, o médico acompanhava

os seus pacientes e familiares durante toda a vida e era chamado de “médico da

família”.

A dedicação do médico em relação ao paciente era plena, tendo em vista

o elevado valor ético-moral que envolvia a prática da Medicina, segundo os

ensinamentos de Hipócrates.

No entanto, esta relação de absoluta confiança dava ao médico uma

supremacia em face do seu paciente, que lhe permitia determinar o tratamento

adequado, sem qualquer oposição ou questionamento por parte do doente que, em

evidente submissão, acatava as determinações daquele profissional.

A relação de amizade e confiança impedia questionamentos a respeito de

possíveis falhas médicas. Em raríssimos casos um paciente questionava a credibilidade

de um médico em sua atuação profissional, em virtude do título que lhe conferia

credibilidade.

O título de médico era suficiente para assegurar-lhe confiabilidade e

capacidade para atuar na Medicina, sem qualquer possibilidade de existir dúvida quanto

a sua competência, conforme pontua Ruy Rosado de Aguiar Jr72

.

72 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001102/RESPONSABILIDADE%20CIVIL%20DO%20M

%C3%89DICO.doc>. Acesso em: 31 jan. 2014.

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43

Da metade do século passado aos dias de hoje, o mundo vivenciou

inúmeras mudanças com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Este processo

acelerado alterou igualmente as relações firmadas entre os médicos e seus pacientes.

Essas mudanças permitiram massificar os serviços como resultado das

alterações socioeconômicas, o que resultou em um distanciamento entre o médico e o

paciente, transformando a prestação dos serviços médicos em algo impessoal.

Acreditamos que as mudanças sejam necessárias ao avanço e ao

progresso contínuo da humanidade. Mas, este processo poderia ter sido acompanhado

de valores éticos e morais, esquecidos ao longo do tempo.

O tratamento humano e ético oferecido pelo médico ao paciente permitia

um cuidado diligente do profissional durante todo o acompanhamento da mazela,

independentemente da cura.

Este modelo paternalista, baseado na tradição Hipocrática, foi

gradativamente sendo substituído; assim, o paciente passou a ser chamado de cliente ou

usuário, e o médico, de prestador de serviços.

Neste sentido, observa Ruy Rosado de Aguiar Junior:

as circunstâncias estão mudadas. As relações sociais massificaram-se,

distanciando o médico do seu paciente. A própria denominação dos sujeitos

da relação foi alterada, passando para usuário e prestador de serviços, tudo

visto sob a ótica de uma sociedade de consumo cada vez mais consciente de

seus direitos, reais ou fictícios, e mais exigente quanto aos resultados73

.

Atualmente são raríssimos os médicos que têm uma relação mais

profunda com o seu paciente, além dos poucos minutos dedicados durante a consulta.

Sobre este fato, observa Antônio Carlos Lopes, Presidente da Sociedade Brasileira de

Clínica Médica74

:

73 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001102/RESPONSABILIDADE%20CIVIL%20DO%20M

%C3%89DICO.doc>. Acesso em: 31 jan. 2014, p.2. 74 LOPES, Antônio Carlos. Relação médico paciente, humanização é fundamental. Disponível em:

<http://www.sbcm.org.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=2038:relacao-medico-paciente-

humanizacao-e- fundamental&catid=84:opiniao&Itemid=135>. Acesso em: 14 jan.2014. “É tempo de recuperar

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44

Hoje temos um estranho avaliando outro estranho – em apenas alguns

minutos de curto diálogo, provavelmente, nunca mais se encontrarão. É de

lamentar [...] A Medicina é humana em sua essência, feita de humanos para

seres humanos. Não é possível mais assistir à sua fragmentação em duas

medicinas – uma para os pobres e outras para os ricos. Dar e receber

assistência médica de qualidade e universal, mais do que um anseio, é um

direito de todos.

Conforme pontua Elias Farah,

A medicina socializada, que predomina, converteu a relação de confiança

entre o paciente e o médico em uma relação contratual. Esta mudança vem

implicando a desumanização da medicina. [...] Há um fenômeno de

despersonalização do médico e do paciente. O processo mercantilizante do

serviço médico adquire grave descompasso com a ética.75

Mesmo com o negativo distanciamento entre o médico e o paciente nesta

nova fase, verificou-se o reconhecimento do paciente como sujeito, o que resultou no

respeito e na consideração das suas vontades e direitos.

A autoridade do médico foi preservada, mas os direitos do paciente como

um ser humano individualizado começaram a ser reconhecidos como forma de

assegurar sua liberdade e dignidade.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi fundamental para que o

paciente deixasse de ser considerado passivo76

para ser reconhecido como um ser

humano singular, que tem direitos, dentre os quais a dignidade, a autonomia e a

nossas raízes, de resgatar do bom e velho médico, e suas principais qualidades sem, é claro, abrir mão de toda a

modernidade a que temos direito. O resgate da humanização tão bem inserida naquele contexto de antigamente, deve

pautar sempre a prática da Medicina, com principal objetivo de oferecer assistência digna e de qualidade à população.

Seja da rede pública ou privada, o médico necessita de tranquilidade e deve ter todas as ferramentas necessárias para

um atendimento no qual possa oferecer o melhor do seu conhecimento, toda a sua atenção e, principalmente, todo o

seu respeito. Ele precisa de tempo suficiente para conhecer o paciente, descobrir suas queixas, averiguar seu passado,

seus anseios e angústias, e fazer com que saia aliviado, com perspectiva de ter seu problema encaminhado. Enfim,

queremos ver novamente o paciente confiando sua saúde com a mesma tranquilidade que confiávamos antigamente.

Ainda não é o que acontece na maioria dos casos. Em parte porque este profissional vestido de branco não dispõe de

tempo de condições adequadas ao aprofundamento da relação com seu paciente. Pior, é pressionado por todos os

lados. Na saúde pública pelas filas intermináveis, falta de equipamentos etc. Na rede privada, são as pressões das

operadoras de planos de saúde, baixa remuneração e o constante descredenciamento da rede conveniada que

frequentemente engessam o médico nas suas atividades. A insegurança comum a médicos e população gera, não

apenas atraso em diagnósticos ou tratamentos, como também traz consequências por vezes desastrosas. Ou seja, com

todos os avanços, equipamentos de última geração e descobertas, temos hoje um dos piores cenário que este país já

conheceu no sistema de saúde” 75 FARAH, Elias. Contrato profissional médico-paciente. Reflexões sobre obrigações básicas. Revista do Instituto

dos Advogados de São Paulo, n.23, jan-jun. 2009. 76 A palavra “paciente” foi empregada de forma inadequada, pois se referia aquele que tem passividade, que é

paciente.

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liberdade para decidir sobre a sua vida e a sua saúde, de acordo com os seus valores e as

suas crenças.

Este novo entendimento refletiu na aprovação da Resolução nº

1931/2009 do Conselho Federal de Medicina – Código de Ética Médica que estabeleceu

como dever médico o respeito à liberdade e à dignidade do paciente, assegurando-lhe o

direito à informação completa para que ele possa fornecer ao médico o consentimento

informado e, assim, autorizar a realização de tratamentos ou de procedimentos

cirúrgicos mais arriscados.

Para isto, as decisões sobre os tratamentos e as cirurgias passaram a

exigir a concordância do cliente, que deveria ser manifestada de forma livre e

voluntariamente, após a perfeita compreensão de todas as informações necessárias para

decidir, transmitidas de maneira esclarecedora e adequada pelo prestador dos serviços

médicos. Sobre o tema, Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos sublinha:

O antigo modelo de relação médico-enfermo exigia confiança e obediência

por parte do paciente. E o médico, por seu lado, devia ter autoridade e

cumprir com seu dever de beneficência objetiva. Nos últimos anos, esse tipo

de relação assimétrica modificou-se. Agora, o paciente espera que seus

direitos e autonomia sejam respeitados. Ao médico se pede competência

técnica (o chamado modelo paternalista clássico é substituído pelo modelo

autonomista). O antigo arquétipo das relações que era vertical, inspirado na

relação do pai com seus filhos (paternalismo) passa a ser mais horizontal

(participativo)77

.

Oportuno finalizarmos com as palavras de Genival Veloso de França:

Quando a Medicina colocou, entre o médico e o paciente, todo esse fabuloso

instrumental tecnológico, criou um relacionamento mais frio e mais

impessoal. Se o médico pudesse deixar os sinuosos corredores que o levam

aos laboratórios mais sofisticados ou às salas de computação, e voltar ao seu

antigo lugar – o pé do leito, onde a doença tinha um território delimitado e

sentia-se a doença viver, talvez o calor e sua sentimentalidade

desencorajassem o paciente pleitear junto a um tribunal. Onde há confiança e

afeto, existe sempre o perdão.78

77 SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite O equilíbrio do pêndulo: a bioética e a lei. São Paulo: Ícone, 1998, p. 96. 78 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.279.

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46

3.2 Deveres médicos

A Medicina é uma profissão de risco, que exige do profissional o

cumprimento de exigências legais antes da sua atuação, sob pena de exercício ilegal da

Medicina, nos termos dos arts. 282 e 284 I, II e III,79

todos do Código Penal.

O Decreto nº 20.931, de 11 de janeiro de 1932, e a Lei nº 3.268, de 30 de

setembro de 1957,80

exigem o registro do título obtido em instituição de ensino

reconhecida no país, junto ao Departamento de Saúde Pública e repartição Sanitária do

Estado para, somente após cumprir a residência médica durante dois anos, poder o

médico solicitar a sua inscrição junto ao Conselho Regional de Medicina e estar

autorizado à prática da Medicina.

Uma vez autorizado a exercê-la legalmente no país, deverá o profissional

cumprir os deveres e os princípios do Código de Ética Médica e as demais leis

especiais.

Além disso, a prestação de serviços médicos, independentemente da

forma a qual ocorra, impõe ao profissional o cumprimento de deveres “implícitos”

perante o paciente81

. Existe um consenso entre os doutrinadores que, acompanhando o

entendimento de José de Aguiar Dias, afirmam serem eles os “conselhos, cuidados e

abstenção de abuso ou desvio de poder.”

79 BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940: Art. 282. “Exercer, ainda que

a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:

Pena – detenção, 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se

também multa; Art. 284. “Exercer o curandeirismo: I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente ,

qualquer substância; II – usando gestos, palavras ou outro meio; III – fazendo diagnósticos: Pena – detenção, de 6

(seis) meses a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também

sujeito à multa. 80 BRASIL. Decreto nº 20.931, de 11 de janeiro de 1932: Art.1º “O exercício da Medicina, da Odontologia, da

Medicina Veterinária e das profissões de farmacêutico, parteira e enfermeiro fica sujeito à fiscalização na forma deste

decreto”; Art. 2º “Só é permitido o exercício das profissões enumeradas no art. 1º, em qualquer ponto do território

nacional, a quem se achar habilitado nelas de acordo com as leis federais e tiver título registrado na forma do art. 5º

deste decreto.”; Art. 5º “É obrigatório o registro do diploma dos médicos e demais profissionais, a que se refere o art.

1º, no Departamento Nacional de Saúde Pública e na repartição sanitária estadual competente”.; Lei nº 3.268 de 30 de

setembro de 1957: Art. 17. “Os médicos só poderão exercer legalmente a Medicina, em qualquer de seus ramos de

especialidades, após o prévio registro de seus diplomas, certificados ou cartas do Ministério da Educação e Cultura, e

o de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina sob cuja jurisdição se achar o local de sua atividade.” Art.18.

“Aos profissionais registrados de acordo com esta lei será entregue uma carteira profissional que os habilitará ao

exercício da Medicina em todo país.” 81 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p. 275.

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47

Neste contexto, entendemos que o dever médico de conselho se resume

no importantíssimo dever de informar, igualmente exigido no art.6º, III82

, do Código de

Defesa do Consumidor.

Segundo José de Aguiar Dias, o dever médico de aconselhar implica

orientar sobre o estado de saúde do paciente, sem ocultar nenhuma informação, tais

quais: a necessidade de hospitalização e os riscos (na hipótese de discordância), todos os

procedimentos e tratamentos possíveis ao paciente, incluindo os riscos e os benefícios

relativos a cada um deles, para que no exercício da sua autonomia e liberdade, o

paciente possa eleger o tratamento de acordo com o seu projeto de vida, crenças e

religião, preservando a sua dignidade.

É fundamental o esclarecimento pelo médico sobre o exato diagnóstico

do paciente, baseado em exames que permitam explicar com clareza os tratamentos

terapêuticos e cirúrgicos possíveis ao caso específico e os riscos e benefícios de cada

situação.

O médico deve, inclusive, obter do paciente todas as informações

necessárias para lhe proporcionar o tratamento mais adequado. Isto significa que

compete ao médico questionar o paciente sobre todas as variáveis, com o intuito de

minimizar qualquer risco de dano ou lesão à sua vida, saúde e integridade.

Em respeito à autonomia e dignidade do paciente, todas as informações

devem ser prestadas da maneira mais clara e completa possível, sem formalidades ou

termos técnicos, visando à perfeita compreensão do paciente em relação às orientações

fornecidas.

Com a compreensão plena sobre as condutas médicas apresentadas, após

um período hábil para refletir e decidir, competirá então ao paciente, quando capaz, ao

seu represente legal, quando menor ou incapaz, autorizar ou não as condutas sugeridas.

No entanto, somente para os tratamentos extraordinários é admitida a manifestação da

82 BRASIL. Código de Defesa do Consumidor Anotado. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990: Art. 6.° “São

direitos básicos do consumidor”: [...] III – “a informação adequada e clara sobre diferentes produtos e serviços, com

especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que

apresentem”.

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vontade, pois sobre os recursos mínimos, considerados suportes vitais e ordinários para

a manutenção da vida, não há que se falar em uma escolha do doente, conforme a

Resolução nº 1.805/2005 do Conselho Federal de Medicina.

Faz parte do dever de informação o preenchimento completo e claro do

prontuário médico, com a finalidade de documentar as informações relativas ao paciente

e ao seu estado de saúde durante os atendimentos.

O prontuário é a materialização do histórico do paciente em relação a sua

saúde; pertence ao doente, mas fica sob a guarda do médico, o qual tem o dever de

manter sigilo83

sobre todas as informações ou documentos ali contidos. O médico não

poderá transmiti-los para terceiro sem a expressa autorização do paciente ou do seu

representante legal, em preservação ao seu direito à privacidade, assegurado na

Constituição Federal.

O dever médico de informação não se restringe ao paciente ou seu

representante legal, mas inclui a obrigação em relação aos outros médicos e

profissionais que estejam atuando também nos cuidados com o paciente, a fim de

permitir a continuidade no tratamento correto, em benefício da saúde do doente.

Genival Veloso de França entende “não existir qualquer forma de

limitação dessas informações a outro profissional, a não ser que desautorizem o paciente

ou seus familiares.”84

Para o autor, a informação deve incluir todas as orientações para o

paciente (em respeito ao princípio da informação adequada), a comunicação pelos

médicos aos órgãos competentes sobre as condições de trabalho e os instrumentais

utilizados que possam resultar danos, o preenchimento completo do histórico do

tratamento no prontuário do paciente e o esclarecimento a todos os profissionais

relacionados ao caso do doente:

83 Res. CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009, princípio fundamental XI: “O médico guardará sigilo a respeito

das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em

lei.” 84 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.247.

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[...] não se pode excluir dos deveres do médico o de informar as condições

precárias de trabalho, registrando-as em locais próprios e até omitindo-se de

exercer alguns atos eletivos da prática profissional, tendo, no entanto, o

cuidado de conduzir-se com prudência nas situações de urgência e

emergência [...] Deve o médico manifestar-se sempre sobre as condições dos

seus instrumentos de trabalho para não ser rotulado de negligente.85

É muito importante que o médico informe todas as irregularidades no

local de trabalho visando impedir danos a si, aos pacientes e a terceiros conforme lhe

assegura o Código de Ética Médica.86

O médico poderá, inclusive, recusar-se a atuar profissionalmente, pois

lhe é vedado “causar dano ao paciente, por ação ou omissão.”87

A informação é imprescindível para impedir danos à vida e à saúde do

paciente, além de possibilitar o consentimento voluntário e livre. Este o motivo pelo

qual pontua Genival Veloso de França88

: “O ato médico não implica um poder

excepcional sobre a vida ou a saúde do paciente. O dever de informar é imperativo

como requisito prévio para o consentimento.”

Portanto, o dever médico de informar precisa ser compreendido de forma

ampla para permitir o melhor cuidado ao paciente. Não poderão ser restringidos

esclarecimentos imprescindíveis ao paciente ou aos responsáveis legais; isto inclui as

orientações necessárias aos demais profissionais que estejam acompanhando o doente, o

que exige o preenchimento completo do prontuário do paciente e somado ao dever de

sigilo em relação às informações ali contidas.

85 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.247. 86 Res. CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009: “É direito do médico: [...] III – Apontar falhas em normas,

contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou

prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e,

obrigatoriamente, à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição. IV – Recusar-se a

exercer a profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam

prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Neste caso, comunicará

imediatamente a sua decisão à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina. V – Suspender suas

atividades, individualmente ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não

oferecer condições adequadas para o exercício profissional ou não remunerar digna e justamente, ressalvadas as

situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de

Medicina”. 87 Res. CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009: “É vedado ao médico: Art. 1º. Causar dano ao paciente, por ação

ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência”. 88 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 245.

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50

Por conseguinte, o dever de cuidado, na compreensão de José de Aguiar

Dias, se revela no acompanhamento diligente que o médico deve ter em relação ao

paciente, à realização de visitas contínuas durante todo o tratamento e, conforme a

necessidade de cada caso, atendendo aos seus chamados sempre que possível.

O dever de cuidado veda qualquer forma de omissão, abandono ou

descaso do médico em relação ao paciente, pois esta configurará violação89

passível de

reparação ou indenização.

Entretanto, não será abandono a simples recusa no atendimento ao

doente; só haverá violação ao dever de cuidado sujeito à responsabilidade quando

decorrer de uma conduta “definidamente maliciosa, ou seja, quando injusta e aberrante

dos deveres de humanidade, questão de fato a ser apreciada pelo juiz”90

.

Estabelecida a relação contratual entre o médico e o paciente, a

continuidade do tratamento é um dever implícito esperado do profissional que, somente,

por força maior ou acordo entre as partes poderá ser violado. Esse é o entendimento de

Genival Veloso de França.91

No entanto, existem situações nas quais o médico necessita ausentar-se,

mas que não configurará abandono médico. Neste caso, deverá o médico indicar um

outro profissional para cuidar do paciente em seu lugar.

Tratando-se de substituição em plantão, deverá o médico aguardar o

outro profissional chegar para, só então, ausentar-se. Caso retire-se antes da chegada do

outro médico ao estabelecimento e, em decorrência desta ausência o paciente sofrer

danos, a doutrina é unânime ao afirmar que o médico ausente responderá pela

“negligência vacariante.”92

89 Res. CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009, princípio fundamental. II: “O alvo de toda atenção do médico é a

saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade

profissional” e “É vedado ao médico: Art. 36. Abandonar paciente sob seus cuidados”. 90 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.278. 91 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. 92 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

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51

Poderá ocorrer a necessidade de substituir um profissional por outro, na

hipótese de atendimento a dois pacientes simultaneamente. Neste caso, se o médico

substituto for negligente, a doutrina entende que ele responderá diretamente pelos danos

causados por sua conduta negligente, sem qualquer relação com o médico que se fez

substituir.

O fundamento para a responsabilidade exclusiva do médico substituto é a

autonomia e a independência do profissional liberal, que não pode ser considerado

preposto do médico substituído, exceto se o paciente comprovar que se trata de um

assistente e, não de um profissional autônomo.

Consta no primeiro princípio fundamental93

do Código de Ética Médica

que a Medicina será exercida a serviço da saúde do ser humano. Através deste princípio,

concluímos que a atuação do médico deve sempre se direcionar para oferecer os

melhores cuidados em benefício exclusivo do paciente, a quem ele deve servir como

uma missão de vida e escolha de amor.

Em outras palavras, o médico deve atuar com o máximo de zelo, cuidado

e respeito em relação ao paciente, com quem deverá utilizar toda a sua capacidade

técnica, conforme os recursos disponíveis, para permitir uma atuação plena da Medicina

em benefício exclusivo do paciente, assegurando a preservação dos seus direitos, sem

lesão de qualquer natureza.

É pacífico o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que o

médico não tem obrigação com o resultado final do tratamento do paciente, ou seja, com

a cura. Mas, também é unânime a compreensão de que o médico deve tratar e cuidar do

paciente com diligência, ética, dignidade e respeito, minimizando suas dores e

sofrimentos, utilizando toda a técnica reconhecida cientificamente e ao seu alcance, para

a saúde e o bem-estar do paciente.

93Res. CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009, princípio fundamental I: “A Medicina é uma profissão a serviço da

saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”.

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O cuidado com a vida e a saúde do ser humano exige do profissional uma

missão de vida e de amor ao próximo que requer o contínuo aprimoramento, a fim de

permitir utilizar o avanço científico em benefício do paciente.94

Genival Veloso de França considera que a atualização do médico seja

imprescindível para permitir a prestação de serviços médicos com qualidade, o que

exige “aprimoramento contínuo”. E sobre isso, afirma: “O ensino médico continuado

não deve ser apenas um direito, mas também uma obrigação.”95

A Medicina, como qualquer outra profissão, está sujeita à falibilidade

humana. Entretanto, um erro será, muitas vezes, irreparável, haja vista a possibilidade

de morte do paciente ou de causar-lhe uma lesão irreversível. Este o motivo pelo qual

deve o médico adotar uma conduta prudente, vigilante e cautelosa em relação ao

paciente, visando minimizar as chances de erros ou danos.

Salientamos que o princípio fundamental VII e VIII do Código de Ética

Médica prevê que o médico deverá exercer a Medicina com autonomia e independência,

sendo-lhe vedada a renúncia a sua liberdade profissional.

Dessa forma, ao médico, compete conduzir o tratamento do paciente, que

não pode se submeter a imposições dos hospitais, clínicas ou planos de saúde, sob pena

de violação ao dever de cuidado com o paciente.

O médico não pode admitir nenhuma conduta que dificulte ou retarde o

diagnóstico, tratamento ou cura da enfermidade do paciente, pois ele deve atuar sempre

em favor do seu bem-estar e benefício exclusivo.

Baseado nesta premissa, Miguel Kfouri Neto96

transcreve trechos do

manifesto elaborado pelo médico americano Ralph Crawshaw e mais sete colegas em

1996, no Journal of the American Medical Association:

94 Res. CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009, princípio fundamental. V: “Compete ao médico aprimorar

continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente”. 95 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.248. 96 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil dos hospitais. 8.ed.São Paulo: RT, 2010, p.30.

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53

A Medicina é, acima de tudo, uma prática moral baseada num contrato de

confiança. [...] Hoje, este contrato está ameaçado internamente por causa dos

interesses materialistas dos médicos e externamente pelas empresas de saúde

que, somente interessadas em lucros, pressionam os médicos, transformando-

os em agentes comerciais. Tais distorções da responsabilidade do médico

aviltam seu relacionamento com o paciente. [...] Pela sua própria tradição e

natureza, a Medicina é uma atividade humana especial que não pode ser

exercida adequadamente sem as virtudes da humildade, honestidade e

integridade intelectual, compaixão e contenção de uma ambição excessiva

[...] [pois os médicos] [...] pertencem a uma comunidade moral que se dedica

a algo mais que seus próprios interesses. [...] somente ao cuidar e defender

nossos pacientes a integridade da nossa profissão será afirmada, só assim

iremos honrar o nosso contrato de confiança com eles.

Por fim, o último dever médico mencionado é o da abstenção de abuso

ou desvio de poder. Este dever impõe ao médico respeitar o cumprimento do contrato de

prestação serviços, que não lhe permite exceder os deveres implícitos, sob pena de

responder pelos danos advindos.

Configura-se abuso quando o médico não solicitar um especialista diante

do estado de um paciente cujo caso exija ou se ele tiver requerido esse profissional. A

recusa injustificada do médico em atender as prescrições do especialista também

implica abuso.

A doutrina menciona ainda que a indicação de substância entorpecente

pelo médico, para paciente viciado, e a utilização de técnica não reconhecida pela

ciência são situações de abuso médico.

A conduta médica fora do consentimento informado ou desnecessária ao

paciente também poderá implicar abuso ou desvio de poder, ressalvados os casos de

comprovada urgência na qual tenha sido adotada para salvaguardar a vida do paciente.

Gustavo Tepedino divide os deveres médicos da seguinte forma:

a) dever de fornecer ampla informação quanto ao diagnóstico e ao

prognóstico;

b) empregar todas as técnicas disponíveis para a recuperação do paciente,

aprovadas pela comunidade científica e legalmente permitidas;

c) tutelar o melhor interesse do enfermo em favor de sua dignidade e

integridade física e psíquica.97

97 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, 2ª tiragem. São Paulo:

RT, 2013, p.720.

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Existindo evidente desproporção entre as desvantagens de uma conduta

médica em relação às vantagens ao paciente, evidente o abuso médico, ainda que se

trate de uma conduta reconhecida pela ciência, pois não visa assegurar o melhor

interesse nem a dignidade do paciente.

3.3 A boa-fé objetiva e os deveres anexos

As relações jurídicas estabelecidas entre o médico e o paciente são

contratuais, conforme posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça.98

Neste sentido, as partes devem manter, em todos os momentos da

relação, o cumprimento dos ditames da boa-fé objetiva,99

que consiste em uma regra de

conduta, ou seja, no dever de agir das partes.

Para Nelson Rosenvald100

, a boa-fé objetiva é um princípio localizado no

campo do direito das obrigações,

[...] um modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standart jurídico

ou regra de comportamento, caracterizado por uma atuação de acordo com

determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a

não frustrar a legítima confiança da outra parte.

Em decorrência da aplicação direta do princípio constitucional da

solidariedade, a boa-fé objetiva exige das partes um comportamento minimamente ético

e de cooperação para permitir o adimplemento do pactuado, em todas as fases

contratuais, em vista do art. 422 do Código Civil.101

98 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. 1104665/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, 4ª T., DJe de 04. 08.2009. 99 Em 1804, através do Código de Napoleão, ocorreu a primeira codificação sobre a boa-fé objetiva, disposta no art.

1.134 “lês convetiones légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui lês ont faites. Elles doinvent être exécutées

de bonne foi”. A segunda codificação, ocorreu no § 242 do BGB (Burgeliches Gesetzbuch) em 1900, constando que:

“o devedor está adstrito a realizar a prestação tal como exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego”.

Foi através da codificação da boa-fé no direito alemão, que as idéias de confiança e lealdade passaram a predominar

as relações firmadas, tendo em vista a denominação Treu und Glauben, a qual Treu significa Lealdade e Glauben,

crença, confiança. A importância da confiança e da lealdade na relação jurídica obrigacional celebrada, bem como na

cooperação das partes contratantes, correspondem atualmente valores ético-jurídicos fundamentais que orientam a

boa-fé objetiva. A confiança, muito mais do que um sentimento intrínseco, com o passar dos tempos passou a ser

considerado um evidente princípio para o direito civil, o qual decorre diretamente do princípio da boa-fé objetiva, e

se liga diretamente a segurança jurídica. Para parte da doutrina alemã, o princípio da boa-fé objetiva e da segurança

jurídica são pilares de sustentação do princípio da confiança, haja vista que o princípio da confiança decorre

diretamente da existência dos princípios da boa-fé e segurança jurídica. 100 ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005, p.79. 101 Art. 422. “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os

princípios de probidade e boa-fé”.

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O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Sanseverino,

presidente da Terceira Turma, explica: “a boa-fé objetiva constitui um modelo de

conduta social ou um padrão ético de comportamento, que impõe, concretamente, a todo

cidadão que, nas suas relações, atue com honestidade, lealdade e probidade.”102

Ela é cláusula geral do sistema brasileiro e, concomitantemente, princípio

norteador de todas as relações humanas, motivo pelo qual deve reger igualmente as

relações entre o médico e o paciente.

A boa-fé objetiva impõe uma conduta de lealdade e cooperação entre

todos os envolvidos na prestação dos serviços médicos, em especial ao médico e ao

paciente. Em outras palavras, enfermeiros, anestesistas, fisioterapeutas e demais

funcionários devem, igualmente, cumprir com os ditames da boa-fé objetiva.

Conforme assegura Gilberto Bergstein103

, “a boa-fé objetiva, vista sob

seu aspecto supletivo, cria para ambos, médico e paciente, uma série de direitos-deveres

anexos” que, por sua vez, o autor decompõe em dever de cuidado ou segurança, dever

de lealdade e cooperação e dever de informação.

Para tanto, além dos deveres médicos no Código de Ética Médica, o

profissional deverá cumprir regras de conduta que lhe são impostas em virtude da boa-

fé objetiva.

Assim, o dever de cuidado consiste no acompanhamento diligente e

zeloso do profissional que, atento à saúde e ao bem-estar do paciente, deve utilizar-se de

todo o conhecimento técnico cientificamente reconhecido e dos meios disponíveis para

tratar as dores e os sofrimentos do doente.

Gilberto Bergstein104

cita o caso de um cirurgião que realiza um

procedimento cirúrgico impecável, mas viaja no pós-operatório deixando o paciente em

102 Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=108925>

Acesso em 10 jan. 2014. 103 BERGSTEIN, Gilberto. A informação na relação médico-paciente. São Paulo: Saraiva, 2013, p.96. 104 BERGSTEIN, Gilberto. A informação na relação médico-paciente. São Paulo: Saraiva, 2013, p.96.

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recuperação. Neste exemplo, embora não exista um erro médico, o profissional violou o

dever anexo de cuidado, decorrente da boa-fé objetiva.

Com a boa-fé podemos exigir um modelo de conduta socialmente aceito

que representa a criação de especiais deveres de conduta, os quais devem revestir todas

as fases do tratamento do paciente.

A doutrina relaciona o descumprimento do dever de cuidado diretamente

a situações de negligência médica. Assim, verificamos que as hipóteses de abandono, de

retardo nos acompanhamentos ou tratamentos denotam a omissão do profissional.

Comumente a doutrina se refere a situações de omissão quando, por

exemplo, o médico não observa as reclamações do doente, o paciente ingere

medicamento errado em virtude da letra ilegível do profissional, objetos estranhos são

esquecidos no corpo do paciente, o médico prescreve por telefone, sem ver o paciente,

ou apresenta um diagnóstico sem confirmá-lo através de exames relevantes confiando

apenas no “olho clínico.”

Gilberto Bergstein105

discorre a respeito dessa conduta:

É o dever de lealdade, segundo Menezes Cordeiro, que impede os contraentes

da obrigação de agir falseando o objetivo do negócio ou desequilibrando

prestações e contraprestações por eles assumidas. [...] um médico que deixa

de esclarecer a seu paciente todas as alternativas possíveis para o tratamento

da moléstia que o acomete, favorecendo um dos possíveis tratamentos, por

exemplo, por interesse próprio, certamente está faltando com a lealdade que

dele se espera.

Igualmente, descumpre com o dever de lealdade o médico oftalmologista

que recomenda a compra de armação ou lentes de óculos em estabelecimentos nos quais

ele possa obter alguma vantagem ou indica a compra de medicamento em locais

específicos visando obter determinado benefício.

O dever de lealdade está diretamente ligado ao dever de informação,

fundamental na relação entre o médico e o paciente para permitir a melhor decisão sobre

o tratamento adotado.

105 BERGSTEIN, Gilberto. A informação na relação médico-paciente. São Paulo: Saraiva, 2013, p.101.

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O médico detém o conhecimento científico e a técnica almejada pelo

paciente a fim de permitir ao menos a melhora da sua saúde e do seu bem-estar. Assim,

deve o médico informar de forma clara, completa e adequada conforme a compreensão

do paciente, o seu real estado de saúde, o diagnóstico, o prognóstico, os tratamentos

possíveis, incluindo todos os seus riscos e benefícios.

A doutrina é pacífica em relação ao dever de informar do médico; não é

admitido ocultar informações ainda que se refiram ao estado gravíssimo do paciente,

pois a parte tem o direito de ser informada. Sobre a obrigação médica de bem informar,

ensina Rui Stoco:

Se a perspectiva é de desenlace, a comunicação deve ser feita ao responsável

nos termos do art. 34 Código de Ética – Res. 1931/2009, do Conselho Federal

de Medicina [...] O médico tem obrigação de informar ao paciente,

previamente, não só os cuidados de uma intervenção no pré e pós-operatório,

como o procedimento a ser realizado, a técnica que será adotada, os riscos e

intercorrências possíveis, bem como o resultado esperado.106

Através da informação completa a ser prestada pelo médico ao paciente,

a fim de cooperar com a lealdade na relação entre eles estabelecida, será permitido ao

doente decidir sobre a sua vida e a sua saúde.

Ao médico cabe apenas um papel subsidiário na escolha do tratamento

quando o paciente não correr risco de vida, haja vista que, somente nesta hipótese, a

decisão compete ao profissional responsável pelo paciente.

Tratando-se a boa-fé objetiva de uma regra de conduta imposta às partes,

deve o paciente informar claramente ao médico sobre todos os seus sintomas, seu real

estado de saúde, inclusive a respeito de alergias ou medicamentos que não puderem ser

utilizados para permitir o êxito do seu tratamento e a escolha pelo profissional, com a

anuência do paciente, da conduta médica mais adequada ao caso específico.107

106 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I , São Paulo: RT, 2013,

p.721. 107 “É preciso ponderar que a medicina é uma ciência e como tal tem limitações e que o médico é um ser humano,

logo falível, devendo ainda considerar que ele trabalha com informações que lhe são fornecidas pelo paciente, cuja

verdade varia de acordo com as circunstâncias e conveniências, além do que, o organismo humano reage de forma

diferenciada de pessoa para pessoa a um mesmo tratamento. Nesse quadro, erro escusável será aquele decorrente de

falhas não imputáveis ao médico e que dependam das contingências naturais e das limitações da medicina, bem como

naqueles em que tudo foi feito corretamente, porém o doente havia omitido informações ou ainda quando ele não

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No entanto, a obrigação do paciente em informar o médico de forma

precisa não exclui o dever do médico em questioná-lo sobre as possíveis variáveis

capazes de interferir no tratamento.

Sendo o médico conhecedor da técnica e das possíveis situações que

possam interferir na conduta a ser adotada para cada caso, tem a obrigação de

questionar o paciente sobre fatores relevantes, principalmente quando o paciente tiver

pouca instrução escolar e, muitas vezes, desconhecer o significado de determinadas

palavras e a importância de algumas informações.

Em vista da relevância da informação na relação médico-paciente,

constam vários dispositivos no Código de Ética Médica decorrentes da aplicação direta

da boa-fé, como os arts. 31108

e 34. Neles verificamos o dever médico de informar o

paciente sobre o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento para

que o paciente possa utilizar sua autonomia da vontade e decidir livremente sobre a

execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de

morte.

O dever médico de informar decorre diretamente da confiança e da

lealdade que deve envolver as partes. Assim, a ausência ou a deficiência da informação

prestada pelo médico ao paciente poderá resultar em danos sujeitos à responsabilidade

civil.109

colaborou para o correto processo de diagnóstico ou tratamento. Nesse caso o erro existe, porém será considerado

intrínseco à profissão ou decorrente da natureza humana, não se podendo atribuir culpa ao médico. [...] Isto é, o erro

profissional quando advindo das imperfeições da própria arte ou ciência, embora possa acarretar consequências e

resultados danosos ou de perigo, não implicará (necessariamente) no dever de indenizar, desde que o profissional

tenha empregado correta e oportunamente os conhecimento e regras atuais de sua ciência” (Responsabilidade civil

por erro médico – doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2008, p. 84-85). 108 Res. CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009: Art. 31. “Desrespeitar o direito do paciente ou de seu

representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de

iminente risco de morte.”; Art. 34. “Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os

objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a

comunicação a seu representante legal.” 109 Responsabilidade civil. Procedimento de escleroterapia. Ulceração nas pernas da autora. Defeito de informação.

Indenização devida, mas apenas dos danos extrapatrimoniais, ausente tratamento ainda possível. Sentença revista.

Recurso parcialmente provido. (Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação cível n.0089848–24.2002.8.26.0100

Relator Cláudio Godoy, Julg. 13.05.2013).

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59

O enunciado 24 da 1ªJornada de Direito Civil110

assim dispõe: “Em

virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação

dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”.

Portanto, denomina-se violação positiva do contrato o descumprimento

de um dos deveres anexos da boa-fé objetiva, resultando em responsabilidade civil, sem

a verificação da culpa (responsabilidade objetiva). A Lei nº 9.263/96, art. 10, §1º, prevê

expressamente:

é condição para que se realize a esterilização o registro de expressa

manifestação da vontade em documento escrito e firmado após a informação

a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de

sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes.

Assim, para realizar a laqueadura na mulher, é necessário obter a sua

concordância por escrito, após esclarecê-la completa e adequadamente sobre o

procedimento. É a autorização escrita que representa a real garantia de que o dever de

informação foi cumprido adequadamente.

A sua inobservância nos termos expostos terá como consequência a

responsabilidade civil do médico, caso a sua conduta resulte em danos para a paciente.

Este é o entendimento atual da jurisprudência111

.

110 I Jornada de Direito Civil. Disponível em:

http://www.stj.jus.br/publicacaoseriada/index.php/jornada/article/viewFile/2644/2836.Acesso em 10 jan. 2014. 111 “RESPONSABILIDADE CIVIL – Erro médico – Ação de indenização por danos morais – Autora que se

submeteu a cirurgia de esterilização pelo método da laqueadura, tendo porém engravidado novamente cerca de três

anos depois Alegação de que não fora informada acerca da falibilidade do método O dever de informar a paciente a

respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção

reversíveis existentes decorre de lei (art. 10 §1º da Lei nº 9.263/1996) Conquanto o réu, médico responsável pelo

procedimento, haja sustentado que a autora teve acesso a tais informações, sequer tendo trazido aos autos cópia dos

prontuários médicos da autora ou do termo de consentimento informado que aduz haver sido por ela firmado – Prova

testemunhal, de mais a mais, que dá conta da ausência da devida cientificação da autora acerca da matéria – Culpa do

médico caracterizada Quantum indenizatório elevado para R$ 10.000,00, com observância aos princípios da

proporcionalidade e razoabilidade, na esteira de precedentes Ação procedente em parte Apelo da autora provido em

parte, desprovido o do réu” (TJSP, Ap. 0012917–51.2009.8.26.0482, rel. Des. Paulo Eduardo Razuk, j. 14.2.2012)

“Apelação Cível Gravidez após se submeter à cirurgia de laqueadura inserida no programa Público de Planejamento

Familiar executado no Hospital Municipal de Peruíbe – Dever de informação quanto a possibilidade de voltar a

engravidar após a realização do procedimento cirúrgico previsto no art. 10, §1º, da Lei nº 9.263/96 – Não há prova de

ciência dos autores, expressa e em documento firmado, sobre a possibilidade de reversibilidade do procedimento

Caracterizada a falha na execução do programa de planejamento familiar – A ausência de informações legalmente

previstas revela descumprimento do dever legal e impõe a responsabilidade indenizatória da Municipalidade

Inexistência elementos probatórios suficientes para a imputação de culpa ao médico responsável pela cirurgia –

Recurso parcialmente provido” (TJSP, Ap. 0006174– 51.2009.8.26.0441, rel. Des. Aliende Ribeiro, j. 21.8.2012)

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Em vista disso, o médico deverá atuar de maneira a cumprir o que o

paciente razoavelmente pode esperar, considerando as informações que lhe forem

prestadas e as expectativas legítimas criadas na parte.

3.4 O consentimento informado

O consentimento informado112

é a concordância consciente e livre que

deverá ser manifestada pelo paciente, ou pelo seu representante legal, para autorizar o

médico a realizar um tratamento terapêutico ou cirúrgico, após ter-lhe sido fornecido

ampla e clara informação sobre o seu verdadeiro estado de saúde, diagnóstico,

prognóstico, riscos e objetivos do tratamento113

. Sobre o tema, Miguel Kfouri Neto

afirma:

Consentimento é o comportamento mediante o qual se autoriza a alguém

determinada atuação. No caso do consentimento para o ato médico, uma

atuação na esfera físico-psíquica do paciente, com o propósito de melhoria da

saúde do próprio enfermo ou de terceiro114

.

Embora ainda não conste no sistema jurídico brasileiro uma

regulamentação específica para o consentimento informado, o art. 22 do Código de

Ética Médica dispõe: “É vedado ao médico: [...] Art.22. Deixar de obter o

consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o

procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco eminente de morte”.

112 Foi através da ideia de Platão, no que tange aos médicos livres, que surgiram as primeiras visões a respeito da

necessidade do consentimento do paciente sobre o seu tratamento. No entanto, o consentimento dos homens livres

aos médicos livres referia-se apenas na autorização do tratamento visando permitir o tratamento em si, não

significando um respeito específico ao direito do paciente. Isso, porque, caso o homem livre não concordasse com o

tratamento, poderia não fazer da forma recomendada e morrer. Assim, a autorização visava unicamente o

restabelecimento da saúde do homem livre. Posteriormente, foi após a guerra, que realmente o consentimento passou

a ser exigido. Em virtude dos experimentos realizados envolvendo seres humanos no regime nazista, surgiu o Código

de Nuremberg de 1947, trazendo expressamente a exigência do consentimento, mas apenas para pesquisas com

humanos. Segundo Gilberto Bergstein112, constava na súmula primeira do Código: “O consentimento voluntário do

ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas submetidas a experimentos devem ser legalmente

capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de

elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento

suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às

pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as

inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa participante, que eventualmente

possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do

consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São

deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente”. Foi em 1981, através da

Declaração de Lisboa que a idéia da necessidade do consentimento, antes somente para pesquisas, abarcou todos os

tratamentos médicos. No entanto, foi efetivamente com a consagração da dignidade da pessoa humana, após a

Segunda Grande Guerra, que o consentimento passou a ser integralizado e exigido, como direito do paciente. 113 Res. CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009: “É vedado ao médico: [...] Art. 34. Deixar de informar ao paciente

o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa

provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”. 114 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p.46.

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61

Para Heloisa Helena Barboza, o “consentimento é a expressão máxima

do princípio da autonomia, constituindo um direito do paciente e um dever do

médico”115

.

Assim, o médico não poderá realizar um tratamento terapêutico ou

cirúrgico sem informar detalhadamente ao paciente sobre o seu real estado de saúde, no

qual, reiteramos, estão incluídos o diagnóstico, o prognóstico, os tratamentos possíveis,

os riscos e os benefícios do procedimento indicado.

Consta no art. L1110–4116

do Code de la Santé Publique o seguinte texto:

Deux ou plusieurs professionnels de santé peuvent toutefois, sauf opposition

de la personne dûment avertie, échanger des informations relatives à une

même personne prise en charge, afin d'assurer la continuité des soins ou de

déterminer la meilleure prise en charge sanitaire possible. Lorsque la

personne est prise en charge par une équipe de soins dans un établissement de

santé, les informations la concernant sont réputées confiées par le malade à

l'ensemble de l'équipe.

No Direito francês, nenhum ato médico ou tratamento pode ser praticado

pelo médico sem o livre e esclarecido consentimento do paciente; essa conduta deve ser

115 A autonomia da vontade e a relação médico-paciente no Brasil. Lex Medicinae. Revista Portuguesa de Direito da

Saúde, n.2, Coimbra, 2004, p.10. In: BERGSTEIN, Gilberto. A informação na relação médico-paciente. São Paulo:

Saraiva, 2013, p.170. 116 Code de la Santé Publique. Disponível em:

http://www.legifrance.gouv.fr/affichCodeArticle.do;jsessionid=705F9FF53F41B74FE19A6C58BFC6CA7C.tpdjo03v

_1?idArticle=LEGIARTI000006685767&cidTexte=LEGITEXT000006072665&dateTexte=20140108&categorieLie

n=id&oldAction

Article L1110-4 : Toute personne prise en charge par un professionnel, un établissement, un réseau de santé ou tout

autre organisme participant à la prévention et aux soins a droit au respect de sa vie privée et du secret des

informations la concernant. Excepté dans les cas de dérogation, expressément prévus par la loi, ce secret couvre

l'ensemble desinformations concernant la personne venues à la connaissance du professionnel de santé, de tout

membre du personnel de ces établissements ou organismes et de toute autre personne en relation, depar ses activités,

avec ces établissements ou organismes. Il s'impose à tout professionnel de santé, ainsi qu'à tous les professionnels

intervenant dans le système de santé. Deux ou plusieurs professionnels de santé peuvent toutefois, sauf opposition de

la personne dûment avertie, échanger des informations relatives à une même personne prise en charge, afin d'assurer

la continuité des soins ou de déterminer la meilleure prise en charge sanitaire possible. Lorsque la personne est prise

en charge par une équipe de soins dans un établissement de santé, les informations la concernant sont réputées

confiées par le malade à l'ensemble de l'équipe.

Tradução livre : Toda pessoa toma, com o profissional de saúde, e considerando as informações por ele fornecidas, as

decisões concernentes à sua saúde. O médico deve respeitar a vontade da pessoa após tê-la informado das

consequências de suas escolhas. Se a vontade da pessoa em recusar ou interromper todo tratamento colocar sua vida

em risco, o médico deve buscar convencê-la a aceitar os cuidados indispensáveis. Ele pode chamar outro membro do

corpo médico. Em todos os casos o doente deve reiterar sua decisão após uma espera razoável, que deve vir inscrita

no dossiê medical. O médico protege a dignidade do moribundo e assegura a qualidade do fim de sua vida

dispensando-lhe os cuidados necessários à sua vida. Nenhum ato médico nem algum tratamento pode ser praticado

sem o livre e esclarecido consentimento da pessoa (paciente) que deve ser reiterado a todo momento.

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observada a todo momento. Em todos os casos será necessário ao paciente reiterar a sua

decisão para permitir a conduta médica a ser seguida.

O médico francês deve proteger a dignidade do paciente e assegurar a sua

qualidade de vida, dispensando-lhe os cuidados necessários até a morte. Desse modo, a

pessoa deve decidir sobre a sua saúde e a sua vida com base nas informações

transmitidas pelo profissional, a quem compete respeitar a vontade manifestada, após

esclarecê-lo precisamente para tomar essa decisão.

Admite-se a recusa (revogação do consentimento) do paciente em relação

à continuidade do tratamento, mesmo colocando a sua vida em risco. Neste caso, deve o

médico orientá-lo para aceitar os cuidados indispensáveis, podendo, inclusive, chamar

outro integrante do corpo médico para auxiliá-lo nessa tarefa.

O Código Penal português traz igualmente a exigência do consentimento

informado para a realização de procedimentos médicos cirúrgicos:

Art. 150°/1 – As intervenções e os tratamentos que, segundo o estado dos

conhecimentos e da experiência da medicina, se mostrarem indicados e forem

levados a cabo, de acordo com a legis artis, por um médico ou por outra

pessoa legalmente autorizada, com a intenção de prevenir, diagnosticar,

debelar ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal, ou

perturbação mental, não se consideram ofensa à integridade física.

Art. 156° – 1. As pessoas indicadas no art.150° que, em vista das finalidades

nele apontadas, realizarem intervenções ou tratamentos sem consentimento

do paciente são punidas com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Art. 157° – Para efeito do disposto no art. anterior, o consentimento só é

eficaz quando o paciente tiver sido devidamente esclarecido sobre o

diagnóstico e a índole, alcance, envergadura e possíveis conseqüências da

intervenção ou do tratamento, salvo se isso implicar a comunicação de

circunstâncias que, a serem conhecidas pelo paciente, poriam em perigo a sua

vida ou seriam susceptíveis de causar grave dano à saúde, física ou psíquica.

André Gonçalo Dias Pereira117

também informa sobre a responsabilidade

médica em Portugal:

117 PEREIRA, André Gonçalo Dias. Breves notas sobre a responsabilidade médica em Portugal. Disponível em:

<WWW.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/ADiasP2007.pdf>. Acesso em: 10 jan.2014.

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O consentimento informado para intervenções médicas é uma causa de

justificação da ilicitude, deve respeitar a ordem pública e os bons costumes

(arts.81° e 340°) [...] Este direito funda-se na liberdade de consciência e de

religião (art.41°/1 CRP) e no direito à integridade física e moral (art. 25°/1

CRP).

Segundo Esther Monterroso Casado118

, o consentimento informado é um

direito fundamental básico, um elemento importante para o exercício da Medicina.

Desse modo, a ausência do consentimento resultará em responsabilidade, exceto nos

casos de iminente risco à saúde, integridade física ou psíquica do paciente e caso não

tenha sido possível obtê-la por meio dos familiares do paciente.

No sistema brasileiro, o consentimento do paciente ou do seu

representante legal ocorre apenas para os tratamentos extraordinários, pois quando o

paciente estiver em situação de urgência ou risco de morte, o médico tem o dever legal

de agir, independentemente da sua vontade.

Desse modo, explica Herbert Praxedes, um tratamento médico poderá

corresponder a cuidados ordinários obrigatórios ou extraordinários119

. Os ordinários

dizem respeito aos cuidados médicos indispensáveis à manutenção da vida do paciente,

sobre o qual não se exige qualquer anuência da sua parte, pois o médico tem o dever

legal de cumpri-los. Herbert Praxedes decompõe esses cuidados em três momentos: 1–

cotas básicas de eletrólitos, nutrientes e hidratação; 2 – sedação da dor e, 3 – cuidados

gerais de higiene e enfermagem120

.

Por conseguinte, o autor qualifica os recursos extraordinários como

“aqueles que não se enquadram nos cuidados ordinários. São de uso opcional pelo

118 CASADO, Esther Monterroso. Diligencia médica y responsabilidad civil. Disponível em:

<http://www.asociacionabogadosrcs.org/doctrina/Diligencia%20Medica%20y%20R.%20Civil.PDF>. Acesso em 10

jan.2014>, p. 8: “De hecho, el consentimiento informado, calificado como un derecho humano fundamental y básico

(SSTS de 12 de enero de 2001 y de 11 de mayo de 2001), constituye un elemento clave en el ejercicio de la actuación

profesional del médico 16. En este sentido, la ausencia de dicho consentimiento informado genera responsabilidad,

ya que su ausencia constituye base suficiente del reproche culpabilístico del médico” 119 PRAXEDES, Herbert. Paciente terminal – direito fundamental à vida. (Coord.) Ives Gandra. São Paulo: Quartier

Latin, 2005, p.583. 120 PRAXEDES, Herbert. Paciente terminal – direito fundamental à vida. (Coord.) Ives Gandra. São Paulo: Quartier

Latin: 2005, p.583.

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médico que julgará a necessidade de seu uso. O critério maior será o conforto do

paciente”121

.

O consentimento informado será necessário em relação aos tratamentos

extraordinários, ou seja, destinados a melhorar o bem-estar e a saúde do paciente, mas

sem qualquer ligação com a manutenção da vida do doente.

José de Aguiar Dias elenca as situações as quais entende ser

imprescindíveis ao consentimento prévio do paciente:

a) nas operações cirúrgicas; b) na anestesia; c) na inoculação de vírus ou

sérum; d) no tratamento ou na investigação por meio da eletricidade ou

radiologia; e) de modo geral, em tudo quanto possa oferecer perigo real mais

ou menos certo e complementa afirmando que o consentimento precisa ser

dado com conhecimento de causa e não pelo doente mal informado122

.

Para falarmos em consentimento informado é necessário haver a

manifestação da vontade livre e consciente do paciente, ou do seu representante legal,

concordando com o tratamento a ser realizado pelo médico, após ter sido

completamente esclarecido antes desta manifestação.

É consenso entre os doutrinadores que a simples assinatura do paciente

ou do representante legal em um formulário padrão, inserida poucos minutos antes do

procedimento ou do tratamento não pode ser considerada um consentimento informado.

A manifestação de vontade poderá ser realizada pelo próprio paciente,

quando capaz e consciente para decidir, prestada através do seu representante legal

quando se tratar de incapaz ou menor. (“consentimento substituto”123

).

O consentimento informado é uma manifestação de vontade que deve ser

respeitada pelo médico em relação aos tratamentos extraordinários e poderá ser

revogada, a qualquer tempo.

121 PRAXEDES, Herbert. Paciente terminal – direito fundamental à vida. (Coord.) Ives Gandra. São Paulo: Quartier

Latin, 2005, p. 583-584. Como exemplo de recursos extraordinários o autor cita a transfusão de sangue e derivados,

transplante de órgãos, cirurgias extensas e mutilatórias, medicamentos e terapêuticas experimentais. 122 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.291. 123 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.271.

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65

No entanto, sendo um tratamento “a soma dos meios empregados para

conservar a vida, melhorar a saúde ou aliviar a dor”124

, conforme ensina José de Aguiar

Dias, eventualmente serão necessárias várias condutas médicas, em diferentes fases do

tratamento, com a finalidade de cuidar da saúde e bem-estar do paciente.

Neste sentido, Genival Veloso de França125

esclarece que o

consentimento poderá ser primário (tal qual o solicitado para a internação) ou

secundário ou continuado (realização de uma cirurgia após a internação, por exemplo).

E, ao final, reitera: “Sempre que houver mudanças significativas nos procedimentos

terapêuticos, deve-se obter o consentimento continuado (princípio da temporalidade),

porque ele foi dado em relação a determinadas circunstâncias de tempo e de situações”.

Importante salientarmos que poderá ser necessário um procedimento

médico diverso durante a realização de uma cirurgia. Neste caso, em se tratando de um

caso grave, exigirá uma conduta médica imediata em benefício do paciente, o que

permitirá ao profissional realizar o procedimento, independentemente da obtenção do

consentimento secundário.

Sempre que possível ao médico é recomendável obter o consentimento

do paciente ou do seu representante legal antes de realizar qualquer procedimento.

Todavia, para os tratamentos ordinários, não existe a necessidade de obtê-los.

Igualmente, dispensam o consentimento do paciente as situações de

emergência e iminente risco, que exijam do médico uma conduta imediata, sem

delongas.

José Aguiar Dias pontua também que será dispensado o consentimento

do paciente por impossibilidade de obtê-lo em decorrência de perturbação momentânea,

como a conduta suicida do paciente. Assim, espera-se do médico uma postura adequada

e urgente. Em regra, o consentimento poderá ser tácito ou verbal. No entanto, a

formalização por escrito servirá como meio de prova para o médico, pois a ele cabe

provar a anuência do paciente.

124 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.287. 125 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.21.

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66

Por fim, destacamos a importância da informação no processo de

consentimento. Entretanto, a simples ausência de esclarecimento não irá determinar a

responsabilidade civil do médico.

A doutrina e a jurisprudência entendem que se houver um dano na

relação médico-paciente que poderia ter sido evitado se o profissional o tivesse

esclarecido adequadamente – portanto não resultou de um erro médico – será devida a

reparação ou a indenização.

Um exemplo típico é o da gravidez após a realização de uma laqueadura.

No entanto, a gravidez não ocorreu por um erro médico cometido em relação à

laqueadura, mas em relação à ausência de informações de que aquele procedimento não

impediria de forma absoluta uma gestação. Neste sentido, temos:

Responsabilidade civil – indenização por dano material e moral – gravidez

indesejada – aproximadamente um ano e oito meses após realização da

cirurgia de laqueadura – procedência – inconformismo – desacolhimento –

ré não logrou bom êxito em demonstrar que prestou a adequada informação à

autora sobre o risco de recanalização tubária espontânea (reversão do

procedimento) ofensa ao art. 14 do CDC e ao art. 10, §1º, da Lei nº

9.263/1996 (Lei de Planejamento Familiar) (TJSP, Ap. 0121557–

13.2007.8.26.0000, rel. Des. Antonio Vilenilson, j. 8.5.2012).

Neste caso, será devida uma indenização por conta da violação da

autonomia do paciente em vista da ausência de informação sobre todos os riscos da

cirurgia, conforme o Código de Defesa do Consumidor (art.14) e a Lei nº 9.263/1996, art.

10, §1º.

O consentimento pode liberar a responsabilidade médica; no entanto, não

significa que a sua ausência resultará em responsabilidade, pois para que isso ocorresse

seria fundamental analisar completamente o contexto fático.

Destacamos ainda que, quando houver desproporção entre as vantagens e

desvantagens do tratamento ou da cirurgia, o consentimento do paciente não isentará o

médico da responsabilidade dos danos, conforme preceitua José Aguiar Dias126

.

126 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950.

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67

A informação completa é, portanto, fundamental para permitir o

consentimento que geralmente deverá ser realizado pelo próprio paciente, pois a ele

pertence o direito sobre a sua própria saúde, nos termos do art. 6º da Constituição

Federal de 1988 .

Já o art. 15 do Código Civil de 2002 assim prescreve: “Ninguém pode ser

constrangido a submeter-se, com risco de vida a tratamento ou a intervenção

cirúrgica.”127

Por fim, Genival Veloso de França, conclui:

Duas coisas devem ficar bem claras em tais ocorrências quando da avaliação

judicial: o consentimento esclarecido não suprime nem ameniza a culpa

médica por negligência ou imprudência; e o que verdadeiramente legitima o

ato médico é a sua indiscutível, imediata e inadiável intervenção. Em suma:

entender que mesmo tendo o médico um termo escrito de consentimento do

paciente, isto, por si só, não o exime de responsabilidade se provados a culpa

e o dano em determinado ato profissional.128

Temos, assim, que o consentimento informado nada mais é do que um

direito do paciente e um dever do médico, que só poderá realizar um tratamento

terapêutico ou cirúrgico, após a concordância livre e consciente do paciente ou do seu

representante legal.

3.5 A importância do prontuário

O prontuário consiste em um histórico sobre o paciente no que tange aos

atendimentos médicos já realizados. Nele deve conter todas as informações sobre o

estado de saúde do paciente, doenças, alergias e cuidados médicos oferecidos, entre

outras informações. É um elemento de prova importantíssimo para o paciente, mas

principalmente para o médico, pois poderá dele se utilizar como meio de defesa para

comprovar uma conduta médica adequada.

127 BRASIL. Código Civil Brasileiro. 2002. 128 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.274.

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No prontuário devem constar todos os exames clínicos realizados, os

pedidos de exames, resultados e laudos, ocorrências ou possíveis intercorrências com o

paciente.

O prontuário pertence ao paciente, no entanto, o médico tem o direito de

guardá-lo em relação aos documentos originais, conforme argumenta Genival Veloso de

França129

.

Desta forma, o médico não é obrigado a fornecer as vias originais do

prontuário, mesmo ao paciente, podendo entregar apenas cópias simples diretamente ao

titular das informações ou ao seu representante legal, conforme posicionamento firmado

pelo Supremo Tribunal Federal.

Acrescentamos, contudo, que o parecer do Conselho Federal de Medicina

nº 22/2000130

reconhece ao médico o direito de se recusar a fornecer as fichas do

paciente ao Poder Judiciário, com fundamento no sigilo profissional, obrigando-o

apenas a entregá-las ao perito judicial, que deverá resguardar o mesmo sigilo.

129 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.20. 130 Parecer CFM nº 22/2000 – Processo – Consulta nº 1.973/2000 – Supremo Tribunal Federal – Recurso

Extraordinário Criminal nº nº 91.218–5/SP, 2ª Turma. In: POLICASTRO, Décio. Erro médico e suas conseqüências

jurídicas. 4.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p.318-330.

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4 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA

4.1 Breves considerações

Com o intuito de permitir a melhor compreensão sobre o tema,

necessário fazermos uma breve introdução histórica em relação ao surgimento da

responsabilidade médica. Para tanto, os relatos históricos feitos pelos doutrinadores

sobre este tema no mundo remontam à época da primeira Dinastia da Babilônia,

ocorrida por volta dos séculos XVIII a.C e XVII a.C, quando o Rei Khamu-Rabi

atribuiu o Código de Hamurabi com previsões expressas, conforme descreve Rui

Stoco131

:

Art.215 – Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de

bronze e o cura ou se ele abre a alguém uma incisão com a lanceta de bronze

e o olho é salvo, deverá receber dez siclos.

Art. 218 – Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de

bronze e o mata, ou lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze e o olho

fica perdido, dever-se-lhe-á cortar as mãos.

Art.219 – Se o médico trata o escravo de um liberto de uma ferida grave com

a lanceta de bronze e o mata, deverá dar escravo por escravo.

Neste período, a responsabilidade médica era objetiva, baseada no

expressão “olho por olho, dente por dente”, e desconsiderava a culpa do médico para a

incidência da responsabilidade.

Por conseguinte, os doutrinadores se reportam aos séculos 460 a.C e 450

a.C132

, quando prevaleciam os pensamentos de Hipócrates na Grécia antiga, baseados na

razão e na ciência133

, que deram origem ao Juramento de Hipócrates, utilizado até os

dias atuais.

Na época, o médico e filósofo grego possibilitou a compreensão de um

novo conceito sobre a doença e a Medicina ao inserir um sentido ético-moral para a

Medicina, transformando a saúde do paciente em uma obrigação primordial do médico.

131 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.717 132 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.718. 133 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p. 60.

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70

Segundo Miguel Kfouri Neto134

, a ideia da culpa médica começa a ser

construída na Grécia, em consonância com os pensamentos egípcios, os quais

equiparavam os médicos aos sacerdotes. No entanto, eles poderiam ser punidos com a

morte caso desrespeitassem as regras obrigatórias que lhes eram impostas. Segundo o

autor,

ainda na Grécia, com fundamento nas regras adotadas no Egito, chegou-se a

admitir a culpa médica quando preenchidas duas condições: a) morte do

paciente; b) desobediência às prescrições geralmente reconhecidas como

fundamento indiscutível da atividade sanitária.135

A culpa médica só passou a ser condição para a responsabilização do

profissional com a Lex Aquilia, em consonância com o princípio neminem laedere, mas

sob o contexto mais primitivo, em vista da possibilidade de morte ou de deportação do

médico que atuasse com erro profissional culposo.

Em conformidade à citação de Miguel Kfouri Neto136

em relação ao texto

de Ulpiano (Dig. 1,18,6,7): “assim como não se deve imputar ao médico o evento da

morte, deve-se imputar-lhe o que houver cometido por imperícia” – é possível

observarmos que o médico respondia pela conduta culposa, mas não tinha o dever de

cura da doença do paciente.

A história demonstra que a ciência Médica desenvolveu-se muito após a

primeira Revolução Industrial iniciada na Inglaterra, no final do século XVIII, em

virtude da enorme mortalidade por conta de epidemias de tuberculose, pneumonia,

sarampo, gripe, escarlatina, difteria e varíola, que resultaram na migração das pessoas

para os centros urbanos.

O elevado crescimento populacional resultou em aglomerações nas

grandes cidades e permitiu a difusão de doenças desconhecidas e sem possibilidade de

cura em vista das péssimas condições de habitação e saúde.

134 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p.59- 60. 135 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p. 60. 136 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p.58.

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71

No entanto, o avanço da tecnologia ocorreu após a segunda Revolução

Industrial, ocorrida entre 1840 e 1870. Sobre esta fase, observa Fabio Konder

Comparato:

a revolução industrial deu início a um regime de economia de massa,

caracterizado pela produção em série, pelo aumento e a padronização do

consumo” [...] Essa transformação substancial da vida em sociedade [...]

multiplicou por um lado as relações humanas de serviço, e por outro lado

tornou mais rigorosas e automáticas as prestações de atos ou fatos obrigados

entre os sujeitos de direito, em atenção ao valor da certeza jurídica.137

As mudanças sociais provocaram alterações no sistema de produção que

causaram um desequilíbrio com a proliferação de epidemias, o que exigiu o

direcionamento do avanço tecnológico para o desenvolvimento da ciência e transformou

a Medicina.

Assim, com o aprimoramento da ciência médica e da tecnologia, novos

medicamentos, equipamentos e tratamentos variados foram sendo criados,

possibilitando a cura de algumas doenças. Entretanto, ao lado de todos os benefícios

alcançados com a modernidade, vieram os riscos de lesões à vida e à saúde dos

pacientes.

Neste sentido, Arthur Udelsmanm138

ensina: “A sociedade muito evoluiu

desde então, até chegarmos aos tempos de hoje, onde a Medicina em nosso país tornou-

se quase uma atividade de risco”. Sobre o assunto, Elias Farah139

também expõe seu

ponto de vista:

O fenômeno do desenvolvimento científico, que ocorreu em todas as áreas do

conhecimento humano, implicou também a criação na Medicina de diversas

especialidades. Os resultados foram benéficos porque se aprofundaram as

pesquisas sobre as doenças, curando-as com mais segurança. A conseqüência

negativa, entretanto, é o processo de mercantilização da Medicina, uma nobre

atividade essencialmente inspirada no humanismo e na solidariedade social,

que vem utilizando o médico como instrumento da ganância pecuniária, com

arranhaduras na grandeza de suas virtudes e dignidade.

137 COMPARATO, Fábio Konder. Obrigações de meios, de resultado e de garantia. Revista dos Tribunais, n.386,

São Paulo: RT, dez. 1967. 138 UDELSMANM, Arthur. Responsabilidade Civil, Penal e Ética dos Médicos. Revista da Associação Médica

Brasileira. 139 FARAH, Elias. Contrato profissional médico-paciente. Reflexões sobre obrigações básicas. Revista do Instituto

dos Advogados de São Paulo, RIASP 23/2009, jan-jun. 2009.

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72

O crescimento demográfico é um outro aspecto relevante, que exigiu a

formação do mercado interno de massas com a finalidade de oferecer atendimento a

todas as pessoas. Essa transformação interferiu diretamente na relação entre o médico e

o paciente, de maneira que “converteu o médico em “prestador de serviços” e o paciente

em “consumidor”, conforme declina Rui Stoco140

. Segundo Elias Farah, “a perda dos

valores éticos impessoalizou a relação das pessoas e o erro médico, a imperícia, a

negligência e a imprudência despertaram no paciente melhor consciência dos seus

direitos”141

.

Todos esses fatores contribuíram para o distanciamento entre o médico e

o paciente permitindo a propositura de muitas ações de responsabilidade civil pautadas

em responsabilidade médica, especialmente nos Estados Unidos da América.

Todavia, o melhor caminho sempre foi a prevenção, tanto para o médico

como para o paciente, que não busca um atendimento com a finalidade de ser

indenizado.

Dessa maneira, a prevenção inclui serviços médicos de qualidade,

prestados com respeito e lealdade ao paciente, que por sua vez deve ser visto como um

ser humano, e não um cliente que vai pagar por um simples serviço oferecido na área de

saúde.

Temos então um cenário no qual os profissionais que atuam com a vida e

a saúde humana parecem estar pouco preparados para tratar com humanidade o doente,

respeitar de forma integral as suas escolhas, decisões e direitos, prevenir e evitar lesões

a esses direitos.

Como bem declina Miguel Kfouri Neto142

, o médico deve atuar com

“honestidade, humildade e humanidade. É isto que todos desejamos”.

140 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.720: “A conseqüência disso foi o excessivo número de ações de responsabilidade civil, ações essas que proliferam

no mundo todo, especialmente nos Estados Unidos da América, onde, já nos idos de 1970, um quarto dos médicos

respondia a ações de reparação de danos e que atualmente alcançou um número astronômico com o advento do

seguro garantidor de reparações, colocado à disposição desses profissionais por companhia seguradoras (PANASCO,

Wanderby Lacerda. A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos.2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984)” 141 FARAH, Elias. Contrato profissional médico-paciente. Reflexões sobre obrigações básicas. Revista do Instituto

dos Advogados de São Paulo, RIASP 23/2009, jan-jun. 2009. 142 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil dos hospitais. 2ª tiragem. São Paulo: RT, 2010.p.34.

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73

Os valores éticos e morais, embora frequentemente suscitados como

fundamentais para uma convivência pacífica, harmoniosa e digna estão esquecidos pela

ausência da sua aplicação em detrimento da opção pelos interesses particulares

envolvidos nas relações humanas.

As relações estabelecidas entre o médico e o paciente devem, portanto,

ser preenchidas com humanidade e solidariedade, com o fim único de prevenir, tratar e

curar, quando possível, as mazelas humanas.

O bom relacionamento entre o médico e o paciente é fundamental,

agregado ao correto exercício da Medicina pelo profissional, em atenção às

necessidades do paciente para evitar danos e eventuais demandas judiciais.

Por fim, é imprescindível que os médicos tenham a exata compreensão

sobre a relação jurídica formada a partir do atendimento realizado ao paciente, também

sobre os seus direitos e deveres nesta relação, para permitir o adimplemento da

obrigação, sem danos ou conflitos às partes.

4.2 Legislação aplicável

A responsabilidade civil do médico está prevista no sistema jurídico

brasileiro desde o Código Civil de 1916, sem seu art. 1.545: “Os médicos, cirurgiões,

farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da

imprudência, negligência, ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte,

inabilitação de servir ou ferimento.”

Constava no antigo dispositivo a responsabilidade subjetiva do médico na

hipótese de danos causados durante a sua atuação profissional, a qual exigia a

comprovação da conduta culposa do médico em uma das três modalidades:

imprudência, imperícia ou negligência.

Este entendimento acompanha a história da responsabilidade médica na

humanidade desde a metade do século V a.C, quando a ideia da culpa começa a ser

construída na Grécia, conforme já abordamos em nossa pesquisa.

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74

A partir de 1990, o Código de Defesa do Consumidor regulamentou as

relações de consumo e tratou no art.14, §4º, sobre a responsabilidade civil do

profissional liberal, o que gerou uma certa confusão e divergência doutrinária em

relação a legislação aplicável para a responsabilidade civil no caso de erros médicos:

Art. 14 – O fornecedor de serviços responde independente de culpa, pela

reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à

prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou

inadequadas sobre sua fruição e riscos [...]

§4º – A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada

mediante a verificação de culpa.

Elias Farah entende que em relação aos conflitos entre o médico e o

paciente: “há de ser aplicado, como fonte básica, o Código Civil. Seguem, como

suplementares, as normas específicas reguladoras da atividade médica e, finalmente no

que for aplicável, o Código de Defesa do Consumidor.”143

Por conseguinte, Rui Stoco igualmente defende que a responsabilidade

médica deve ser regida pelo Código Civil, inclusive em relação ao prazo prescricional

para a pretensão indenizatória, e acrescenta:

A nós sempre pareceu que, dispondo o §4º do art.14 do CDC que a

responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante verificação

de culpa e, ao mesmo tempo, regrando o caput do mesmo art.14 no sentido

de que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência

de culpa, pela reparação dos danos causados [...] teve o legislador o propósito

claro e insofismável de retirar da regência desse Código os profissionais

liberais [...] Portanto, a pretensão de reparação dos danos causados por

profissionais da área médica prescreve em três anos, conforme a regra geral

estabelecida no art.206,§3º, V, do Código Civil.144

Entretanto, a maior parte da doutrina argumenta que se estabelece entre o

médico e o paciente uma efetiva relação de consumo, sobre a qual se aplica o Código de

Defesa do Consumidor, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

Os serviços prestados pelos profissionais liberais, portanto, são regulados

pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor. A única ressalva que

a legislação consumerista faz em relação aos serviços desta natureza

encontra-se no § 4º do art. 14. É dizer: a legislação de consumo abrange os

143 FARAH, Elias. Contrato profissional médico-paciente. Reflexões sobre obrigações básicas. Revista do Instituto

dos Advogados de São Paulo, n.23, jan-jun. 2009. 144 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.725.

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75

serviços prestados pelos profissionais liberais; apenas os exclui da

responsabilidade objetiva. É de se observar que esse tratamento diferenciado

dispensado aos profissionais liberais, incluindo os médicos, deriva da

natureza intuitu personae dos serviços prestados e da confiança neles

depositada pelo cliente. Mas o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor

estabelece a prescrição por fato do produto ou do serviço, iniciando-se a

contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

E prossegue:

Sendo assim, não obstante o recorrente tentar demonstrar que o novo Código

Civil afastou a aplicação da legislação consumerista para os profissionais

liberais, cumpre ressaltar que a Lei nº 8.078/90 é lei especial e, portanto, não

entra em conflito com as disposições que regem as relações civis, que apenas

tratam da exigência da comprovação da culpa para a aferição da obrigação de

indenizar. 145

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça é bastante

esclarecedor quanto à legislação aplicável à relação estabelecida para a prestação dos

serviços médicos. O Código de Defesa do Consumidor foi um marco importante para o

Direito, especialmente sobre a responsabilidade civil, uma vez que beneficiou os

consumidores com o intuito de aumentar as possibilidades de reparação dos danos

sofridos e assegurar o neminem laedere.

O Código de Defesa do Consumidor permitiu à vítima obter a reparação

dos danos sofridos. Antes dele, isso não ocorria em razão da impossibilidade de

individualização do causador do dano dentro da cadeia de fornecimento de serviços

médicos e hospitalares, pela inviabilidade de o paciente propor a ação em outras

comarcas, ou ainda, de comprovar a culpa do médico, por ser ele o detentor do

conhecimento técnico.

Neste contexto, o Código de Defesa do Consumidor permitiu que nas

relações de consumo ao consumidor propor a ação no seu domicílio, a inversão do ônus

da prova em favor do consumidor, a responsabilidade solidária de todos os fornecedores

145 Recurso Especial nº 731.078 – SP (2005/0036043-2), Relator Ministro Castro Filho. AGRAVO REGIMENTAL.

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ERRO MÉDICO.

PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 27 DO CDC. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO. 1– A orientação

desta Corte é no sentido de que aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos serviços médicos, inclusive no que

tange ao prazo prescricional quinquenal previsto no art. 27 do CDC; 2– Na hipótese de aplicação do prazo

estabelecido pela legislação consumerista não se cogita a incidência da regra de transição prevista pelo art. 2.028 do

Código Civil de 2002; 3– Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 204419/SP

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

2012/0146857-0, Relator: Sidnei Benetti, T3, julgado em 16/10/2012).

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76

envolvidos na cadeia de fornecedores de produtos ou serviços e superou a divisão entre

responsabilidade contratual e extracontratual ao estabelecer a regra da responsabilidade

objetiva, exceto para os profissionais liberais, como é o caso do médico.

Em conformidade com este posicionamento o médico, após cumprir as

exigências legais, poderá prestar serviços de forma autônoma e independente aos seus

clientes, numa relação contratual intuitu personae, sobre a qual incidirão regras do

Código de Defesa do Consumidor frente a relação de consumo, e o Código Civil

brasileiro em relação ao que não seja com ele incompatível.

Em 2002, o novo Código Civil, ao tratar da responsabilidade do

profissional liberal, agora no art. 951 manteve a responsabilidade subjetiva, mas

ampliou a abrangência do dispositivo anterior. Assim, temos:

O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização

devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por

negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente ou

agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

A norma atual permite a responsabilidade civil por danos causados na

atuação profissional dos médicos, dos cirurgiões, dos farmacêuticos, das parteiras, dos

dentistas, como também dos fisioterapeutas, dos enfermeiros e de outros profissionais

relacionados.

Em comentário ao feito, na obra coordenada por Arruda Alvim e Thereza

Alvim, observa-se:146

o profissional da saúde que cause ao paciente um dano patrimonial ou

extrapatrimonial decorrente de sua atividade profissional, resultando no

agravamento do problema de saúde, lesão corporal, inabilitação parcial ou

total do trabalho, morte ou qualquer outra lesão comprovada, seja ela física

ou psíquica, diante da negligência, imperícia ou imprudência, deve indenizar

a vitima [...] A responsabilidade dessas pessoas é subjetiva, pois é mister a

prova da culpa para que haja a devida reparação dos danos. Todavia, o

dispositivo sub examine deve ser interpretado com o art. 14, §4º, do Código

de Defesa do Consumidor.

146 ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza. (Coord). Comentários ao código civil brasileiro. v.III. Rio de Janeiro:

Forense, 2013, p.474-475.

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77

Oportuno ressaltarmos o entendimento de Pablo Stolze Gagliano e

Rodolfo Pamplona Filho em consonância com o entendimento majoritário:

a disciplina civil dos profissionais liberais permanecerá de natureza

subjetiva, uma vez que, embora seja o Código de 2002 “ lei nova” em face do

Código de Defesa do Consumidor, a regra constante nesse último diploma

(art.14,§4º) não perderá vigência, por força do princípio da especialidade147

Por fim, necessário constar que, conforme o posicionamento majoritário,

o médico pode exercer a Medicina como profissional liberal, sendo-lhe aplicada a

responsabilidade subjetiva conforme o art.4º, §4º, do Código de Defesa do Consumidor,

e dos arts. 186, 927 e 951, do Código Civil de 2002. Mas, poderá ainda, prestar serviços

com subordinação empregatícia, em grupos ou através de convênios. Nestas hipóteses, a

responsabilidade do médico será igualmente subjetiva, com a aplicação dos dispositivos

acima mencionados.

O Superior Tribunal de Justiça 148

também já firmou o entendimento de

que,

o fornecimento de serviços médicos poderá ocorrer de forma autônoma e

independente entre o médico e o paciente, com uma relação intuitu personae,

ou através de uma cadeia de fornecimento de serviços, que poderá se formar

entre o paciente, o médico, o hospital, mas, em qualquer uma das formas de

prestação de serviços médicos incidirá a responsabilidade subjetiva, nos

termos do §4º, art.14. do CDC.

No tocante às obrigações de meio ou de resultado que poderão ser

estabelecidas nas contratações médicas, importante ressaltarmos a incidência da

responsabilidade subjetiva prevista nos mesmos dispositivos para ambas as obrigações;

a diferença diz respeito apenas ao ônus da prova.

147 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil – responsabilidade civil.

8.ed. v.III. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 250. 148 BRASIL. Tribunal Regional Federal. Recurso Especial nº 1.216.424 – MT (2010/0182549-7) Rel.Min. Nancy

Andrighi.

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78

4.3 Natureza da relação

A relação que se estabelece entre o médico e o paciente, em regra, é

contratual, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça149

:

A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral

(salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo

imprescindível para a responsabilização do referido profissional a

demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano

causado, tratando-se de responsabilidade subjetiva.

De fato, o médico presta seus serviços mediante a celebração de um

contrato com o paciente, que frequentemente se estabelece através da simples

concordância tácita do doente, mas também poderá ser verbal ou escrito.

Contudo, excepcionalmente, a relação entre o médico e o paciente poderá

ser extracontratual, sem a existência de um contrato, o que costuma ocorrer quando o

médico atende a um paciente em via pública ou durante uma viagem, em um avião.

Essa questão já está resolvida na doutrina e na jurisprudência há tempos,

conforme esclarece José de Aguiar Dias: “a natureza contratual da responsabilidade

médica não nos parece hoje objeto de dúvida.”150

Porém, o mesmo não ocorre em relação à natureza da relação contratual

entre o médico e o paciente. Há quem afirme tratar-se de uma locação de serviços, mas

o entendimento predominante é o de que se trata de uma relação sui generis, definição

adotada pelos Códigos da Suíça e da Alemanha151

.

Conforme preleciona José de Aguiar Dias152

, “o médico é, ao mesmo

tempo conselheiro, protetor e guarda do enfermo que lhe reclama os cuidados

profissionais”.

149 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1104665 –RS. Rel. Min. Massami Uyeda, 4ª T., DJe

de 04. 08.2009. 150 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.270. 151 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.385. 152 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.273.

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79

Portanto, esta relação contratual não envolve apenas a prestação de

serviços médicos mediante a contraprestação em dinheiro. Exige-se do profissional

contratado uma “consciência profissional, para cuja observação não basta a simples

correção do locador de serviços”, como conclui José de Aguiar Dias153

.

Por sua vez, no direito espanhol, a responsabilidade médica poderá ser

considerada contratual ou extracontratual, conforme a violação ocorrida. Todavia, os

arts. 1.101 e 1.902154

, ambos do Código Civil espanhol, que tratam da responsabilidade

contratual e extracontractual, correspondem à responsabilidade civil subjetiva, em vista

da exigência da comprovação da culpa:

Artículo 1101 – Quedan sujetos a la indemnización de los daños y perjuicios

causados los que en el cumplimiento de sus obligaciones incurrieren en dolo,

negligencia o morosidad, y los que de cualquier modo contravinieren al tenor

de aquéllas.

Artículo 1902 – El que por acción u omisión causa daño a otro, interviniendo

culpa o negligencia, está obligado a reparar el daño causado.

Neste sentido, dispõe também Esther Monterroso Casado155

:

De esta manera, para lograr un resarcimiento del daño en favor de la víctima,

se admite la concurrencia de ambos tipos de responsabilidades 1.En este

sentido, la jurisprudencia mayoritaria sostiene que el perjudicado puede

optar entre ambas acciones de resarcimiento (ejercitándolas incluso

alternativa y subsidiariamente): la originada por el contrato y la derivada del

acto ilícito extracontractual cuando “el hecho causante del daño sea al mismo

tiempo, incumplimiento de una obligación contractual y violación del deber

general de no causar daño a outro.

E ensina Miguel Maria de Serpa Lopes:156

De qualquer modo, pouco importa a natureza do contrato que vincula o

profissional e o seu cliente, pouco importa que se trata de uma

responsabilidade contratual ou extracontratual; de qualquer modo, em se

tratando de uma obrigação de meios ao prejudicado é que incumbe o ônus

probatório da infringência dessas obrigações.

153 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.273. 154 ESPANHA. Código Civil espanhol. Disponível em:

http://portaljuridico.lexnova.es/legislacion/JURIDICO/30536/codigo-civil-libro-iv-de-las-obligaciones-y-contratos-

articulos-1088-a-1976#A1101_00. Acesso em: 09 fev.2014. 155 CASADO, Esther Monterroso. Diligencia médica y responsabilidad civil. Disponível em:

<http://www.asociacionabogadosrcs.org/doctrina/Diligencia%20Medica%20y%20R.%20Civil.PDF>. Acesso em: 10

jan.2014>. 156 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p.85.

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Em vista da irrelevância na discussão sobre a natureza da relação

contratual estabelecida entre o médico e o paciente, considerando que a

responsabilidade civil contratual será definida pela obrigação de meio ou de resultado

pactuada, adentraremos às respectivas análises.

4.4 Obrigação de meio e de resultado

A obrigação é uma “relação jurídica” que se estabelece como regra entre

um credor e um devedor, para adimplemento de uma prestação pelo devedor, que

poderá ser de dar, fazer ou não fazer. Poderá ser, ainda, de meio ou de resultado.

Na obrigação de meio, o devedor tem um dever de diligência, enquanto

na obrigação de resultado, não basta à ação diligente do devedor, mas é necessário o

cumprimento do resultado útil esperado pelo credor.

Luciano de Camargo Penteado e Fábio Vieira Fiqueiredo157

explicam

sobre as particularidades de cada uma delas:

A obrigação pode ser de meio, ou de diligência, quando o devedor esteja

vinculado a prestar determinado comportamento, cujo desempenho exaure o

vinculum obligationis independentemente de outra questão. Na obrigação de

meio basta o atuar diligente e leal, independentemente da consequência fática

que venha a ocorrer, para considerar-se cumprida a obrigação [...] são

tradicionalmente elencadas entre as obrigações de meio a do médico e a do

advogado.

O entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência é o de que a

relação contratual entre o médico e o paciente gera uma obrigação de meio158

, e não de

resultado. Isso significa que o médico não está obrigado a curar ou salvar a vida do

paciente, mas deve utilizar todo o conhecimento técnico e os recursos a sua disposição,

a fim de cuidar, tratar e, quando possível, curar o paciente.159

157 PENTEADO, Luciano de Camargo; FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Obrigações. (Coord.). Renan Lotufo e

Giovanni Ettore Nanni, p.222. 158 Ementa: Monitória. Procedência. Cheques prescritos. Cerceamento de defesa inocorrente. Condições da ação

presentes. Prestação de serviços médicos. Obrigação de meio, não de resultado. Cura não alcançada. Circunstância

que, por si só, não acarreta inadimplemento. Correção monetária a partir do vencimento dos títulos. Juros desde a

citação. Recurso desprovido. (Apelação nº 0013085-07.2009.8.26.0077, Relator: Cauduro Padin, julgado em

24/08/2011) 159AÇÃO ORDINÁRIA – RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO DECORRENTE DE CIRURGIA – AUSÊNCIA

DE CONDUTA CULPOSA. 1– O dever de indenizar tem como pressupostos a conduta (ação ou omissão) ilícita, o

dano e o nexo de causalidade entre um e outro. 2– A obrigação do médico é de meio e não de resultado, na medida

em que o mesmo não se obriga com o paciente a conseguir-lhe a cura, mas assume, isso sim, o compromisso de

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Neste sentido, José de Aguiar Dias ensina: “O que se torna preciso

observar é que o objeto do contrato médico não é a cura, obrigação de resultado, mas a

prestação de cuidados contenciosos, atentos e, salvo circunstâncias excepcionais, de

acordo com as aquisições da ciência”.160

Este também é o entendimento da doutrina espanhola, conforme explica

Esther Monterroso Casado161

En cuanto a la naturaleza de las obligaciones contractuales profesionales del

médico, como regla general, se trata de una obligación de medios. En estos

casos, señala la jurisprudencia, no nos encontramos ante una obligación de

resultado (lograr la salud del paciente), sino de medios: suministrar todos los

cuidados necesarios al paciente en consonancia con el estado de la ciencia y

de la denominada lex artis ad hoc.

Confirmando esta premissa, Sérgio Cavalieri Filho pontua:

A obrigação assumida pelo médico, normalmente é obrigação de meios,

posto que objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura

assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de uma

prestar cuidados precisos, conforme preconizados pela Medicina, em busca da cura. 3– Não há prova cabal nos autos

de que a lesão sofrida pelo autor seja conseqüência direta e imediata da cirurgia realizada. Muito menos de que o

cirurgião tenha procedido com dolo ou culpa. 4– O risco de insucesso é inerente às obrigações de meio, como são as

cirurgias. Não há confundir-se erro médico com insucesso da operação. 5– Relativamente à União, não há falar-se em

responsabilidade objetiva, pois o médico, embora estivesse sob sua vinculação, não praticou conduta ilícita e, sem

esse pressuposto, não há falar-se em responsabilidade civil. 6– Já que o autor não se desincumbiu do ônus da prova

do fato constitutivo do direito, não havendo prova robusta, indubitável, do ato ilícito, não há como ser acolhida a

pretensão. 7– Apelação improvida. (APELAÇÃO CÍVEL AC 38485 SP 2005.03.99.038485-4 (TRF-3), publicado

10/12/2010). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR ERRO MÉDICO. INCIDÊNCIA

DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. OBRIGAÇÃO DE MEIO E NÃO DE RESULTADO. PRAZO

PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS, CONFORME PRECONIZA O ART. 27, DO CDC. INÍCIO DA

CONTAGEM DO PRAZO DA DATA DA CIÊNCIA DO DANO E DA SUA AUTORIA, CONSUBSTANCIDA

POR DENÚNCIA EFETIVADA AO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. PROCESSO ADMINISTRATIVO

QUE NÃO VINCULA O PODER JUDICIÁRIO. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. RECURSO CONHECIDO E

PROVIDO. A responsabilidade assumida pelo médico encontra-se baseada em uma obrigação de meio e não de

resultado, posto que, por meio do contrato, o médico não se compromete à cura do paciente, mas tão somente se

obriga a proceder de acordo com as regras e métodos da profissão. Prestigiando esse entendimento, o Código de

Defesa do Consumidor vem disciplinar em seu art.14, § 4º que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais

será apurada mediante a verificação de culpa. O Código de Defesa do Consumidor prevê que prescreve em cinco anos

a pretensão à reparação pelos danos causados, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e

de sua autoria, que, no presente caso, consubstancia-se no momento em que a parte autora ofertou denúncia ao

Conselho Regional de Medicina. (Agravo de Instrumento 668896 SC 2010.066889-6 (TJ-SC), Relator: Saul Steil,

Data de publicação: 21/11/2011). RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS E

MATERIAIS – CIRURGIA DE VASECTOMIA – SUPOSTO ERRO MÉDICO – RESPONSABILIDADE CIVIL

SUBJETIVA – OBRIGAÇÃO DE MEIO PRECEDENTES. A relação entre médico e paciente é contratual, e

encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, e não de resultado. Em razão

disso, no caso da ineficácia porventura decorrente da ação do médico, imprescindível se apresenta a demonstração de

culpa do profissional, sendo descabida presumi-la à guisa de responsabilidade objetiva (STJ, REsp n. 1051.674/RS,

rel. Min. Massami Uyeda, dj 03.02.09). 160 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.274. 161 CASADO, Esther Monterroso. Diligencia médica y responsabilidad civil. Disponível em:

<http://www.asociacionabogadosrcs.org/doctrina/Diligencia%20Medica%20y%20R.%20Civil.PDF>. Acesso em: 10

jan.2014.

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prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica na

busca pela cura.162

Embora a regra seja a obrigação de meio na prestação dos serviços

médicos, Ruy Rosado de Aguiar Jr. pontua: “O médico a assume, por exemplo, quando

se compromete a efetuar uma transfusão de sangue ou a realizar certa visita”.

A cirurgia plástica estética e a anestesia são igualmente considerados,

por grande parte da doutrina, uma obrigação de resultado, tendo em vista o

comprometimento com um resultado útil.

Neste mesmo sentido, Rui Stoco observa:

A obrigação do médico pode ser de meio, como geralmente é, mas também

pode ser de resultado, como quando faz um Raio X, um check-up, aplica

ondas de calor, dá uma injeção, faz transfusão de sangue, procede a

determinada esterilização necessária ou, como já nos referimos, no caso da

cirurgia plástica estética. Também há possibilidade da obrigação do médico

ser de resultado quando assume expressamente a garantia da cura.163

Contudo, a doutrina aponta que a distinção entre obrigação de meio ou de

resultado na relação entre médico e paciente é determinante para a fixação do ônus da

prova. Neste contexto, temos que, na obrigação de meio, caberá ao paciente comprovar

a conduta culposa do médico para fazer jus à indenização pelos possíveis danos

causados, já na obrigação de resultado, a culpa do médico será presumida, visto que

poderá comprovar alguma excludente de sua responsabilidade subjetiva.

Ressaltamos que não se coaduna com a obrigação de resultado a

responsabilidade objetiva, pela ausência de previsão legal. Segundo o Código de Defesa

do Consumidor, a responsabilidade do profissional liberal é subjetiva nos termos do

art.14, §4º.

Assim, predomina o entendimento de que a responsabilidade dos

profissionais liberais é subjetiva, mas a culpa do médico é presumida quando se tratar

162 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.396. 163 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.726.

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de obrigação de resultado; a culpa precisará ser comprovada pela vítima, na hipótese de

obrigação de meio.

Sérgio Cavalieri Filho assim explica seu entendimento:

Entendo, todavia, que a obrigação de resultado em alguns casos apenas

inverte o ônus da prova quanto à culpa; a responsabilidade continua sendo

subjetiva, mas com a culpa presumida. O Código de Defesa do Consumidor

não criou para os profissionais liberais nenhum regime especial, privilegiado,

limitando-se a afirmar que a apuração de sua responsabilidade continuaria a

ser feita de acordo com o sistema tradicional, baseado na culpa. Logo,

continuam a ser-lhes aplicáveis as regras da responsabilidade subjetiva com

culpa provada nos casos em que assumem obrigação de meio; e as regras da

responsabilidade subjetiva com culpa presumida nos casos em que assumem

obrigação de resultado.164

Portanto, predomina o entendimento de que a atividade exercida pelos

médicos implica em uma relação obrigacional de meio, sem responsabilidade pelo

insucesso. Contudo, poderá excepcionalmente ser de resultado na hipótese de cirurgia

estética embelezadora, sobre a qual trataremos mais adiante.

4.5 A culpa na responsabilidade médica

Como regra, a relação jurídica que se estabelece entre o médico e o

paciente é contratual e tem por prestação fornecer serviços médicos, ou seja, uma

obrigação de meio que poderá excepcionalmente ser de resultado.

No caso da obrigação de meio, o médico não se compromete com a cura

da doença, mas apenas em proporcionar um tratamento diligente e leal para o paciente,

utilizando-se dos meios adequados e das técnicas reconhecidas pela Medicina para

cuidar com zelo do doente.

Entretanto, quer na relação contratual ou extracontratual, quer na

obrigação de meio ou de resultado, a responsabilidade civil do médico será apurada

mediante a verificação da sua culpa, haja vista a incidência da responsabilidade

subjetiva.

164 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.397.

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A responsabilidade subjetiva do médico está prevista no art. 14, §4º do

Código de Defesa do Consumidor, cumulado com os arts. 186, 927 e 951, todos do

Código Civil de 2002. Os dispositivos adotaram a teoria da culpa no que tange à

responsabilidade dos médicos, de maneira que o direito brasileiro, passado e atual, exige

a comprovação pela vítima da conduta imprudente, negligente ou imperita do

profissional para fazer jus à indenização.

A comprovação da culpa exigida na responsabilidade subjetiva decorre

do lastro moral inerente a todo ser humano, no sentido de que ninguém pode responder

sem ser o culpado.

Daí decorre a compreensão de que a responsabilidade subjetiva deve ter

por fundamento a comprovação da culpa para que só então surja o dever de reparar os

danos decorrentes de uma conduta voluntária.

Portanto, tratando-se a responsabilidade médica de uma responsabilidade

subjetiva, a qual tem por fundamento a culpa, inevitavelmente será necessário

comprovar uma das suas três modalidades: negligência, imperícia ou imprudência, as

quais trataremos a seguir.

4.5.1 Da negligência

A negligência é uma das formas da culpa stricto sensu que se apresenta,

normalmente, através de uma conduta omissiva. Como exemplo desta conduta, citamos

a falta de higiene e dos cuidados necessários e o não fornecimento da medicação

correta. Este comportamento omissivo é o oposto da diligência, segundo as palavras de

Avecone165

.

A conduta médica negligente evidencia a falta de cuidado mínimo

necessário com o paciente, uma postura desatenta que permite a prática de dano ao

paciente.

165 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013.

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85

Explica Genival Veloso de França que “a negligência caracteriza-se pela

inação, indolência, inércia, passividade. É a falta de observância aos deveres que as

circunstâncias exigem. É um ato omissivo.”166

A demora para diagnosticar o paciente e, se em razão disso, agravar o seu

estado de saúde, também é considerado negligência, conforme entende a jurisprudência:

Indenização por danos morais – erro médico – sentença de improcedência –

insurgência dos autores – acolhimento – paciente que vem a falecer após

acidente de motocicleta – atendimento inicial em hospital municipal, com

encaminhamento ao nosocômio do convênio, recomendando o

acompanhamento do trauma abdominal inobservância desta recomendação

culpa do réu na pessoa de seus prepostos – imprudência e negligência

evidenciadas demora no diagnóstico que agravou o estado de saúde do

paciente, culminando no óbito – laudo pericial que, dentro da moldura em

que elaborado, faz inferir a referida culpa – danos morais devidos apelo

provido. (Apelação nº 0006386–23.2011.8.26.0564– TJSP –5ª Câmara –

Seção de Direito Privado, julgado em 12/02/2014)

Por tratar-se de uma relação contratual que tem como regra uma

obrigação de meio, não se exige do médico a cura do paciente, mas uma conduta

cautelosa e diligente que, se descumprida e causar dano, faz surgir o dever de reparar ou

indenizar por negligência.

O médico tem o dever de visitar os seus pacientes hospitalizados. O

descumprimento dessa obrigação pode configurar negligência, no entanto, não será

considerado abandono do paciente caso o médico atribua a outro profissional a

responsabilidade de cumprir o seu dever.

Adverte José de Aguiar Dias que,167

sempre haverá abandono, se na substituição o médico assistente procede com

negligência enviando ao cliente necessitado dos cuidados de médico

experimentado o profissional bisonho, de pouca prática ou reconhecido como

menos hábil. Em outras palavras, o médico assistente responde sempre pela má

escolha.

166 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 255. 167 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.277: “O médico

escolhido para substituto do assistente não se presume preposto deste. Realmente, a condição do profissional liberal

repele a idéia de preposição, cabendo ao prejudicado provar a circunstância se, não obstante a presunção em

contrário, o substituto é realmente auxiliar ou assistente do médico habitual. [...] O médico que se faz substituir pelo

colega que considera capaz de atender ao doente se limita a mera indicação, que não pode envolver responsabilidade.

A menos que se trate de erro grosseiro”. (KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São

Paulo: RT, 2013, p.277-278).

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86

Tratando-se de substituição em plantão médico, deverá o médico

aguardar o outro plantonista chegar para, só então, ausentar-se. Caso saia antes do outro

profissional chegar ao estabelecimento e o paciente sofra danos em razão desta

ausência, o primeiro médico responderá pela “negligência vacariante” conforme

conceitua Genival Veloso França”168

Poderá ocorrer a necessidade de substituição de um profissional por

outro, na hipótese de dois pacientes solicitarem sua presença simultaneamente. Neste

caso, se o médico substituto for negligente, ele responderá diretamente pelos danos

causados por sua conduta, sem qualquer relação com o médico que se fez substituir.

O fundamento para a responsabilidade exclusiva do médico substituto é a

autonomia e a independência do profissional liberal, que não pode ser considerado

preposto do médico substituído, exceto se o paciente comprovar que se trata de um

assistente e não de um profissional autônomo.

Poderá haver negligência quando o médico não observar as reclamações

do doente, houver ingestão de medicamento errado em virtude da letra ilegível do

profissional, esquecer objeto estranho no corpo do paciente, medicar por telefone,

prescrever sem ver o paciente ou apresentar um diagnóstico sem confirmá-lo através da

realização de exames importantes. Configura negligência a liberação de paciente que,

examinado superficialmente, não tiver sua enfermidade diagnosticada e morrer ou sofrer

danos graves em virtude desta conduta.

Segundo Miguel Kfouri Neto169

, a negligência não se confunde com a

imperícia. Para elucidar a questão, cita como hipótese de negligência médica a conduta

na qual o profissional injeta soro antitetânico no paciente sem realizar um teste antes de

fazê-lo. Entretanto, a mesma conduta médica ocorrida em razão de desconhecimento

sobre a necessidade de realizar o teste previamente configurará imperícia.

168 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil.2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950. 169 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p.106.

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87

4.5.2 Da imprudência

A imprudência refere-se a mais uma das formas da culpa stricto sensu.

Ela ocorre através de condutas comissivas, precipitadas, sem prudência, afoitas, que

causam um dano ao paciente por desconsiderar possíveis resultados ou pela ausência de

cautelas mínimas exigidas e esperadas daquele profissional.

Segundo Genival Veloso de França, “imprudente é o médico que age sem

a cautela necessária. É aquele cujo ato ou conduta são caracterizados pela

intempestividade, precipitação, insensatez ou inconsideração. A imprudência tem

sempre caráter comissivo.”170

Teresa Ancona Lopes de Magalhães ensina que a imprudência resulta de

atitudes precipitadas, injustificadas, tomadas pelo profissional que não se vale de

nenhuma cautela; dá-se a negligência quando o médico omitir precauções necessárias,

como por exemplo, no “caso daquele profissional que faz exame superficial, dessa

forma errando o diagnóstico”. Finalmente, dá-se a imperícia no caso de falta de

conhecimento técnico da profissão171

.

Por sua vez, Miguel Kfouri Neto, dispõe: “A imprudência sempre deriva

da imperícia, pois o médico, mesmo consciente de não possuir suficiente preparação,

nem capacidade profissional necessária, não detém sua ação”172

As condutas do médico que no exercício da profissão e em relação aos

cuidados com o paciente forem contrárias à diligência e ao zelo, ou seja, sem prudência

e que causarem dano ao paciente, serão condutas imprudentes.

4.5.3 Da imperícia

Outra forma de culpa stricto sensu é a imperícia. Trata-se de uma

conduta comissiva, um erro técnico profissional que causa dano ao paciente.

170 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.255 171Responsabilidade civil dos médicos. In: Responsabilidade civil doutrina e jurisprudência. (Coord). Yussef Said

Cahali. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 315-360. 172 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p.109.

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88

Revela o conhecimento técnico deficiente do médico, pois ele adota

condutas médicas inadequadas em atuação contrária às normas técnicas, pela ausência

de conhecimento ou despreparo.

Quando o médico descumpre a norma técnica por descaso, mas sem ter

como objetivo o dano causado, ocorrerá a imprudência. No entanto, quando o médico

descumpre uma norma por desconhecimento ou falta de preparo, então haverá

imperícia.

Segundo Nehemias Domingos de Melo173

,

a imperícia seria a falta de observação das normas primárias que regem

aquele determinado procedimento, bem como o despreparo prático do

profissional para o exercício da profissão. Imperito será o médico que

prescreve tratamento para um determinado tipo de doença quando todos os

sintomas ensejam a indicar outra; ou o cirurgião que, em visível equívoco,

corta músculos, veias ou nervos que não podem ser suturados, gerando

sequelas para o paciente; ou ainda, o obstetra que em operação cesariana

corta a bexiga da parturiente.

Arnaldo Rizzardo entende que a imperícia revela-se na “falta de

habilidade exigível em determinado momento, e observável no desenrolar normal dos

acontecimentos.”174

Há quem entenda que configura imperícia a conduta de um médico

obstetra que, ao realizar uma cesárea perfura um órgão da paciente. Neste caso, trata-se

de um especialista que comete um flagrante erro técnico.

Citemos ainda como hipótese de imperícia médica o obstetra que, ao

realizar um parto com fórceps, causa traumatismo craniano no bebê. Este é o

entendimento recente do Tribunal de Justiça de SP175

.

173 MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico – doutrina e jurisprudência. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2013, p. 99. 174 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.7. 175 RESPONSABILIDADE CIVIL AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS MORTE

DO NASCITURO POR TRAUMATISMO CRÂNIO-ENCEFÁLICO DECORRENTE DO MANEJO DE FÓRCEPS

ROTATIVO DURANTE O PARTO NORMAL DA COAUTORA – PROCEDIMENTO DISCIPLINAR

INSTAURADO PERANTE O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA QUE APONTOU A IMPERÍCIA E

NEGLIGÊNCIA DO MÉDICO OBSTETRA, CORROBORADO PELO LAUDO PERICIAL –

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO (CDC, ART. 14, § 4º) E OBJETIVA DA SEGURADORA E

DO HOSPITAL (CDC, ART. 14, “CAPUT”) – NOSOCÔMIO QUE, TAMBÉM, RESPONDE INOBSTANTE NÃO

HAJA VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM O OBSTETRA PRECEDENTES – DANOS MORAIS REDUZIDOS

PARA 500 SALÁRIOS MÍNIMOS OU R$ 311.000,00, COM CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA

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89

Segundo Genival Veloso de França:

imperícia é a falta de observação das normas, por despreparo prático ou por

insuficiência de conhecimentos técnicos. É a carência de aptidão, prática ou

teórica, para o desempenho de uma tarefa técnica. Chama-se ainda imperícia

a incapacidade ou inabilitação para exercer determinado ofício, por falta de

habilidade ou pela ausência dos conhecimentos rudimentares exigidos numa

profissão.176

[...] Diagnóstico errado nem sempre é imperícia, isso porque o

erro não pode se sinônimo de imperícia.

O autor argumenta ainda que,

um médico legalmente habilitado nunca poderá ser considerado imperito,

sendo o seu título prova inconteste de uma habilidade legalizada.177

[...] Nas

faltas mais grosseiras, mesmo sabendo-se que o médico não é infalível,

deveremos sempre estar diante de uma imprudência ou de uma negligência,

por mais que pareça à primeira vista tratar-se de um caso de imperícia.178

Entretanto, esse não é o entendimento da doutrina e da jurisprudência,

que admitem a existência de casos de imperícia médica. Isto, porque, o diploma não é

uma prova inconteste sobre a capacidade técnica do profissional legalmente habilitado.

Miguel Kfouri Neto cita Avecone, que é taxativo:

É fora de propósito referir-se a imperícia, juridicamente considerada, também

ao leigo, ou ao não habilitado ao exercício da arte médica, porque o

pressuposto básico de tal tipo de culpa é o exercício legítimo da profissão.

Caso contrário, identificar-se-ia hipótese de exercício abusivo, e outra seria a

fonte da obrigação de indenizar.179

4.5.4 Erro médico

O erro médico não possui um conceito bem definido na doutrina, motivo

pelo qual existe muita divergência em relação a sua exta compreensão, alcance e

subdivisões. Assim observa Rui Stoco:

CONTADOSA PARTIR DA PROLAÇÃO DA R. SENTENÇA – DANOS MATERIAIS APURÁVEIS EM

LIQUIDAÇÃO POR ARTIGOS – ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA CARREADOS, INTEGRALMENTE, AOS RÉUS

(CPC, ART. 21, § ÚNICO) SENTENÇA REFORMADA PARCIAL PARCIALMENTE RECURSO DOS RÉUS

PARCIALMENTE PROVIDO, PROVIDO INTEGRALMENTE O ADESIVO DOS AUTORES.

(Apelação Nº 0101376-11.2009.8.26.0100 8ª Câmara de Direito Privado, Relator Theodureto Camargo, julgada em

11 de dezembro de 2013) 176 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 261 177 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.263 178 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.262 179 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p.114.

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90

Cabe então admitir e confessar que um dos aspectos da responsabilidade

civil, no campo da atividade médica, que mais dificuldades apresenta refere-

se ao “erro médico” in genere, sua natureza, conceito e alcance [...] Parece-

nos, todavia, que ainda não ficou claro na doutrina o que seja “erro médico”

em toda extensão que o estudo merece.180

Inobstante a divergência doutrinária sobre o tema, é possível definir o

erro médico de uma forma ampla, como uma falha praticada em desacordo com as

orientações técnicas, no exercício da profissão pelo médico, que causa um dano ao

paciente.

Décio Policastro, por sua vez, entende que o erro médico não se limita a

falhas do profissional no exercício da sua atividade, mas inclui igualmente qualquer

equívoco praticado na cadeia de fornecedores dos serviços médicos:

A expressão erro médico utilizada no livro deve ser compreendida como

qualquer situação indesejada ocorrida nos serviços de assistência à saúde,

pois considera de forma abrangente, os envolvidos na cadeia de assistência ao

enfermo: o médico, os militantes da saúde em geral e as entidades que atuam

na área.181

Sem apontar tantas diferenciações, Genival Veloso de França esclarece:

O erro médico, quase sempre com culpa, é uma forma de conduta

profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de

produzir um dano à vida ou à saúde do paciente. É o dano sofrido pelo

paciente que possa ser caracterizado como imperícia, negligência ou

imprudência do médico, no exercício de suas atividades profissionais.182

Na prestação dos serviços médicos, é comum a atuação em conjunto de

vários profissionais como forma de proporcionar o melhor cuidado ao paciente.

Entretanto, o termo erro médico limita os equívocos cometidos na prestação dos

serviços a uma atuação exclusiva do médico, o que não nos permite incluir falhas de

outros profissionais que não sejam médicos no estudo proposto.

Fundamental também observar que o erro médico pode ter como causa

uma falha pessoal, resultado da falta de preparo do médico, de conhecimento técnico

deficitário ou da ausência de habilidade para o exercício da atividade. Pode ainda

180 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.723. 181 POLICASTRO, Décio. Erro médico e suas conseqüências jurídicas. 4.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013, p.2. 182 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 253.

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91

decorrer de uma falha estrutural, em virtude de uma deficiência dos instrumentos ou

recursos de trabalho à disposição do profissional, que não lhe permite uma atuação

plena e o conduza ao erro.

Segundo Genival Veloso de França:

É estritamente pessoal quando o ato lesivo se deu, na ação ou omissão, por

despreparo técnico e intelectual, por grosseiro descaso ou por motivos

ocasionais referentes às suas condições físicas ou emocionais. Pode também

o erro médico ser procedente de falhas estruturais, quando os meios e as

condições de trabalho são insuficientes ou ineficazes para uma resposta

satisfatória.183

A causa do erro médico é importante para identificar um erro escusável

ou inescusável. Erro escusável é aquele justificável, que não decorre de uma conduta

culposa do médico, mas de um equívoco profissional que resulta da incerteza ou

imprecisão da Medicina. Citemos, como exemplo, a hipótese de erro de diagnóstico de

uma doença não catalogada na Medicina. Neste caso, o erro médico de diagnóstico não

irá resultar na responsabilidade do profissional por eventuais danos sofridos pelo

paciente.

Já o erro inescusável é aquele injustificável, imperdoável, praticado por

negligência, imperícia ou imprudência e que tem como consequência a responsabilidade

civil pelos danos causados ao paciente.

Rui Stoco184

divide o erro médico em erro de diagnóstico, erro de

procedimento e erro no procedimento. Segundo seu entendimento, o erro de diagnóstico

resume-se à identificação equivocada da enfermidade que acomete o paciente; o erro do

procedimento verifica-se pelo diagnóstico correto do médico, mas a escolha errada do

procedimento; e por fim, o erro no procedimento ocorre quando o diagnóstico e o

procedimento estiverem corretos, mas a execução for errada.

Uma falha do profissional poderá ocorrer quando o médico estiver

realizando o diagnóstico do paciente. O equívoco pode se situar na anamnese ou no

183 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 253-254. 184 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.723.

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92

exame clínico resultando na identificação errônea da enfermidade ou na não

identificação da doença.

Em ambas as hipóteses, o paciente teve de despender tempo e dinheiro

para obter, ao final, um diagnóstico errado. Ademais, ele poderá sofrer outros danos em

consequência dessa conduta, considerando a hipótese de fazer tratamento inadequado ou

de não realizá-lo, o que levará ao agravamento do seu estado de saúde.

No entanto, quando o médico faz o diagnóstico correto e identifica a

enfermidade que acomete o paciente deverá, em seguida, orientá-lo sobre o tratamento

mais adequado para o caso específico, indicando a técnica reconhecida cientificamente a

ser adotada. Caso o médico oriente o paciente conduzindo-o a um tratamento

inadequado em relação ao diagnóstico, haverá erro de procedimento, ou em outras

palavras, escolha da técnica inapropriada ao caso.

Vislumbramos o erro de procedimento quando, por exemplo, um paciente

ferido na perna deva apenas aplicar pomada e curativos, mas o médico,

inadequadamente, orienta a realização de uma cirurgia.

O erro no procedimento consiste no diagnóstico e procedimento corretos

pelo médico, mas na execução equivocada do procedimento. Citemos, como exemplo, o

fato de realizar uma operação em um membro ao invés de outro.

Portanto, os erros de diagnóstico, de procedimento e no procedimento

são espécies do gênero erro médico. Mas, somente o erro inescusável determinará a

reparação ou indenização; é aquele injustificável, que não seria praticado por outro

profissional nas mesmas condições.

Sérgio Cavalieri Filho185

, por sua vez, diferencia a culpa do erro

profissional. Ele entende que erro profissional consiste em uma conduta médica correta,

mas na utilização de técnica errada; a culpa, que no caso é a imperícia, considera uma

185 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.387

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conduta médica incorreta, mas adequada a técnica utilizada. Entendimento esse que é

acompanhado por Rui Stoco.186

Ambos os doutrinadores qualificam o erro profissional como um erro

escusável (justificável), uma falha humana invencível. Do mesmo modo, a imperícia é

considerada um erro inescusável (injustificável), portanto, passível de reparação.

Assim, temos erro profissional como uma falha humana que poderá

ocorrer no exercício da Medicina e “provém das imperfeições da própria arte ou

ciência”, conforme explica Anibal Bruno.187

Por fim, Genival Veloso de França distingue erro médico do acidente

imprevisível, que é um resultado lesivo em decorrência de um caso fortuito ou força

maior e do resultado incontrolável, como o desenvolvimento natural de uma

enfermidade incurável.

O erro médico faz parte da falibilidade humana e das naturais limitações

da ciência médica. No entanto, deve o médico ser extremamente cauteloso para inibir a

prática de possíveis erros durante o exercício da atividade.

Todavia, o erro profissional considerado também “erro de técnica”, em

regra é escusável, em vista do risco próprio da Medicina, devendo ser grosseiro para

permitir a reparação ou indenização.

4.5.4.1 Erro de diagnóstico

Para cumprir de forma ética a sua missão profissional, visando o bem-

estar, a saúde e a dignidade do paciente, sem vínculo com a cura, deve o médico realizar

o diagnóstico do paciente de forma cautelosa e diligente, utilizando todas as técnicas e

recursos à sua disposição.

186 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.724. 187 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001102/RESPONSABILIDADE%20CIVIL%20DO%20M

%C3%89DICO.doc>. Acesso em: 31 jan. 2014.

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94

O diagnóstico consiste em uma conduta médica, através da qual o

profissional busca identificar a doença que acomete o paciente, a fim de determinar o

tratamento adequado. Sobre este aspecto, Ruy Rosado de Aguiar Junior188

ensina que “o

diagnóstico consiste na determinação da doença, seus caracteres e suas causas.”

O diagnóstico é extremamente importante; muito mais do que um

procedimento a ser adotado pelo profissional, é um dever médico, nos termos do art. 32

do Código de Ética Médica, que veda ao médico: “deixar de usar todos os meios

disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance,

em favor do paciente”.

Arnaldo Rizzardo189

indica que o diagnóstico consiste na

determinação da doença, das causas que a determinaram, dos caracteres e dos

efeitos. Constitui uma operação delicada, feita em vista dos sintomas

apresentados, dos exames e verificações auscultadas em face de testes e de

múltiplas reações. Cumpre distinguir se o erro é escusável ou inescusável. O

primeiro é aquele inevitável, ou impossível ao homem mediano, no exercício

de suas atividades, evitá-lo. O inescusável corresponde ao que era possível

evitar.

Não se trata de um procedimento objetivo ou matemático, o que exige

muita prudência do médico. A primeira fase é o exame clínico, que por sua vez, divide-

se em duas etapas. A primeira delas, a anamnese, consiste em uma coleta inicial de

dados feita pelo médico para verificar os sintomas apresentados pelo doente, seus

antecedentes genéticos (histórico familiar) e mórbidos (doenças que já teve e

tratamentos realizados), entre outros fatores. A segunda fase do exame clínico é o

exame físico; por meio dele o médico deve verificar as mucosas, linfonodos, hidratação,

temperatura, pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória do paciente, realizar a

palpação abdominal e percusão.

188 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001102/RESPONSABILIDADE%20CIVIL%20DO%20M

%C3%89DICO.doc>. Acesso em: 31 jan. 2014. 189 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.325.

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95

Após realizar a anamnese e o exame físico, poderá solicitar exames

complementares laboratoriais como o hemograma, de função renal e hepática, urina e

fezes ou de imagem, como raio x, ultrassom, ressonância magnética e tomografia.

Cumpridas as fases do diagnóstico, o profissional deverá realizar uma

análise detalhada e comparativa entre a coleta de dados inicial – com base nos sintomas

apresentados pelo paciente – conjuntamente aos resultados dos exames complementares

para permitir a identificação do diagnóstico correto.

Oportunamente ficou consignado que o médico deve sempre adotar uma

conduta cautelosa e prudente, utilizar todos os instrumentos e recursos à disposição para

obter o diagnóstico correto do paciente. No entanto, se houver dúvida sobre o

diagnóstico ou suspeita da existência de algum erro no exame realizado, deverá repeti-lo

ou complementá-lo com outros exames para impedir a informação sobre um diagnóstico

incorreto ao paciente visto que o médico é o responsável pelos possíveis danos causados

ao enfermo, conforme declina Rui Stoco:

se mediante o exame de laboratório ou dos chamados centros de diagnóstico

o médico lhe dá validade e confirma o diagnóstico nele retratado, assume a

responsabilidade pelo eventual erro constante daquele exame se desse erro

decorrer conseqüências maléficas para o paciente.190

Na hipótese de responsabilidade civil do médico pelos danos causados ao

paciente em vista da confirmação de diagnóstico errado em razão de exame laboratorial

ou de imagem, faz-se consignar o direito de regresso do profissional em face do

responsável pelo exame, haja vista a obrigação de resultado (e não de meio) em relação

ao resultado do exame.

Se necessário um exame mais específico que não esteja à disposição do

profissional no momento, este deverá solicitar a transferência do paciente para um outro

local no qual ele possa ser realizado, salvo recusa ou impossibilidade do paciente para

se deslocar.

190 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.738.

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96

O avanço da ciência e da tecnologia não permite mais o diagnóstico

baseado apenas no “olho clínico”, mas exige um parecer fundamentado em exames

específicos que deverão estar acompanhados de laudos que permitam confirmar e

informar o resultado obtido.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves,

diante do avanço médico-tecnológico de hoje, que permite ao médico apoiar-

se em exames de laboratório, ultrassom, ressonância magnética, tomografia

computadorizada e outros, maior rigor deve existir na análise da

responsabilidade dos referidos profissionais quando não atacaram o

verdadeiro mal e o paciente, em razão de diagnóstico equivocado, submeteu-

se a tratamento inócuo e teve a sua situação agravada, principalmente se

verificar que deveriam e poderiam ter sido submetido ao seu cliente a esses

exames e não o fizeram, optando por um diagnóstico precipitado e

impreciso.191

Quando o médico não identifica (ou o faz de maneira equivocada) a

enfermidade que acomete o paciente, ocorrerá o erro de diagnóstico, que também

poderá ser escusável ou inescusável. Assim, um erro de diagnóstico não irá resultar

automaticamente em responsabilidade civil pelos possíveis danos decorrentes ao

enfermo.

Será fundamental verificar a causa que conduziu ao erro de diagnóstico,

que, por sua vez, poderá ser de ordem pessoal ou instrumental.

Segundo José de Aguiar Dias,

o erro de diagnóstico, desde que escusável em face do atual estado da ciência

médica, não induz à responsabilidade do médico, o engano grosseiro ou

manifesto não permite isentá-lo. Assim: a) o tratamento, como fratura, de

ferida causada pela introdução de um estilhaço de madeira na perna do

paciente; b) tomar uma mulher grávida como portadora de fibroma e operá-

la, causando-lhe a morte; c) aplicar ao doente tratamento de uma doença que

não tinha, sem se esforçar por descobrir de que moléstia realmente se tratava;

d) o contra-senso cometido pelo médico em face de uma radiografia

terminantemente clara; e)ou o diagnóstico leviano ou inexato, em presença de

sintomas positivamente contrários aos apresentados pela moléstia, e mau

grado o protesto energético do doente.192

191

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – responsabilidade civil. 8.ed. v.4. São Paulo: Saraiva,

2013, p. 268. 192 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p.287.

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97

O diagnóstico é um procedimento eminentemente técnico, o que dificulta

ao magistrado reconhecer um erro sem a existência de uma prova pericial, exceto

quando tratar-se de um erro grosseiro193

.

Miguel Kfouri Neto194

entende que o magistrado não deve observar

especificamente o erro de diagnóstico, mas a conduta culposa do médico, haja vista a

falibilidade humana conjugada à inexatidão da Medicina.

Portanto, segundo os seus ensinamentos, para identificarmos a conduta

culposa do médico em relação a um provável erro de diagnóstico, serão fundamentais os

seguintes questionamentos: 1) a conduta adotada pelo médico seria igual a de outro

profissional prudente que estivesse atuando nas mesmas condições? e, 2) o médico

utilizou todos os recursos a sua disposição para obter a certeza do diagnóstico?

Salienta o jurista Hamid Charaf Bdine Júnior195

que:

o erro de diagnóstico configura culpa, em geral, na modalidade negligência.

No entanto, também pode decorrer da imperícia (insuficiência de

conhecimento, despreparo técnico para enfrentar o caso prático), quando se

identifica a 'carência de conhecimentos sobre a cirurgia ou a mediação em

face dos sintomas revelados pelo paciente [...] as incertezas da Medicina

tornam impreciso o diagnóstico, excluindo o erro.

Ruy Rosado de Aguiar Junior, por sua vez, esclarece:

193 CIVIL. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. AGRAVAMENTO DA DOENÇA.

DIAGNÓSTICO TARDIO. INOCORRÊNCIA. ERRO NO PROCEDIMENTO. INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE

NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA ADMINISTRATIVA E O DANO. 1 – É subjetiva a responsabilidade da

Ré, haja vista o nítido caráter contratual da relação jurídica material de prestação de serviços médicos, já que

a obrigação do médico é de meio e não de resultado. Para que se configure a obrigação de indenizar, é necessário que

se demonstre a ação ou omissão, o dano, o nexo de causalidade entre o ato e o dano e, ainda, a concorrência de culpa.

2 – A doutrina e jurisprudência são unânimes em afirmar que descabe à competência do Judiciário a avaliação da

conduta médica, que exige a realização de prova pericial para a formação do convencimento do magistrado. E, ainda

assim, o exame de tais provas somente deve se pautar na conduta profissional, aferindo se houve ou não falha humana

e erro profissional grosseiro. 3 – Não se demonstrou nenhuma ocorrência anormal no atendimento ao apelante, que

foi submetido aos procedimentos necessários, em conformidade com as técnicas médicas, sendo-lhe ministrado

tratamento adequado e em tempo. O que ficou claro nos autos é que o autor sofria de problemas circulatórios de

longo período, agravados pelo tabagismo, vindo a desenvolver doença autoimune, degenerativa, progressiva e

irreversível: a “tromboangeite obliterante”. 4 – A despeito das evidentes dificuldades físicas enfrentadas pelo autor,

a obrigação da Administração Pública e seus prepostos, ao atuar na seara médica, limita-se ao emprego de todos

os meios necessários para alcançar a solução do problema. No caso concreto, pelo exame dos prontuários e do laudo

pericial, todos os esforços foram empenhados no sentido de diagnosticar e tratar a enfermidade do Apelante. 5 –

Recurso improvido. Sentença mantida. (Apelação cível AC 199351010016846 RJ 1993.51.01.001684-6 - TRF-2)

Data de publicação: 09/02/2010) 194 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 8.ed. São Paulo: RT, 2013, p. 101-102. 195 BDINE JUNIOR, Hamid Charaf. Responsabilidade civil na área da saúde: responsabilidade pelo diagnóstico.

São Paulo: Saraiva, 2007, p.93.

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98

O erro no diagnóstico não gera responsabilidade, salvo se este for realizado

sem atenção e precauções conforme o estado da ciência, apresentando-se

como erro manifesto e grosseiro. Comete-o o médico que deixa de recorrer a

outro meio de investigação ao seu alcance ou profere um juízo contra

princípios elementares de patologia.

Este também é o entendimento da jurisprudência196

:

INDENIZAÇÃO – ERRO DE DIAGNÓSTICO – MORTE – IMPUTAÇÃO

DE CULPA AO MÉDICO E AO HOSPITAL – PRESENÇA DOS

ELEMENTOS – RESPONSABILIZAÇÃO. É de ser responsabilizado,

médico e hospital, quando se evidencia que o resultado danoso – morte de

paciente – noticiado nos autos, decorre porque não observado o mínimo

exigível e ao alcance para se chegar à certeza do diagnóstico da paciente de

modo a conduzir ao seu tratamento adequado, levando à convicção da

precariedade do atendimento recebido e da atuação profissional feita com

negligência, imprudência, imperícia ou erro grosseiro, porque não fez o que

deveria e o que estava ao seu alcance naquele momento e circunstância.

Rui Stoco demonstra que o entendimento majoritário é de que o erro de

diagnóstico não gera a responsabilidade civil, exceto quando tratar-se de erro grosseiro:

Diante dessa nova realidade, se o diagnóstico for tardio, equivocado ou

causador de complicações à saúde do paciente, ter-se-á que considerar a

teoria da perda de uma chance deste ter conseguido maior sobrevida ou uma

sobrevivência à doença mais confortável e menos dolorosa ou difícil.197

Assim também tem se posicionado a jurisprudência recente.198

196 BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 105180100266990011 MG 1.0518.01.002669-9/001(1), Relator:

Geraldo Augusto. Data de Julgamento: 13/12/2005; Data de Publicação: 27/01/2006. Disponível em: <http://tj-

mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5864080/105180100266990011-mg-1051801002669-9-001-1>. Acesso em: 197 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013,

p.738. 198APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. QUEDA CRIANÇA DA ALTURA DE

CINCO METROS. TRAUMA CRÂNIO-ENCEFÁLICO. AUSÊNCIA DE EXAME RADIOLÓGICO. PARA

AVALIAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS LESÕES SOFRIDAS PELO TRAUMA. CAUSA DOS SINTOMAS DA

PACIENTE. PERDA DE UMA CHANCE. CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. Caso dos autos em

que o autor, então contando com sete anos de idade, sofreu queda de uma altura de cinco metros, sofrendo trauma

crânio encefálico. Levado ao nosocômio codemandado e atendido pelos médicos que lá atuavam, permaneceu em

observação por 17 horas, sendo medicado, sem que fosse realizado exame radiológico procedimento tido como

necessário para verificar a extensão das lesões sofridas. Removido por familiares para outro hospital e realizado o

exame radiológico, foi de pronto encaminhado para hospital de referência no qual submetido à craniotomia, diante da

constatação de fratura no crânio, permanecendo 14 dias na UTI e recebendo alta 24 dias após a queda. Sequelas

neurológicas e psicológicas permanentes, incapacitando o autor. Prova dos autos que evidencia a falha no

atendimento médico hospitalar prestado, notadamente a inércia em não realizar exame radiológico para aferir o grau

das sequelas sofridas pelo autor e a ocorrência de fratura de crânio, bem como por não ter determinado a transferência

do autor para outro hospital com condições de prestar adequado atendimento, tolhendo as chances de eventual

possibilidade de ausência ou minoração das sequelas resultantes do trauma. Erro de diagnóstico. Aplicação da teoria

da chance perdida, porquanto o erro de diagnóstico contribuiu para o agravamento do estado de saúde da paciente,

diminuindo suas chances de eventual possibilidade de ausência ou minoração das sequelas resultantes do trauma. Não

comprovado o atendimento pela codemandada Ingrácia, deve ser declarada a improcedência das pretensões em face

desta deduzidas. DANO MORAL. Dano moral que decorre do próprio fato, in re ipsa. Valor da condenação fixado,

além das peculiaridades do caso em concreto, de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem

como com a natureza jurídica da condenação. DANOS ESTÉTICOS. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE.

Declarada a improcedência do pedido de indenização por danos estéticos, eis que decorrentes da cicatriz inerente ao

procedimento cirúrgico a que necessitou ser submetido o autor em razão da queda sofrida, não guardando relação

com o erro dos demandados. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70052376779,

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99

Conforme o art. 5º do Código de Ética Médica, podemos entender a

perda de uma chance médica como o uso indevido de meios que impedem o paciente de

obter a melhora da sua situação clínica. Neste sentido também entende a

jurisprudência.199

200

Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 27/02/2013). (TJ–

RS – AC: 70052376779 RS , Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Data de Julgamento: 27/02/2013, Nona Câmara

Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/03/2013). Disponível em: <http://tj-

rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112584289/apelacao-civel-ac-70052376779-rs>. Acesso em 12 jan.2014. 199 BRASIL. Tribunal de Justiça. Paraná 8178449 PR 817844-9 (Acórdão), Rel. José Laurindo de Souza Netto,

julgamento: 08/03/2012, 8ª Câmara Cível APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS

MORAIS – ERRO MÉDICO – PACIENTE QUE FOI A ÓBITO – SENTENÇA SINGULAR QUE JULGOU

PROCEDENTE, FUNDAMENTANDO NA NEGLIGÊNCIA MÉDICA E NA TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE – INCONFORMISMO REALIZADO. ALEGAÇÃO PRELIMINAR DE JULGAMENTO EXTRA

PETITA – INOCORRÊNCIA – LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO MAGISTRADO – MÉRITO –

DEFEITO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA – ART. 14, § 4º, DO CDC

– ATO MANIFESTAMENTE INCOMPATÍVEL TANTO COM O PROCEDIMENTO REALIZADO COMO COM

O DEVER DE DILIGÊNCIA DE UM MÉDICO – NEGLIGÊNCIA MÉDICA COMPROVADA – AUSÊNCIA DE

EXAME LABORATORIAL EM PACIENTE EM TRATAMENTO DE CÂNCER ­ COMPLICAÇÕES

POSTERIORES QUE LEVARAM A VÍTIMA A ÓBITO – APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA

CHANCE – CHANCES OBJETIVAS E SÉRIAS PERDIDAS – DANOS MORAIS – CONFIGURAÇÃO – DANO

IN RE IPSA – PRESCINDÍVEL PROVA QUANTO À OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO CONCRETO –

MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO (R$ 50.000,00) – DE OFÍCIO FIXAR A CORREÇÃO

MONETÁRIA DA DATA DA SENTENÇA PELA MÉDIA INPC E IGP/DI – SÚMULA 362 DO STJ – JUROS DE

MORA DE 1% AO MÊS DA DATA DA CITAÇÃO – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – RECURSO

DESPROVIDO POR UNANIMIDADE. 1. "Embora seja o médico um prestador de serviços, o Código de Defesa do

Consumidor, no § 4º do seu art. 14, abriu uma exceção ao sistema de responsabilidade objetiva nele estabelecido. Diz

ali que:" A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa ". (in

Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil) 2."A alegada culpa, na modalidade de negligência, do

médico apelante é principalmente por ter dispensado à filha da apelada a adequado diagnóstico e os cuidados e

providências que a situação exigia. Frisa–se, que a conduta culposa do apelante foi a causadora do hiato no

atendimento adequado da paciente, o que criou ou agravou o quadro clínico da mesma". 3."Em outras palavras, o

dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa,

ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que

decorre das regras de experiência comum". (in Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil) 4."Não

vale dizer que a vítima/paciente morreria de qualquer modo em razão da agressividade da doença. A teoria da perda

de uma chance não descarta a possibilidade de o evento morte decorrer exclusivamente da doença; ao contrário,

trabalha com essa possibilidade, mas sem perder de vista a probabilidade de cura, atuando, a teoria, nas hipóteses em

que há dúvidas a respeito da causa adequada do dano. Ela envolve chances perdidas, e apenas isso. É suficiente que

existam chances sérias de cura ou de uma sobrevida menos sofrida, perdidas em razão da culpa do médico". 5."Ao

lado de critérios gerais como a incomensurabilidade do dano moral, o atendimento à vítima, à minoração do seu

sofrimento, o contexto econômico do País etc., a doutrina recomenda o exame: (i) da conduta reprovável, (ii) da

intensidade e duração do sofrimento; (iii) a capacidade econômica do ofensor e (iv) as condições pessoais do

ofendido". (TJ-PR 8178449 PR 817844-9 (Acórdão), Relator: José Laurindo de Souza Netto, Data de Julgamento:

08/03/2012, 8ª Câmara Cível). Disponível em: <http://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21452062/8178449-pr-

817844-9-acordao-tjpr> . Acesso em 07 jan.2014. 200 BRASIL. Tribunal de Justiça. Rio Grande do Sul. AC: 70052376779 RS , Rel. Tasso Caubi Soares Delabary,

julgamento: 27/02/2013, Nona Câmara Cível, Publicação: Diário da Justiça 04/03/2013APELAÇÃO CÍVEL.

RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. QUEDA CRIANÇA DA ALTURA DE CINCO METROS.

TRAUMA CRÂNIO-ENCEFÁLICO. AUSÊNCIA DE EXAME RADIOLÓGICO. PARA AVALIAÇÃO E

IDENTIFICAÇÃO DAS LESÓES SOFRIDAS PELO TRAUMA. CAUSA DOS SINTOMAS DA PACIENTE.

PERDA DE UMA CHANCE. CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. Caso dos autos em que o autor,

então contando com sete anos de idade, sofreu queda de uma altura de cinco metros, sofrendo trauma crânio

encefálico. Levado ao nosocômio codemandado e atendido pelos médicos que lá atuavam, permaneceu em

observação por 17 horas, sendo medicado, sem que fosse realizado exame radiológico procedimento tido como

necessário para verificar a extensão das lesões sofridas. Removido por familiares para outro hospital e realizado o

exame radiológico, foi de pronto encaminhado para hospital de referência no qual submetido à craniotomia, diante da

constatação de fratura no crânio, permanecendo 14 dias na UTI e recebendo alta 24 dias após a queda. Sequelas

neurológicas e psicológicas permanentes, incapacitando o autor. Prova dos autos que evidencia a falha no

atendimento médico hospitalar prestado, notadamente a inércia em não realizar exame radiológico para aferir o grau

das sequelas sofridas pelo autor e a ocorrência de fratura de crânio, bem como por não ter determinado a transferência

do autor para outro hospital com condições de prestar adequado atendimento, tolhendo as chances de eventual

possibilidade de ausência ou minoração das sequelas resultantes do trauma. Erro de diagnóstico. Aplicação da teoria

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100

O diagnóstico correto é fundamental para determinar o bom tratamento e

possibilitar o melhor cuidado ao paciente. Para isso, deve ser realizado com muita

prudência e cautela pelo profissional, a fim de reduzir as possibilidades de erros e

consequentemente de danos ao paciente.

Entretanto, mesmo sendo uma espécie de erro médico, segundo o

entendimento majoritário, o erro de diagnóstico precisa ser grosseiro para configurar a

responsabilidade do médico.

4.6 Dano médico

A obrigação do médico, como regra, é contratual de meio, e sua

responsabilidade, subjetiva, ou seja, exige a comprovação da conduta culposa do

médico causadora do dano sofrido e do nexo causal entre a conduta e o resultado

imputado para permitir a reparação ou indenização.

Não basta a existência real do dano como consequência do erro médico

comprovado para concretizar-se o dever de reparar ou indenizar. É necessário

igualmente comprovar a conduta negligente, imperita ou imprudente do médico e o

nexo causal entre a conduta e o resultado.

da chance perdida, porquanto o erro de diagnóstico contribuiu para o agravamento do estado de saúde da paciente,

diminuindo suas chances de eventual possibilidade de ausência ou minoração das sequelas resultantes do trauma. Não

comprovado o atendimento pela codemandada Ingrácia, deve ser declarada a improcedência das pretensões em face

desta deduzidas. DANO MORAL. Dano moral que decorre do próprio fato, in re ipsa. Valor da condenação fixado,

além das peculiaridades do caso em concreto, de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem

como com a natureza jurídica da condenação. DANOS ESTÉTICOS. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE.

Declarada a improcedência do pedido de indenização por danos estéticos, eis que decorrentes da cicatriz inerente ao

procedimento cirúrgico a que necessitou ser submetido o autor em razão da queda sofrida, não guardando relação

com o erro dos demandados. DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO. DESPESAS COM TRATAMENTO.

LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. Considerando a incapacidade do autor em razão das sequelas sofridas, faz jus ao

pensionamento mensal vitalício reclamado. Contudo, tratando-se de perda de uma chance, uma vez não ser possível

determinar a inocorrência das sequelas caso houvesse o correto atendimento médico, fixado em 2/3 do valor do

salário mínimo, a contar da data em que o autor completou dezesseis anos. Da mesma forma, faz jus o autor ao

ressarcimento de 2/3 dos valores despendidos com tratamento médico, a ser apurado em liquidação de sentença, bem

como ao pagamento de 2/3 de eventuais despesas futuras para o tratamento das sequelas. APELO PARCIALMENTE

PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70052376779, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:

Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 27/02/2013). (TJ-RS - AC: 70052376779 RS, Relator: Tasso Caubi Soares

Delabary, Data de Julgamento: 27/02/2013, Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia

04/03/2013). Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/112584289/apelacao-civel-ac-

70052376779-rs>. Acesso em: 10 jan.2014.

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101

Salientamos que não há que se falar em reparação ou indenização sem a

comprovação da lesão, que pode ser de ordem material ou moral. No entanto, conforme

destaca Rui Stoco, meros aborrecimentos não são indenizáveis: “de sorte que só

alegação de aborrecimento, desconforto, dor, sofrimento e outros fenômenos anímicos

não caracterizam – por si só – dano moral por falta de antecedente lógico-jurídico’’.

Em relação ao dano, que é uma consequência da atividade médica,

devemos considerar que a doutrina o qualifica como iatrogenia. Segundo Rui Stoco, a

expressão “iatrogenia’’ (iatro+geno+ia) é a alteração patológica provocada no paciente

por tratamento de qualquer tipo.

Paulo Jatene informa que existem três tipos de iatrogenia:

1. lesões previsíveis, sabendo-se que o procedimento implica em seqüela

(Exemplos: cirurgias mutiladoras, como amputação de membros (visíveis)

gastrectomias, colecistectomias, apendicectomias (não visíveis);

2. lesões previsíveis, porem inesperadas, podendo o procedimento acarretar

lesões inerentes à técnica (Exemplo: reação alérgica decorrente do uso de

contrastes radiológicos);

3. lesões decorrentes de falha do comportamento humano no exercício da

profissão, caso em que as falhas são possíveis de suscitar o problema da

responsabilidade legal do médico (Exemplo: confusão de veia safena com a

artéria femural durante a cirurgia de varizes, levando à gangrena).

A lesão ao paciente pode ser resultado de uma ação ou omissão do

profissional, lícita ou ilícita. A conduta lícita é a hipótese citada pelo cirurgião como

situações previsíveis ou previsíveis, porém inesperadas, que por sua vez, configuram o

exercício regular do direito. Haverá ainda a possibilidade de lesões ao paciente em

decorrência do tratamento adotado ou do medicamento utilizado, considerando a

possibilidade de reações individuais do organismo de cada paciente.

Como consequência de erros médicos temos as lesões ao paciente que

poderão ser de ordem patrimonial ou extrapatrimonial. No primeiro caso, consiste na

ofensa a interesses puramente financeiros, que representem valor econômico. Poderá

resultar em lesões físicas ao paciente que geram danos emergentes ou lucros cessantes.

O dano emergente, normalmente, refere-se às despesas com tratamento,

internação, medicamentos e enfermeiras para os cuidados domiciliares. Já os lucros

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cessantes correspondem ao que o indivíduo deixou de auferir em virtude do dano

causado. Como exemplo, citamos os rendimentos que deixou de receber por estar

hospitalizado.

O dano moral poderá ocorrer de forma independente, ou seja, sem a

existência do dano patrimonial, ou concomitante, conforme já se posicionou o Superior

Tribunal de Justiça na Súmula 37.

O dano extrapatrimonial refere-se a lesões à personalidade da pessoa, tais

como a angústia, a dor, o sofrimento que podem atingir a imagem do indivíduo. Neste

sentido, explica Sérgio Cavalieri: “dano moral, à luz da Constituição Federal vigente,

nada mais é do que a violação do direito à dignidade’’.

Segundo Nehemias Domingos de Melo, consiste o dano moral em “toda

agressão injusta àqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto de pessoa

jurídica, insusceptível de qualificação pecuniária, porém indenizável com tríplice

finalidade: satisfativo para vítima, dissuasório para o ofensor e de exemplaridade para a

sociedade.

Por conseguinte, observamos que além do dano material e moral, a

vítima poderá fazer jus ao dano estético.

Segundo Rui Stoco, o dano estético integra o dano moral, considerando

que altera a imagem da pessoa, o que lhe causa profunda angústia, tristeza e sofrimento.

No entanto, prevalece o entendimento de que o dano estético configura um direito

autônomo, não incluso no dano moral.

Conforme já pontuamos, a responsabilidade civil tem como objetivo

principal reparar danos, com o intuito de reestabelecer o equilíbrio da relação ao status

quo ante. Não sendo possível, aplicar-se-á a indenização que deverá ser fixada pelo juiz

conforme o art. 944 do Código Civil de 2002, que dispõe: “A indenização mede-se pela

extensão do dano’’.

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É necessária muita cautela e prudência dos magistrados para analisar os

danos patrimoniais e morais, a fim de não permitir a formação de uma indústria de

indenizações. Conforme observa Antônio Chaves,

todo e qualquer melindre, toda susceptibilidade exacerbada, toda exaltação

do amor-próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro

roçar das asa de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas,

ilusões insignificantes desfeitas, possibilitando sejam extraídas da caixa de

Pandora do direito centenas de milhares de cruzeiros.

Tendo em vista que a responsabilidade civil deve sempre buscar a

reparação dos danos, na hipótese de dano estético deverá visar inicialmente reparar o

dano in natura, ou seja, realizar uma nova cirurgia para restabelecer a situação ou,

então, fixar uma indenização na hipótese de não reparação.

Neste sentido: “é cabível a cumulação dos danos morais com os danos

estéticos quando, ainda que decorrentes do mesmo fato sejam passíveis de identificação

em separado”. 201

Igualmente consta no Superior Tribunal de Justiça: “as lesões não

precisam estar expostas a terceiros para que sejam indenizáveis, pois o que se considera

para os danos estéticos é a degradação da integridade física da vítima, decorrente do ato

ilícito”. 202

4.7 A importância da comprovação da culpa médica

Citemos, como um exemplo da importância da comprovação da culpa

médica, o conteúdo do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal:

De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, incumbia ao autor

provar o facto da extracção do dente do siso e o resultado da fractura,

pertencendo ao segurado da ré, o ónus de provar que cumprira, em concreto

com os deveres de zelo e de diligência a que estava obrigado, o que não fez203

201 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n. 910.794. Rel.Min. Denise Arruda, j. 21.10.2008. 202 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. n. 899.869. Rel. Min. Gomes de Barros, j. 13.02.2007). 203 Processo nº 674/2001. PL. S1, da 2ª Secção, Relator: Bittencourt de Faria, na data de 22 de setembro de 2011: I –

Na responsabilidade contratual por negligência em acto médico, compete ao lesante provar a não culpa, mas a

ilicitude da actuação deve ser provada pelo lesado. II – Ilicitude e culpa no acto médico danoso são conceitos

diferentes, indicando o primeiro o que houve de errado na actuação do médico e o segundo se esse erro deve ser-lhe

assacado a título de negligência. III – Estando em causa direitos absolutos, como de integridade básica, põe-se a

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4.8 Responsabilidade civil do cirurgião plástico

Com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, a Medicina passou a

permitir também a melhora da aparência, além dos cuidados com a saúde e com a vida

do paciente.

A doutrina discutiu bastante sobre a licitude da cirurgia plástica, pois

muitos argumentavam que a realização de cirurgia em um paciente saudável era ilícita,

pois trazia ao indivíduo inúmeros riscos desnecessários. Este foi o entendimento

adotado na França, em vista da sentença proferida no processo médico, conforme

demonstra José de Aguiar Dias.204

Após uma longa discussão doutrinária, a cirurgia plástica passou a ser

aceita como uma especialidade médica lícita e normal. Assim, ao médico especialista

em cirurgia plástica é permitido realizar cirurgias estéticas ou corretivas. A corretiva,

como o próprio nome sugere, visa corrigir deformações físicas congênitas ou

traumáticas; já a estética tem por finalidade corrigir alguma imperfeição física que

incomoda à pessoa, com o propósito de lhe melhorar a aparência.

Em relação à cirurgia plástica corretiva, é unânime o entendimento de

que a obrigação do médico é de meio, pois ele não pode comprometer-se com um

resultado final específico frente às limitações próprias da profissão.

Entretanto, muito se discute sobre a cirurgia plástica estética, pois há

quem entenda tratar-se de obrigação de meio e de resultado. Segundo Sérgio Cavalieri

Filho:

O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição

física, afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto, etc. Nesses casos, não há

dúvida, o médico assume uma obrigação de resultado, pois se compromete a

proporcionar ao paciente o resultado pretendido.205

questão de saber se não concorrem na negligência médica a responsabilidade contratual e a extracontratual. IV –

Existe, por isso, um concurso aparente de normas, que deve ser resolvido pela prevalência da responsabilidade

contratual, por ser a mais adequada para a defesa dos interesses do lesado. 204 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed.t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950. 205 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.396.

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A despeito das divergências doutrinárias, o Superior Tribunal de Justiça

já se posicionou ao determinar que a cirurgia estética é uma obrigação de resultado206

.

Contudo, pontua Arnaldo Rizzardo: “Seja qual for o tipo da cirurgia, se

bem diferente o resultado alcançado daquele previsto, se advierem conseqüências

acentuadamente diferentes, cabe indenização.”207

A cirurgia estética é aquela realizada com a finalidade de melhorar a

aparência física de uma pessoa. Nela se destaca a “vaidade, capricho, melhora,

erradicação de marcas da idade, retirada de gorduras localizadas, elasticação da pele e

afeiçoamento estético do corpo”, descreve Arnaldo Rizzardo.208

Por sua vez, ensina Genival Veloso de França que a cirurgia plástica visa

não apenas dar ao paciente uma aparência de inteira normalidade, mas

recuperar, reconstruir ou salvar um órgão ou uma estrutura [...] tudo isso

levando em conta as condições fisiológicas e patológicas do paciente e as

decorrentes da própria limitação da ciência.209

206 RSTJ 119/294; Resp 10.536, Rel. Min. Waldemar Zveiter; no mesmo sentido caminha o TJSP: (Ap. Cível nº

283.362-4/1-00, 10ªCâm. Dir. Priv., Des. Relatora Ana de Lourdes Coutinho Silva; Ap. Cível n° 532.922.4/7-00, 6ª

Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Eucinas Manfre; Ap. Cível n° 626.760-4/7-00, 6ª Câm. Dir. Priv., Rel. Des. Vitor

Guglielmi). No mesmo sentido, temos: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS

E MATERIAIS. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA EMBELEZADORA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO.

SÚMULA 83/STJ. POSSIBILIDADE DE O PROFISSIONAL DE SAÚDE ELIDIR SUA CULPA MEDIANTE

PROVA. PERÍCIA QUE COMPROVA O NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DE PROVAS. ANÁLISE

OBSTADA PELA SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO COM RAZOABILIDADE.

RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. De acordo com vasta doutrina e jurisprudência, a cirurgia plástica

estética é obrigação de resultado, uma vez que o objetivo do paciente é justamente melhorar sua aparência,

comprometendo-se o cirurgião a proporcionar-lhe o resultado pretendido. 2. A reforma do aresto no tocante à

comprovação do nexo de causalidade entre a conduta médica e os danos experimentados pela recorrente, demandaria,

necessariamente, o revolvimento do complexo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ.

3. A revisão da indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias

locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ausentes

tais hipóteses, incide a Súmula n. 7/STJ a impedir o conhecimento do recurso. 4. No caso vertente, verifica-se que o

Tribunal de origem arbitra o quantum indenizatório em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), pelos danos morais que a

recorrida experimentou em decorrência do erro médico produzido pelo recorrente, que além de ter contrariado as

expectativas da paciente com os resultados alcançados na cirurgia íntima de natureza estética a que foi submetida,

gerou-lhe prejuízos em sua saúde. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EDcl no Agravo em Recurso

Especial. nº 328.110 – RS (2013/0110013-4) Rel. Min. Luis Felipe Salomão. 207RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.337. 208 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.335. 209 FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.315.

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106

4.9 Responsabilidade civil do anestesista

O anestesista é um médico autônomo que estabelece uma relação

contratual com o paciente. Parte da doutrina entende que esta relação tem uma

obrigação de resultado, pois o “profissional se compromete ao anestesiar o paciente,

retirando-lhe a dor e fazendo-o dormir e, após a intervenção cirúrgica reanimá-lo,

trazendo-o de volta às condições normais, sem deixar sequelas, pouco importando o

procedimento empregado.”210

Entretanto, não é este o entendimento majoritário. Prevalece o

argumento de que a obrigação do médico anestesista seja de meio, tendo em vista que o

profissional se compromete com uma atuação diligente e zelosa, mas sem qualquer

possibilidade de assegurar um resultado final.

Todavia, a única diferença entre ambas as obrigações se refere ao ônus da

prova. Na obrigação de meio, a culpa do médico é presumida; na obrigação de

resultado, a culpa do médico precisará ser comprovada pelo paciente.

Por conseguinte, importante observarmos que o serviço médico prestado

pelo anestesista ao paciente tem três fases: a pré-operação, a operação e a pós-operação.

Nos momentos que antecedem a cirurgia deve o anestesista coletar dados

e informações relevantes para determinar o anestésico adequado para cada paciente.

Nesta fase, deverá o médico anestesista realizar todos os testes e exames necessários

para dar segurança ao profissional em relação à conduta médica adotada.

Rui Stoco211

destaca a importância deste momento pré-cirúrgico nos dias

atuais ao considerar que muitas pessoas utilizam drogas variadas como álcool, maconha

e cocaína. Este o motivo pelo qual o anestesista deve ter ainda mais cautela para

assegurar o procedimento adequado a cada tipo de paciente.

210 MELO, Nehemias Domingos de. Responsabilidade civil por erro médico – doutrina e jurisprudência. 2.ed. São

Paulo: Atlas, 2013, p.131 211 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil – doutrina e jurisprudência. 9.ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013.

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107

Compete ao médico anestesista escolher o anestésico adequado para cada

paciente e aplicá-lo corretamente, conforme procedimentos técnicos reconhecidos, sob

pena de ser responsabilizado por eventuais danos a ele causados.

Assim, qualquer erro ou falha na aplicação inadequada do anestésico,

seja pela escolha errada da artéria, seja pela escolha indevida do anestésico, será o

anestesista responsabilizado de forma autônoma. Desta forma, danos causados ao

paciente nos momentos pré ou pós-cirúrgico são da responsabilidade exclusiva do

médico anestesista.

Importante destacarmos que quando falamos de defeitos na aplicação do

anestésico incluímos a hipótese de excesso de anestésico injetado ou sua aplicação em

espaço de tempo incorreto. A responsabilidade do médico anestesista subsistirá ainda

que o erro tenha sido do enfermeiro que o auxiliou, aplicando inadequadamente ou

excessivamente o anestésico. Neste caso, estamos diante de uma responsabilidade culpa

in eligendo.

José de Aguiar Dias, seguindo os entendimentos de Oswaldo Loudet e de

Juan Márques Miranda, da Sociedade de Psiquiatria e Medicina Legal de La Plata

pontua regras a serem seguidas pelos anestesistas:

a) jamais deve o risco da anestesia ser maior que o risco da operação, isto é,

em operações de menor importância é desaconselhável aplicar anestesias

gerais, convindo, sempre que possível, guardar a proporção ou relação direta

entre a anestesia e a importância da operação;

b) não se deve praticar a anestesia sem consentimento do paciente; esse pode

ser dado diretamente pelo enfermo ou, em caso de impedimento, pelos que o

tiverem a seu cargo;

c) nunca se deve anestesiar sem testemunhas;

d) o anestesista deve sempre proceder a exame prévio das condições

fisiopsiquicas do paciente, inclusive exames de laboratório e peças dentárias;

e) não deve proporcionar anestesia a operação ilícita ou fraudulenta (aborto

criminoso);

f)jamais usar drogas anestéticas ou entorpecentes senão nas condições

imperativas e precisas, para aliviar a dor.212

Salvo hipóteses de emergência e urgência, deve o anestesista observar o

cumprimento destas regras para evitar possíveis danos ao paciente e a responsabilidade

profissional.

212 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 2.ed. t. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1950, p. 286.

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Quanto ao momento cirúrgico, destacamos que o anestesista deve

permanecer durante toda a cirurgia ao lado do paciente, controlando os seus impulsos

vitais sob pena de negligência médica. Nos termos da Resolução nº 1.802, de 04 de

outubro de 2006 do Conselho Federal de Medicina, este é um dever fundamental do

médico anestesista.

Danos ocasionados durante o momento cirúrgico poderão ser imputados

ao médico cirurgião e ao médico anestesista em solidariedade, a depender da forma de

contratação.

O anestesista poderá integrar a equipe do cirurgião ou do hospital.

Quando compuser a equipe do cirurgião, ambos responderão por danos causados ao

paciente; entretanto, se pertencer ao quadro de médicos do hospital, o cirurgião não será

responsabilizado, somente o hospital, exceto “se a ordem tiver sido mal dada ou

executada sob a fiscalização do médico-chefe, como, por exemplo, a injeção aplicada

diante dos médicos”, conforme explica Carlos Roberto Gonçalves.213

Inobstante os deveres do médico anestesista, também poderá ocorrer um

dano ao paciente em virtude da conduta de um auxiliar do anestesista. Nesse caso, o

raciocínio será o mesmo. Deve-se verificar se o auxiliar foi contratado pelo médico ou

pelo hospital, mas em ambos os casos haverá a responsabilidade culpa in eligendo.

4.10 A responsabilidade do médico prestando serviço no hospital

O médico, como profissional liberal e pessoa física que exerce atividade

científica, pode prestar serviços diretamente ao paciente, em virtude de uma relação

jurídica contratual estabelecida sem qualquer vínculo com terceiro.

Neste caso, a responsabilidade do profissional liberal será auferida com

base na culpa profissional, ou seja, na responsabilidade subjetiva, nos termos do art. 14,

§4º, do Código de Defesa do Consumidor. Assim, sendo a responsabilidade médica

subjetiva, o paciente deverá comprovar a conduta eivada de culpa lato sensu do médico,

213 GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves. Direito civil brasileiro – responsabilidade civil. 8.ed. v.4. São Paulo:

Saraiva, 2013, p.272.

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109

que por sua vez, precisa ser feita geralmente por meio de prova pericial, diante da

impossibilidade técnica do magistrado, exceto quando tratar-se de erro grosseiro.

Por sua vez, o ônus para comprovar a conduta culposa (negligência,

imperícia ou imprudência) irá se alterar, conforme a obrigação entre o médico e o

paciente, seja de meio ou de resultado.

Não obstante a contratação direta com o paciente através de uma relação

intuitu personae, o médico poderá ainda prestar serviços por meio da atuação em um

hospital, clínica ou outro local similar.

Neste caso, analisamos o fato de que o Código de Defesa do Consumidor

é aplicado tanto para as relações particulares entre o médico e o paciente, mas,

principalmente, quando o serviço é prestado através de um estabelecimento

intermediário. Para tanto, consta no art.3º:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou

estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem

atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação,

importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou

prestação de serviços;

§3º – Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de

crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Assim, o hospital é uma pessoa jurídica que, visando ou não o lucro,

presta serviços médicos, paramédicos (medicamentos, instalações, instrumentos, sala de

cirurgia, UTI, enfermagem e auxiliares) e de hospedagem ao consumidor final. É,

portanto, fornecedor de serviços; assim, sua relação com o consumidor é regida pelo

Código de Defesa do Consumidor, em vista da indiscutível relação de consumo que aí

se estabelece.

Observemos ainda a diversidade de serviços prestados pelos hospitais e

similares, segundo Ruy Rosado de Aguiar Junior214

: “hospital é uma universalidade de

214

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. São Paulo, Revista dos Tribunais,

n.718/41.

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fato, formada por um conjunto de instalações, aparelhos, e instrumentos médicos e

cirúrgicos destinados ao tratamento da saúde, vinculada a uma pessoa jurídica, sua

mantenedora, mas que não realiza ato médico.”

Nos serviços de hospedagem, o hospital exerce uma típica relação de

consumo. São serviços equiparados aos de hotelaria, uma vez que fornecem para o

consumidor acomodação, alimentação e cuidados ao paciente nas suas dependências.

Neste caso, quedas do paciente nas dependências do hospital,

alimentação em desacordo com prescrições médicas, contaminada ou estragada que

venha a causar problemas à sua saúde, o mau funcionamento dos equipamentos

oferecidos na hospedagem ou de equipamentos cirúrgicos, por exemplo, são da inteira

responsabilidade do hospital, que responde objetivamente por eventuais danos.

Os serviços paramédicos fornecidos pelos hospitais ou similares incluem

medicamentos, instalações, instrumentos, sala de cirurgia, UTI, enfermagem e

auxiliares.

Em relação aos de hospedagem e paramédicos, a doutrina e a

jurisprudência entendem que o hospital responde objetivamente pelos danos causados

aos pacientes (art.14 do Código de Defesa do Consumidor).

A discussão mais acalorada diz respeito à espécie de responsabilidade a

ser aplicada em face do defeito no serviço por consequência de um erro médico.

Em relação aos serviços médicos prestados pelos hospitais e similares,

devemos analisar, primeiramente, o contrato deste profissional, que pode ser

empregado, preposto ou profissional atuando de forma autônoma e independente,

apenas utilizando as dependências do hospital.

O atendimento feito pelo médico que atua dentro do hospital de maneira

autônoma, em vista de uma relação intuito personae com o paciente, não gera dúvidas

sobre a responsabilidade subjetiva prevista no art. 14, §4º, do Código de Defesa do

Consumidor.

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111

Igualmente, dispensa comentários a responsabilidade subjetiva do

profissional liberal que, mesmo tendo consultório particular, externo ou interno ao

hospital (decorrência de um negócio jurídico oneroso ou gratuito), apenas o utiliza para

realizar procedimento médico ou cirúrgico necessário ao cuidado ou tratamento da

saúde do seu paciente.

Neste caso, a responsabilidade será subjetiva do médico, mas poderá

responder o hospital solidariamente, conforme o Código de Defesa do Consumidor.

A doutrina aponta a hipótese do médico que atua como preposto do

hospital na condição de administrador, supervisor ou outro cargo de chefia

administrativa. Neste caso, entende que a responsabilidade é objetiva, tendo em vista

que o médico não atua como profissional liberal prestando serviços médicos, mas

oferecendo serviços de outras naturezas, embora ligados à área médica.

Por conseguinte, a grande divergência ocorre quando o médico atua nas

dependências do hospital através de um vínculo em empregatício.

Segundo Nenhemias Domingos de Melo, pouco importa a forma de

contratação do médico que atua no hospital, clínica ou estabelecimento similar visto que

está dentro do estabelecimento; assim, a responsabilidade do hospital é objetiva, haja

vista o disposto no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de

que a responsabilidade do hospital por danos decorrentes dos serviços hospitalares seja

objetiva; entretanto, quando os danos decorrerem de serviços médicos, a

responsabilidade do hospital dependerá da comprovação da culpa do profissional, em

vista do art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a responsabilidade

do profissional liberal mediante a verificação da culpa (subjetiva).

Este entendimento resulta da compreensão de que, uma vez admitida a

responsabilidade objetiva do hospital por danos causados por erro médicos, isto

significa tornar a responsabilidade médica de resultado, pois, se o médico não curar, o

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paciente poderá ser indenizado pelo hospital. Em outras palavras: se o médico não

assegurar a cura, o hospital assegurará, o que é inadmissível, principalmente, pela

inexatidão da Medicina.

Contudo, tratando-se de inquestionável relação de consumo, entende o

Superior Tribunal de Justiça que caberá ao hospital responder solidariamente com o

médico quando comprovada a culpa médica, com fundamento no Código de Defesa do

Consumidor:

Nesse passo, verifica-se que, embora o § 4º do art. 14 do CDC afaste a

responsabilidade objetiva para os profissionais liberais não exclui, se

configurada uma cadeia de fornecimento do serviço, e uma vez comprovada a

culpa desse profissional, a solidariedade imposta pelo caput do art. 14 do

CDC. Dessa forma, quando houver uma cadeia de fornecimento para a

realização de determinado serviço, ainda que o dano decorra da atuação de

um profissional liberal, verificada culpa deste, nasce a responsabilidade

solidária do grupo, ou melhor, daqueles que participam da cadeia de

fornecimento do serviço215

.

Um típico caso de atendimento médico dentro do hospital é o feito em

pronto-socorro pelo médico plantonista. Neste caso, o paciente ingressa no hospital para

receber atendimento médico e hospitalar sem escolher especificamente o profissional

que irá atendê-lo, menos ainda contratá-lo intuitu personae.

É uma situação comum nos atendimentos de emergência o fato de o

hospital contratar uma sociedade civil, formada por sócios médicos, os quais integram o

corpo clínico responsável pelo atendimento do pronto-socorro, dando a falsa impressão

de tratar-se de pessoas jurídicas autônomas e independentes.

Entretanto, deverá ser comprovada a culpa do médico na sua atuação

profissional para existir o dever do hospital de responder pelos danos causados ao

paciente por erro médico. Esse entendimento se sustenta na compreensão de que a

atuação do médico, independentemente da modalidade de contrato, é subjetiva, uma vez

que o profissional não assegura resultado, exceto no caso do médico cirurgião plástico.

215 BRASIL. Recurso Especial n.216.424 – MT (2010/0182549-7). Rel. Ministra Nancy Andrighi.

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5 CONCLUSÃO

1. Responsabilidade é um dever legal geral, que decorre da máxima

neminem laedere, ao determinar a obrigação secundária e sucessiva de reparação de

todos os danos efetivamente causados a terceiros. Danos estes ocorridos na esfera

patrimonial ou moral, em virtude de uma conduta comissiva ou omissiva.

2. A responsabilidade civil do médico por danos causados como

consequência de erros praticados na sua atuação profissional é subjetiva, ou seja, exige

a comprovação da conduta culposa.

3. Na relação contratual estabelecida entre o médico e o paciente, a

culpa do médico não é presumida. Compete à vítima comprovar uma das suas três

modalidades – negligência, imperícia ou imprudência – para fazer jus à reparação dos

danos efetivamente sofridos e comprovados.

4. A responsabilidade do médico por danos causados em uma

atuação negligente, imprudente ou imperita será subjetiva, ainda que seus serviços

sejam prestados em ambiente hospitalar, como profissional autônomo ou na condição de

empregado do hospital.

5. O médico responde por danos causados por ato próprio ou ato de

terceiro.

6. Excepcionalmente, a relação entre o médico e o paciente poderá

ser extracontratual. Um típico exemplo é o atendimento médico oferecido a paciente

ferido em via pública ou durante percurso de viagem, dentro do avião.

7. A natureza jurídica da relação entre o médico e o paciente é sui

generis, haja vista não configurar um contrato típico de prestação de serviços, pois

inclui o dever de aconselhar.

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8. A obrigação do médico ao prestar serviços profissionais, em

regra, é de meio. Isso, porque, o objeto da relação obrigacional não é a cura do paciente,

mas a oferta do melhor cuidado e o emprego de toda a diligência possível. Cabe ao

médico utilizar os seus conhecimentos técnicos, que devem estar em contínuo

aprimoramento, além de todos os recursos à sua disposição para proporcionar o melhor

cuidado ao paciente.

9. Apenas em alguns casos a obrigação do médico perante o seu

paciente poderá ser de resultado. É o que ocorre com a prestação dos serviços médicos

para a realização de cirurgia estética embelezadora.

10. A informação é um dever moral, legal e ético do médico em face

do seu paciente ou representante legal. Ela deve ser esclarecedora e completa sobre o

diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os benefícios, além dos possíveis efeitos de

medicamentos, tratamentos ou cirurgias.

11. Em situações nas quais o paciente deva ser submetido a

tratamentos ou cirurgias de risco, deverá o médico, após informar adequadamente todo

o quadro clínico ao paciente, obter o consentimento para a conduta médica a ser

adotada.

12. O consentimento para realizar tratamento ou cirurgia de risco

deverá ser assinado pelo paciente ou seu representante legal.

13. Este documento escrito deve conter todas as explicações e

orientações minuciosamente esclarecidas pelo médico ao paciente. Não se admite a

simples assinatura, minutos antes da realização do tratamento ou cirurgia, de termo pré-

redigido.

14. O consentimento do paciente, devidamente informado sobre

todos os possíveis riscos aos quais está sujeito, libera o médico de eventuais danos

decorrentes da conduta médica adotada.

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15. Não se admite o consentimento do paciente para a realização de

experiências com seu corpo se em tal procedimento não existir qualquer vantagem para

a saúde humana. Desta forma, caso o médico mesmo assim o faça, estará atuando com

abuso ou desvio de poder.

16. O cuidado é outro dever médico. Compete ao profissional atuar

com humanidade, diligência e respeito ao paciente. Deve haver cuidado tanto nos

momentos que antecedem um tratamento ou procedimento cirúrgico como após a sua

realização.

17. O melhor caminho para evitar danos e ações de responsabilidade

civil, tanto para o médico como para o paciente (que não busca um atendimento médico

com a finalidade de ser indenizado) é a prevenção.

18. A prevenção inclui serviços médicos de boa qualidade, realizados

com respeito e lealdade ao paciente, que deve ser tratado como um ser humano e não

como um cliente que pagará por um simples serviço prestado.

19. É fundamental o bom relacionamento entre o médico e o paciente,

agregado ao bom exercício da Medicina pelo profissional, em atenção às necessidades

do paciente para evitar danos e consequentes demandas judiciais.

20. Por fim, é imprescindível que os médicos tenham a exata

compreensão sobre a relação jurídica que se forma com o atendimento ao paciente,

sobre os seus direitos e deveres nesta relação, para permitir o adimplemento da

obrigação, sem danos ou conflitos às partes.

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