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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO MARIANA ARITA SOARES DE ALMEIDA REGIME JURÍDICO DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA Estudo sobre as normas de fiscalização da obrigação tributária e dos deveres instrumentais MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MARIANA ARITA SOARES DE ALMEIDA

REGIME JURÍDICO DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA

Estudo sobre as normas de fiscalização da obrigação tributária

e dos deveres instrumentais

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO – 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

MARIANA ARITA SOARES DE ALMEIDA

REGIME JURÍDICO DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA

Estudo sobre as normas de fiscalização da obrigação tributária

e dos deveres instrumentais

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo –

PUC/SP, como exigência parcial para

a obtenção do título de MESTRE EM

DIREITO TRIBUTÁRIO, sob a

orientação do Professor Paulo de

Barros Carvalho.

SÃO PAULO – 2014

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BANCA EXAMINADORA

____________________________________

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AGRADECIMENTOS

A finalização de uma etapa muito importante, concretizada com a presente

dissertação, jamais seria possível sem a participação de pessoas muito

especiais, que merecem o meu “muito obrigada”! Agradeço:

Ao meu orientador, Paulo de Barros Carvalho, cuja escola me ensinou uma

extraordinária maneira de estudar.

Aos professores Fabiana Del Padre Tomé e Robson Maia Lins, pelas

fundamentais considerações e sugestões tecidas na banca de qualificação.

Aos demais professores do curso, José Artur Lima Gonçalves, Regina

Helena Costa e Silvio Luis Ferreira da Rocha, que contribuíram

inestimavelmente para a ampliação dos meus horizontes.

Às minhas muito admiradas e estimadas chefes, Maria Leonor Leite Vieira,

Sandra Cristina Denardi e Maria Ângela Lopes Paulino Padilha, por terem

enfrentado de maneira tão participativa todo o desenvolvimento deste trabalho.

Às queridas amigas, revisoras, debatedoras e críticas, Viviane Camara

Strachicini, Daniele Souto Rodrigues, Semíramis Oliveira e Luisa Cristina

Miranda Carneiro.

Aos meus pais, Ana Cleonice Arita e Marcelo Soares de Almeida, à minha

irmã, Carolina Arita Soares de Almeida, e à minha avó, Anna Maria

Ferreira Santos, pelo incentivo aos estudos e ao desfrute da vida.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –

CAPES –, pelo financiamento desta pesquisa.

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RESUMO

Essa dissertação tem como eixo central de estudo a fiscalização das obrigações

tributárias e dos deveres instrumentais realizada pela Administração. Sob um

viés crítico-reflexivo, serão analisadas questões atinentes ao momento que se

inicia com uma investigação ampla e abrangente, eventualmente desdobrada

num específico procedimento que culmina com a positivação de normas que

afirmam o fato jurídico tributário, ou infirmam ou confirmam a atividade do

particular, emanadas de normas primárias precedentes ou derivadas punitivas

ou não punitivas. Mediante a análise das regras e princípios que devem nortear

a atividade fiscalizatória, busca-se o estudo pormenorizado de cada critério

informador da norma estrutural de competência que outorga poderes

investigativos aos agentes fiscais.

Palavras-chave: Procedimento fiscalizatório tributário. Obrigação tributária.

Dever instrumental. Normas primárias precedente. Normas primárias derivadas

punitivas. Normas primárias derivadas não punitivas. Norma de competência

do agente fiscal.

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ABSTRACT

The central axis of this dissertation is studying the surveillance activity about

tax obligations and instrumental duties performed by the Executive. Under a

critical and reflective review, it´s going to be analyzed the moment which

begins with a broad and comprehensive inspection, possibly originating a

specific procedure that culminates with application of norms that assert the tax

legal fact, or invalidate or endorse the activity held by the particular, branched

from norms sorted as primary precedent or derived punitive or non-punitive.

Through the analysis of rules and principles that should guide the surveillance

activity, we are going to accomplish a detailed study of each criterion that

informs the structural standard of the investigative competence of tax agents.

Keywords: Tax inspection procedure. Tax obligation. Instrumental duty.

Primary precedent norm. Primary derived punitive norm. Primary derived non-

punitive norm. Competence of the fiscal agent.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CADIN Cadastro de Informações dos Créditos de Órgãos e Entidades

Federais Não Quitados

CARF Conselho Administrativo de Recursos Fiscais

CF Constituição Federal

CPMF Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou

Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza

Financeira

CTN Código Tributário Nacional

DIMOB Declaração Informações sobre Atividades Imobiliárias

ICMS Imposto Incidente sobre a Circulação de Mercadorias e

Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de

Comunicação

ISS Imposto Sobre Serviços

ITR Imposto Territorial Rural

MPF Mandado de Procedimento Fiscal

RFB Receita Federal do Brasil

RE Recurso Extraordinário

RESP Recurso Especial

RIR Regulamento do Imposto sobre a Renda

SINTEGRA Sistema Integrado de Informações sobre Operações

Interestaduais com Mercadorias e Serviços

SF Secretaria das Finanças

SPED Sistema Público de Escrituração Digital

SRF Secretaria da Receita Federal

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STJ Superior Tribunal de Justiça

STF Supremo Tribunal Federal

TDPF Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal

TEAF Termo de Encerramento de Ação Fiscal

TIAD Termo de Intimação para Apresentação de Documento

TIAF Termos de Início de Ação Fiscal

TIT Tribunal de Impostos e Taxas

TJ Tribunal de Justiça

TRF Tribunal Regional Federal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1 PREMISSAS METODOLÓGICAS E DELIMITAÇÃO DO OBJETO .......... 15

1.1 O conhecimento e o constructivismo lógico-semântico ............................................. 16

1.2 O estudo do Direito a partir das premissas metodológicas do

constructivismo lógico-semântico ............................................................................... 21

1.2.1 Construção de sentido do Direito .............................................................................. 23

1.2.2 Norma jurídica completa ........................................................................................... 27

1.2.3 Processo de positivação do Direito ........................................................................... 30

1.3 A delimitação do objeto de estudo .............................................................................. 32

1.3.1 Relações jurídico-tributárias ..................................................................................... 34

1.3.2 Fiscalização tributária ............................................................................................... 39

2 NOÇÕES FUNDAMENTAIS............................................................................... 45

2.1 A organização do Estado Brasileiro e a competência tributária .............................. 45

2.1.1 Competência fiscalizatória ........................................................................................ 52

2.2 A fiscalização tributária e o dever de colaborar ........................................................ 60

2.3 A fiscalização tributária: processo ou procedimento? .............................................. 65

2.4 Os princípios que regem a atividade fiscalizatória tributária .................................. 71

2.4.1 Supremacia do interesse público sobre o interesse privado ...................................... 72

2.4.2 Legalidade ................................................................................................................. 74

2.4.3 Eficiência .................................................................................................................. 77

2.4.4 Publicidade ................................................................................................................ 82

2.4.5 Proporcionalidade ..................................................................................................... 84

2.4.6 Verdade jurídica ........................................................................................................ 86

3 ELEMENTOS DA NORMA DE COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA ...... 91

3.1 O critério pessoal – Sujeito competente para aplicar as normas de

fiscalização tributária e para figurar no polo ativo da relação jurídica

fiscalizatória .................................................................................................................. 94

3.1.1 Agentes fiscais e particulares: privatização da atividade fiscalizatória? ................... 96

3.1.2 Definição do sujeito ................................................................................................ 102

3.1.3 Permuta de informações .......................................................................................... 104

3.2 O critério pessoal – Sujeito passivo da relação jurídica fiscalizatória .................. 112

3.2.1 Discricionariedade na escolha dos fiscalizados ...................................................... 116

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3.2.2 Não incidência, isenção, imunidade e fiscalização ................................................. 117

3.3 O critério espacial – âmbito territorial da competência fiscalizatória .................. 123

3.4 O critério temporal – limites temporais do exercício da competência

fiscalizatória ................................................................................................................ 126

3.5 O critério procedimental – forma do exercício da competência fiscalizatória...... 129

3.5.1 Espontaneidade no Direito Tributário ..................................................................... 134

3.5.2 Refiscalização ......................................................................................................... 138

3.6 O critério prestacional – matérias em torno das quais podem ser

instaurados procedimentos fiscalizatórios ............................................................... 140

3.6.1 Direito ao silêncio e fiscalização ............................................................................. 140

3.6.2 Quebra de sigilo bancário ........................................................................................ 148

CONCLUSÕES ......................................................................................................... 155

REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 173

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INTRODUÇÃO

A positivação1 do Direito Tributário para a regulação dos casos concretos não é

ato espontâneo; muito pelo contrário, pressupõe a interpretação dos enunciados

prescritivos, bem como dos dados factuais e a subsunção da versão do fato ao

conceito descrito na hipótese normativa. Nesta senda, a atividade fiscalizatória

é expediente imprescindível para a incidência e aplicação das normas

tributárias impositivas de exações fiscais, constitutivas de sanções

administrativas e homologatórias da conduta dos administrados, pois, mediante

o seu exercício, torna-se possível a específica reconstrução dos acontecimentos

do “mundo da vida”2, traduzindo-os juridicamente e imputando-lhes efeitos

legais.

Essa complexa tarefa de construção dos fatos tipificados no antecedente das

prescrições tributárias é composta por uma série de atos administrativos que

pressupõem a colaboração dos contribuintes, responsáveis tributários e

terceiros. Esses sujeitos – aqueles que produzem os atos administrativos, os

contribuintes, responsáveis e terceiros – estão intricadamente relacionados em

direitos e deveres.

Sob o rótulo Regime Jurídico da Fiscalização Tributária, o que se pretende é

oferecer uma argumentação sólida e consistente, contribuindo para o

desenvolvimento teórico e pragmático da atividade que precede a produção de

normas individuais e concretas que afirmam o fato jurídico tributário ou

infirmam ou confirmam a atividade do particular. O estudo das normas de

fiscalização da obrigação tributária e dos deveres instrumentais cinge-se à

análise de diferentes aspectos da produção normativa pela prática das três

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência.

São Paulo: Saraiva, 2007, p. 36. 2 HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental.

Introdução e tradução de Urbano Zilles. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 31.

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funções de órgãos que compõem o Estado, quais sejam, a legislativa, executiva

e judiciária.

Para cumprir esse mister, no Capítulo 1, serão fixadas as premissas

metodológicas que permeiam todo o raciocínio desenvolvido no trabalho, já

desenhando a utilização dessas categorias na específica tratativa do tema, bem

como delimitando o objeto do estudo, de modo a oferecer o sentido adotado

para o conceito de fiscalização tributária.

Em seguida, no Capítulo 2, serão apresentadas noções essenciais para a

configuração das linhas mestras da atividade fiscalizatória: serão fixadas ideias

construídas a partir dos enunciados prescritivos postos no sistema jurídico pelo

Legislador, conferindo as notas fundantes da atividade fiscalizatória exercida

pelo Executivo. Além do mais, serão analiticamente contextualizados

peculiares princípios que devem nortear a fiscalização tributária em todos os

seus planos de expressão.

No Capítulo 3, será proposto o estudo dos elementos que compõem a norma de

competência fiscalizatória dos agentes fiscais, isto é, dos critérios que

informam a norma que atribui legitimidade a determinados sujeitos para

concretizarem atos fiscalizatórios e introduzirem no sistema jurídico

enunciados prescritivos que vinculam indivíduos de direitos e deveres em

função de situações constituídas juridicamente. A importância da estrita

atenção à norma de competência fiscalizatória se revela na circunstância de que

eventuais vícios dos atos fiscalizatórios afetam diretamente os atos que lhe

seguem, mormente o ato de lançamento, bem como a lavratura de Auto de

Infração e a homologação da atividade do particular3. No decorrer deste

3 Ressalta à obviedade que o procedimento, enquanto sucessão de atos administrativos,

depende da validade e eficácia de cada uma das respectivas atividades, a ponto de ver-se

prejudicado, em seu caminhar, pelos vícios que porventura os comprometam.

(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:

Noeses, 2008, p. 785).

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capítulo, selecionados temas afetos à atividade fiscalizatória serão estudados

em constante cotejo com a produção normativa dos Tribunais Administrativos

e Judiciais.

“O vício jurídico de um ato anterior contamina o posterior, na medida em que haja entre

ambos um relacionamento lógico incindível” (MELLO, Celso Antonio Bandeira.

Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 72).

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1 PREMISSAS METODOLÓGICAS E DELIMITAÇÃO DO OBJETO

O método é o expediente adotado pelo sujeito cognoscente para se aproximar

do objeto de estudo e sobre ele emitir juízos. É por intermédio da adoção de

uma metodologia específica que se estabelece um contato entre o objeto de

conhecimento e o indivíduo que se propõe conhecê-lo.

Com efeito, as propostas metodológicas são inúmeras, e não existe um

instrumento exclusivo para a investigação e exploração de cada objeto, de

modo que a escolha de cada método está relacionada com a proposta

cognoscitiva do intérprete. A título exemplificativo, podemos nos utilizar da

via racional dedutiva, alcançada pela lógica, para analisarmos sintaticamente a

linguagem, perquirindo as relações entre os signos organizados em um

discurso. Esse estudo lógico dos textos é apenas um ponto de vista sobre o

conhecimento, não o contemplando, portanto, na sua totalidade, pois

negligencia os planos semântico e pragmático da fala, circunstância reveladora

de que a aproximação do objeto em toda proposta cognoscitiva implica,

inevitavelmente, um corte metodológico4.

A apresentação das premissas metodológicas assumidas no desenvolvimento de

um trabalho confere a possibilidade de controle e vigilância da coerência do

raciocínio construído acerca do objeto cognoscitivo. Isso porque, a partir do

domínio das ideias primeiras que fundamentam todo argumento, é possível a

verificação da uniformidade e procedência das conclusões construídas.

Tão importante quanto a fixação das premissas metodológicas que serão

utilizadas em qualquer trabalho é a delimitação do objeto que se propõe

estudar. Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho:

4 Neste sentido, observa Paulo de Barros Carvalho: “exatamente porque todo o

conhecimento é redutor de dificuldades, reduzir as complexidades do objeto da

experiência é uma necessidade inafastável para se obter o próprio conhecimento”

(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:

Noeses, 2008, p. 7).

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[…] o saber científico dos tempos atuais é enfático em um

ponto: todos entendem que não há como abrir mão da

uniformidade na apreciação do objeto, bem como da rigorosa

demarcação do campo sobre o qual haverá de incidir a

proposta cognoscitiva.5

Neste capítulo, vamos expor a metodologia adotada para a elaboração desta

dissertação e, uma vez fixadas as ferramentas de que nos utilizaremos para a

aproximação do tema, delimitaremos o nosso objeto de estudo, apontando o

sentido que atribuímos à expressão fiscalização tributária.

1.1 O conhecimento e o constructivismo lógico-semântico

Desde Crátilo de Platão, destacava-se a filosofia da consciência, segundo a qual

o ato de conhecer consistia na reprodução do real por meio da linguagem. Essa

concepção defendia o sentido ontológico do mundo refletido pelas palavras,

isto é, partia do pressuposto de que o homem, por intermédio da língua,

representava a realidade que existia em si mesma. Nesse contexto, as

proposições eram consideradas verdadeiras quando presente a correspondência

entre a reprodução do real e o objeto referido.

Ocorre que não foram (e ainda não são) raros os momentos em que o estudo

dos objetos acabou por infirmar teorias já construídas e difundidas por longas

décadas, revogando as verdades dantes defendidas6. Justificando esse contínuo

5 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:

Noeses, 2008, p. 6. 6 Exemplificando, é a situação de “Plutão, ‘o nono planeta’, que acaba de ser

inapelavelmente desqualificado pelos “avanços” da Astronomia. Pequena substituição na

camada de linguagem que outorgava àquela esfera celeste a condição de planeta foi o

suficiente para desclassificá-lo, oferecendo à comunidade das Ciências outro panorama do

nosso sistema solar” (ibid., p. 159).

Não apenas pelo aperfeiçoamento da técnica de aproximação, mas também em razão da

mudança de contexto em que são realizadas as análises, variam os sentidos atribuídos aos

objetos de estudo. Neste sentido, “os valores, os bens, as realizações alcançadas estão

condicionadas à altura que a vida vai historicamente adquirindo. Daí a impossibilidade de

se conceber a vida da cultura como uma história em direção linear. Não existe uma história

da moral, do direito, da ciência, mas valores morais, sistemas de direito, ciências, cujos

métodos, fins e significações variam com o tipo de humanidade em que a vida se

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surgimento de novas conjecturas acerca do mundo real, surgiu o movimento do

giro-linguístico, cuja obra percussora é o Tractatus logico-philosophicus, de

Ludwig Wittgenstein.

De acordo com essa escola filosófica, o conhecimento é um processo

interpretativo que empresta inteligibilidade às coisas, sendo o mundo da vida

submetido à nossa percepção sensível (olfato, visão, audição, tato e paladar),

num “caos de sensações”7 organizado no nosso intelecto e interpretado na

forma de linguagem, ingressando, então, no plano da realidade.

Nesse contexto, o movimento pelo qual o indivíduo se propõe a conhecer algo

(ato de conhecer) se motiva na tentativa de estabelecer uma ordem ao mundo

da experiência, sendo a evolução do conhecimento (como forma e conteúdo)

concretizada por meio de uma sedimentação gradativa em três etapas

apresentadas por Leonidas Hegenberg8: primeiramente, por meio da percepção,

o indivíduo sabe de, identificando os objetos e os distribuindo em classes, o

que o torna capaz de dirigir suas ações futuras, garantindo-lhe a possibilidade

de sobrevivência9. Em seguida, em razão das atividades que os homens são

compelidos a executar, sabe-se como os objetos funcionam, compreendendo a

matéria, o comportamento e as transformações do mundo à sua volta. E, por

fim, atinge-se o saber que, decorrente da aplicação de diversas teorias que

permitem a construção de inferências atributivas de lógica ao mundo. Desse

modo, o conhecimento se aperfeiçoa em três estágios: primeiramente, tem-se a

concretiza” (VILANOVA, Lourival. A teoria dos valores em Nietzsche. Diário de

Pernambuco, 27 abr. 1947). 7 KANT, Immanuel apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e

Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 7. 8 HEGENBERG, Leonidas. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade. Petrópolis:

Vozes, 2002, p. 19 et seq. 9 Neste sentido, Vilém Flusser sugere a ideia de uma constante conversação entre os planos

da experiência e da realidade, na medida em que são estabelecidas relações no interior de

um único intelecto, aprimorando o conhecimento acerca de determinado evento, como

explica o filósofo: “os dados são formados como pasta caótica, as palavras vêm

organizadas em frases. Os dados brutos vêm, por exemplo, na forma das seguintes

palavras: dói, duro, marrom, quatro pernas, igual a: bati contra a mesa […] o intelecto em

conversação conserva e aumenta o território da realidade” (FLUSSER, Vilém. Língua e

Realidade. São Paulo: Annablume, 2007, p. 47, 50).

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apreensão dos objetos na forma de ideias, que passam a ser associadas com

outras formulações, em juízos, que, por fim, servem para a construção de

raciocínios.

Observa-se que, em qualquer dessas formas de manifestação do conhecimento,

jamais podemos deixar o campo da linguagem, porque os objetos manifestados

no plano da experiência representam meros eventos que, exclusivamente por

intermédio do homem, que lhes atribui nomes, passam a integrar o plano dos

fatos, a respeito dos quais se formulam proposições10

. Sem adentrar no mérito

da existência ontológica das coisas, “existindo ou não existindo tais entidade

em si, elas somente entrarão para o âmbito do conhecimento quando vierem a

fazer parte da intersubjetividade do social, ‘inteiramente’ tecida pela

linguagem”11

. Noutros termos, os dados brutos que não são captados pela

percepção humana ou que, embora captados, não conseguem ser traduzidos em

linguagem para que sobre eles o sujeito possa emitir qualquer juízo, deixam de

ingressar no plano da realidade.

Partindo dessa ênfase conferida ao abismo entre os mundos real e ideal, a

escola da filosofia da linguagem aponta a irredutibilidade do objeto às palavras,

em flagrante contraposição às ideias fundantes da filosofia da consciência.

Explicando a percepção do novo paradigma filosófico são as lições de clareza

ímpar de Aurora Tomazini de Carvalho:

Exemplo disso pode ser observado quando buscamos o

sentido de um termo no dicionário, não encontramos a coisa

10

Os objetos, por si só, somente terão um significado se caracterizados por palavras, pela

língua falada, para ingressar na realidade perceptível do sujeito cognoscente. A realidade é

constituída pelas coisas do mundo da experiência interpretadas e compreendidas pela

língua (FLUSSER, Vilém apud TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o

constructivismo lógico-semântico. In: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilém

Flusser e juristas. São Paulo: Noeses, 2009). Neste sentido, a realidade é o produto de

“uma atitude dialética, uma vez que se trata de inter-relação entre sujeito e objeto, um

elemento se adequando concomitantemente ao outro para que se ponha “in” o ato de

conhecimento” (REALE, Miguel. Cinco temas do culturalismo. São Paulo: Saraiva, 2000,

p. 6). 11

CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo:

Noeses, 2014, p. 6.

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em si (referente), mas outras palavras. Deste modo, podemos

afirmar que a correspondência não se dá entre um termo e a

coisa, mas entre um termo e outros, ou seja, entre linguagem.

A essência ou a natureza das coisas, idealizada pela filosofia

da consciência, é algo intangível.12

Com fundamento no corte feito por Kant entre os planos do ser e do dever ser,

foi abandonada a ideia de subsunção do objeto em si ao juízo formulado a

respeito dele, passando a ser defendido o conhecimento como uma relação

entre linguagens que estão em constante mutação.

Assim, o conhecimento não é mais a mera tradução do objeto pela língua, mas

o estudo dos termos que o homem emprega para referir-se ao objeto. Como se

pode notar, a linguagem tornou-se essencial expediente para a própria

construção dos objetos encontrados no mundo da experiência, captados pelos

nossos sentidos e organizados no intelecto com os demais elementos

cognoscitivos13

.

Por causa da então reconhecida impossibilidade de acessarmos o mundo pelo

emprego da linguagem para meramente refletirmos a natureza do dado bruto, o

conhecimento passou a consistir numa “correlação transcendental subjetivo-

objetiva”14

: atribuindo, na visão dessa corrente filosófica, um caráter dialético

ao processo de conhecer, em que há uma relação de interdependência entre o

sujeito e o objeto, que apenas existem concomitantemente. Em outros termos,

“o sujeito só o é perante um objeto e o objeto só o é objeto em face de um

sujeito”15

, visto que é por meio do processo de conhecimento do dado bruto

que se constrói o sujeito e a sua concepção a respeito do objeto, sendo que

12

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo

Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 15. 13

“Os relatos – ou, já podemos assim dizer, os fatos – se articulam sempre uns com outros

construindo uma realidade, tal como os fios se juntam para formar um tecido” (LINS,

Robson Maia. A reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias – a multa

qualificada da Lei 9.430/96. In: SOUZA, Priscila de. VII Congresso Nacional de Estudos

Tributários. São Paulo: Noeses, 2011, p. 1107). 14

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 79. 15

TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico. In:

HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilém Flusser e juristas. São Paulo: Noeses,

2009, p. 329.

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tanto o homem quanto o dado bruto não têm sentido se não interpretados. Sobre

esta relação dialética entre sujeito e objeto, cumpre-nos reproduzir as lições de

Paulo de Barros Carvalho, in verbis:

[…] o processo de conhecimento dos objetos do mundo não se

completa sem transitar, obrigatoriamente, pela subjetividade

do ser cognoscente, quer os do mundo exterior como os de seu

próprio universo interior, fazendo-se presentes em sua

consciência por uma das formas […].16

Essas ponderações acerca da imprescindibilidade da linguagem para a

expressão do conhecimento carregam justamente a noção que serviu de

fundamento para a escolha do método proclamado neste trabalho – o

constructivismo lógico-semântico – para o fim de nos aproximarmos e

construirmos um discurso consistente a respeito do tema investigado. De

acordo com essa técnica hermenêutica, o sujeito intervém na “con-formación

del objeto conocido”17

e amarra a construção de sentido nos planos lógico,

semântico e pragmático, numa intensa tentativa de, abrangendo esses três

campos do conhecimento, construir, da maneira mais acurada possível, o

sentido do objeto.

O conhecimento dos objetos pelas construções linguísticas do intelecto humano

é alcançado por meio do estudo dos signos que compõem o discurso

cognoscível, levando em consideração a “significação das palavras tal como

elas existem numa língua”18

. Em contraposição aos ideais defendidos por

Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, encontra-se aqui uma levíssima

impureza metodológica, que admite uma espécie de interdisciplinaridade de

elementos para a construção de sentido dos enunciados linguísticos.

16

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:

Noeses, 2008, p. 14. 17

MUÑOZ, Jocobo (Dir.). Diccionário Espasa. Madrid: Espasa, 2003, p. 107. 18

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo

Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 14.

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Enfim, acrescentando às premissas do paradigma metodológico que realça a

importância do dado linguístico para o conhecimento, a construção de sentido

da realidade é concretizada pelo estudo da sintaxe e da semântica da

linguagem, imprescindivelmente perpassando pelo aspecto pragmático da

língua, analisando-se as mensagens com o emprego da técnica hermenêutico-

analítica – decompondo o objeto em unidades simples – a fim de facilitar a

compreensão do fenômeno estudado e construir a unicidade do objeto por meio

de seu detalhamento, sem deixar de lado um “culturalismo sadio”19

, que

confere sentido aos enunciados em cotejo com fatores históricos e

axiológicos20

.

1.2 O estudo do Direito a partir das premissas metodológicas do

constructivismo lógico-semântico

Num primeiro momento, é importante apontarmos a advertência quanto aos

diversos planos de abordagem que podem ser objeto de estudo.

Com fundamento nas premissas expostas no item precedente, já podemos falar

na existência de dois domínios distintos, cuja diferença repousa no dado

linguístico: âmbitos dos eventos e dos fatos. Aquelas manifestações que não

são submetidas à intuição sensível do homem, verificadas apenas no campo

19

Ao se referir ao jusfilósofo Lourival Vilanova, cujos trabalhos foram decisivos para o

desenvolvimento do constructivismo lógico-semântico, Paulo de Barros Carvalho emprega

a expressão culturalismo sadio como uma convivência ao mesmo tempo comedida e

harmoniosa deste paradigma filosófico com a escola culturalista, evitando qualquer crítica

que aponte para o sincretismo metodológico (CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.).

Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2014, p. XI). 20

“Entre as características do constructivismo lógico-semântico que me encantam gostaria

de pontuar as seguintes: uma busca pela precisão do discurso, determinando-se o sentido

de conceitos utilizados a partir de definições adequadamente elaboradas; uma análise

rigorosa a partir de definições adequadamente elaboradas; uma análise rigorosa da lógica

do direito, investigando diferentes aspectos de sua estrutura e de seu domínio sintático;

uma visão filosófica que embasa o discurso científico, especialmente, a partir de recursos

da filosofia da linguagem, particularmente o positivismo lógico-semântico, a semiótica e o

giro-linguístico; o abandono da crença ingênua na verdade absoluta; e uma busca pela

compreensão do dado jurídico em sua dimensão lógica” (MCNAUGHTON, Charles

William. Elisão e Norma Antielisiva. São Paulo: Noeses, 2014, p. XXV).

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fenomênico, ou que, apesar de sujeitas à apreciação do indivíduo, não são

captadas pelo seu intelecto, são meros eventos; ao passo que, quando

construída a significação dos fenômenos, podemos falar em fatos sociais, isto é,

em conceitos de eventos relatados através da língua.

Acrescentemos que, na tessitura da facticidade social, emerge a linguagem do

direito positivo, que seleciona parcelas factuais, relacionando-as a

consequências jurídicas, com o intuito de regular as condutas intersubjetivas

numa sociedade. A linguagem do direito positivo manifesta-se na forma

eminentemente prescritiva, orientando o agir dos indivíduos, por meio da

descrição de critérios informadores de uma hipótese factual ou de determinadas

situações delimitadas no tempo e espaço, imputando-lhes relações jurídicas.

Essa tradução dos fatos para a construção da linguagem jurídica é realizada

exclusivamente por meio do código e procedimento reputados competentes

pelo sistema jurídico, morando, nesse aspecto, uma importante diferença entre

os planos do fato e do direito positivo21

.

Há, ainda, o campo da ciência do direito positivo, à qual cumpre elaborar

proposições crítico-descritivas a respeito dos enunciados prescritivos que

compõem o direito positivo. Mediante o estudo do seu objeto, a ciência cria

teorias para aprofundar o conhecimento a respeito da legislação e traduz o

direito positivo para a sua língua predominantemente descritiva.

Por essas ligeiras, porém relevantes, ponderações, ressalta aos olhos a

circunstância de que todos esses planos têm um “quantum de

referenciabilidade”22

, de modo que a linguagem social se reporta ao evento,

21

Sobre a linguagem jurídica: “a construção do fato jurídico nada mais é que a constituição

de um fraseado normativo capaz de justapor-se como antecedente normativo de uma

norma individual e concreta, dentro das regras sintáticas ditadas pela gramática do direito,

assim como de acordo com os limites semânticos arquitetados pela hipótese da norma

geral e abstrata” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos

Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 148). 22

Ibid., p. 120.

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assim como a linguagem prescritiva jurídica aos fatos sociais, e a ciência do

direito aos enunciados prescritivos. Elucidando essa relação, podemos citar o

seguinte exemplo: o nascimento de uma criança é um evento; a comunicação

do pai aos parentes de que a criança nasceu é um fato que, uma vez registrado

em cartório, dá ensejo a um fato jurídico, sendo, por seu turno, passível de

estudo do cientista do direito, elaborador de proposições crítico-descritivas a

respeito dos direitos e deveres dos cidadãos.

No presente trabalho, é nosso objeto de estudo o conjunto de enunciados

prescritivos que compõem o direito positivo vigente, mormente os dispositivos

legais que tratam da fiscalização tributária, sobre os quais lançaremos as luzes

do pensamento hermenêutico e analítico.

1.2.1 Construção de sentido do Direito

Porque a fiscalização tributária é instituto criado no bojo do direito positivo,

seu regime é pautado, exclusivamente, em normas jurídicas, e a sua

concretização culmina, obrigatoriamente, com a construção, também, de uma

proposição normativa. Nesse contexto, é imprescindível delimitarmos o sentido

que atribuímos à expressão norma jurídica.

Partindo das premissas do constructivismo lógico-semântico, o cumprimento

da função de orientar as ações dos indivíduos na sociedade pelos enunciados

prescritivos não decorre de uma “norma jurídica previamente dada no âmbito

do ordenamento jurídico coesa, que fosse aplicável por meio do silogismo”23

.

Isso porque admitimos ser imprescindível a atuação de um intérprete, em

contato com as marcas de tinta do papel, para atribuir-lhes significação.

Noutras palavras, os dispositivos legais, por si só, assemelham-se ao dado bruto

apresentado no item precedente, sendo que as normas são as significações

23

MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011, p. 203.

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construídas na mente do sujeito cognoscente a partir da apreensão da

linguagem prescritiva institucionalizada. Reforçando esta distinção entre os

enunciados prescritivos e normas jurídicas, são as palavras de Ricardo

Guastini:

[…] a distinção entre disposição e norma não pretende ser

uma distinção ontológica entre enunciados e alguma coisa

distinta dos enunciados. Trata-se, mais modestamente, da

distinção entre duas classes de enunciados. […] a disposição é

um enunciado que constitui o objeto da interpretação. A

norma é um enunciado que constitui o produto, o resultado da

interpretação24

.

Com efeito, o exegeta não entra em contato direto com uma norma posta,

tampouco extrai ou descobre o sentido da legislação, mas constrói a sua

significação, permeada de fatores históricos e axiológicos que influenciam o

sujeito cognoscente. Nessa trajetória interpretativa, o estudioso trilha o

percurso gerador de sentido proposto por Paulo de Barros Carvalho25

, que se

completa em quatro etapas, assim discriminadas: S1 (plano dos enunciados);

S2 (plano das proposições); S3 (plano das normas); S4 (plano da

sistematização).

Nesse modelo, há, primeiramente, o estabelecimento de um contato entre o

intérprete e o conjunto de enunciados prescritivos (S1). Ao ler o texto, o sujeito

dá início a um processo de atribuição de significações ao objeto, construindo

proposições isoladas acerca do que estuda (S2), que, “embora proposicionais,

não são suficientes, em si, para a compreensão da mensagem legislada”26

,

sendo necessária a estruturação das significações na fórmula lógica hipotético-

condicional (“Se o antecedente, então deve ser o consequente”: H → C), para

que passem a ser proposições normativas em sentido completo, possibilitando a

apreensão da mensagem prescritiva (S3). Depois de estruturadas, as normas

24

GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 28. 25

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência.

São Paulo: Saraiva, 2007, p. 83 et seq. 26

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo

Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 227.

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devem ser situadas no sistema de significações atribuídas às demais prescrições

legais, vinculadas por relações de subordinação e coordenação (S4).

Assim, numa acepção estrita27

, as normas jurídicas são as significações de

sentido deôntico completo, estruturadas na forma lógica hipotético-condicional,

construídas a partir da linguagem prescritiva do direito, verificadas nos estágios

S3 e S4 do percurso gerador de sentido. Essas unidades que compõem o direito

positivo são classificadas arbitrariamente pelos estudiosos, a depender do

estudo que pretendem empreender, agrupando em categorias os elementos

submetidos à sua análise, sobre o fundamento de diferença que distancia os

conceitos que os designam28

.

27

Esta unidade do sistema, que chamamos de mínimo irredutível de manifestação do

deôntico, depende, costumeiramente, da reunião de uma série de significações construídas

a partir de diferentes enunciados prescritivos. Em que pese à circunstância de

reconhecermos força prescritiva aos enunciados positivados isoladamente, “este teor de

prescritividade não basta, ficando na dependência de integrações em unidades normativas,

com mínimos deônticos completos. Somente a norma jurídica, tomada em sua integridade

constitutiva, terá condão de expressar o sentido cabal dos mandamentos da autoridade que

legisla” Com efeito, a ordem pague a quantia de x reais prescinde de outras informações,

tais como pagar para quem, quando, por quê? (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito

Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 189-190).

Observe-se que, numa acepção ampla, a expressão norma jurídica designa diferentes

unidades do sistema jurídico em seus quatro planos de expressão: “se pensarmos no direito

positivo, levando-se em conta seu plano de expressão (S1), as unidades do sistema são

enunciados prescritivos; se avaliarmos o plano das significações construídas a partir dos

enunciados (S2), as unidades do sistema são proposições jurídicas; e se tomarmos o direito

como o conjunto de significações deonticamente estruturadas (S3), que mantêm relações

de coordenação e subordinação entre si (S4), as unidades do sistema jurídico são aquilo

que denominamos de normas jurídicas em sentido estrito. Neste sentido, considerando a

expressão ‘norma jurídica’, quando utilizada para apontar indiscriminadamente as

unidades do sistema jurídico, podemos denotar: (i) enunciados do direito positivo; (ii) a

significação deles construída; ou (iii) a significação deonticamente estruturada,

dependendo do plano em que o intérprete trabalha” (CARVALHO, Aurora Tomazini de.

Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo:

Noeses, 2009, p. 266). 28

Neste sentido: “é sabido que toda classificação revela certa arbitrariedade, porque os

critérios utilizados são relativos (nunca absolutos), sendo algumas das convenções

estabelecidas pelo próprio intérprete. Por essa mesma razão, não são as classificações

certas ou erradas, válidas ou inválidas. São simplesmente úteis ou inúteis, dependendo da

função que lhes possa ser atribuída pelo sujeito cognoscente, para efeito de verificação e

identificação das espécies analisadas” (MARQUES, Márcio Severo. Classificação

Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 147).

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26

Numa proposta classificatória cuja discriminação radica no grau de conotação

axiológica, há as regras e os princípios. Conquanto objeto cultural, as

significações construídas a partir dos enunciados prescritivos sempre estarão

permeadas de valores, porém os princípios detêm elevada relevância valorativa,

sendo que influenciam fortemente na construção de outras normas jurídicas.

As normas podem ser, ainda, classificadas como de conduta ou de estrutura29

:

em que pese a legitimidade de afirmar que todas as normas se dirigem à

regulação das relações intersubjetivas e, portanto, se enquadram na categoria de

regras de conduta, determinados enunciados veiculam disposições relacionadas

à construção de outras normas jurídicas, a justificar a outorga do nome de

normas de estrutura. Um exemplo de norma de conduta é se não cumprir a

obrigação tributária, então deve ser a cobrança forçada do débito, acrescido

dos devidos consectários legais, bem como a aplicação de multa

administrativa pelo descumprimento de disposição normativa, enquanto que é

norma de estrutura o juízo hipotético-condicional que regula a produção de

norma individual e concreta derivada da aplicação de normas pertinentes à

fiscalização tributária.

Outra proposta classificatória enumera normas abstratas ou concretas e gerais

ou individuais. Serão abstratas quando construídas a partir de enunciados que

descrevem características que permitem identificar a classe de fatos que podem

vir a ocorrer, e serão concretas quando os dispositivos legais mencionarem um

fato que já se consumou em determinadas coordenadas de tempo e espaço. Por

seu turno, serão normas gerais quando a relação jurídica prescrita no

consequente da regra não individualiza os sujeitos ou o objeto da relação, e

29

“Em cada grau normativo encontraremos normas de conduta e normas de estrutura, isto é,

normas dirigidas diretamente a regular a produção de outras normas. Comecemos pela

Constituição […] há normas que atribuem diretamente direitos e deveres aos cidadãos,

como as que dizem respeito aos direitos de liberdade; mas existem outras normas que

regulam o processo através do qual o Parlamento pode funcionar para exercer o Poder

Legislativo, e, portanto, não estabelecem nada a respeito das pessoas, limitando-se a

estabelecer a maneira pela qual outras normas dirigidas às pessoas poderão ser emanadas”

(BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 9. ed. Brasília: Universidade de

Brasília, 1997, p. 46).

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individuais quando identificadas as partes que compõem o vínculo jurídico. A

partir da combinação dessas espécies de enunciados normativos, são

construídas as normas gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e

abstratas e individuais e concretas.

1.2.2 Norma jurídica completa

Cumpre-nos observar que, no sistema jurídico, caracterizado pela sua

coercitividade, as normas vêm relacionadas logicamente a outras, no sentido de

que para cada direito e dever material corresponde uma sanção aplicável pelo

Estado quando não observadas as obrigações imputadas pela legislação.

Expliquemos:

Todos os conjuntos normativos são dotados de força coativa, isto é, para que as

regras não sejam mantidas como meras expectativas, são-lhes relacionadas

sanções no caso da sua não observância (e.g., leis da Igreja: se cometer pecado,

então deve ser a punição no juízo final). A diferença primordial entre o

ordenamento jurídico e as demais normas está na forma como a coação é

exercida: no Direito, a aplicação e execução de sanções é realizada por

intermédio do Estado-juiz30

.

Nesse sentido, podemos falar numa norma jurídica na forma completa,

composta de duas normas em sentido estrito: uma norma primária, que estatui

direitos e deveres materiais, e outra secundária, que sanciona o inadimplemento

da primeira31

. Para o enfrentamento do tema que nos propomos estudar, são de

mister importância alguns esclarecimentos acerca dessa estrutura normativa

plena.

30

Esta é uma ponderação relevantíssima apontada por grandes vozes do Direito, entre elas, a

de Hans Kelsen: “As sanções estatuídas por uma ordem jurídica são – diferentemente das

sanções transcendentes – sanções socialmente imanentes e – diversamente daquelas, que

consistem na simples aprovação ou desaprovação – socialmente organizada” (KELSEN,

Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 23). 31

VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo:

Noeses, 2005, p. 105.

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Relembrando, todas as normas em sentido estrito estão organizadas na forma

lógica hipotético-condicional, de modo que o antecedente (hipótese) implica o

consequente (tese). Observe-se que essa relação implicacional está articulada

no interior de cada proposição normativa é deonticamente modalizada: se o

antecedente, então deve ser obrigatório (O), proibido (V) ou permitido (P) o

consequente, nisso se diferenciando o direito positivo, regido pela causalidade

jurídica, das leis naturais, regidas pela lógica da causalidade natural (se..., então

é)32

.

A norma primária contém, no seu antecedente, a descrição de um fato

hipotético, prescrevendo, no seu consequente, uma relação entre sujeitos com

direitos e deveres materiais correlatos.

Adotando o esforço classificatório das normas empreendido por Aurora

Tomazini de Carvalho33

, podemos fracionar as normas primárias, que possuem

no seu consequente uma relação jurídica exclusivamente diádica (entre dois

sujeitos), não fazendo qualquer referência à providência jurisdicional, em

normas primárias precedente, derivada punitiva e derivada não punitiva.

A norma primária precedente prescreve, na sua hipótese, um fato lícito e, na

sua consequência, uma relação jurídica entre sujeitos com direitos e deveres.

Exemplo típico dessa espécie normativa são as normas que instituem o dever

instrumental de suportar a fiscalização, descritivas de fatos jurídicos

ensejadores da fiscalização, indicando seus critérios material, espacial e

32

“Tanto o ‘mundo do ser’ como o ‘mundo do dever ser’ constituem corpos de linguagem,

nos quais atuam, respectivamente, a causalidade natural e a causalidade jurídica”

(PAULINO, Maria Ângela Lopes. A teoria das relações na compreensão do Direito

Positivo. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini

(Org.). Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2014, p. 388). Enquanto a

causalidade natural tem essência eminentemente descritiva, a causalidade jurídica não só

descreve fatos, mas, mediante um ato de valoração, modaliza positiva ou negativamente a

conduta. 33

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito Penal Tributário (Uma Análise Lógica,

Semântica e Jurisprudencial). São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 75.

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29

temporal caracterizadores, e prescritivas de relações obrigacionais entre o

sujeito ativo e passivo, em torno de uma prestação.

A classe das normas primárias derivadas se funda no discrímen de o

antecedente do juízo implicacional pressupor a existência de uma prescrição

contida em outra norma, qual seja, na norma primária precedente.

Dentro dessa proposta, as normas primárias derivadas punitivas descrevem um

ilícito decorrente do inadimplemento da obrigação constituída pela incidência

e aplicação da norma primária precedente e prescrevem uma relação jurídica

sancionatória entre os mesmos sujeitos que se relacionam na norma primária

precedente não observada. A multa de ofício, constituída pela Administração

Tributária em decorrência da constatação, mediante o desenvolvimento de

procedimento fiscalizatório, da constituição inadequada do crédito tributário e

do consequente não recolhimento do tributo dentro do prazo previsto na regra-

matriz de incidência tributária, caracteriza este tipo normativo34

.

Por sua vez, a norma primária derivada não punitiva pressupõe, assim como a

norma primária derivada punitiva, a norma primária precedente, contudo não

descreve o inadimplemento desta última no seu antecedente, mas o seu

cumprimento, prescrevendo, no seu consequente, uma relação jurídica sem as

notas da punibilidade. A título exemplificativo, podemos mencionar as normas

individuais e concretas eventualmente expedidas ao término da atividade

fiscalizatória, que homologam a atividade desempenhada pelo contribuinte ao

constituir o crédito tributário35

.

Em remate, a norma secundária prescreve uma providência coercitivo-

sancionatória aplicável pelo Estado-Juiz na hipótese de descumprimento das

34

Minuciosamente explicando: Se prestar serviço, deve ser o pagamento do ISS (norma

primária precedente). Dado que X prestou serviço e não pagou ISS, então deve ser a

aplicação da multa punitiva (norma primária derivada sancionatória). 35

Detalhadamente: Se prestar serviço, deve ser o pagamento do ISS (norma primária

precedente). Dado que X prestou serviço e pagou ISS, então deve ser a homologação da

atividade de X (norma primária derivada não sancionatória).

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30

normas primárias. Obrigatoriamente, esta categoria normativa descreve no seu

antecedente um fato ilícito, representado pela inobservância de uma norma

primária, e institui, no seu consequente, uma relação entre o sujeito ativo da

relação jurídica não adimplida e o órgão judicial, que atuará coercitivamente,

forçando o sujeito passivo da obrigação prescrita na norma primária a satisfazê-

la. São exemplos de normas secundárias aquelas que prescrevem o direito de o

ente político promover a Execução Fiscal de tributo não adimplido, bem como

aquelas que garantem o direito de o administrado impetrar Mandado de

Segurança em razão de conduta arbitrária da Administração em sede de

procedimento fiscalizatório.

1.2.3 Processo de positivação do Direito

Apresentado o processo de construção de sentido dos enunciados prescritivos,

bem como a estrutura das unidades que compõem o direito positivo, convém

explicarmos o modo como a norma produz seus efeitos (eficácia pragmática),

regulando as condutas intersubjetivas.

A doutrina tradicional, cujo expoente precursor é Pontes de Miranda, defende a

teoria da incidência do direito positivo como operação automática e infalível.

Negando a existência de qualquer distinção entre os planos factual e jurídico, a

“incidência das regras jurídicas independe de que alguém, ainda os

interessados, conheçam a regra jurídica”36

, de modo que a lei, por si só,

regularia as situações factuais verificadas no seio da sociedade: uma vez

ocorrido um fato que se subsome ao conceito previsto no antecedente de uma

previsão legal, ocorreria a incidência da norma, posteriormente aplicada ao

caso concreto, pelo Estado-Juiz, na hipótese da sua não observância.

36

MIRANDA, Pontes de. Incidência e aplicação da lei. Conferência pronunciada em

solenidade da Ordem dos Advogados – Seção de Pernambuco. Recife, 30 set. 1995, p. 53.

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31

Partindo do referencial teórico que adotamos, o mero acontecimento factual de

uma situação que se enquadra àquele conceito previsto na hipótese de uma

norma jurídica não basta, por si só, para a incidência normativa e o nascimento

do vínculo obrigacional. Isso por causa de duas razões fundamentais: a

primeira, conforme já tratado no item 1.2.1. Construção de sentido do Direito,

não há norma dada no sistema jurídico, de modo que esta significação deve ser,

obrigatoriamente, construída por um intérprete; a segunda, o direito positivo é

sintaticamente fechado e regula a sua reprodução, permitindo a inserção de

novos elementos exclusivamente pelos sujeitos autorizados no sistema,

mediante o relato em linguagem competente, empregando o código

previamente habilitado pelo sistema e o procedimento previsto na lei.

Com efeito, a atividade de aplicação e construção do direito impõe a existência

de um intérprete, que desempenha, fundamentalmente, duas funções: interpreta

o direito positivo, construindo e escolhendo a norma aplicável ao caso

concreto, segundo a versão que ele próprio desenha do fato social com base em

enunciados que o relatam37

.

Assim, na nossa concepção, a incidência e a aplicação do Direito ocorrem num

único momento, que pressupõe a construção de uma norma a partir do direito

posto, a cuja hipótese se subsome a enunciação de um fato jurídico. É o ato de

aplicação do intérprete que faz a norma incidir.

37

“Porque o fato será elemento de norma jurídica individual e concreta, no ato de

lançamento tributário, toda a interpretação deverá reportar-se não só aos textos do direito

positivo, mas também ao negócio jurídico como fato, à situação jurídica identificadora da

materialidade sujeita à tributação por norma geral e abstrata. Daí a aplicação de normas

tributárias exigir, além de conhecimento do direito positivo (‘quaestio iuris’), perfeito

conhecimento dos fatos a considerar (‘quaestio facti’) para que, confrontando ambos

(subsunção) e implicando os efeitos (relação jurídica), tenha-se a criação da norma

individual e concreta, pela interpretação do agente da administração. Neste processo, a

interpretação do fáctico, a partir do ato ou negócio jurídico que lhe dá consistência,

mostra-se imprescindível. A ‘quaestio facti’ corresponde aos fatos juridicamente

qualificados, e não aos fatos brutos, bem como lembra Michele Taruffo. Qualificação e

interpretação, portanto, complementam-se mutuamente” (TORRES, Heleno Taveira.

Direito Tributário e autonomia privada. O poder de tributar e a teoria dos negócios

jurídicos na atualidade. Metodologia para a interpretação dos fatos tributários. In: ______

(Coord.). Tributação nos mercados financeiro e de capitais e na previdência privada. São

Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 65).

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32

Nesse complexo processo de incidência e aplicação do Direito, ao qual

outorgamos o nome de positivação38

, a previsão geral e abstrata ganha

concretude com a produção de normas individuais e concretas, que daquelas

derivam.

A título ilustrativo, para a incidência e aplicação das prescrições tributárias

impositivas, sancionatórias (leia-se normas que preveem sanções

administrativas) e homologatórias da atividade do administrado, é pressuposta

a compreensão do agente fiscal, pautada na orientação da Administração

Pública, acerca das características que tipificam a hipótese de cada espécie

normativa. Pois que esse mesmo sujeito competente, por meio da atividade

fiscalizatória, deve lançar os seus olhos sobre os documentos que relatam a

atividade desempenhada pelos administrados e, mediante um ato valorativo,

traduzir juridicamente os fatos, subsumindo-os às normas que afirmam o fato

jurídico tributário ou infirmam ou confirmam a atividade do particular.

Frise-se: para a positivação do Direito Tributário, tão importante quanto a

formulação da norma jurídica geral e abstrata é a construção do desenho dos

fatos concretizados pelos sujeitos de direito, mediante a atividade fiscalizatória.

1.3 A delimitação do objeto de estudo

Partindo da metodologia do constructivismo lógico-semântico, sobressai a

relevância dos signos para conhecermos os objetos. Isso porque, para nos

referirmos ao mundo da experiência, somos compelidos a empregar signos que

os representam. Em estudo aprofundado, Edmund Husserl estabeleceu que essa

entidade (signo) é uma relação triádica entre um suporte físico, um significado

e uma significação, sendo que o suporte físico é a parte material do signo,

apreendida pelas nossas sensações (e.g., marcas de tinta no papel, gesto com as

38

CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. São Paulo:

Noeses, 2011/2012, p. XIX.

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33

mãos, ondas sonoras), que se refere ao seu significado, consistente na sua

representação individualizada, que, por sua vez, suscita na mente do intérprete

uma ideia, que é a sua significação39

.

Nesta senda, observe-se que as palavras são signos da espécie símbolos

arbitrariamente construídos, não guardando, em princípio, qualquer ligação

com o objeto do mundo que significam40

. Partindo dessa premissa e

contextualizando-a com a estrutura triádica dos signos proposta por Husserl,

temos que o conceito de determinado termo é justamente a significação

suscitada na mente do intérprete, é a ideia manifestada na consciência do

sujeito cosgnoscente a respeito do signo, não do objeto em si, portanto. A

definição, por seu turno, é o conceito demarcado linguisticamente, consiste no

ato de “eleger critérios que apontem determinada forma de uso da palavra, a

fim de introduzi-la ou identificá-la num contexto comunicacional”41

. A

definição pode ser realizada de diversas formas, de modo que,

exemplificativamente, podemos falar em definição denotativa, enumerando os

objetos que pertencem à classe, ao grupo, ou melhor, que são abarcados por um

39

Estas ponderações reforçam a ideia de que não somos capazes de falar a respeito dos

objetos em si, mas dos signos que utilizamos para nos reportar ao mundo da experiência.

Acerca da distinção entre a ideia que temos dos objetos e dos objetos em si mesmos, são as

palavras de Paulo de Barros Carvalho: “É comum a confusão entre ‘objeto’ do

conhecimento e o ‘objeto’ que vemos ali, concretamente existente no mundo real. O que

está em nossa consciência é o conteúdo da forma, não o objeto mesmo, tomado na sua

contextura físico-material. Os filósofos separam de maneira clara essas duas situações,

referindo-se a ‘objeto’ em sentido amplo: a coisa-em-si, percebida por nossos órgãos

sensoriais, e ‘objeto’ em sentido estrito, vale dizer, em sentido epistêmico: conteúdo de

uma forma de consciência. Efeito prático imediato dessa distinção é a lembrança de

William James de que ‘a palavra ‘cão’ não morde’” (CARVALHO, Paulo de Barros.

Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 14). 40

“Um símbolo é um signo que perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse um

interpretante. Tal é o caso de qualquer elocução de discurso que significa apenas por força

de compreender-se que possui essa significação” (PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica.

São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 74). Para o autor, os signos podem ser classificados

segundo o tipo de associação mantida entre o suporte físico e o significado. Os sintomas

patológicos são índices, uma vez que mantém conexão física com o objeto que indicam e o

significado; os desenhos figurativos, porque procuram reproduzir os objetos a que se

referem, são ícones e, por fim, as palavras, que são arbitrariamente construídas, são um

exemplo de símbolo. 41

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo

Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 55.

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34

mesmo suporte físico; e, conotativa, trazendo critérios que permitem identificar

todos os objetos que podem ser denominados por determinado vocábulo,

trazendo as notas necessárias para que o significado enquadre-se ao suporte

físico42

.

Nos tópicos subsequentes, pretendemos esclarecer o nosso conceito da

expressão fiscalização tributária, de modo a delimitar o objeto que nos

propomos a estudar nesta dissertação.

1.3.1 Relações jurídico-tributárias

Para a devida compreensão do nosso objeto de estudo, são imprescindíveis

algumas breves anotações a respeito das relações jurídico-tributárias.

Em sentido estrito, a relação jurídica é um vínculo interpessoal contido no

consequente das normas jurídicas individuais e concretas e instaurado em razão

da incidência jurídica, manifestada em “direitos, faculdades, autorizações,

poderes, pretensões, que se conferem a um sujeito-de-direito (estão) em relação

necessária com condutas de outros sujeitos-de-direito”43

.

Da incidência e aplicação da legislação tributária podemos falar no nascimento

de duas espécies de relações jurídicas, que dão ensejo ao nascimento do dever:

(i) de recolher determinado montante aos cofres públicos a título de impostos,

42

Ao esclarecer acerca dos institutos da definição denotativa e conotativa, elucidam Ricardo

Guiborg, Alejandro Gigliani e Ricardo Guarinoni: “El conjunto de todos los objetos o

entidades que caben en la palabra ‘ciudad’ se llama la denotación de esta palabra. […] Es

conjunto de estos requisitos o razones, es decir, el criterio de uso de una palabra de clase

(determinante y demostrativo del concepto correspondiente) se llama designación de esa

palabra” (Introducción al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba, 2000, p. 26).

Em termos ordinários, portanto, a denotação é uma espécie do gênero conotação, isto é, é

um núcleo forte do sentido ao qual se somaria uma área confusa e tonalizada da conotação.

Por isso, um texto denotativo transmite uma mensagem inequívoca, com menores

possibilidades de interpretação, visando a suscitar uma única significação, e os textos

conotativos são ambíguos e plurissêmicos, carregando diversas formas de interpretação e,

consequentemente, de significações. 43

VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2000, p. 121.

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35

taxas, empréstimos compulsórios, contribuições gerais e contribuições de

melhoria, e (ii) de praticar determinadas condutas sem expressão patrimonial,

instituídas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos44

. À

primeira o Código Tributário Nacional chamou de obrigação principal e à

segunda, de obrigação acessória45

.

Preliminarmente, cumpre observar que, conforme leciona a mais recente

doutrina46

, o termo obrigações acessórias não é adequado para rotular a

significação que pretende suscitar, em decorrência de duas ponderações:

A obrigação, mais profundamente estudada no âmbito do Direito Civil,

pressupõe uma característica inexistente nessa espécie de vínculo acessório,

qual seja, a sua possível quantificação pecuniária. Nesse aspecto, é importante

ressaltar que, em que pese o parágrafo terceiro do artigo 113 do Código

Tributário Nacional prescrever que a falta da observância de um dever

instrumental enseja a sua conversão em obrigação principal, deve-se

44

“Desse modo, exceto a obrigação de levar certa quantia em dinheiro aos cofres públicos,

advinda da relação jurídica tributária em sentido estrito, […] todos os demais deveres

impostos a esse mesmo sujeito passivo, defronte ao tributo instituído, com a inerente

característica da impossibilidade de mensuração econômica, de cunho administrativo,

devem ser entendidos como deveres instrumentais” (MARICATO, Andreia Fogaça

Rodrigues. Os impactos das mudanças nos deveres instrumentais com a informatização

fiscal: constituição do crédito tributário; prescrição e decadência; e prova tributária. 2014.

Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2014). 45

“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge

com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade

pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação

acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou

negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A

obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação

principal relativamente à penalidade pecuniária.” 46

Neste sentido: “tais relações são conhecidas pela designação imprecisa de ‘obrigações

acessórias’, nome impróprio, uma vez que não apresentam o elemento caracterizador dos

laços obrigacionais, inexistindo nelas prestação passível de transformação em termos

pecuniários” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 355); e “entendemos que não se pode afirmar que essas

obrigações tributárias são relações jurídicas ‘lato sensu’ acessórias. E justamente porque

calcados nesses pressupostos, entendemos ser cientificamente oportuno alterar a

denominação das obrigações tributárias ‘acessórias’ para ‘obrigações tributárias

instrumentais” (ZOCKUN, Maurício. Regime Jurídico da Obrigação Tributária

Acessória. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 122).

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36

compreender que o desatendimento à legislação que institui dever instrumental

dá razão à aplicação de sanções, eventualmente expressadas em valores

pecuniários, não sendo outorgada, contudo, semblante pecuniário aos deveres

instrumentais, que mantém as suas características independentemente da

constatação do seu não cumprimento pelos utentes do Direito.

Ademais47

, as obrigações principal e acessória não são “umbilicalmente

associadas”48

, ou seja, a legitimidade da obrigação acessória não depende da

eclosão dos efeitos jurídicos da obrigação principal. Nesse sentido, sujeitos

isentos e imunes à tributação são obrigados a cumprir deveres instrumentais e

administrados em geral são submetidos a procedimentos fiscalizatórios, sendo-

lhes imposto o cumprimento de diversos deveres instrumentais, sem que seja

necessariamente constatada a ocorrência do fato jurídico tributário, ensejador

do nascimento da obrigação principal49

. Embora os referidos deveres

47

Talvez conferindo demasiada autonomia aos deveres instrumentais, ensina Aliomar

Baleeiro, “as ‘obrigações acessórias’ têm vida própria, nascendo de hipótese específica e

seguindo regime independente […] somente se extinguindo naqueles casos disciplinados

em lei” (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 702). 48

ZOCKUN, Maurício. Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória. São Paulo:

Malheiros, 2005, p. 116. 49

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CDA. MULTA POR

INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. DESCUMPRIMENTO DE

OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. ENTREGA DE GIA. ICMS. EMPRESA ISENTA.

LEGALIDADE DA MULTA. 1. O interesse público na arrecadação e na fiscalização

tributária legitima o ente federado a instituir obrigações, aos contribuintes, que tenham por

objeto prestações, positivas ou negativas, que visem guarnecer o fisco do maior número de

informações possíveis acerca do universo das atividades desenvolvidas pelos sujeitos

passivos (artigo 113, do CTN). 2. É cediço que, entre os deveres instrumentais ou formais,

encontram-se ‘o de escriturar livros, prestar informações, expedir notas fiscais, fazer

declarações, promover levantamentos físicos, econômicos ou financeiros, manter dados e

documentos à disposição das autoridades administrativas, aceitar a fiscalização periódica

de suas atividades, tudo com o objetivo de propiciar ao ente que tributa a verificação do

adequado cumprimento da obrigação tributária’ (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de

Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 288-289). 3. A relação jurídica

tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu (obrigação tributária

principal), como ao conjunto de deveres instrumentais (positivos ou negativos) que a

viabilizam. 4. Os deveres instrumentais (obrigações acessórias) são autônomos em relação

à regra matriz de incidência tributária, aos quais devem se submeter, até mesmo, as

pessoas físicas ou jurídicas que gozem de imunidade ou outro benefício fiscal, ex vi dos

artigos 175, parágrafo único, e 194, parágrafo único, do CTN […] 8. In casu, ainda que o

contribuinte fosse isento do recolhimento do ICMS caberia a ele entregar a GIA ao Fisco

Estadual, motivo pelo qual, em assim não procedendo, legítima a aplicação da multa

constante da CDA objeto da execução fiscal objeto dos presentes embargos. 9. Recurso

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37

pressuponham a existência lógica da obrigação tributária, dispensam o seu

surgimento in concreto50

, faltando motivos para ser empregado o adjetivo

acessória à relação em comento.

Postas essas razões, seguimos a sorte daqueles estudiosos que julgam ser mais

conveniente atribuirmos às referidas obrigações o termo deveres

instrumentais51

: dever, porque previstos na lei, e instrumentais, pois que

conferem operacionalidade à regra-matriz de incidência tributária, fornecendo-

lhe motivação para a sua incidência e aplicação. Decorrência lógica, as então

nomeadas obrigações tributárias principais serão simplesmente mencionadas

como obrigações tributárias.

Superada a nomenclatura das relações instituídas pela aplicação das leis

tributárias, passemos a estudá-las.

Em razão da subsunção de determinado fato signo presuntivo de riqueza52

previsto na hipótese de uma regra-matriz de incidência tributária, surgem os

elementos da relação jurídica tributária, cujo objeto é uma prestação pecuniária,

na forma de tributo.

Justamente para viabilizar a fiscalização do cumprimento das normas que

prescrevem a instituição das obrigações tributárias, existem os deveres

instrumentais, que veiculam mandamentos de fazer ou não fazer,

“preordenados a facilitar o conhecimento, o controle e a arrecadação da

especial provido.” (REsp 1035798/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA,

julgado em 02/04/2009, DJe 06/05/2009). 50

Neste sentido, são as lições de Luis Eduardo Schoueri: “não é necessário que haja um

tributo devido para que surja o poder de fiscalizar; ao contrário, da fiscalização pode-se

concluir que nenhum tributo é devido. Mas, justamente para que se tenha tal certeza,

haverá a fiscalização. Assim, por exemplo, um ente imune está sujeito à fiscalização, que

investigará se os requisitos constitucionais ou da Lei Complementar, se for o caso, foram

preenchidos” (SHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.

721). 51

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 357 et seq. 52

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Noeses, 2007,

p. 535.

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38

importância devida como tributo”53

. Os deveres instrumentais representam uma

das espécies de prova competentes para formar a convicção do agente

fiscalizador a respeito dos acontecimentos factuais54

e, ato contínuo, subsumir

o fato à norma.

Com efeito, sob uma perspectiva, ambas as espécies de relações jurídico-

tributárias “colaboram, em momentos distintos, para a realização do mesmo

fim, qual seja, a implantação do tributo”55

. As normas prescritivas de

obrigações acessórias são aplicadas para inserir na realidade jurídica

linguagem que viabiliza o conhecimento acerca dos acontecimentos factuais e o

controle do fiel cumprimento da prestação tributária; e as normas que enunciam

obrigações principais, que pressupõem o tecido de linguagem produzido pelo

cumprimento das obrigações acessórias, são positivadas, constituindo o crédito

tributário.

São exemplos de espécies de obrigações tributárias aquelas decorrentes da

incidência e aplicação das regras-matrizes de incidência do ISS e do ICMS, e

de deveres instrumentais a escrituração de livros, inscrição em cadastro de

contribuintes, apresentação de declarações, promoção de levantamentos físicos,

econômicos ou financeiros, não recebimento de mercadorias desacompanhadas

de nota fiscal, manutenção de dados e documentos fiscais e, inclusive, a

sujeição à fiscalização realizada pela Administração, que é o objeto de estudo

do presente trabalho.

53

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 355. 54

Já individualizando uma espécie de dever instrumental, Fabiana Del Padre Tomé ressalta

prescrição normativa que atribui caráter probatório aos elementos que relatam fatos

sociais: “Vale lembrar, ainda, que o atual Código Civil dispõe, em seu art. 226, que ‘os

livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas a que pertencem, e,

em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, foram confirmados

por outros subsídios’” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed.

São Paulo: Noeses, 2011, p. 113-114). 55

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:

Noeses, 2008, p. 833.

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39

Por fim, é importante observarmos que, conquanto o cumprimento dos deveres

instrumentais dê origem a um substrato linguístico que relata o acontecimento

de eventos possivelmente tributáveis, referida linguagem não basta, por si só,

para a constituição da relação jurídico-tributária obrigacional em torno do

objeto prestacional. É imprescindível a enunciação de uma norma individual e

concreta, que veicula a obrigação tributária individualizada no tempo e espaço,

por agente competente, “num resumo objetivo daquele tecido de linguagem,

mais amplo e abrangente, constante dos talonários de notas fiscais, livros e

outros feitos jurídico-contábeis”56

.

Fundamentalmente57

, existem dois sujeitos competentes para produzir as

normas individuais e concretas que veiculam as relações jurídicas tributárias

decorrentes da positivação de normas tributantes e motivadas na linguagem

constante nos documentos decorrentes do cumprimento de deveres

instrumentais: o próprio indivíduo que figura no polo passivo do vínculo

obrigacional tributário e a Administração, por meio dos seus agentes fiscais.

1.3.2 Fiscalização tributária

Ao definir conotativamente o conceito de fiscalização tributária, numa acepção

ampla, enuncia Ruy Barbosa Nogueira, in verbis:

A fiscalização tributária é exercício de poder administrativo,

que compreende todos os atos de ‘verificação’ e ‘controle’,

56

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:

Noeses, 2008, p. 836. 57

Exemplo de outro sujeito competente para constituir tributo, mormente contribuições

sociais, é o caso dos juízes trabalhistas, cujo fundamento de validade é o artigo 114, inciso

VIII, da Constituição Federal (“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e

julgar: […] VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a,

e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”), regulado pelo

artigo 879, § 1-A, da Consolidação das Leis do Trabalho (“Art. 879 - Sendo ilíquida a

sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por

cálculo, por arbitramento ou por artigos. Parágrafo único. Na liquidação, não se poderá

modificar, ou inovar, a sentença liquidanda, nem discutir matéria pertinente à causa

principal. […] § 1o-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições

previdenciárias devidas”).

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40

devendo examinar perante a legislação se os atos fiscalizados

guardam conformidade com ela.58

Com efeito, relativamente aos tributos constituídos pelos particulares, cabe à

Administração controlar a magnitude do fato jurídico tributário indicada pelo

contribuinte. Já, no que se refere aos tributos constituídos de ofício ou por

declaração, é responsabilidade dos agentes fiscais a verificação inaugural da

ocorrência do fato que enseja a tributação.

Noutros termos, a fiscalização, lato sensu, compreende todos os atos realizados

a pretexto de afirmar o fato jurídico tributário e os seus exatos contornos, ou

infirmar ou confirmar a atividade do particular. Explicamos: a fiscalização

tributária pode acontecer em dois momentos distintos: antes da constituição

inaugural do crédito tributário, pretendendo afirmar a ocorrência do fato

jurídico tributário, ou posteriormente à constituição da relação obrigacional

pelo próprio contribuinte, daí tendo como objetivo infirmar a conduta analisada

(e aplicar sanções administrativas) ou confirmá-la (e homologar a atividade do

particular)59

.

Enfim, genericamente, a atividade fiscalizatória compreende o movimento do

agente competente que visa a sondar os eventos consumados no mundo

fenomênico, por meio da análise documental.

Numa acepção estrita, a fiscalização tributária é o conjunto de atos

investigativos concretizados pela Administração, necessariamente vinculados a

uma forma prevista na lei60

, que culmina com a produção de uma norma

individual e concreta que constrói fatos jurídicos (tributários e/ou

sancionatórios) ou homologa a atividade desempenhada pelo particular, pois

58

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 258,

grifos nossos. 59

Neste sentido, Ruy Barbosa Nogueira assinala que o poder de fiscalizar abrange as

atividades de “controlar não só os lançamentos efetuados, mas descobrir os porventura

omitidos ou errôneos” (ibid., p. 241). 60

Trataremos dessa questão no item 3.5. O critério procedimental – forma do exercício da

competência.

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41

subsome o relato do fato social à descrição normativa presente na hipótese de

uma norma primária tributária61

. O discrímen escolhido para a diferenciação

entre a fiscalização tributária em sentido amplo e em sentido estrito repousa na

vinculação da atividade administrativa a um procedimento específico, que, via

de regra, se encerra com a introdução no sistema jurídico de uma norma

reveladora das conclusões fiscais, que afirma o fato jurídico tributário, ou

infirma ou confirma a conduta do particular.

No desempenho da atividade fiscalizatória em sentido estrito, o agente fiscal,

na posse do alicerce documental, mediante um juízo valorativo, constrói a sua

noção acerca dos fatos consumados, que, caso motivem a instauração de uma

relação obrigacional tributária, ensejam o lançamento de ofício62

do crédito

61

Apesar da ausência de menção à possível homologação a atividade do sujeito passivo, vale

a transcrição das palavras de José Artur Lima Gonçalves e Márcio Severo Marques: a

tarefa fiscalizatória “pressupõe a averiguação exaustiva e imparcial dos eventos do mundo

fenomênico, (i) para efetuar sua tradução em conceitos, criando-se os respectivos fatos

jurídicos, (ii) para a verificação da eventual subsunção destes fatos jurídicos (conceitos) à

descrição normativa correspondente, e (iii) para identificação das peculiaridades destes

fatos jurídicos e determinação do conteúdo da obrigação tributária.” (GONÇALVES, José

Artur Lima; MARQUES, Márcio Severo. Processo Administrativo Tributário. Revista de

Direito Tributário, n. 75, 1999, p. 232). 62

Cumpre-nos observar que o termo lançamento padece do vício da ambiguidade, sendo

classificado como norma, ato e procedimento que, em verdade, são momentos

significativos de uma e somente uma realidade62

: o ato é o resultado de uma sequência de

outros atos, que é o procedimento, sendo que ambos (o ato e o procedimento) estão

previstos em normas jurídicas. Disso decorre a circunstância de que a definição do

lançamento tributário irá variar conforme a perspectiva interpretativa do sujeito

cognoscente. Nesta passagem, estamos fazendo uso do termo enquanto ato, produto que

instaura a relação jurídico-tributária obrigacional, veiculando uma norma individual e

concreta que relaciona, em torno de uma prestação pecuniária, dois sujeitos: o sujeito

ativo, detentor do crédito, isto é, do direito subjetivo de exigir o adimplemento da

obrigação tributária, e o sujeito passivo, titular do débito, que é o dever jurídico de

satisfazer a obrigação (“Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria

dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica

brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico

tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela

individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação,

formada pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento

dos termos espaço – temporais em que o crédito há de ser exigido.”) (CARVALHO, Paulo

de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 432).

Inspirado no índice de colaboração do administrado no relato do fato jurídico tributário, o

Código Tributário Nacional categoriza três espécies de lançamento-ato, quais sejam, o de

ofício, por declaração e por homologação. Sendo que, na primeira espécie, a participação

do particular é praticamente inexistente, colaboração esta já equilibrada na segunda

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42

decorrente da aplicação da norma primária impositiva ao fechamento da

fiscalização.

Outrossim, ao termo da atividade fiscalizatória, frise-se, em sentido estrito,

também podem ser inseridas outras espécies de normas individuais e concretas,

para além do lançamento. É o caso do auto de infração, que veicula uma sanção

administrativa decorrente da aplicação de uma norma primária derivada

punitiva quando constatados o descumprimento da obrigação de constituir o

tributo ou de cumprir deveres instrumentais. Também é espécie normativa que

pode ser produzida ao término da fiscalização a norma homologatória da

atividade do sujeito fiscalizado63

, em razão da positivação de uma norma

primária derivada não punitiva, motivada pelo adstrito cumprimento das

obrigações e deveres pelo sujeito passivo.

A fiscalização, em sentido estrito, é manifestada pelo exame de mercadorias,

livros de escrituração comercial e fiscal, arquivos, papéis, comprovantes de

lançamentos e movimentação financeira em instituições bancárias64

, sob o

modalidade e, por fim, invertida no último tipo. À parte das críticas a respeito desta

escolha classificatória legislativa, importa-nos ressaltar a dúplice utilidade do lançamento

de ofício, senão vejamos:

O lançamento de ofício” é como que a sentinela daqueles” (por declaração e

homologação), “pois além da função de apurar unilateralmente o crédito tributário,

também tem a função específica de apurar a ação ou omissão que dê lugar à aplicação de

multas fiscais. Pela sua função supletiva, o lançamento ‘ex officio’ tem sobretudo a missão

de apurar a integralidade da verdade material tributária” (NOGUEIRA, Ruy Barbosa.

Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 238).

Noutros termos, nessa acepção, o lançamento de ofício é a espécie de ato produzido pelo

Estado, mediante a concretização de normas primárias precedentes, que constitui tanto de

modo originário, como, também, supletivo, as exações fiscais, quando apurada a

desobediência à legislação tributária, ao termo do procedimento fiscalizatório. 63

Seja em virtude da escorreita atividade desempenhada pelo sujeito fiscalizado, ou da

preclusão do direito de o Fisco lançar. 64

Observe-se que elencamos algumas modalidades por meio das quais é realizada a

atividade fiscalizatória, sem pretensões, contudo, de obter uma lista exaustiva, tendo em

vista as especificidades de cada tributo. Apontando para as especificidades de cada tributo,

que exigem diversas medidas fiscalizatórias, são os ensinamentos de Ruy Barbosa

Nogueira: “Na fiscalização de um imposto como o que incide sobre o lucro operacional

das empresas, precisam ser investigadas operações contábeis, examinados documentos e a

lei permitir o exame de escrita e autorizar métodos específicos de apuração. Se o tributo é

o IPI, exige recursos à tecnologia, perícias etc., de conformidade com a natureza das

operações industriais e assim por diante” (ibid., p. 242).

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fundamento de um procedimento regrado, sendo concretizada por meio da

visita in loco do agente fiscal no domicílio do administrado ou, também,

através de intimação deste último para a entrega dos documentos na repartição

fiscal65

. Já a fiscalização tributária ampla é também realizada pela análise

esparsa de documentos sem a imprescindibilidade de vinculação do ato

investigativo a um procedimento específico, tampouco a uma finalização

conclusiva.

Observe-se que, na atualidade, em virtude da crescente evolução tecnológica,

tornou-se necessária a adaptação da prática fiscalizatória, que se utiliza cada

vez mais de recursos digitais. Essas mutações viabilizam o aumento vertiginoso

da atividade vigilante da Administração, mais especificamente do campo

pessoal passivo da fiscalização em sentido amplo, pois o cumprimento de

inúmeros deveres instrumentais tornou a ser realizado pelo preenchimento on-

line de informações imediatamente disponibilizadas aos sujeitos políticos que

detêm legitimidade para analisá-las66

.

Na presente dissertação, é foco central das nossas atenções a fiscalização

tributária em sentido estrito, cuja norma competencial será estudada na

minudência de seus critérios informadores. Contudo, sempre que necessário,

recorreremos à fiscalização em sentido amplo para ponderar questões afetas ao

delineamento do regime jurídico daquela.

65

Neste sentido, conforme prescreve o artigo 10, caput, do Decreto n. 70.235/71, que dispõe

sobre o processo administrativo fiscal federal (“Art. 10. O auto de infração será lavrado

por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente”), até

o encerramento da fiscalização pode ser o lugar onde ocorreu a prática infratora, como o

local onde a autoridade constrói a sua convicção a respeito dos fatos: “seja na repartição,

seja no veículo oficial, seja no domicílio de qualquer dos funcionários, seja a caminho de

qualquer desses locais” (ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Processo Administrativo Tributário

Federal – Tributos da Alçada da Secretaria da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da

Fazenda Nacional. Bauru: EDIPRO, 1998, p. 61).

E, também: “a distinção entre o trabalho exercitado externamente, ou no âmbito interno

das repartições, em nada modifica o regime jurídico da atividade” (CARVALHO, Paulo de

Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 658). 66

Conjuntamente com este aspecto evolutivo da tecnologia, a permuta de informações

(tratada no item 3.1.3. Permuta de informações) amplia a gama de particulares sujeitos à

fiscalização em sentido amplo.

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2 NOÇÕES FUNDAMENTAIS

2.1 A organização do Estado Brasileiro e a competência tributária

Da análise do ordenamento jurídico Brasileiro, constatamos a escolha pelo

regime republicano de governo, que parte da premissa de que uma comunidade,

ao se organizar num Estado, confere competência a determinados indivíduos

para a administração da res publica. Característica marcante dessa forma de

coordenação para fazer funcionar a complexa máquina estatal é a consagração

da técnica da tripartição da atividade desempenhada em favor do bem comum

nas funções Legislativa, Executiva e Judiciária.

A ideia da separação dos poderes, inicialmente surgida com Platão, em A

República, aperfeiçoada por Aristóteles, em Política, bem como por John

Locke, em Segundo Tratado de Governo Civil, e, finalmente, por Montesquieu,

em O espírito das leis, tem como ideal a “contenção do poder pelo poder”67

.

Em linhas gerais, o Legislativo edita normas do mais alto grau de generalidade,

o Executivo toma medidas individuais com fundamento nas disposições postas

no sistema por aquele e, por fim, o Judiciário decide sobre a conformidade dos

atos individuais em relação às normas gerais.

Contudo, observe-se que essa divisão de funções não é estanque, sendo que,

por exemplo, os órgãos do Executivo, se provocados, são competentes para

decidir sobre a “norma que deve prevalecer nas situações de conflito entre o

agente público e o contribuinte”68

, no exercício atípico de função jurisdicional,

67

“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos

nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as

resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares”

(MONTESQUIEU, Barão de. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.

172). 68

GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da

nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 252.

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assim como o Judiciário edita as regras do seu regimento interno,

desempenhando papel tipicamente do Legislativo69

.

Anote-se, ainda, que, como forma de realização da República, optou-se, entre

nós, pela federação combinada com a autonomia dos Municípios70

, com a

criação de quatro figuras políticas soberanas dentro de suas respectivas esferas:

União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Com efeito, em virtude da vasta

extensão territorial do Brasil, a descentralização política é a melhor maneira de

assegurar maior proximidade entre governantes e governados71

.

Assim, temos que a União, os vinte e seis Estados federados e os cinco mil

quinhentos e setenta Municípios, além do Distrito Federal, realizam o ideal

republicano de representatividade política no âmbito de suas fatias

competenciais, contando com órgãos próprios que desempenham as funções de

legislar, executar e julgar.

Para o desempenho da atividade que lhe foi confiada pelo sistema jurídico, qual

seja, a gestão da coisa do povo, os sujeitos de direito público interno estão

69

Anotando a dificuldade em diferençar o desempenho pelo Executivo das funções

legislativa e judiciária, tipicamente cometidas ao Legislativo e Judiciário, são as

observações de Gordillo: “las dificultades más serias comienzan cuando se trata de

analizar la actividad de los propios órganos administrativos. Estos órganos dictan actos

materialmente similares a los actos legislativos y jurisdiccionales (como ejemplo de lo

primero, cuando crean reglamentos, de lo segundo, cuando se deciden recursos jerárquicos

presentados por los administrados contra actos de órganos inferiores), pero pareciera

predominar actualmente la opinión de que tanto los reglamentos como las decisiones en

casos concretos son actividad administrativa a pesar de su similitud con la legislativa y

jurisdiccional; la razón de ello está, a juicio nuestro, en que su régimen jurídico es

precisamente también el del derecho administrativo” (GORDILLO, Augustín. Tratado de

derecho administrativo y obras selectas. 11. ed. Buenos Aires: F.D.A., 2013, p. IX-5). 70

Observe-se que os Municípios “não integram a Federação brasileira, composta pelos

Estados e pela União, a despeito da fórmula literal do art. 1º, ‘caput’, mas recebem

dignidade constitucional como está dito no art. 18 desse Diploma” (CARVALHO, Paulo

de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito do ICMS.

In: ______; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra Fiscal: Reflexões sobre a concessão

de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 32). 71

Neste sentido, citando Celso Antonio Bandeira de Melo, Geraldo Ataliba afirma que pela

forma federativa “melhor funciona a representatividade e de maneira mais enfática o povo

exerce as suas prerrogativas de cidadania e de autogoverno” (ATALIBA, Geraldo.

República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 43).

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munidos de diversos instrumentos, dentre os quais se destacam aqueles

relacionados à obtenção de recursos financeiros para custear as suas ações72

.

Nesse contexto, surge a ideia da “receita pública”73

, resumida na entrada que se

integra ao patrimônio e acresce o seu vulto, como elemento novo e positivo.

Tomando a peculiaridade da origem dessa verba, podemos classificá-las em

não tributária e tributária, sendo que aquelas são obtidas de modo voluntário,

em virtude da exploração, pelo Estado, de seus próprios bens, enquanto que as

tributárias estão relacionadas à ideia do tributo. Para nós, interessa-nos essa

segunda espécie de receita, mais especificamente, o respectivo expediente que

viabiliza a sua instituição, arrecadação e fiscalização.

Ordinariamente, os meios aptos a instituir, arrecadar tributos e fiscalizar o

cumprimento das obrigações tributárias e dos deveres instrumentais são

chamados de poderes74

. Conforme ensinam os estudiosos75

, porém, o termo

adequado para nomeá-los é competência.

72

GONÇALVES, José Artur Lima. Tributação, Liberdade e Propriedade. In: SHOUERI,

Luis Eduardo (Coord.). Direito Tributário – homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São

Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 242. 73

“A existência do Estado Fiscal está atrelada à existência de tributos. Na medida do

agigantamento das tarefas estatais, cabe ao ordenamento prever os meios para o Estado

financiar seus gastos. Cogita-se, aqui, da obtenção de receita pública” (SHOUERI, Luis

Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 119). 74

Vide: TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro Tributário. Rio de Janeiro:

Renovar, 1998, p. 310; NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. São

Paulo: Saraiva, 1995, p. 117; MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário.

São Paulo: Malheiros, 2008, p. 172. 75

Em discussão sobre as diferenças entre poder e competência, são os trechos que seguem:

“Prof. Geraldo Ataliba: Penso ser oportuno – para fixar um vocabulário – deixar claro isto:

poder tributário, no Brasil a rigor não existe. O constituinte limitou-se a repartir

competências tributárias. […] Prof. Rubens Gomes de Sousa: Perguntaria apenas, face à

afirmação de que não existe no Brasil poder tributário, mas apenas competências

tributárias repartidas pelo legislador constitucional de uma determinada maneira: A

atribuição de competência tributária, no sentido em que ela está usada neste art. 6º e em

outros dispositivos do Código, não implicaria uma atribuição de poder tributário? Prof.

Geraldo Ataliba: Parcela de poder; uma certa quantidade de poder, que não é poder,

porque é próprio do poder ser ilimitado e global. Prof. Rubens Gomes de Sousa: Poder, na

mediada em que foi conferido. Prof. Geraldo Ataliba: É competência. Parece melhor falar

só de competência e não poder tributário. […] Prof. Rubens Gomes de Sousa: […] Neste

sentido é exato dizer-se que não há poder tributário, como não há também poder

legislativo, a não ser sob a forma de repartição, em frações, deste poder e atribuição de

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Com efeito, o poder remete à ideia de atuação livre de quaisquer limites, visto

que preexiste ao ordenamento jurídico-positivo. Já a competência nasce no

sistema normativo e por ele, consequentemente, é limitada76

, no sentido de que

o seu exercício consiste em, “acima de tudo, atos que manifestam e que

cumprem deveres: os deveres de implementar a finalidade legal que os

justifica”77

.

Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza elucida as distinções entre os termos

poder tributário e competência tributária:

No Brasil, por força de uma série de disposições

constitucionais, não há falar em ‘poder tributário’

(incontrastável, absoluto), mas tão-somente em ‘competência

tributária’ (regrada, disciplinada pelo Direito). De fato, entre

nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro

dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida,

cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País,

poder tributário (manifestação do ‘ius imperium’ do Estado),

mas competência tributária (manifestação de autonomia da

cada uma dessas parcelas a uma das entidades componentes da Federação, e então o poder

estará, neste conceito, delimitado e, portanto, tornado sinônimo de competência. Então,

seria problema terminológico. Prof. Geraldo Ataliba: Não é só. Ele tem a sua utilidade

prática, pelo seguinte: nós sofremos ainda grande influência do direito francês e o direito

italiano, cuja doutrina, jurisprudência e mesmo legislação refletem uma mentalidade

despreocupada com essa problemática, porque, tratando-se de Estados unitários, não há

necessidade de distinguir ‘poder’ de ‘competência’, porque a única expressão de poder

competente é o legislativo nacional; todos os demais são delegados do poder nacional, ao

passo que, no Brasil, o poder legislativo municipal, o estadual e o da União não são

delegados de ninguém, mas recebem, diretamente, do poder constituinte, aquela parcela de

competência. Portanto, têm competência.” (SOUSA, Rubens Gomes; ATALIBA, Geraldo;

CARVALHO, Paulo de Barros. Comentários ao Código Tributário Nacional – parte geral.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 74-76).

Adotando o termo competência em detrimento de poder: CARVALHO, Paulo de Barros.

Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 266; MELO, José

Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2008, p. 84;

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. São

Paulo: Saraiva, 199, p. 180. 76

Neste sentido, afirma Cristiane Mendonça: “Fica patente, a partir desta óptica, a

dessemelhança que os signos “poder” e “competência” apresentam. Enquanto o poder não

sofre limitação jurídica alguma, a competência nasce limitada, exatamente por ser

disciplina pelo Direito. As regras de um sistema jurídico-positivo têm, entre outros, o

escopo de delinear a competência dos órgãos do Estado. De modo diverso, o Direito não

se imiscui no exercício do poder” (MENDONÇA, Cristiane. Competência Tributária. São

Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 40). 77

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 46.

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pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-

constitucional). A competência tributária subordina-se às

normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau

superior às de nível legal, que preveem as concretas

obrigações tributárias. Em boa técnica, não se deve dizer que

as pessoas políticas têm, no Brasil, ‘poder tributário’. ‘Poder

tributário’ tinha a Assembleia Nacional Constituinte, que era

soberana. Ela, realmente, tudo podia, inclusive em matéria

tributária.78

Destaca-se, então, que o Estado não detém poderes ilimitados, mas

competências tributárias minuciosamente demarcadas no ordenamento

jurídico, como condição necessária para o desempenho das funções que lhe são

imputadas.

O termo competência tributária padece de plurivocidade, sendo que é

empregado para nomear diversas circunstâncias, dentre as quais:

Apartamos as seguintes: (i) aptidão para criar tributos in

abstracto; (ii) parcela do poder tributário de que são dotadas as

pessoas políticas para instituir seus próprios tributos; (iii)

poder de instituir e de exonerar tributos; (iv) poder para

instituir, exigir e arrecadar tributos; (v) competência

legislativa plena de que são dotadas as pessoas políticas para

instituírem os seus tributos; (iv) competência para legislar

sobre matéria tributária; (vii) poder para legislar sobre

tributos, administrar tributos e julgar litígios tributários.

Poderíamos empregar, ainda, competência tributária com (viii)

aptidão para criar tributos in concreto; (ix) norma jurídica que

autoriza a criação e a alteração dos enunciados prescritivos

veiculadores de tributos (normas gerais e abstratas ou

individuais e concretas) ou (x) autorização jurídico-positiva

para a criação e a alteração dos enunciados prescritivos

veiculadores de tributos (normas gerais e abstratas ou

individuais e concretas).79

Considerando essa multiplicidade de acepções, para o específico estudo da

fiscalização tributária, consideramos relevante apontar um conceito de

competência tributária em sentido estrito e outro em sentido amplo:

78

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo:

Malheiros, 2004, p. 472. 79

MENDONÇA, Cristiane. Competência Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 37-

38.

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Numa acepção estrita, a competência tributária é parcela da prerrogativa

legiferante dos sujeitos políticos. O Legislativo, no exercício da sua função

típica (legislar), é o titular da competência tributária, na medida em que,

mediante a observância do procedimento legislativo, insere de forma

inaugural80

enunciados prescritivos no sistema jurídico. Isto é, o Legislativo é a

figura que detém a competência tributária stricto sensu, porquanto é titular da:

[…] aptidão, juridicamente modalizada como permitida ou

obrigatória […] para alterar o sistema de direito positivo,

mediante a introdução de novas normas jurídicas que, direta

ou indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação e

fiscalização de tributos81

.

Já sob um viés amplo, podemos afirmar que a competência tributária é a

vocação de produzir normas jurídicas, titularizada por todas as esferas que

compõem o esquema organizacional do Estado82

. De fato, não podemos negar

que os órgãos do Executivo e Judiciário, no exercício de suas precípuas

funções, também inserem no sistema legal enunciados normativos, acabando

por, também, numa acepção ampla, legislar83

, isto é, positivar o Direito,

cumprindo ou fazendo cumprir a lei, introduzindo normas jurídicas no sistema

legal. Vejamos: o Legislativo, por seus agentes credenciados, mediante o

80

Leia-se inaugural no sentido da inovação legislativa não ser flagrantemente previsível,

como decorrência lógica dos preceitos da segurança jurídica e da certeza do direito, pois

que trata da inserção geral e abstrata de um enunciado prescritivo. 81

GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da

nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 218. 82

Sobre o assunto e colocando a produção normativa do Supremo Tribunal Federal como a

solucionadora nos casos de positivação de normas jurídicas conflitantes, são as

ponderações de Robson Maia Lins: “A produção de atos de fala pelo Poder põe no

ordenamento jurídico diversas interpretações, vale dizer, diferentes normas jurídicas.

Quando essas interpretações regulam condutas de forma contrária ou contraditória, aparece

o STF, órgão que ocupa a cúspide da pirâmide normativa, para prescrever, com assomos

de maior segurança jurídica, a interpretação que vale, isto é, a norma jurídica que vale”

(LINS, Robson Maia. O Supremo Tribunal Federal e norma jurídica: Aproximações com o

constructivismo lógico-semântico. In: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilém

Flusser e os juristas. São Paulo: Noeses, 2009, p. 368). 83

Exemplificativamente: ao constatar a regularidade do estabelecimento, o Poder Executivo

emite a norma “dado que o estabelecimento possui instalações adequadas, então confiro-

lhe alvará de funcionamento”; ao decidir que não é constitucional a incidência de

determinado tributos sobre determinadas verbas, o Poder Judiciário enuncia “dado que a

verba x não se encontra no âmbito de abrangência da materialidade da regra matriz de

incidência tributária w, então não é devido o tributo x sobre a verba z.”

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procedimento previsto em lei, introduz no sistema, de modo inaugural,

enunciados prescritivos. O Executivo, no exercício da sua atividade plenamente

vinculada, aplica aqueles enunciados prescritivos, produzindo regras que regem

os casos concretos. Derradeiramente, se provocado, o Judiciário decide a

respeito de questões litigiosas, colocando no sistema jurídico enunciados que

devem regular as relações intersubjetivas submetidas à sua apreciação84

.

Observe-se, ainda, que, extraordinariamente, como já mencionamos, as funções

de legislar, executar e julgar podem ser concretizadas por órgãos aos quais não

foram precipuamente conferidas (em virtude da elasticidade da tripartição das

funções), sendo que, nos casos de exercício da função Legislativa pelo

Executivo e Judiciário, também não há falar-se numa competência em sentido

estrito, mas amplo85

, já que, por vedações contidas no sistema jurídico, essas

produções normativas não podem veicular conteúdos inovadores, tampouco

seguem as rigorosas etapas do procedimento legislativo.

Portanto, numa acepção ampla, todos os órgãos do Estado são competentes

para expedir diferentes espécies de normas jurídicas. Desde que essas

atividades estejam relacionadas aos temas tributários, podemos afirmar, então,

que o Legislativo, Executivo e Judiciário exercem formas de competência

84

“Dentro da ordem jurídica vigente e nos regimes democrático, o órgão representativo, que

espelha as diferentes correntes de opinião pública nacional, se denomina Poder

Legislativo, porque se lhe reconhece a prerrogativa principal de fazer as leis, de

estabelecer as normas de direito, informadoras da ordem jurídica do Estado-sociedade; e o

órgão que realiza como especial cometimento, de modo prático, essas normas, efetivando,

de modo próprio, como parte, o programa de ação por elas dispostas, se denomina Poder

Executivo; e se nomeia de Poder Judiciário o órgão que objetiva, em posição eminente, a

resolução de controvérsias entre as partes, em posição eminente, a resolução de

controvérsias entre as partes, para assegurar essas normas e firmar situação jurídica

definitiva” (MELO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais do Direito

Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 21). 85

Relativamente a este atípico exercício da função legislativa pelos demais órgãos do

Estado, é de grande valia a leitura do estudo realizado por Cristiane Mendonça, que analisa

pormenorizadamente a positivação de normas gerais e abstratas, não apenas pelo

Legislativo, mas também, pelo Executivo e Judiciário, especificamente no que tange à

regra-matriz de incidência tributária, classificando o fundamento sobre o qual se realizam

estas funções em competências Legislativo-tributária, Legislativo-tributária Órgão-

Executivo e Legislativo-tributária Órgão-Judiciário (MENDONÇA, Cristiane.

Competência Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004).

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tributária86

. No contexto do presente trabalho, é objeto de estudo a atividade

desenvolvida pelos órgãos que compõem o Executivo, fundada numa

competência tributária administrativa para promover a incidência das normas

tributárias87

.

2.1.1 Competência fiscalizatória

A competência de fiscalizar é uma das parcelas da extensa competência

tributária administrativa e consiste no específico labor, desempenhado pela

Administração, de inserir no ordenamento jurídico normas relacionadas à

atividade fiscalizatória. Como já apontamos, as três esferas que compõem a

estrutura organizacional do Estado Brasileiro inserem no sistema legal normas

jurídicas e, sendo assim, são capazes para, sobre diferentes aspectos, legislar

sobre a fiscalização. Enquadra-se no escopo desta dissertação o exercício da

competência fiscalizatória exercida pela Administração, para averiguar, in

86

Neste sentido, “não podemos deixar de considerar que têm, igualmente, competência

tributária o Presidente da República, ao expedir um decreto sobre IR, ou seu ministro ao

editar a correspondente instrução ministerial; o magistrado e o tribunal que vão julgar a

causa; o agente da administração encarregado de lavrar o ato de lançamento, bem como os

órgãos que irão participar da discussão administrativa instaurada com a peça impugnatória

[…]” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo:

Saraiva, 2010, p. 218). 87

Trabalhando com a ideia de diferentes competências relacionadas com cada função dos

órgãos que compõem o Estado, anuncia Daniel Monteiro Peixoto: “Três são as funções do

Estado: a legislativa, a administrativa e a jurisdicional. Em todas elas, como não poderia

deixar de ser, a produção de enunciados prescritivos é regulada por normas de

competência: as ‘normas de competência legislativa’ regulam a função legislativa na

produção de normas, notadamente abstratas e gerais; as ‘normas de competência

administrativa’, a função administrativa na produção de normas, em sua maior parte,

concretas e individuais; e as ‘normas de competência judiciária’, a função jurisdicional em

que o Estado-juiz produz normas com o propósito de resolver determinada situação

litigiosa (podem ser concretas e individuais, no caso das sentenças condenatórias; ou

mesmo abstratas e gerais, como no caso do controle concentrado de constitucionalidade

pelo STF)” (PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na aplicação do

Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 76).

No mesmo passo, Tácio Lacerda Gama enumera a: (i) competência tributária legislativa

desempenhada pelos órgãos do Legislativo; (ii) competência tributária administrativa,

exercida pelo Executivo, subdividida em competência regulamentar e outras, competência

para promover a incidência da norma tributária e, competência jurisdicional atípica; e (iii)

competência tributária jurisdicional praticada pelo Judiciário (GAMA, Tácio Lacerda.

Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses,

2009, p. 221-263).

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concreto, a configuração do fato jurídico ensejador da produção do ato do

lançamento tributário e, eventualmente, da lavratura do Auto de Infração ou,

ainda, da introdução de norma que homologa a atividade do sujeito fiscalizado.

Para o exercício deste mister, à Administração tributária são conferidos amplos

poderes investigativos evidenciados, de maneira meramente exemplificativa,

nos artigos 37, inciso XVIII88

, e 145, § 1º89

, da Constituição Federal e 19490

,

19591

, 19792

e 20093

do Código Tributário Nacional.

88

“A administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de

competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma

da lei; […]” 89

“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente

para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e

nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do

contribuinte.” 90

“A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou

especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os

poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação.

Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas naturais ou

jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de

isenção de caráter pessoal.” 91

“Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais

excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos,

documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou

produtores, ou da obrigação destes de exibi-los. Parágrafo único. Os livros obrigatórios de

escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão

conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações

a que se refiram.” 92

“Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as

informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

I - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício; II - os bancos, casas bancárias,

Caixas Econômicas e demais instituições financeiras; III - as empresas de administração

de bens; IV - os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais; V - os inventariantes; VI - os

síndicos, comissários e liquidatários; VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei

designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.

Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações

quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo

em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.” 93

“As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da força pública

federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de embaraço ou desacato

no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação dê medida prevista na

legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou

contravenção.”

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54

Cumpre-nos consignar que essa competência fiscalizatória tributária

administrativa é uma vertente prática da polícia administrativa94

, surgida ao

período absolutista, em virtude das arbitrariedades cometidas pelo Príncipe e,

conceitualmente definida por Clóvis Beznos como:

[…] a atividade administrativa, exercitada sob previsão legal,

com fundamento numa supremacia geral da Administração, e

que tem por objeto ou reconhecer os confins dos direitos,

através de um processo, meramente interpretativo, quando

derivada de uma competência vinculada, ou delinear os

contornos dos direitos, assegurados no sistema normativo,

quando resultante de uma competência discricionária, a fim de

adequá-los aos demais valores albergados no mesmo sistema,

impondo aos administrados uma obrigação de não fazer95

.

Isto é, mediante o exercício do poder de polícia, cumpre ao Executivo a

garantia da fruição dos direitos individuais e coletivo previstos nas normas

gerais e abstratas inseridas no sistema pelo Legislador, por meio de uma

atividade vinculada ou discricionária96

que reconhece e demarca os contornos

94

Doutrinando sobre a competência tributária, dentro da qual se enquadra a competência

fiscalizatória, como uma modalidade do exercício do poder de polícia, são as lições de

Onofre Alves Batista Jr.: “Poder tributário, “poder de tributar” ou poder de instituir

tributos nada mais é que uma das facetas do poder político estatal para realização do bem

comum, ou seja, é apenas uma “manifestação especialíssima do poder de polícia” em um

sentido lato” (BATISTA JR., Onofre Alves. O Poder de polícia fiscal. Belo Horizonte:

Mandamentos, 2001, p. 14).

Em sentido oposto: “Quando o Estado institui tributos não pretende estabelecer lindes

jurídico-normativos da propriedade ou liberdade dos contribuintes; o poder de tributar tem

por finalidade abastecer o erário de dinheiro à mantença do aparato administrativo

(tributos não-vinculados: impostos) ou à realização de certa atividade pública, referida ao

contribuinte (tributos vinculados: taxas e contribuições)” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder

de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 57). A respeito desta manifestação, cumpre-nos

ponderar que, ao nosso ver, trata-se de raciocínio improcedente. Isso porque, em razão da

função arrecadatória dos tributos, a tributação restringe direitos individuais. Aponte-se

contudo, que a tributação jamais pode aniquilar referidos direitos, mas conformá-los,

assim como o faz o exercício do poder de polícia – “se a Lei Maior assegura o exercício de

determinados direitos, que qualifica como fundamentais, não pode tolerar que a tributação

também constitucionalmente disciplinada, seja desempenhada em desapreço a esses

mesmos direitos” (COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 71). 95

BEZNOS, Clóvis. Poder de polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 76. 96

A polícia administrativa pode desempenhar suas funções de modo vinculado ou

discricionário. Atuará de maneira vinculada sempre que a lei já regular antecipadamente

em todos os aspectos o comportamento que deve ser adotado; e, discricionariamente,

quando a regra outorgar-lhe certa margem de liberdade para escolher, com fundamento em

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55

dessas prerrogativas dentro do sistema jurídico, tendo como finalidade última

prezar por uma obrigação de não fazer97

.

Transportando essas lições para o específico campo da atividade fiscalizatória,

temos que o agente competente estabelece os lindes jurídicos da propriedade e

liberdade das pessoas em geral, na medida em que, em contato com os

documentos que relatam as atividades dos contribuintes, emite juízo valorativo

acerca dos fatos, efetuando a subsunção da ideia do fato à hipótese contida na

regra-matriz de incidência tributária (norma primária precedente) e/ou nas

normas primárias derivadas punitivas ou não punitivas.

Observe-se que, em que pese a circunstância de eventualmente a conclusão da

atividade fiscalizatória provocar a instituição de uma obrigação de dar (pagar

tributo, pagar sanção pecuniária), a finalidade última da consecução desses atos

é uma obrigação de não fazer: garantir que nenhum sujeito perturbe os valores

acolhidos pelo sistema normativo, mormente aquele relacionado à provisão de

recursos ao Estado para a gestão da res publica (não sonegar tributos).

critérios de conveniência e oportunidade, o melhor meio de satisfazer o interesse público

que se pretende realizar.

“Há equívoco na assertiva de que a autoridade pública, na polícia administrativa, restringe-

se ao exercício de competência discricionária. Haverá casos em que ela atuará na

competência vinculada. Na competência discricionária o agente público sopesa o caso

concreto, mediante critérios de conveniência/oportunidade, e decide a esfera legítima de

atuação do particular, como ocorre na autorização de porte de arma e na autorização para o

administrado circular com veículos contendo peso excessivo. Já na competência vinculada

a autoridade não tem margem subjetiva; a lei não lhe atribui conveniência/oportunidade

para atuar perante o caso concreto. O exemplo clássico – apontado pela doutrina nacional

– é a licença” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

190-193). 97

Ressalte-se que o Código Tributário Nacional, no seu artigo 78, caput, também propõe

uma definição do conceito da atividade desempenhada pela polícia administrativa,

motivadora da instituição de uma modalidade específica de tributo, que é a taxa, in verbis:

“Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou

disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato,

em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes,

à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes

de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à

propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular

o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites

da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei

tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”

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56

Sobremais, não podemos deixar de ressaltar que, no exercício da atividade

fiscalizatória, enquanto procedimento que precede a expedição de norma

individual e concreta que relata um fato ao qual são logicamente imputadas

relações constitutivas do crédito tributário ou de sanção administrativa, ou

homologatórias da atividade do sujeito passivo, não há falar-se em

discricionariedade da Administração98

: dado o fato de a atividade do

contribuinte subsumir-se ao antecedente da regra-matriz de incidência

tributária; ou dado o fato de a atividade do contribuinte subsumir-se ao

antecedente de uma norma primária derivada punitiva; ou dado o fato de a

atividade do contribuinte subsumir-se ao antecedente de uma norma primária

derivada não punitiva; então, é obrigatória a constituição do crédito tributário;

ou a constituição de uma sanção administrativa; ou a homologação da atividade

do contribuinte. Caso a conduta daquele que fiscaliza não se adéque às

prescrições descritas na legislação, além da pena de declaração de invalidade

do ato eventualmente produzido, é, inclusive, cabível a punição do aplicador do

98

Defendendo a categorização da atividade fiscalizatória ao tipo vinculada, são as palavras

de José Artur Lima Gonçalves e Márcio Severo Marques: “No exercício dessa atividade

(função executiva concernente à fiscalização e controle da arrecadação tributária), a

interferência valorativa do agente público encarregado de levá-la a cabo é absolutamente

vedada, pois, em face do princípio da legalidade, trata-se de atividade administrativa

plenamente vinculada” (GONÇALVES, José Artur Lima; MARQUES, Márcio Severo.

Processo Administrativo Tributário. Revista de Direito Tributário, n. 75, 1999, p. 233).

Também, excetuando a discricionariedade no âmbito fiscalizatório tributário: “Sem

embargo, no entanto, de figurar a discricionariedade – a modo geral – como característica

do poder de polícia, no campo da fiscalização tributária o administrador deverá estar

atento para o caráter vinculado de sua atividade (arts. 3 do CTN 142, parágrafo único, do

CTN) enquanto integrante do procedimento preparatório para a realização do ato de

lançamento” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 2009, p. 504).

E, ainda:

“PAF – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. OBSERVÂNCIA. Na função de aplicador

da lei não pode o julgador tributário esquecer de integrar a interpretação aos princípios

constitucionais que funcionam como “vetores interpretativos”, o agente público que

fiscaliza e apura créditos tributários está sujeito ao princípio da indisponibilidade dos bens

públicos e deverá atuar aplicando a lei – que disciplina o tributo – ao caso concreto, sem

margem de discricionariedade. A renúncia total ou parcial e a redução de suas garantias

pelo funcionário, fora das hipóteses estabelecidas na Lei n. 5.172/66, acarretará a sua

responsabilização funcional” (CARF, 1. Seção, 1. Câmara, 2, Turma, Processo n.

10280.720234/2007-14, Recurso n. 167.959, Acórdão n. 1102-00.247, publicado em

05.07.2010).

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57

Direito99

. Adiante, trabalharemos com maior profundidade a questão da

indisponibilidade do interesse público, bem como a estrita submissão do agente

fiscal ao princípio da legalidade, que evidenciam a ausência de

discricionariedade no curso da fiscalização.

Em contraposição a essa severa vinculação da atividade fiscalizatória à lei,

decorrente da necessária subsunção do fato à norma, é de se reconhecer certa

discricionariedade dos atos que compõem o desempenho da fiscalização. Nesse

sentido, mediante a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade,

podem ser selecionados específicos sujeitos para figurarem no polo passivo da

relação fiscalizatória, em virtude da sua extensa numerosidade hodierna100

, bem

como serem analisados quaisquer documentos pertinentes ao tributo que se

pretende averiguar101

.

99

O agente fiscal pode ser responsabilizado, por meio do enquadramento da sua conduta aos

crimes elencados nos artigos 316, caput, e parágrafo primeiro (“Concussão Art. 316 -

Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes

de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos,

e multa. Excesso de exação § 1º - Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que

sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório

ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. § 2º

- Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente

para recolher aos cofres públicos: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa”). E, o

Estado pode ser condenado responsável pela conduta do agente mediante a prova do nexo

causal entre a conduta praticada e o resultado experimentado pelo particular, nos termos

do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal (“As pessoas jurídicas de direito

público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos

que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso

contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”), sendo que, caso presente o elemento

culposo ou doloso do agente fiscal, será cabível a promoção da ação regressiva contra

aquele que praticou o ato (Art. 43, Código civil: “As pessoas jurídicas de direito público

interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem

danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver,

por parte destes, culpa ou dolo”). 100

Vide item 3.2.1 Discricionariedade na escolha dos fiscalizados. 101

Neste sentido, são as importantes ponderações de Geraldo Ataliba: “O controle das

atividades dos contribuintes, o conhecimento dos fatos que se ligam diretamente ou

indiretamente à ocorrência dos fatos imponíveis, o acompanhamento de todos os fatos que

dão ensejo a qualquer das relações de capacidade contributiva, assim qualificados pela lei,

tudo isso requer quase plena liberdade para o fisco, agilidade e presteza de movimentos,

possibilidade de ampla liberdade de indagação e investigação. […] Em contraste com essa

liberdade – como visto – é inteiramente vinculada a atividade do lançamento. É que este é

a culminância do procedimento, que se iniciou com os atos preparatórios, que começaram

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Uma breve digressão é relevante neste ponto: não há confundir-se

discricionariedade com arbitrariedade. Enquanto a arbitrariedade está

relacionada com caprichos pessoais, a discricionariedade é limitada pelo

Direito, na medida em que é exclusivamente nos moldes do direito que a

Administração pode agir.102

Postas as características fundamentais da competência fiscalizatória, é

imprescindível apontar que, nos termos do plexo normativo vigente, o seu

exercício é titularizado pelos agentes públicos. Esses sujeitos são qualificados

por exprimirem:

[…] a manifestação estatal, munidos de uma qualidade que só

podem possuir porque o Estado lhes emprestou sua força

jurídica e os habilitou a assim agirem ou, quando menos, têm

que reconhecer como estatal o uso que hajam feito de certos

poderes103

.

por um vago tatear a partir de indícios e simples alegações” (ATALIBA, Geraldo.

Lançamento – Procedimento regrado: discricionariedade na investigação e levantamento

de dados. Esclarecimentos e informações do contribuinte. Impossibilidade jurídica da

presunção quando a lei requer prova. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 330-331). 102

Sobre a atuação discricionária do administrador:” O poder discricionário não significa que

ele esteja livre para decidir sem recorrer a padrões de bom senso e equidade, mas apenas

que sua decisão não é controlada por um padrão formulado pela autoridade particular que

temos em mente quando colocamos a questão do poder discricionário” (DWORKIN,

Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 53).

Explicitando as diferenças entre a atividade discricionária e arbitrária: “No exercício

desses poderes, já dizia Vivien, falando das autorização discrecionarias, a administração é

investida de um pleno poder; ella póde conceder ou recusar. A lei se submete inteiramente

á sua prudencia. Mas muito convém não consfundir o poder discrecionario de que a

autoridade gosa com o poder arbitrario. O poder propriamente, rigorosamente arbitrario,

isto é, o poder, para uma autoridade, de agir segundo sua vontade pessoal, segundo seu

capricho e seu humor... não existe no Estado moderno. Não é o mesmo com o poder com o

poder discrecionario, que é dependente da regra geral dos serviços públicos: não agir sinão

tendo em vista o interesse comum. Pelo poder arbitrario, a autoridade age indiferente ao

direito; pelo poder discrecionario, age dentro de um circulo geral do direito” (LEAL,

Aurelino. Polícia e Poder de Polícia. Rio Janeiro: Imprensa Nacional, 1918, p. 143). 103

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 244.

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59

A categoria dos agentes públicos abarca todos aqueles sujeitos que servem ao

Poder Público104

, consistindo, em requisitos para a sua caracterização, a

natureza estatal da atividade desempenhada e a investidura outorgada ao

indivíduo.

Na sistematização proposta por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello105

, os

agentes públicos podem ser agentes políticos, servidores estatais ou particulares

em atuação colaboradora com o Poder Público. Os agentes políticos consistem

nos indivíduos investidos em cargos estruturais à organização política da

federação. Aqueles que mantêm vínculos de trabalho de natureza profissional e

caráter não eventual, sob relação de dependência, formam a classe dos

servidores estatais, que se subdivide em servidores públicos e servidores das

pessoas governamentais de Direito Privado106

. Por sua vez, os particulares, que

podem se subsumir ao conceito de agente público, são aqueles que exercem

função pública, ainda que às vezes apenas em caráter episódico. São exemplos

desta categoria os sujeitos requisitados para a prestação de atividade pública

(e.g., jurados); que sponte propria assumem a gestão de atividade pública, em

virtude de situações anômalas; contratados por locação civil de serviços (como

o advogado de notório saber jurídico contratado para defesa oral em processo

judicial); bem como os concessionários e permissionários de serviços públicos

e delegados de função ou ofício público.

No caso das atividades relacionadas à fiscalização, instituição e arrecadação de

tributos e sanções decorrentes do descumprimento de obrigações tributárias e

104

“Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar

genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos

expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou

episodicamente” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.

São Paulo: Malheiros, 2009, p. 243). 105

Ibid., 1979. 106

Ibid., p. 247.

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de deveres instrumentais, figuram os servidores estatais comumente

denominados agentes fiscais ou auditores fiscais107

.

2.2 A fiscalização tributária e o dever de colaborar

O dever de colaborar imputado aos indivíduos submetidos à fiscalização é um

“dever de facultar meios de prova cuja valoração caberá ao órgão de aplicação

do direito”108

. Isto é, enquanto sujeito passivo do procedimento fiscalizatório, é

fundamental a participação do particular, proporcionando ao agente competente

meios aptos para a construção de um juízo acerca dos fatos. Todas as provas

colhidas pelo agente fiscal, mediante a colaboração do fiscalizado, são

analisadas e valoradas em conjunto com os demais elementos obtidos, de modo

que o qualificativo da relatividade permeia todos os documentos109

.

Nesse sentido, não há cogitar-se de uma repartição do dever de instrução

probatória entre o Fisco e os fiscalizados, mas de um dever de o particular

107

Ilustrativamente, neste sentido, é a legislação Federal, que enuncia, na Lei nº 10.593, de 6

de dezembro de 2002: “Art. 6º São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal

da Receita Federal do Brasil: I - no exercício da competência da Secretaria da Receita

Federal do Brasil e em caráter privativo: a) constituir, mediante lançamento, o crédito

tributário e de contribuições; b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em

processo administrativo-fiscal, bem como em processos de consulta, restituição ou

compensação de tributos e contribuições e de reconhecimento de benefícios fiscais; c)

executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação

específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de mercadorias,

livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados; d) examinar a contabilidade

de sociedades empresariais, empresários, órgãos, entidades, fundos e demais contribuintes,

não se lhes aplicando as restrições previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e

observado o disposto no art. 1.193 do mesmo diploma legal; e) proceder à orientação do

sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação tributária; f) supervisionar as

demais atividades de orientação ao contribuinte; II - em caráter geral, exercer as demais

atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil.” 108

XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:

Forense, 2005, p. 161. 109

Exemplificativamente, “a despeito do disposto no art. 226 do Código Civil, cuja

literalidade aparenta conferir caráter de prova plena aos documentos ali relacionados, essa

modalidade de prova documental, assim como qualquer outro meio probatório tributário,

ostenta o qualificativo da relatividade, podendo ser ilidida por prova contrária,

demonstrando-se a falsidade da escrituração, realizada de modo inadvertido ou proposital”

(TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2011, p. 114).

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61

proporcionar relatos de fatos que serão apreciados livremente, perfazendo o

papel de elemento de convicção da Administração110

.

Na posse dos elementos colhidos durante o procedimento fiscalizatório, a

Administração procede à sua análise dentro do contexto da sua atividade, sendo

que a presunção de adequação do relato ao fato pode ser afastada no caso

concreto111

. Especialmente porque:

O processo tributário é oficial e não um processo de partes. O

fisco não pode só considerar o que o obrigado alega e prova;

não pode supor inexistente o que ele cale. Deve o fisco

conduzir o procedimento (de lançamento ou de recurso) com o

fim de lançar, o mais exatamente possível, o estado de coisas

que criou o fato gerador, seja esse (estado de coisas) favorável

ou não ao acusado112

.

Na fiscalização em sentido estrito, é o fisco quem tem o dever de oferecer

prova concludente de que o fato ocorreu na estrita conformidade da previsão

110

Ruy Barbosa Nogueira é contundente ao atribuir caráter instrutório à participação do

fiscalizado no procedimento fiscalizatório, demonstrando que os documentos que relatam

as atividades dos particulares ainda prescindem de valoração pela administração: “A

autoridade fiscal apura de ofício o fato tributário, determina o modo e a extensão dessa

apuração e não se vincula às alegações e provas das partes” (NOGUEIRA, Ruy Barbosa.

Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 239).

Também neste sentido: “o contribuinte tem o dever jurídico de colaborar na instrução

desse procedimento [fiscalizatório], o que inclui prestar declarações, esclarecimentos,

exibir livros ou documentos em seu poder, ou seja, facultar os meios de prova cuja

valoração caberá à autoridade fazendária” (NEDER, Marcus Vinicius; LOPEZ, Maria

Teresa Martínez López. Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo:

Dialética, 2002, p. 99). 111

Uma vez preenchidos os requisitos procedimentais afetos à produção dos deveres

instrumentais, são as palavras de José Luiz Saldanha Sanches acerca da verossimilhança

dos relatos: “A regularidade formal cria uma presunção de conformidade material, mas tal

presunção pode ser afastada pelas circunstâncias externas que põe em causa os elementos

contidos na contabilidade” (SANCHES, José Luís Saldanha. A quantificação da obrigação

tributária. Lisboa: Lex, 2000, p. 260). 112

ATALIBA, Geraldo. Lançamento – Procedimento regrado: discricionariedade na

investigação e levantamento de dados. Esclarecimentos e informações do contribuinte.

Impossibilidade jurídica da presunção quando a lei requer prova. Estudos e Pareceres de

Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 341. Observe-se que, em

que pese ao mestre Geraldo Ataliba tratar dos termos processo e procedimento de modo

diferente do que demonstraremos no item seguinte, julgamos interessante colacionar as

suas palavras, que realçam a presunção relativa dos documentos apresentados pelo

fiscalizado.

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genérica da hipótese normativa. Para tanto, realiza a análise de documentos,

podendo infirmar relatos produzidos pelo administrado113

.

A título ilustrativo, no plano federal, a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo

administrativo no âmbito da Administração Pública Federal114

, anuncia os

deveres do administrado que se alinham com o dever de colaborar tratado neste

item, in verbis:

Art. 4º São deveres do administrado perante a Administração,

sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:

I - expor os fatos conforme a verdade;

II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

III - não agir de modo temerário;

IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e

colaborar para o esclarecimento dos fatos.

Como se pode notar, o dever de colaboração do particular resume-se em

posturas facilitadoras do acesso do agente fiscal aos relatos dos fatos, sendo

que a valoração das provas fica à mercê deste último. O atendimento à

intimação para a apresentação de documentos gera uma expectativa acerca das

normas que serão aplicadas ao caso concreto, sendo que apenas o sujeito

competente para interpretar os elementos emite um juízo juridicamente

relevante a respeito do Direito aplicável.

Tamanha é a relevância da cooperação do sujeito fiscalizado, que a sua

ausência, nos casos de presunção de incidência de tributo, enseja não apenas o

113

“Por exemplo, se certo documento designa uma operação de compra e venda, mas a

mercadoria vendida não existe, ou não foi determinado preço, negócio jurídico de compra

e venda não há, de sorte que o Fisco estará habilitado para requalificar – em outra situação

jurídica – ou desqualificar – para não enquadrá-la em nenhuma outra situação jurídica – a

linguagem produzida pelo contribuinte, para fina de perfazer a incidência da norma

tributária (MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e Norma Antielisiva. São Paulo:

Noeses, 2014, p. 169). 114

E, observe-se, reconhecidamente pela doutrina e jurisprudência aplica-se também às

esferas Estaduais, Municipais e Distrital.

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emprego das técnicas indiciárias para a constituição dos fatos jurídicos, como,

ainda, a denúncia por resistência, desobediência ou desacato115

, a requisição do

auxílio de força pública116

, o ajuizamento de ação de busca e apreensão117

, a

115

Código Penal: “Resistência Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência

ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando

auxílio: Pena - detenção, de dois meses a dois anos; Desobediência Art. 330 - Desobedecer

a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e

multa; Desacato Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em

razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.” 116

Código Tributário Nacional: “Art. 200. As autoridades administrativas federais poderão

requisitar o auxílio da força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente,

quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando

necessário à efetivação dê medida prevista na legislação tributária, ainda que não se

configure fato definido em lei como crime ou contravenção.” 117

Código de Processo Civil: “Art. 839. O juiz pode decretar a busca e apreensão de pessoas

ou de coisas.”

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aplicação de penalidade pelo embaraço à atividade fiscalizatória118

, além da

possível criminalização da conduta119

.

Outrossim, é importante observar que o dever de colaborar, assim como todos

os demais direitos e deveres, não é absoluto, de modo que exige a delimitação

do seu âmbito de proteção, isto é, da acurada definição do seu conteúdo120

.

118

Como é o caso da instituição do regime especial de fiscalização previsto no Regulamento

do Imposto sobre operações de importação: “Art. 541. A Secretaria da Receita Federal do

Brasil poderá determinar regime especial para cumprimento de obrigações, pelo sujeito

passivo, nas seguintes hipóteses: I - embaraço à fiscalização, caracterizado pela negativa

não justificada de exibição de livros e documentos em que se assente a escrituração das

atividades do sujeito passivo, bem como pelo não fornecimento de informações sobre

bens, movimentação financeira, negócio ou atividade, próprios ou de terceiros, quando

intimado, e demais hipóteses que autorizam a requisição do auxílio da força pública, nos

termos do art. 200 da Lei nº 5.172, de 1966; II - resistência à fiscalização, caracterizada

pela negativa de acesso ao estabelecimento, ao domicílio fiscal ou a qualquer outro local

onde se desenvolvam as atividades do sujeito passivo, ou se encontrem bens de sua posse

ou propriedade; III - evidências de que a pessoa jurídica esteja constituída por interpostas

pessoas que não sejam os verdadeiros sócios ou acionistas, ou o titular, no caso de firma

individual; IV - realização de operações sujeitas à incidência tributária, sem a devida

inscrição no cadastro de contribuintes apropriado; V - prática reiterada de infração da

legislação tributária; VI - comercialização de mercadorias com evidências de contrabando

ou descaminho; ou VII - incidência em conduta que enseje representação criminal, nos

termos da legislação que rege os crimes contra a ordem tributária. § 1o O regime especial

de fiscalização será aplicado em virtude de ato do Secretário da Receita Federal do Brasil.

§ 2o O regime especial pode consistir, inclusive, em: I - manutenção de fiscalização

ininterrupta no estabelecimento do sujeito passivo; II - redução, à metade, dos períodos de

apuração e dos prazos de recolhimento dos tributos; III - utilização compulsória de

controle eletrônico das operações realizadas e recolhimento diário dos respectivos tributos;

ou IV - exigência de comprovação sistemática do cumprimento das obrigações tributárias.

§ 3o As medidas previstas neste artigo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente,

por tempo suficiente à normalização do cumprimento das obrigações tributárias. § 4o A

imposição do regime especial não elide a aplicação de penalidades previstas na legislação

tributária. § 5o As infrações cometidas pelo contribuinte durante o período em que estiver

submetido a regime especial de fiscalização serão punidas com a multa de que trata o art.

571.” 119

Criminalizando a conduta consubstanciada no desatendimento de intimação fiscal para a

apresentação de documentos é Lei nº 8.137/1990, artigo 1, inciso V: “Art. 1° Constitui

crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e

qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: […] V - negar ou deixar de fornecer,

quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria

ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a

legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” 120

Observe-se que, a título de estudo das limitações e restrições aos direitos, foram

desenvolvidas as teorias externa e interna. Segundo a teoria externa, o direito individual e

a restrição são categorias distintas, que necessariamente devem ser compatibilizadas para

possibilitar a convivência em sociedade. Já para a teoria interna, os direitos individuais e

as restrições são partes opostas de uma mesma moeda, tal como ressalvado por Alexy: “a

eventual dúvida sobre o limite do direito não se confunde com a dúvida sobre a amplitude

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65

Nesse sentido, há recusas legítimas de colaboração, tais como nas hipóteses de

pedido de informações que afrontem ao princípio da legalidade, como por

deveres instrumentais não instituídos por lei, ou à proporcionalidade, pela

solicitação de documento que não se configure o meio menos oneroso para o

fiscalizado facultar a informação à Administração, por exemplo121

.

2.3 A fiscalização tributária: processo ou procedimento?

É essencial esclarecermos as diferenças entre procedimento e processo para

que possamos contextualizar a fiscalização tributária neste tema e, assim,

definir aspectos fundamentais para o estudo do seu regime jurídico.

das restrições que lhe devem ser impostas, mas diz respeito ao próprio conteúdo do

direito” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Vírgilio Afonso

da Silva. São Paulo, 2008).

Para uma melhor compreensão das teorias do âmbito de proteção dos direitos, podemos

traçar semelhanças às concepções de imunidade e de isenção. Relativamente à teoria

interna, podemos afirmar que a similitude com as normas imunizantes existe porque estas

“estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito

constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações

específicas e suficientemente caracterizadas”, impedindo a construção da regra-matriz de

incidência tributária. Igualmente, a teoria interna nega a existência de direitos e limitações

como categorias autônomas, mas compatibilizadas e resultantes de um único direito,

demarcado pelas limitações. Destarte, enquanto a imunidade delimita a competência

tributária, aqui, a contraposição entre direito e restrição delimita o âmbito de abrangência

do direito fundamental. Também, pode ser traçado paralelo entre a teoria externa e a

isenção na medida em que esta é o fenômeno de “encontro de normas com a mutilação da

regra matriz de incidência”, sendo que esta mutilação decorre do encontro de duas normas

jurídicas – regra de tributação e regra de isenção –, que inibe a incidência da hipótese

tributária sobre os eventos abstratamente qualificados pelo preceito isentivo, ou que lhe

tolhe as consequências, comprometendo-lhe os efeitos prescritivos da conduta. Da mesma

forma, na teoria externa pressupõe-se a existência de duas normas jurídicas – regra de

direito e regra de restrição –, que são conflituosas e devem ser compatibilizadas, com a

consequente mitigação de atuação de uma delas.

Enfim, o maior obstáculo à delimitação do âmbito de proteção dos direitos,

independentemente da teoria adotada, está na dificuldade da constatação objetiva dos

limites dos limites, isto é, admitindo-se a possibilidade de limitação ou restrição a direitos

fundamentais, resta a árdua tarefa de demarcação do núcleo essencial de cada direito para

fins de aferição de eventuais (in)constitucionalidades e (i)legalidades. 121

Sobre o assunto, vide item 3.6. O critério prestacional.

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66

A corrente majoritária dos administrativistas brasileiros122

aponta repousar na

litigiosidade a diferença fundamental entre o procedimento e o processo.

Enquanto o procedimento é termo que se vale para nomear a forma de

concatenação de determinados atos, o processo, mais amplo e abrangente, é um

procedimento especificamente voltado para a solução de um litígio. Nesse

sentido, o procedimento é uma espécie de itinerário que deve ser seguido para o

atingimento de uma finalidade específica. Esta ideia é ponderada por Marçal

Justen Filho, ipsis litteris:

O procedimento consiste numa sequência predeterminada de

atos, cada qual com finalidade específica, mas todos dotados

de uma finalidade última comum, em que o exaurimento de

cada etapa é pressuposto de validade da instauração da etapa

posterior e cujo resultado final deve guardar compatibilidade

lógica com o conjunto dos atos praticados123

.

Disso decorre a conclusão lógica de que todo processo pressupõe um

procedimento, mas nem todo procedimento converte-se em processo.

No Direito Tributário, encontramos este dualismo processo/procedimento em

três diferentes momentos no percurso de positivação das normas, quais sejam:

procedimento administrativo preparatório do ato do lançamento tributário124

;

processo administrativo, instaurado em razão da impugnação do contribuinte

122

Vide: FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,

1985, p. 280; MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 2009, p. 480. 123

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2011,

p. 306. 124

Enquadrando-se nessa fase, nos casos em que prevista na legislação, ainda, a eventual

revisão do ato de lançamento em face da ausência de impugnação do contribuinte. (e.g.,

Artigo 29 da Lei Estadual nº 10.941/2001, que dispõe sobre o processo administrativo

tributário decorrente de lançamento de ofício e dá outras providências: “Apresentada

defesa, ou findo o prazo sem que esta seja apresentada, o processo deve ser como regra,

imediatamente encaminhado ao órgão de julgamento de primeira instância

administrativa”).

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67

contra o crédito constituído; processo judicial, em sede do qual atua um

terceiro imparcial para a solução da controvérsia125

.

As características que diferem o procedimento administrativo tributário do

processo administrativo tributário são muito bem elucidadas por Fabiana Del

Padre Tomé. Vejamos:

Enquanto o procedimento administrativo tributário é

marcadamente fiscalizatório e apuratório, visando a preparar o

ato constituidor da obrigação tributária ou da sanção pelo

descumprimento desta ou de deveres instrumentais, a figura

do processo administrativo só aparece em momento posterior

ao nascimento do crédito tributário, mediante resistência do

contribuinte à pretensão do Fisco126

.

Focando as nossas atenções na fase fiscalizatória, confirmamos a míngua da

litigiosidade entre os envolvidos127

, fundamentalmente porque o iter

procedimental que caracteriza a fiscalização é aquele que precede a

constituição de obrigações decorrentes da incidência de normas impositivas de

tributos e/ou de sanções administrativas ou homologatórias da atividade do

contribuinte. Isto é, o procedimento fiscalizatório é composto por uma série de

atos que visam à aplicação de uma norma primária128

que, então, enseja o

125

Neste sentido, “no Direito Tributário, como já visto em capítulos anteriores, deve-se

enfrentar o dualismo procedimento/processo em três diferentes regimes jurídicos: 1º

procedimento enquanto caminho para consecução do ato de lançamento (inclusive

fiscalização tributária e imposição de penalidades); 2º processo como meio de solução

administrativa dos conflitos fiscais; e 3º processo como meio de solução judicial dos

conflitos fiscais” (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro

(Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 160). 126

TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2011, p. 279. 127

Corroborando a assertiva pela ausência de litigiosidade na fase fiscalizatória, é a regra

insculpida no artigo 14, do Decreto nº 70.235/1972, que dispõe sobre o processo

administrativo fiscal federal: “a impugnação administrativa instaura a fase litigiosa do

procedimento” (NEDER, Marcos Vinicius; LOPEZ, Maria Teresa Martínez López.

Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 28). 128

Retomando, em breve síntese, algumas ideias traçadas no item 1.2.2. Norma jurídica

completa deste trabalho, todas as normas em sentido estrito são organizadas na forma

lógica hipotética condicional, de modo que o antecedente implica o consequente. No

sistema jurídico, caracterizado pela sua coercitividade, existem (i) a norma primária, que

contém na sua hipótese a descrição de um fato hipotético, prescrevendo, na sua tese, uma

relação entre sujeitos com direitos e deveres materiais correlatos; e (ii) a norma

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68

nascimento de uma relação jurídico-tributária129

. É depois de constituídas

juridicamente as relações jurídicas que podem ser suscitadas inconformidades a

respeito de seus termos.

Com efeito, a relação jurídica obrigacional tributária é instaurada quando

presentes e, necessariamente, traduzidos em linguagem competente, os seus

cinco elementos constitutivos: sujeitos ativo e passivo, direito subjetivo, dever

jurídico e objeto.

Noutro giro, antes e durante o transcurso do procedimento fiscalizatório,

inexiste a obrigação formalizada, tampouco a pretensão resistida130

. É depois

de constituída a relação entre o contribuinte e o ente político competente que

surge a exigibilidade da obrigação, surgindo as possibilidades de o autuado

quitar a dívida ou contestá-la, seja em sede de processo administrativo ou

judicial.

Decerto, uma vez efetuado o lançamento, pode ocorrer o pagamento,

encerrando nesta etapa a concretização do Direito, exclusivamente, por meio de

um procedimento administrativo. Existe, porém, a possibilidade de ser

instaurada uma fase processual, permeada pela litigiosidade, caso o sujeito

passivo da obrigação, veiculada pelo documento que relata a incidência

tributária, venha a insurgir-se contra a pretensão estatal. Em sede de processo

administrativo, o litígio será solucionado por órgão que integra a própria

Administração Tributária. Neste caso, numa espécie de controle de legalidade

do ato impugnado, será proferida decisão que se restringirá a analisar a

adequação do ato à lei.

secundária, que prescreve a atuação coercitivo-sancionatória dos Estado-juiz na hipótese

de descumprimento das normas primárias. 129

“Até a interposição da peça impugnatória pelo contribuinte, o conflito de interesses ainda

não está configurado. Os atos anteriores ao lançamento referem-se à investigação fiscal

propriamente dita, constituindo-se medidas preparatórias tendentes a definir a pretensão da

Fazenda. Há simples procedimento que tão-somente conduz a constituição do crédito

tributário.” 130

MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial).

São Paulo: Dialética, 2014, p. 164.

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69

Mais amplamente, com a instauração de um processo judicial, podem ser

discutidos assuntos mais abrangentes do que a submissão do ato de lançamento

às prescrições legais. O autuado tem o direito de requerer, com fundamento

numa norma secundária, a manifestação do Poder Judiciário, que é parte

desinteressada no litígio, a respeito do conflito suscitado131

.

Feitas essas ponderações, fica evidente que a atividade fiscalizatória é realizada

a título de um procedimento administrativo até o momento que apura a

ocorrência de fatos ensejadores da aplicação de normas primárias precedentes

ou derivadas punitivas ou não punitivas.

Decorrência lógica da conclusão pelo caráter procedimental da atividade

fiscalizatória é a inaplicabilidade do princípio da ampla defesa e a existência de

um contraditório mitigado132

durante a concretização desses atos que perquirem

131

“O juiz é imparcial. Ele não é titular dos interesses sobre os quais decide. Ele personifica o

Estado-jurisdição, que é parte na relação processual Essa relação processual é peculiar,

uma vez que congrega três partes (usualmente) e tem por objeto obter uma solução para o

litígio existente em outra relação jurídica” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito

Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 311). 132

Importante observar aqui a distinção entre a ampla defesa e o contraditório. Aquele diz

respeito à oportunidade de deduzir resistência às pretensões adversárias, enquanto que este

refere-se ao direito de ser ouvido.

Fixadas estas ideias, exemplo do mitigado contraditório é a comunicação do início do

procedimento fiscalizatório, o direito de consulta dos atos procedimentais, o direito de

apresentar documentos quando intimado, o direito de solicitar a dilação de prazo para o

atendimento à intimação.

Pela inaplicabilidade da ampla defesa no procedimento fiscalizatório: “[…] NULIDADE

DO PROCESSO FISCAL. MOMENTO DA INSTAURAÇÃO DO LITÍGIO.

CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. Somente a partir da lavratura do auto de

infração é que se instaura o litígio entre o fisco e o contribuinte, podendo-se, então, falar

em ampla defesa ou cerceamento dela, sendo improcedente a preliminar de cerceamento

do direito de defesa quando concedida, na fase de impugnação, ampla oportunidade de

apresentar documentos e esclarecimentos. […]” (CARF; Primeira Seção; Acórdão nº

1402-001.763; publicado em 16/09/2014).

Sequer considerando aplicáveis os princípios da ampla defesa, como também do

contraditório, na fase procedimental que antecede a constituição do crédito tributário:

“Como explicitado na Seção I, o processo administrativo fiscal é composto de dois

momentos distintos: o primeiro caracteriza-se por procedimento em que são prolatados os

atos inerentes ao poder fiscalizatória do autoridade administrativa cuja finalidade é

verificar o correto cumprimento dos deveres tributários por parte do contribuinte,

examinando registro contábeis, pagamentos, retenções na fonte, culminando com o

lançamento. Este é, portanto, o ato final que reconhece a existência da obrigação tributária

e constitui o respectivo crédito, vale dizer, cria o direito à pretensão estatal. Nesta fase, a

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70

dados factuais: inexistente crédito constituído, não há motivo para a

salvaguarda de uma participação ativa do fiscalizado no sentido de lhe outorgar

oportunidade de deduzir a sua inconformidade contra obrigação sequer

existente133

.

Também em favor da regra que preza pela ausência da ampla defesa nesta fase

procedimental, são os argumentos de que a natureza estritamente vinculada da

atividade fiscalizatória torna irrelevante a averiguação dos interesses dos

particulares e de que a fiscalização é voltada a um vasto campo de

destinatários, que combinado com infinitos recursos tecnológicos, inviabilizaria

o desempenho da atividade fiscalizatória com uma robusta participação dos

particulares134

.

atividade administrativa pode ser inquisitória e destinada tão-somente à formalização da

exigência fiscal. O segundo inicia-se com o inconformismo do contribuinte em face da

exigência fiscal ou, nos casos de inciativa do contribuinte, com a negativa do direito

pleiteado. A partir daí, está formalizado o conflito de interesses, momento em que se

considera existente um verdadeiro processo legal, entre eles o da ampla defesa e do

contraditório” (NEDER, Marcos Vinicius; LOPEZ, Maria Teresa Martínez López.

Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 75-

76).

Também neste sentido: “O procedimento fiscalizador interessa apenas ao Fisco e tem a

finalidade instrutória, estando for a da possibilidade, ao menos enquanto mera fiscalização,

dos questionamentos processuais do contribuinte. […] na etapa meramente fiscalizatória

não há que se falar em contraditório ou ampla defesa, pois não há, ainda, qualquer espécie

de pretensão fiscal sendo exigida pela Fazenda Pública em face do contribuinte, mas tão

somente o exercício da faculdade da Administração Tributária em examinar mercadorias,

livros, arquivos, documentos, papéis fiscais ou comerciais e da correspectiva obrigação do

contribuinte em exibi-los” (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro

(Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 228, 267-268). 133

Corroborando a assertiva, é o magistério de Fabiana Del Padre Tomé: “Apenas no âmbito

do processo, entretanto, tem-se a garantia constitucional da ampla defesa, visto que esta,

nos termos da Carta Magna, aplica-se “aos litigantes” ou “acusados em geral”. O

procedimento administrativo fiscalizador não representa materialização conflitiva,

configurando sequência de atos unilaterais com vistas a verificar a ocorrência ou não do

fato jurídico ou do ilícito tributário, inviabilizando, por conseguinte, questionamentos e

oposição por parte do contribuinte” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito

Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 300). 134

“Dificilmente se concebe, na verdade, que o lançamento tributário deva ser precedido de

uma necessária audiência prévia dos interessados. Duas razões desaconselham tal

audiência: em primeiro lugar, o caráter estritamente vinculado do lançamento quanto ao

seu conteúdo torna menos relevante a prévia ponderação de razões e interesse

apresentados pelo particular do que nos atos discricionários; em segundo lugar, o fato de

se tratar de um “procedimento de massas”, dirigido a um amplo universo de destinatários e

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71

2.4 Os princípios que regem a atividade fiscalizatória tributária

Conforme já mencionamos outrora, os princípios, por serem normas jurídicas

de significação prescritiva com elevada relevância valorativa, influenciam

vigorosamente a construção de outras normas jurídicas, mormente daquelas

relacionadas à atividade fiscalizatória.

O necessário respeito a essa espécie normativa é muito bem apontado por Celso

Antonio Bandeira de Mello, in verbis:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma

norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não

apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o

sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou

inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio

atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,

subversão de seus valores fundamentais, contumélia

irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura

mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o

sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada135

.

Assim, com o intuito de agregar mais elementos para o estudo dos contornos

jurídicos de qualquer instituto do Direito, é de grande importância a análise das

específicas diretrizes magnas que devem nortear a compreensão de todo o

sistema em que o objeto submetido ao conhecimento se insere.

Relativamente à atividade desempenhada pela Administração Pública, em suas

inúmeras atribuições, a Constituição Federal, no artigo 37, caput136

, enuncia

serem princípios de obrigatória obediência a legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência. Em idêntica reprodução do referido

baseado em processos tecnológicos informáticos, tornaria praticamente inviável o

desempenho da função, se submetida ao rito da prévia audiência individual” (XAVIER,

Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005,

p. 175). 135

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 546. 136

“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]”

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enunciado prescritivo é o artigo 111 da Constituição Estadual de São Paulo137

.

No mesmo norte, a Lei nº 9.784/1999138

, que regula o processo administrativo

no âmbito da Administração Pública Federal, enumera serem princípios que

regem a atividade dos agentes públicos: legalidade, finalidade, motivação,

razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,

segurança jurídica, interesse público, eficiência, dentre outros.

Neste trabalho, porque o objeto de estudo restringe-se à atividade da

Administração pública que precede a aplicação das normas tributárias que

afirmam o fato jurídico tributário ou infirmam ou confirmam a atividade do

particular, serão estudados apenas selecionados princípios enunciados no

Direito Positivo, cujos conteúdos são de fundamental relevância para o

delineamento do regime jurídico da fiscalização tributária.

2.4.1 Supremacia do interesse público sobre o interesse privado

O trato da supremacia do interesse público sobre o privado é eixo central de

estruturação científica do regime jurídico da fiscalização tributária. A gestão da

res publica, mormente através da atividade fiscalizatória, tem como meta a

realização do interesse público, isto é, do “conjunto de interesses que os

indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de

membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”139

.

Conquanto possa haver a contraposição de um específico interesse pessoal a

um interesse público, este último jamais vai de encontro com todos os

interesses pessoais. Exemplificativamente, um indivíduo provavelmente não

137

“A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do

Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,

razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.” 138

“A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,

finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,

contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” 139

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 61.

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73

tem interesse em exibir à Administração todos os documentos que relatam a

sua atividade econômica para, consequentemente, transferir parte do seu

patrimônio ao Erário; contudo, os demais membros do corpo social necessitam

de escolas, estradas e saúde subsidiadas pelo Estado com o emprego da receita

advinda dos tributos140

. O interesse público, portanto, é uma faceta dos

interesses dos indivíduos de determinada sociedade, justificando-se enquanto

meio de realização dos interesses de suas partes.

Fixados estes conceitos, resta evidente que a supremacia do interesse público

sobre o privado proclama a superioridade do plexo de interesses coletivos sobre

o do particular, inclusive para a garantia de existência deste último.

Corolário lógico da priorização do público em detrimento do particular é a

indisponibilidade do interesse perseguido pela Administração141

. Uma vez

constatados elementos caracterizadores da concretização do conceito descrito

no antecedente das normas primárias tributárias, é obrigatória a subsunção da

ideia do fato à norma, instaurando uma relação jurídica, não havendo espaço

para qualquer espécie de ponderação de interesses, tampouco de acordos, visto

que o agente fiscal não detém poderes para dispor do interesse público,

especialmente do crédito tributário: é obrigação da Administração perquirir

sobre a ocorrência dos fatos ensejadores da tributação e constituí-lo nos exatos

termos e dimensão aferível pela análise documental.

140

Introduzindo a questão da elisão tributária, são os comentário de Charles William

McNaughton: “A ideia de que a economia tributária é antiética e abusiva parte mais ou

menos da seguinte linha: a arrecadação de tributos beneficiaria a todos e é em prol da

justiça social. Já a ausência de tributação favoreceria somente o indivíduo. Apenas um

individualismo exacerbado, desprovido de uma interação com o que a sociedade almeja,

sustentaria que garantias individuais, já superadas, como a legalidade, são mais

importantes do que valores éticos como a igualdade e solidariedade (MCNAUGHTON,

Charles William. Elisão e Norma Antielisiva. São Paulo: Noeses, 2014, p. XXII). 141

Sobre a magnitude dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da

indisponibilidade dos interesses públicos, são as palavras de Celso Antonio Bandeira de

Mello: “Todo o sistema de Direito Administrativo, a nosso ver, se constrói sobre os

mencionados princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e

indisponibilidade do interesse público pela Administração” (MELLO, Celso Antonio

Bandeira de, op. cit., p. 56).

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74

Observe-se que, apesar de o Estado ser entidade jurídica que realiza o interesse

público, é importante ressaltar que este objeto não se confunde com os próprios

interesses do Estado e demais pessoas públicas. Os interesses particulares do

Estado – também chamados de interesses secundários ou financeiros142

assemelham-se aos de titularidade dos demais indivíduos que compõem a

sociedade, contudo apenas podem ser perseguidos quando não se chocarem

com os interesses públicos do Estado – interesses primários ou substanciais de

justiça143

–, sob pena de trair a sua missão própria e a sua própria razão de

existir.

O procedimento fiscalizatório hodierno inspira-se, fundamentalmente, nos

interesses primários do Estado. Aponta esta postura a regra que impõe à

Administração a abstenção da prática do ato de lançamento em casos de

subsistência de dúvida acerca do objeto da fiscalização. Também neste sentido,

a atividade fiscalizatória não visa exclusivamente à constituição do crédito

tributário, mas também à homologação da atividade do fiscalizado.

2.4.2 Legalidade

O cânone da legalidade, inserido no inciso II do artigo 5º da Constituição

Federal, anuncia que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei”. Esta regra não é dirigida exclusivamente ao

legislador, no sentido de exigir a definição de situações gerais e abstratas às

quais se deve imputar consequências jurídicas, mas, também, ao Executivo e ao

Judiciário, aos quais cabe aplicar o Direito às situações concretas e individuais.

De acordo com o princípio em comento, especificamente no que tange à

atividade fiscalizatória, toda a atuação dos agentes fiscais deve estar pautada

142

XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:

Forense, 2005, p. 166. 143

Ibid., p. 167.

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75

em lei autorizativa144

. Neste sentido, por meio do exercício da função

administrativa, os agentes fiscais emitem “comandos complementares, ou de

atos integrativos, aos preceitos normativos abstratos com a finalidade de lhes

dar completa e imediata operatividade”145 , 146

, não existindo espaço para a

imposição de vontades pessoais147

. Isto é, a Administração interpreta e aplica o

direito positivo, conferindo-lhe máxima concretude, sendo que referidos atos

de aplicação devem estar em completa sintonia com a lei que lhes fundamenta,

sob pena de revisão pelo próprio órgão que o emitiu, em sede de controle da

perfectibilidade dos atos de seus agentes, ou pelo Legislativo ou Judiciário148

.

A razão de ser deste princípio justifica-se na homenagem do ordenamento

jurídico a um ideal de participação política dos particulares, sob o aspecto de

que, na República, a vontade dos cidadãos é expressa por meio de seus

144

“A atividade administrativa é uma atividade muito mais assujeitada a um quadro

normativo constritor do que a atividade dos particulares. Esta ideia costuma ser

sinteticamente expressada através das seguintes averbações: enquanto o particular pode

fazer tudo aquilo que não lhe é proibido, estando em vigor portanto o princípio geral de

liberdade, a Administração só pode fazer o que lhe é permitido. Logo, a relação existente

entre um indivíduo e a lei, é meramente uma relação de não contradição, enquanto que a

relação existente entre a Administração e a lei, é não apenas uma relação de não

contradição, mas é também uma relação de subsunção” (MELLO, Celso Antonio Bandeira

de. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 12-13). 145

ALESSI, Renato apud FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 1985, p. 25. 146

Delimitando o papel do administrador público e reforçando a importância do princípio da

legalidade, são as palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello: a função administrativa

consiste na “função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma

estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza

pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou,

excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo

Poder Judiciário” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.

São Paulo: Malheiros, 2009, p. 36). 147

“Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na

administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública

só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer

assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’” (MEIRELLES, Hely

Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 82-83). 148

“A função administrativa consiste no dever de o Estado, ou de quem aja em seu nome, dar

cumprimento fiel, no caso concreto, aos comandos normativos, de maneira geral ou

individual, sob regime prevalente de direito público, por meio de atos e comportamentos

controláveis internamente, bem como externamente pelo Legislativo (com o auxílio dos

Tribunais de Contas), atos, estes, revisíveis pelo Judiciário” (FIGUEIREDO, Lucia Valle.

Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1985, p. 29).

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representantes no Legislativo, que estabelecem, por meio da introdução de

enunciados prescritivos no sistema normativo, os parâmetros de quanto o

indivíduo consente em concorrer com os gastos públicos e em que medida o

fará149,150

. Noutros termos, a função fiscalizatória se realiza na criação concreta

da utilidade pública, de modo que o desempenho dessa atividade deve ser

absolutamente vinculado à lei, pois é esta que expressa a vontade dos

administrados151,152

.

É importante apontarmos que o princípio da legalidade desdobra no princípio

da motivação153

, revelado no dever do agente fiscal de provar a ocorrência do

fato jurídico tributário, expondo os motivos de fato e de direito que motivaram

a expedição da norma individual e concreta que afirma ou infirma o fato

jurídico tributário ou confirma a atividade do particular. Aqui, a relevância da

motivação se justifica na circunstância de que o exame acerca da correta

aplicação da lei aos específicos casos apenas pode ser aferida mediante a

análise das razões que conduziram a produção normativa da autoridade fiscal

ao termo do procedimento fiscalizatório.

149

Neste sentido, “nada do que faça o Estado é válido sem o consentimento dos governados”

(ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 181). 150

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 1997, p.

86. 151

“O Direito Administrativo não é um Direito criado para subjugar os interesses ou os

direitos dos cidadãos aos do Estado. É, pelo contrário, um Direito que surge exatamente

para regular a conduta do Estado e mantê-la afivelada às disposições legais, dentro desse

espírito protetor do cidadão contra descomedimentos dos detentores do exercício do Poder

estatal” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São

Paulo: Malheiros, 2009, p. 47). 152

“Quem criou o Estado foi o cidadão, quem atribuiu competências ao Estado foi o cidadão,

quem atribuiu meio – ação de tributar – foi o cidadão, e, portanto, este instrumento só

pode ser exercido sob e nos termos do consentimento do cidadão” (GONÇALVES, José

Artur Lima. Planejamento Tributário – Certezas e Incertezas. In: ROCHA, Valdir de

Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. v. 10. São Paulo:

Dialética, 2006, p. 270). 153

Neste sentido: “A rigor, o dever de prova do fato típico tributário titularizado pelos

agentes fiscais representa a dimensão processual do princípio da legalidade tributária, vale

dizer, a demonstração objetiva, na forma e nos limites do devido processo legal (cuja

eficácia alcança também a atividade administrativa no que esta atina à esfera jurídica dos

indivíduos), do atendimento cabal às exigências normativas emanadas daquele princípio”

(PONTES, Helenilson Cunha. O direito ao silêncio no Direito Tributário. In: FISCHER,

Octavio Campos (Coord.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004,

p. 89).

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Neste sentido, para a prova da realização do fato e da subsunção à hipótese da

norma tributária, é imprescindível a descrição do motivo do ato, consignando

objetivamente a prova dos fatos-índices que se referem ao fato jurídico

tributário, não podendo haver sombra de dúvida sobre a concreção do fato que

dá causa à autuação administrativa.

Corroborando este dever de fundamentação, que milita como uma garantia do

administrado em face da atuação do Estado, o Decreto nº 70.235/72, em seu

artigo 10154

, ao descrever os requisitos do documento que constitui as

obrigações tributárias, elenca a descrição do fato, bem como a indicação da

disposição legal infringida, atribuindo à ausência desses elementos a pena de

nulidade do ato administrativo. Decerto, essas informações são fundamentais

para a identificação da conduta constatada in concreto e tipificada pelo Direito

Tributário, outorgando artifícios para o autuado consentir ou impugnar o

crédito constituído, assim como para o julgador, seja em sede administrativa ou

judiciária, decidir a respeito da subsunção do fato à norma.

No mais, não é exagero frisar que a prévia fixação das regras pertinentes à sua

atuação também reforça princípios essenciais para o bom funcionamento da

Administração, quais sejam, a moralidade e a impessoalidade, que prezam pela

adstrita observância da legislação em detrimento de quaisquer condutas

ensejadoras de benefícios próprios.

2.4.3 Eficiência

A notabilidade do princípio da eficiência na orientação da atividade do

administrador público, especialmente do auditor fiscal, é evidenciada por

154

“O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta,

e conterá obrigatoriamente: I - a qualificação do autuado; II - o local, a data e a hora da

lavratura; III - a descrição do fato; IV - a disposição legal infringida e a penalidade

aplicável; V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no

prazo de trinta dias; VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o

número de matrícula.”

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constar enunciada na Constituição Federal, repetida da Constituição Estadual e

reiterada na lei que rege o processo administrativo federal.

Nas palavras de Odete Medauer:

A eficiência é princípio que norteia toda a atuação da

Administração Pública. O vocábulo liga-se à ideia de ação,

para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à

Administração Pública, o princípio da eficiência determina

que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para

produzir resultados que satisfaçam as necessidades da

população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a

negligência, a omissão – características habituais da

Administração Pública brasileira, com raras exceções155

.

Em sucintas palavras, objetiva-se, com o princípio da eficiência, o alcance das

finalidades públicas da melhor forma possível, isto é, com o menor dispêndio

de tempo e de recursos financeiros, já que o Estado tem como objetivo a tutela

dos direitos da mais ampla gama factível de administrados.

Um desdobramento do princípio da eficiência, portanto, é a celeridade156

: a

eficiência requer a ausência de delongas desnecessárias na conclusão dos

procedimentos fiscalizatórios. Com efeito, esse tipo de conduta prejudica

ambas as partes envolvidas na fiscalização, no sentido de que o sujeito

fiscalizado sofre insegurança quanto ao comprometimento do seu patrimônio,

além da negativa reprovação social perante seus contatos, e a Administração

expende fundos com diligências e deixa de arrecadar em função de eventual

ausência de autuação.

Outro aspecto relevante concerne ao fato de a eficiência não significar a

exclusiva maximização da arrecadação por meio da tributação, mas a maior

prática possível do interesse coletivo, por meio do desenvolvimento da

155

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno – de acordo com EC 19/98. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 145. 156

A celeridade está enunciada na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LXXVIII, in

verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração

do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

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atividade fiscalizatória com qualidade157

. Neste sentido, alerta Hely Lopes

Meirelles:

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa

seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional.

É o mais moderno princípio da função administrativa, que já

não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade,

exigindo resultados positivos para o exercício público e

satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de

seus membros 158

.

Com efeito, a desenfreada busca pela constituição do crédito tributário gera

negativos reflexos diretos no contencioso administrativo: em razão da autuação

de casos que não se subsomem à norma, bem como da lavratura de autos de

infração sem atendimento aos devidos requisitos formais, o número de

impugnações administrativas é sobremaneira elevado, importando em maiores

gastos com o aparato revisional do crédito tributário e, eventualmente, com o

próprio corpo fiscalizatório, em evidente afronta ao postulado da eficiência159

.

É a conjugação da celeridade com a qualidade no proceder do agente fiscal

traduz a fiel imagem do princípio da eficiência. Postura que intenta

homenagear essa ideia é a adotada pelo Estado de São Paulo, por meio da Lei

Complementar nº 1.059/2008, que, entre outras disposições, institui o prêmio

157

Neste sentido, não é acertada a ideia de que os crescentes recordes superados pelas

fiscalizações no tocante à constituição do crédito tributário significam a concretização do

princípio da eficiência. Conforme anunciado no Balanço da Fiscalização da Receita

Federal, foi constituído crédito tributário no valor de R$ 190,1 bilhões no exercício de

2013. Desse montante, contudo, não há dados seguros a respeito da quota anulada em

razão do controle de legalidade realizado pelos próprios órgãos administrativos ou

judiciais. 158

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000,

p. 90. 159

“O que na verdade deve ser perseguido não é o simples aumento da arrecadação tributária.

O princípio da eficiência tratado neste dispositivo constitucional condiz mais com a ideia

de gastar menos e arrecadar de forma eficaz, sem extrapolar os limites constitucionais e

legais, uma vez que na ânsia de arrecadar o Estado acaba por promover a multiplicação de

litígios, no sentido contrário, portanto, de sua finalidade” (MARINS, James. Direito

Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014,

p. 230).

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80

de produtividade dos agentes fiscais160

. Conforme prescreve a referida

legislação, a remuneração dos agentes fiscais é composta de uma parte fixa,

que corresponde ao valor-base, uma parte variável, referente ao prêmio de

produtividade, e outras formas que vierem a ser previstas em lei.

O mencionado abono de produtividade é atualmente regulado pela Resolução

da Secretaria da Fazenda nº 28, de 08.04.2013, cujo teor enumera em tabelas as

atividades que dão ensejo à sua percepção, com os respectivos pontos

atribuídos a cada prática, posteriormente convertidos em UFESPs.

Em muito bom passo, são prestigiadas atividades afetas ao aprimoramento e

modernização da Administração Tributária e à gestão do conhecimento dos

servidores públicos, de modo que, a título ilustrativo, são atribuídos 200 pontos

ao dia aplicado na elaboração ou revisão de material didático, manuais de

conhecimento ou de técnicas fiscais, assim como para o dia aplicado para

apresentação em cursos, treinamentos, congressos, seminários ou outro evento

assemelhado161

. No mesmo sentido, são atribuídos pontos à autuação,

automaticamente cassados na hipótese de o julgamento administrativo resultar

na anulação do lançamento ou auto de infração162

.

160

“Art. 15. A remuneração do Agente Fiscal de Rendas compreende: I - como parte fixa, o

valor-base, expresso em quantidade de quotas, conforme o nível em que estiver

enquadrado, constante do Anexo desta lei complementar; II - como parte variável: a) o

prêmio de produtividade; b) outras que vierem a ser previstas em lei; III - como vantagens

pecuniárias: a) o adicional por tempo de serviço, de que trata o Art. 129, calculado à razão

de 5% (cinco por cento) por quinquênio de serviço, sobre o valor da parte fixa, acrescido

do prêmio de produtividade e do “pro labore”, observado o disposto no inciso XVI do Art.

115, ambos da Constituição Estadual; b) a sexta-parte, de que trata o Art. 129 da

Constituição Estadual, calculada sobre o valor da parte fixa, acrescido do prêmio de

produtividade, do “pro labore” e do adicional por tempo de serviço; c) décimo terceiro

salário; d) acréscimo de 1/3 (um terço) das férias; e) “pro labore”; f) adicional de

transporte como ajuda de custo para indenizar despesas de locomoção; g) verba

indenizatória pelo exercício em unidades localizadas nas divisas do Estado; h) diárias; i)

gratificação de representação, de que trata o inciso III do Art. 135 da Lei nº 10.261, de 28

de outubro de 1968.” 161

Conforme tabela V, da Resolução SF nº 28, de 08.04.2013. 162

Conforme tabela III, da Resolução SF nº 28, de 08.04.2013 e Nota Explicativa III.6: “O

Agente Fiscal de Rendas e a respectiva equipe perderão os pontos que lhes foram

atribuídos na mesma proporção dos valores do Auto de Infração e Imposição de Multa –

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Contudo, no que tange às atividades relacionadas à atividade fiscalizatória, o

Legislador Estadual cometeu algumas falhas na escolha da sistemática de

atribuição de pontos. Expressão disso é o conteúdo da Tabela 1, abaixo

colacionada:

Tabela 1 - Atividades relativas à apreensão de mercadorias, bens, documentos,

equipamentos e arquivos digitais:

Código Denominação Pontos

2.1 Apreensão de mercadorias e/ou bens em situação irregular perante

a legislação tributária.

90

2.2 Apreensão de livros, documentos, impressos e papéis de efeitos

fiscais com a finalidade de comprovar infração à legislação

tributária, desde que a apreensão sirva de prova para a constituição

do crédito tributário:

2.2.1 por livro. 8

2.2.2 por documento, impresso e papel de efeitos fiscais. 2

2.3 Apreensão de equipamento emissor de cupom fiscal – ECF ou

qualquer outro equipamento que possibilite o registro ou o

processamento de operação ou prestação de serviços, que

constituir prova material ou indício de infração à legislação

tributária ou em situação irregular – por ECF ou equipamento.

90

2.4 Copiagem ou captura de dados digitais com finalidade de subsidiar

o desenvolvimento da ação, por determinação ou autorização

superior – por estabelecimento diligenciado.

540

De uma breve leitura, é possível constatar que a Tabela 1, referente à

Resolução SF nº 28/2013, especificamente no subitem 2.2, encoraja a

apreensão de mercadorias e livros com a finalidade de comprovar infração à

lei, atribuindo pontos àquele que dessa forma proceder, sendo que, conforme

nota explicativa, a devolução das mencionadas mercadorias e livros sem a

respectiva constituição do crédito tributário torna os pontos outrora atribuídos

sujeitos à decisão do Inspetor Fiscal acerca da necessidade da conduta

perpetrada pelo agente163

. Isto é, a atribuição de pontos é realizada no momento

da apreensão, sendo que, apenas em virtude da constatação do excesso do meio

AIIM não confirmados em decisão de julgamento de defesa ou não ratificados pelo

Delegado Regional Tributário.” 163

Tabela II - NOTAS EXPLICATIVAS […] II.4 – Na hipótese de mercadorias ou bens

apreendidos, sem a correspondente constituição de crédito tributário, o Inspetor Fiscal

decidirá sobre a manutenção dos pontos atribuídos quando da apreensão tiver sido

necessária para a segurança das verificações fiscais.”

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empregado – apreensão –, atestado pelo Inspetor Fiscal, é realizada a subtração

do benefício remuneratório.

Ora, a dificuldade na definição dos lindes do excesso da conduta do agente

fiscal é uma barreira à realização do princípio da eficiência. Isso porque a

ausência de critérios objetivos na resolução que visa a premiar a produtividade,

combinada com a qualidade, quiçá honra o crescimento de condutas que

atentam à boa administração (apreensão ilegal de livros e mercadorias), em

flagrante afronta aos direitos e garantias fundamentais dos sujeitos fiscalizados.

2.4.4 Publicidade

É imperativa a publicidade dos atos administrativos em geral com o fito de

garantir a sabença de todos a respeito da situação em que se encontram as

pessoas com quem se relacionam. Neste sentido, é dever da Administração

manter plena transparência de seus comportamentos, fornecendo informações

sobre assuntos públicos.

Exemplo típico que requer a ampla propagação de informações acerca da

atividade administrativa é a declaração de inidoneidade e inabilitação da

inscrição estadual de fornecedor: caso não seja levado a cabo o princípio da

publicidade, podem ser firmados negócios jurídicos que implicam o direito ao

crédito decorrente da incidência não cumulativa do imposto incidente sobre a

circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e

intermunicipal e de comunicação (ICMS) 164

, sendo absolutamente ilegítima a

glosa destes créditos pelo Fisco.

164

Prescreve o artigo 23 da mencionada Lei Complementar nº 87/96: “O direito de crédito,

para efeito de compensação com débito do imposto, reconhecido ao estabelecimento que

tenha recebido as mercadorias ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está

condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e

condições estabelecidos na legislação.”

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Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em sede de recurso

especial submetido ao rito previsto no artigo 543-C, do Código de Processo

Civil165

, no sentido de que é apenas em momento posterior à publicação da

declaração de inidoneidade fiscal do estabelecimento que se torna ilegítimo o

aproveitamento do crédito surgido pela incidência de tributo não cumulativo166

.

Seguindo a mesma linha, mas ainda não conferindo o devido respeito ao

princípio da publicidade e favorecendo a chamada salvabilidade167

do crédito

tributário, em julgamento memorável realizado no Tribunal de Impostos e

Taxas de São Paulo (TIT)168

, restou consignado que, dentre outros requisitos,

uma vez comprovada a busca pelo adquirente contribuinte de informações

sobre o sujeito emitente de documentos acobertadores do crédito tido como

indevido no Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais

com Mercadorias e Serviços (SINTEGRA) é reconhecida a sua boa-fé,

165

“Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de

direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.” 166

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE

CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE ICMS.

APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE). NOTAS FISCAIS

POSTERIORMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. 1. O

comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa

vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do

crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade

da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz

efeitos a partir de sua publicação […] 6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido

ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008” (REsp 1148444/MG,

Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 27/04/2010). 167

“Fala-se no ‘princípio da salvabilidade do crédito tributário’, por exemplo, para

fundamentar decisões no mínimo controversas no que concerne aos princípios da estrita

legalidade e do devido processo legal no direito tributário. A criatividade e a liberdade do

Judiciário parecem não ter limites” (ADEODATO, João Maurício Leitão. Norma jurídica

como decisão dotada de efetividade. Revista Jurídica da Presidência, Brasília: Centro de

Estudos Jurídicos da Presidência, n. 106, 2013, p. 327). 168

“ICMS. GLOSA DE CRÉDITOS EM RAZÃO DA DECLARAÇÃO DE

INIDONEIDADE DOS DOCUMENTOS FISCAIS EMITIDOS PELO FORNECEDOR

DAS MERCADORIAS. Nos termos do que já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça

(STJ) em sede de “recurso repetitivo”, o contribuinte de boa-fé não deve ser apenado em

casos tais, desde que comprovada a efetividade das operações contestadas, como ocorreu

no caso dos autos. RECURSO ESPECIAL FAZENDÁRIO AO QUAL SE NEGA

PROVIMENTO. DECISÃO NÃO UNÂNIME. Vencido o voto do juiz relator pelo retorno

dos autos à instância anterior.” (Recurso Especial; Processo nº DRTCIII-296166-2010;

AIIM nº 3.130.581-7; Câmara Superior, Relator Juiz Gianpaulo Camilo Dringoli,

julgamento realizado em 29 de maio de 2012).

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autorizadora apenas da exclusão da aplicação da norma primária derivada

punitiva (i.e., aquela que constitui uma relação jurídica sancionatória

decorrente da configuração da infração atinente ao creditamento indevido).

Em suma, todos os procedimentos administrativos – sejam eles afetos à

idoneidade das pessoas jurídicas ou de fiscalização de tributos, etc. – devem ser

regidos pela transparência desde o seu início e, fundamentalmente, ao seu

término: a uma porque revelam a possibilidade de conferência a respeito do

atendimento ao princípio da legalidade, e a duas porque garantem o livre

arbítrio dos administrados de firmarem negócios jurídicos com outros, tendo

pleno conhecimento da sua situação perante a Administração.

2.4.5 Proporcionalidade

A proporcionalidade é uma das diretrizes magnas do sistema jurídico, que

informa a intelecção de todos os demais princípios e regras do direito positivo.

Particularmente, no âmbito da atividade fiscalizatória, conforma “a correta

identificação, eleição, compreensão, ponderação e aplicação das normas

aplicáveis a cada ação administrativa”169

, de modo que o seu estudo serve de

instrumento para o controle da intervenção do Estado na esfera particular.

O exame da proporcionalidade, que anuncia o direito de ninguém ser obrigado

a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam

indispensáveis à satisfação do interesse público, sobeja três análises

fundamentais, objetivamente fixadas pela jurisprudência do Tribunal

Constitucional Alemão no caso Aphothekenurteil: o da adequação,

respondendo à indagação: “o meio promove o fim?”, seguido da necessidade,

representado pelo questionamento: “dentre os meios disponíveis e igualmente

eficazes para promover o fim, não há outro meio menos restritivo dos direitos

169

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

no direito administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 199.

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85

fundamentais afetados?” e, por fim, da proporcionalidade em sentido estrito,

perguntando: “as vantagens pela promoção do fim correspondem às

desvantagens provocadas pela adoção do meio?”170

. Respondidas

positivamente as três questões, evidencia-se o atendimento da conduta ao

postulado da proporcionalidade.

Observe-se que a proporcionalidade não se identifica com a razoabilidade.

Enquanto a razoabilidade é conceito fluido que se esgota no exame da

compatibilidade entre os meios e fins, a proporcionalidade, mais ampla e

abrangente, envolve a análise de três sub elementos independentes (adequação,

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) 171

.

Sob o prisma da proporcionalidade, portanto, a atuação do agente fiscal deve

ser adequada, necessária e proporcional em sentido estrito: os meios escolhidos

para a consecução da atividade fiscalizatória devem ser compatíveis com a

finalidade buscada, isto é, o desígnio de afirmar o fato jurídico tributário ou

infirmar ou confirmar a atividade do particular; não devem existir outros meios

eficazes e menos limitadores dos direitos fundamentais atingidos (mormente a

inviolabilidade do domicílio, o sigilo bancário, a livre iniciativa, entre outros)

para promover o objetivo perseguido; e, derradeiramente, a medida deve

representar o justo alcance do exercício da competência fiscalizatória, avaliada

pela ponderação entre as desvantagens dos meios e as vantagens dos fins, tal

qual os direitos afetados e a produção normativa individual e concreta.

Em síntese, os atos fiscalizatórios devem ser adequados para a positivação das

normas tributárias e necessárias enquanto meio eficaz e menos oneroso, em

relação a outros de igual eficiência, além de o resultado obtido justificar, na

170

ÁVILA, Humberto. Proporcionalidade e Direito Tributário. In: SCHOUERI, Luís

Eduardo. Direito Tributário: Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier

Latin, 2003, p. 330-331. 171

Externando a vaguidade do razoável, é a tentativa definitória de Luís Roberto Barroso: “O

que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja

arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em

dado momento ou lugar” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da

Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 204-205).

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justa medida, a eventual restrição do direito, em atenção à proporcionalidade

em seu sentido estrito.

2.4.6 Verdade jurídica

Para além dos princípios trabalhados até este ponto, é de elementar importância

a tratativa da construção da verdade jurídica, enquanto linha diretiva da

atividade fiscalizatória. Em que pese a ausência de enunciado prescritivo

explícito172

a respeito desta questão, é, além de lógica, indispensável a sua

observância no desempenho da atividade fiscalizatória.

Ordinariamente, a verdade é classificada em material e formal, sendo aquela a

correspondência entre a proposição e o acontecimento, e esta, a verdade

construída em atenção a determinadas regras, mas vulnerável a divergir do

evento a que se refere. Com fundamento nesta distinção, é comum o

estabelecimento de um vínculo entre a verdade material e a fase administrativa

tributária, tanto a precedente à aplicação das normas instituidoras de relações

jurídicas em sentido estrito, quanto a contenciosa, e entre a verdade formal e o

processo judicial, visto que naquele estágio são dispensadas certas

formalidades impreterivelmente observadas no segundo.

172

Reitere-se: ausência de suporte físico explicitamente enunciado. Isso porque, em

conformidade com as premissas metodológicas adotadas, apesar de todos os enunciados

terem a aptidão de suscitarem diversas interpretações na mente dos intérpretes e, portanto,

serem, sob um ponto de vista, implícitos, diferencia-se aqui a positivação expressa, ou não,

de determinados princípios.

Acerca da existência de princípios implícitos e, inclusive, ressaltando a sua importância e

alçando-os à categoria de sobreprincípios, são as palavras de Paulo de Barros Carvalho:

(os princípios) “algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador

constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes

à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo para percebê-los e

isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e os expressos não se pode falar em

supremacia, a não ser pelo conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do

intérprete, momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e de

sobreprincípios” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 195-196).

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Ocorre que, em conformidade com o nosso raciocínio, é impróprio falarmos em

correspondência entre o evento e o seu relato, visto que o mundo das coisas e

da linguagem não se tocam. Ademais, no que se refere ao Direito, é

fundamental a análise do conteúdo das proposições para a aferição da verdade

em nome da qual se fala, tornando-se inútil173

diferenciarmos as verdades

material e formal.

Neste contexto, surge a ideia da verdade jurídica. Pelo emprego da linguagem

prevista no sistema, com a observância do procedimento estabelecido também

nas regras do ordenamento normativo, é construída a verdade jurídica174

.

Durante o momento fiscalizatório, a Administração constrói a sua concepção

da verdade, e, nos processos administrativo e judicial, o juiz desempenha esse

papel, sendo que, em ambas as ocasiões, são diversos os elementos que

objetivam o reconhecimento do fato alegado como verdadeiro. Diante desses

relatos, a título de representar a verdade, o Direito estabelece formas para a

escolha da verdade que deve prevalecer no sistema jurídico.

Acerca desses elementos que subsidiam a convicção do positivador do Direito,

é importante recordarmos que os acontecimentos factuais consistem em meros

eventos passíveis de serem submetidos à intuição sensível dos indivíduos,

sendo que a sua ocorrência é infinita e irrepetível. Apenas o registro do

acontecimento factual propicia o seu conhecimento a sujeitos que não se

173

Como já mencionado no item 1.2.1. Construção de sentido do Direito, as classificações

são reveladas em arbitrariedades daquele que classifica, uma vez que os critérios

empregados para a fixação de um discrímen entre os elementos que compõem determinado

conjunto são relativos. Assim, não há classificação verdadeira ou falsa, válida ou inválida,

mas, sim, útil ou inútil para o estudo a que se propõe o sujeito cognoscente. 174

Sobre o assunto, são as palavras de Fabiana Del Padre Tomé: “A verdade que se busca no

curso de processo de positivação do direito, seja ele administrativo ou judicial, é a verdade

lógica, quer dizer, a verdade em nome da qual se fala, alcançada mediante a constituição

de fatos jurídicos, nos exatos termos prescritos pelo ordenamento: a verdade jurídica. Daí

por que leciona Paulo de Barros Carvalho46 que, “para o alcance da verdade jurídica,

necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a observância de uma forma

especial. Impõe-se a utilização de um procedimento específico para a constituição do fato

jurídico”, pouco importando se o acontecimento efetivamente ocorreu ou não. Havendo

construção de linguagem própria, na forma como o direito preceitua, o fato dar-se-á por

juridicamente verificado e, portanto, verdadeiro” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no

Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 25).

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fizeram presentes à época do seu ocorrido. Neste sentido, “o acontecimento

propulsor do lançamento não está acessível à percepção da autoridade

administrativa, já que sua ocorrência situa-se no passado e a sua vivência não

se perpetua ao longo do tempo”175

. Igualmente ao que se sucede no plano do

lançamento, em relação à aplicação das normas homologatórias da atividade do

sujeito fiscalizado e impositivas de sanções administrativas, é imprescindível a

constituição dos fatos jurídicos enunciados no antecedente dos dispositivos

individuais e concretos. Essa construção, obrigatoriamente, deve estar pautada

na linguagem probatória.

O sistema normativo prescreve o modo como as provas têm que ser colhidas e

produzidas a fim de se tornarem habilitadas a fundamentar fatos jurídicos,

sendo que, não obstante a existência de provas da ocorrência de determinado

fato, é fundamental que a sua origem e produção tenham sido pautadas em

diretrizes e regras previstas nos enunciados prescritivos, sob pena de violação

do princípio da proibição da prova ilícita. Acerca da produção probatória no

cenário jurídico, é o magistério de Paulo de Barros Carvalho:

[…] é algo pacífico, nos dias de hoje, expressar-se o direito

positivo numa linguagem que lhe é privativa. […] dentro do

limite da latitude semântica da expressão linguagem jurídica

há segmentos do sistema em que os meios de manifestação

comunicacional dos participantes ficam adstritos a fórmulas

determinadas e adredemente estabelecidas, tendo em vista os

valores de certeza e segurança que a ordem normativa visa a

realizar. […] são restritos os modos de utilização da

linguagem, tendo em vista a comprovação das ocorrências

factuais. Nem todos os recursos da comunicação ordinária são

admitidos para efeito de atestar a realização de sucessos

nessas áreas.176

Enfim, a atividade fiscalizatória é pautada na busca pela verdade jurídica, frise-

se, pela construção jurídica do relato de fatos vencedor, isto é, em

175

NEDER, Marcos Vinícius. O problema da prova na desconsideração de negócios jurídicos.

V Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: IBET, 2009, p. 690. 176

CARVALHO, Paulo de Barros. A Prova no Procedimento Administrativo Tributário.

Revista Dialética de Direito Tributário, n. 34, p. 104-116, jul. 1998.

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conformidade com as regras do jogo normativo. Essas traduções, ensejadoras

do surgimento dos fatos jurídicos, devem ser fundadas, obrigatoriamente, em

provas produzidas no código previsto em lei e em atenção a procedimento

específico.

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3 ELEMENTOS DA NORMA DE COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA

Como muito bem observado por Tárek Moysés Moussalem, “a expressão ‘ato

de fala’ padece de plurivocidade significativa”177

, sendo empregada em três

acepções: enunciado, ação e ato de produção de enunciados. Enquanto

enunciado, o ato de fala no Direito é compreendido como as marcas de tinta no

papel, o suporte físico de onde se partirá para a construção de uma

significação. Na qualidade de ação, o ato de fala é visto pelo seu caráter

performativo, que enfatiza o ato de dizer algo, mediante o qual também se faz

algo. Por derradeiro, como ato de produção de enunciados, o ato de fala é

empregado como enunciação, ato de enunciar.

A partir desta última acepção, os atos de fala no Direito são “as condutas

caracterizadoras de tomadas de decisão, cujo resultado são os enunciados

normativos postos no ordenamento”178

. No contexto do presente estudo,

sobressai a importância dos atos de fala expedidos com a realização da

atividade fiscalizatória.

Pois bem, esse processo de enunciação179

é regulado por uma norma de

estrutura: a norma de competência fiscalizatória, que descreve na sua hipótese

o fato de ser sujeito que atua em nome da Administração Pública, em

determinadas coordenadas espaço-temporais, adotando regras formais e

materiais do Direito, e, no seu consequente, a legitimidade de um sujeito

fiscalizar e positivar enunciados prescritivos instituidores de relações jurídico-

tributárias e o dever de toda a comunidade respeitar o exercício deste direito

177

MOUSSALEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses,

2006, p. 68. 178

TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses,

2011, p. 250. 179

Merece destaque a delimitação das definições dos termos enunciação, enunciado e

enunciação-enunciada: a enunciação é o ato de enunciar algo, o enunciado é a mensagem,

enquanto suporte físico (no âmbito do direito é o texto das normas de conteúdo

substantivo relacionadas com a matéria regulada) e, a enunciação-enunciada são as

marcas da enunciação (ato de enunciar) que ficaram no enunciado (mensagem).

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subjetivo de exigir a submissão à fiscalização desenvolvida dentro das regras

previstas no sistema jurídico180

.

Noutro discurso, a norma de competência fiscalizatória descreve um fato, que é

o processo de enunciação necessário para a realização dos atos fiscalizatórios, e

imputa a esse fato uma relação jurídica fiscalizatória181

.

Em apurada análise dessa espécie normativa, Cristiane Mendonça e Tácio

Lacerda Gama propõem modelos lógico-sintáticos de representação das normas

de competência, ou seja, dos mandamentos que prescrevem como outras

normas devem ser produzidas. No estudo do tema, Cristiane Mendonça aventa

a seguinte estruturação:

Dsm

Nct = {Hct = (Cm+Ce+Ct) Cct =[Cp(Sa+Sp) + Cda(Lf+Lm)]}182

Significando: na hipótese da norma de competência é descrito o fato de ser

sujeito competente (Cm), dentro de determinada esfera territorial (Ce), em

específico marco temporal (Ct), a cuja tipificação imputa-se a autorização

(Dsm) para legislar, desde que respeitados específicos critérios delimitadores

da autorização (Cda), isto é, observadas as restrições quanto à matéria (Lm) e

180

Adaptações das lições de Cristiane Mendonça, acerca da norma de competência tributária:

“Antecedente: Se for pessoa política constitucional no território brasileiro no tempo X.

Consequente: Deve-ser a autorização (permissão ou imposição) para distintos sujeitos de

direito (ocupantes de órgãos unipessoais ou colegiais), de acordo com determinados

limites formais (relativos ao procedimento) e materiais (concernentes à substância dos

enunciados a serem criados), editarem e revogaram (parcial ou totalmente) enunciados

prescritivos instituidores de tributos – no plano geral e abstrato ou individual e concreto –

e o dever jurídico de a comunidade respeitar o exercício de tal permissão (faculdade) ou o

direito subjetivo de exigir o cumprimento da imposição (obrigatoriedade), em consonância

com os limites (formais e materiais) previstos no sistema” (MENDONÇA, Cristiane.

Competência Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 70). 181

Tácio Lacerda Gama, acerca da norma de competência tributária: “no antecedente dessa

norma, descreve-se um fato – o processo de enunciação necessário à criação dos tributos –,

imputa-se a esse fato uma relação jurídica, cujo objeto consiste na faculdade de criar

tributos” (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuições de intervenção no domínio econômico.

São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 73). 182

MENDONÇA, Cristiane, op. cit., p. 71.

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procedimento (Lp), cujo conteúdo vinculará o sujeito enunciador (Sa) e seletos

sujeitos passivos (Sp).

Com os toques lapidares das lições de Lourival Vilanova e Paulo de Barros

Carvalho, Tácio Lacerda Gama expõe o seguinte esquema normativo para o

estudo da competência legislativa:

Njurídica de competência = H {[s.p(p1, p2, p3, ...)].(e.t)} R[S(s.sp).M(s.e.t.c)]183

,

em cuja hipótese descrevem-se as características necessárias para o

desempenho do papel de sujeito enunciador – s –, que deve adotar determinado

procedimento – p(p1, p2, p3, ...) –, em específicas condições de espaço – e – e

de tempo – t. Da positivação dessa hipótese surge o fato jurídico exercício da

competência, que institui a criação de um texto normativo sobre certa matéria,

com limites subjetivos, espaciais, temporais e materiais em sentido estrito –

M(s.e.t.c) –, sem que os sujeitos destinatários da norma – sp – possam impedir

o enunciador – s – de exigir essa norma como válida.

Aproveitando-nos dos ensinamentos dos aludidos estudiosos, podemos,

simplificadamente, constatar a presença de sete elementos essenciais para a

disciplina da competência: o sujeito competente, em determinadas coordenadas

espaçotemporais, adotando o procedimento previsto em lei, emite norma

jurídica, que vincula um sujeito ativo a um sujeito passivo, numa relação

abrangente de determinada matéria.

Suplantando esses ensinamentos para o estudo da particular competência

fiscalizatória administrativa, em sentido estrito – competência para averiguar a

configuração do fato jurídico ensejador da produção do ato do lançamento

tributário e, eventualmente, da lavratura do Auto de Infração ou, ainda, da

introdução de norma que homologa a atividade do sujeito fiscalizado –,

comprometemo-nos, nos tópicos seguintes, a uma análise minuciosa dos

183

GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da

nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 91.

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critérios informadores da norma da qual deriva a fiscalização, que descreve o

fato de determinada pessoa, em respeitadas coordenadas espaçotemporais,

adotando específico procedimento, instaurar uma relação jurídico-fiscalizatória

entre dois sujeitos.

3.1 O critério pessoal – Sujeito competente para aplicar as normas de

fiscalização tributária e para figurar no polo ativo da relação jurídica

fiscalizatória

Observe-se que, no que se refere ao estudo da competência tributária ousada

por Cristiane Mendonça e Tácio Lacerda Gama, na parte em que restrito à

produção normativa decorrente do exercício da função legislativa tributária

pelo Legislador, o sujeito competente para promover a enunciação não

necessariamente é o mesmo que figura no polo ativo da relação enunciada184

.

Isso porque, no plano da competência legislativa tributária em sentido estrito,

existem as figuras do sujeito competente e daquele detentor da capacidade

tributária ativa.

A competência tributária pressupõe a capacidade tributária ativa, mas com ela

não se confunde: a competência tributária exaustivamente delineada na

Constituição Federal refere-se à vocação para instituir, por meio de lei, as

obrigações tributárias e os deveres instrumentais, enquanto que a capacidade

tributária ativa refere-se à aptidão para integrar a relação jurídica,

desenvolvendo o papel de titular do direito de fiscalizar, identificar os credores

da relação e exigir o pagamento do tributo. Nesse sentido, afirma Paulo de

Barros Carvalho:

184

Neste sentido, explicita Cristiane Mendonça: “Não há como confundir o sujeito ativo da

norma de competência legislativo-tributária com o sujeito ativo da norma jurídico-

tributária em sentido estrito. O primeiro tem a missão constitucional de editar e promover

alterações nos enunciados legais que vivificam determinado gravame fiscal na esfera de

dada ordem jurídica. Já o segundo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação

pecuniária do sujeito passivo (contribuinte). É um dos termos da relação jurídico-tributária

em sentido estrito” (MENDONÇA, Cristiane. Competência Tributária. São Paulo:

Quartier Latin, 2004, p. 304).

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[…] uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico

de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua

funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a

relação jurídica, no tópico de sujeito ativo185

.

Desse modo, uma pessoa política pode instituir, com fundamento em

dispositivo constitucional, determinado tributo. Decorrência lógica, detendo

esse poder, pode eleger-se sujeito ativo dessa exação. Contudo, é também

legítima a escolha de ente distinto para figurar na posição de credor da relação

jurídica tributária, de modo que, sempre que se verificar essa situação, há a

possibilidade de ocorrer (i) a mera delegação da capacidade tributária ativa, que

consiste na competência para fiscalizar, constituir e arrecadar o tributo, ou (ii) a

delegação da capacidade tributária ativa somada à disponibilidade do montante

arrecadado. Nesta última situação, realiza-se o fenômeno jurídico da

parafiscalidade.

Ocorre que, no tocante à competência fiscalizatória dos agentes fiscais, inexiste

a diferenciação entre o sujeito descrito como produtor do ato de enunciação e

aquele que figura na relação jurídica posta no sistema186

. Aqui, essas duas

figuras se confundem na mesma pessoa, pois a atividade desempenhada pelos

sujeitos vinculados à Administração tributária já se circunscreve à aplicação de

normas pelo detentor da capacidade tributária ativa, inexistindo a possibilidade

de delegação da atividade fiscalizatória. Enquanto a norma de competência do

legislador pode ser expressada em “dado o fato de ser sujeito competente, então

a permissão para figurar no polo ativo da relação jurídico-tributária ou para

delegar tal posição a outrem”, a competência do fiscalizador é “dado o fato de

ser agente fiscal, então a permissão para figurar no polo passivo da relação

jurídico-fiscalizatória”.

185

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva,

2010, p. 268. 186

Corroborando a assertiva, Daniel Monteiro Peixoto categoricamente afirma que no

consequente da norma de competência administrativa “há um vínculo entre o titular da

competência administrativa e a coletividade em geral”, isto é, há identidade entre o sujeito

descrito no antecedente e o sujeito ativo que figura no consequente (PEIXOTO, Daniel

Monteiro. Competência Administrativa na aplicação do Direito Tributário. São Paulo:

Quartier Latin, 2006, p. 147).

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Postas essas breves, porém relevantes observações, passaremos a definir o

sujeito competente para aplicar as normas fiscalizatórias, explicitando mais

profundamente as ideias sugeridas.

3.1.1 Agentes fiscais e particulares: privatização da atividade

fiscalizatória?

No que se refere à constituição das obrigações tributárias, é crescente o número

de disposições legais que atribuem ao administrado o encargo de constituir o

crédito tributário187

, contudo, em relação à atividade fiscalizatória, essa

tendência não encontra qualquer viabilidade, já que o particular não detém

capacidade para participar da gestão fiscalizatória tributária188

.

O sujeito competente para aplicar as normas de fiscalização tributária é

exclusivamente aquele inserido nos quadros de agentes fiscais que compõem a

Administração Pública. A atividade de fiscalização das obrigações tributárias e

dos deveres instrumentais é formada por um conjunto de atos que buscam, por

intermédio dos elementos disponíveis, a construção da convicção do Fisco

acerca dos acontecimentos factuais, a fim de enquadrá-los no antecedente de

normas tributárias primárias precedentes ou derivadas e regular a concretude da

vida social: seja homologando, retificando ou complementando a atividade do

administrado e/ou constituindo originariamente obrigações e sanções

tributárias. Partindo desse pressuposto, o sujeito que detém legitimidade para

187

Sobre a privatização da gestão tributária: LAPATZA, Ferreiro; JUÁN, José. La

privatización de la gestión tributaria y las nuevas competencias de los tribunales

económico-administrativos. Civitas – REDF, v. 37, p. 81 et seq. apud HORVATH,

Estevão. Lançamento tributário e “autolançamento”. São Paulo: Dialética, 1997, p. 71. 188

Corroborando a assertiva: “outorgam-se ao particular, sob regime de concessão ou

permissão, somente atividades privativas do Poder Público; e a polícia administrativa o é.

Contudo, isso não basta: para que a ‘atividade pública’ possa ser atribuída ao particular

por meio de concessão ou permissão ‘é necessário que sua prestação não haja sido

reservada exclusivamente ao próprio Poder Público’ – nas palavras de Celso Antonio

Bandeira de Mello. E polícia administrativa é atividade tipicamente do Estado! Exclusiva!

Portanto, não pode ser objeto de concessão ou permissão” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder

de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 150).

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inserir no sistema jurídico um expediente normativo enunciador de um fato

jurídico em sentido estrito e constitutivo de um vínculo obrigacional tributário

é quem pode figurar no polo ativo da norma de fiscalização. É o sujeito dotado

de legitimidade para exigir o cumprimento das obrigações tributárias e dos

deveres instrumentais, competente para fiscalizar, uma vez que a conclusão de

procedimento fiscalizatória visa a inserir no sistema jurídico normas

expressivas de um juízo acerca da conduta do fiscalizado em face da lei.

Na seara fiscalizatória, portanto, não resta campo para o intenso aumento da

participação do particular.

Como já mencionado alhures, ao Direito interessam as condutas

intersubjetivas, de modo que a possível fiscalização realizada por determinado

indivíduo acerca de seus próprios atos não é relação juridicamente relevante,

ressalvadas as consequências decorrentes das eventuais hipóteses de eficaz

retificação de dado incorretamente indicado em momento anterior. Assim, caso

a fiscalização fosse outorgada aos particulares, tratar-se-ia de uma relação

recíproca, em que um particular tivesse o dever de fiscalizar a atividade de

outro. Ocorre que essa ideia de atribuição de competência aos particulares para

fiscalizarem a atividade desempenhada por outros iguais não se coaduna com o

ordenamento jurídico vigente. Nesse sentido, são as argutas observações de

Celso Antonio Bandeira de Mello, in verbis:

Os atos jurídicos expressivos de poder público, de autoridade

pública, e, portanto, os de polícia administrativa, certamente

não poderiam, ao menos em princípio, e salvo circunstâncias

excepcionais ou hipóteses muito específicas (caso, ‘exempli

gratia’, dos poderes reconhecidos aos capitães de navios),

serem delegados a particulares, ou serem por eles praticados.

A restrição à atribuição de atos de polícia a particulares funda-

se no corretíssimo entendimento de que não se lhes pode, ao

menos em princípio, cometer o encargo de praticar atos que

envolvem o exercício de misteres tipicamente públicos quando

em causa liberdade e propriedade, porque ofenderiam o

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equilíbrio entre os particulares em geral, ensejando que uns

oficialmente exercesse supremacia sobre outros189

.

De fato, a outorga de legitimidade aos particulares para aplicarem normas de

fiscalização e, consequentemente, imputarem obrigações a outrem provocaria

uma situação inédita, capaz de ocasionar sérios danos à segurança jurídica.

Duas possíveis ocorrências originárias desse caótico cenário são: a

subjetividade que permeia o processo de aplicação do Direito, antes resumida à

Administração Pública, passaria a contar com juízos produzidos por inúmeros

intelectos; ademais, as aplicações da legislação poderiam passar a ser

arbitrárias, em atitudes influenciadas pela má-fé, no intuito de desfavorecer a

livre iniciativa, em detrimento dos caros princípios afetos ao procedimento

fiscalizatório, tais como a homenagem do interesse público sobre o particular,

bem como da legalidade e da busca pela verdade jurídica. Isso porque os

agentes fiscais, diferentemente dos particulares, estão sujeitos a um específico

regime jurídico, que lhes impõe a atuação nos exatos termos da lei, sem campo

para a influência de qualquer interesse político190

. A ação administrativa é,

obrigatoriamente, secundum legem. Por estas razões, como já fora mencionado

no item 2.1.1. Competência Fiscalizatória, apenas o Poder Executivo, por meio

dos agentes que integram a Administração Tributária191

, pode, legitimamente,

compor o critério pessoal ativo da norma de competência fiscalizatória. Nesse

189

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 832. 190

“Os direitos e garantias de servidores, especificamente ‘estatutários’ – integrantes da

Administração direta e de autarquias, regidos por estatutos, isto é, leis, de cada entidade

política, no âmbito do respectivo território -, existem em benefício da sociedade. A

população espera desses agentes públicos imparcialidade no desempenho de atividades

públicas; por isso, não podem sujeitar-se às pressões de grupos políticos momentâneos”

(VITTA, Heraldo Garcia. Poder de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 145). 191

Frise-se, vinculados pelo regime estatutário e, jamais, celetista, haja vista que “não há

possibilidade fora do regime institucional/estatutário de se dar prevalência ao interesse

público sobre o interesse privado. Isto porque a adoção do regime celetista retira do poder

público a possibilidade de alterar regras do jogo no decorrer da relação mantida com os

seus servidores. As jurisprudência e doutrina pátrias são pacíficas ao aceitarem a alteração

dos direitos e vantagens dos servidores no decorrer de uma relação institucional. Já no

tocante ao regime celetista ocorre o inverso. Aqui o que prevalece é a proteção ao obreiro”

(BASTOS, Evandro de Castro. O regime estatutário, a fiscalização da coisa pública e as

“pedras de toque” do regime jurídico-administrativo. In: ______; BORGES JR., Odilon.

Novos rumos da autonomia Municipal. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 103).

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mesmo sentido, o artigo 145, § 1º, da Constituição Federal192

, expressamente

outorga o dever fiscalizatório à administração tributária, não havendo

disposições normativas que deleguem referida atividade aos particulares. É

relevante consignar que o Supremo Tribunal Federal193

, em análise da

inconstitucionalidade de dispositivos afetos à legislação que dispunha sobre a

fiscalização de profissões regulamentadas, houve por bem, entre outras

questões, declarar a contrariedade à Constituição Federal dos preceitos legais

que delegavam aos particulares referidas atividades, pois que patentemente

representativas do exercício de polícia, já que relacionadas à tributação e

punição.

Observe-se que, naquela oportunidade, as discussões em plenário suscitaram a

ideia de delegação do poder de polícia no âmbito do Código de Trânsito

Brasileiro, no que se refere às parcerias do Poder Público com os particulares

para o registro de infrações por meio de aparelhos eletrônicos. Como muito

bem ressalvado em breve ponderação colocada pelo Ministro Sepúlveda

Pertence, não há falar-se, neste tocante, de privatização do poder de polícia, já

que nestas hipóteses os particulares não aplicam as normas aos casos concretos,

192

“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a

capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente

para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e

nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do

contribuinte.” 193

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI

FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE

FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. […] a interpretação

conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da

Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade

privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de

punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como

ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime” (ADI 1717, Relator(a):

Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28-03-2003 PP-

00061 EMENT VOL-02104-01 PP-00149).

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100

senão fornecem elementos para os agentes competentes subsidiarem a

positivação do Direito194

.

Assim, podemos inferir que a Corte Máxima Brasileira julga que o exercício do

poder de polícia, categoria dentro da qual se enquadra a atividade fiscalizatória

tributária, enquanto exercício de função típica e essencial do Estado, no

exercício pleno de sua soberania, não pode ser objeto de delegação aos

particulares. Sendo que a suposta ocorrência de referida delegação de

competência, como no seio da fiscalização das regras atinentes ao trânsito, por

194

Apesar de não concordarmos em ser o fornecimento do substrato linguístico uma forma de

fiscalização, isto é, de exercício do poder de polícia, Heraldo Garcia Vitta enumera as

atividades representativas da polícia administrativa, dentre as quais figuram as atividades

materiais, que se enquadram ao nosso conceito de atividade que pode ser atribuída aos

particulares, e permite a delegação do seu desempenho: “Quando se fala em polícia

administrativa – atividade exclusiva do Estado, na qual há contornos jurídicos à liberdade

e propriedade das pessoas – tem-se, dentre outros atos jurídicos ampliativos (como

autorizações e licenças), atos jurídicos restritivos da esfera jurídica do administrado

(ordens, proibições, medidas cautelares, imposição de penalidades administrativas) e

atividades materiais (guinchar veículo na via pública; apreender produtos deteriorados;

fechar fábrica poluidora; intentar, compulsoriamente, louco, em hospital público, etc.).

[…] particulares, contratados pelo Poder Público podem praticar atos materiais que

precedem atos jurídicos de polícia [como exemplo dos equipamentos fotossensores

pertencentes e operados por empresas privadas] […] Sem embargo, de acordo com Celso

Antônio Bandeira de Mello, atividades materiais podem ser praticadas por particular –

contratado pela Administração – quando forem sucessivas de atos jurídicos de polícia

realizados pelo Poder Público” (e.g., contratar empresa privada para demolir dado prédio

em ruínas)” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p.

153-155).

A título ilustrativo: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO NÃO

CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II DO CPC.

MULTA DE TRÂNSITO. NULIDADE DE AUTOS DE INFRAÇÃO. EQUIPAMENTO

ELETRÔNICO (RADAR FIXO). LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO.

AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO AGENTE AUTUADOR. ART. 280 DO CTB.

RESOLUÇÃO DO CONTRAN. […] 3. O Código de Trânsito Brasileiro e Resoluções do

CONTRAN permitem a comprovação de infrações no trânsito por meio de aparelhos

eletrônicos. […] 5. Os ‘‘pardais’’ não aplicam multas, apenas fornecem elementos fáticos

para que o DETRAN lavre o auto e imponha sanções quando comprovadas as infrações.

[…] ‘‘A função da polícia administrativa envolve o ‘‘poder de império’’ sobre a vontade

individual, devendo ser exercida por entidade com personalidade jurídica de direito

público (administração direta – centralizada – ou, se descentralizada, só se pode outorgá-la

para uma autarquia). Para tanto, pode ser necessário o uso de insumos – pessoal e

equipamentos – privados, o que não se confunde com transferência do exercício do poder

de polícia para o particular, o que representa um dos limites à desestatização.’’ (Marcos

Juruena Villela Souto, in Direito Administrativo Regulatório, 2ª edição, Editora Lumen

Juris, Rio de Janeiro, 2005, pág:73/74). 7. Recurso especial desprovido” (REsp

772347/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/03/2006, DJ

17/04/2006, p. 181).

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exemplo, é, na verdade, mera cessão da atividade de coleta de elementos que

subsidiam a construção de um juízo precedente à produção de atos

administrativos.

Aplicando essas lições ao âmbito do Direito Tributário, é a crítica à

interpretação de que a regra insculpida no artigo 155, § 2º, inciso I, da

Constituição Federal195

, impõe a efetiva cobrança e respectiva comprovação de

pagamento do tributo para a consecução do direito ao crédito. Como muito bem

ponderado por Clélio Chiesa196

, o termo cobrado mencionado no referido

enunciado prescritivo deve ser compreendido como devido, pois, caso

contrário, estar-se-ia impondo a necessidade de que cada contribuinte se

certificasse de que seus fornecedores e produtores efetivamente constituíram e

recolheram aos cofres públicos o ICMS incidente em toda a cadeia de

circulação da mercadoria até a operação ou prestação presente. À parte dos

argumentos pela manutenção do direito creditício independentemente do

pagamento e respectiva comprovação, em virtude da ausência de ingerência do

Estado de destino acerca da tributação na jurisdição de origem, bem como da

obrigatória observância ao postulado da não cumulatividade, temos que o

contribuinte adquirente de mercadoria ou tomador de serviços não dispõe de

poderes para fiscalizar e exigir o cumprimento de obrigações tributárias pelo

vendedor ou prestador do serviço. Ao nosso ver, a solução neste caso seria, no

máximo, a instituição de um dever instrumental pelo qual o sujeito que firma

195

“Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: […] II - operações

relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte

interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se

iniciem no exterior; […] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será

não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação

de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo

mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.” 196

“Nada obstante o legislador tenha se utilizado da referida expressão [montante cobrado] ao

dispor sobre o crédito, o intérprete não pode se limitar a uma interpretação literal da

legislação. A exegese de que o crédito está atrelado ao montante pago nas operações

anteriores não nos parece ser a mais adequada. A origem do crédito está atrelada à

existência de operação tributada. Essa é a ilação que se pode extrair da análise dos

perceptivos que disciplinam a matéria” (CHIESA, Clélio. Créditos de ICMS: situações

polêmicas. In: VII Congresso Nacional de Estudos Tributários – Direito Tributário e os

conceitos de Direito Privado. São Paulo: Noeses, 2011, p. 251).

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negócios informa o Fisco sobre o efetivo recolhimento do tributo em favor do

Erário pelo contribuinte que lhe antecede na cadeia de operações mercantis,

não lhe tolhendo qualquer direito creditício.

Enfim, assim como na seara das normas de trânsito e do direito administrativo,

no âmbito do Direito Tributário não existe espaço para a concretização da

atividade fiscalizatória pelos particulares. Situação distinta e aceitável é aquela

verificada nos casos em que a lei, por meio da instituição de deveres

instrumentais, estabelece a obrigatoriedade do fornecimento de meios fáticos,

pela sociedade, que servem de substrato linguístico para a produção normativa

individual e concreta de competência dos agentes fiscais. Ilustrativamente,

alguns dos sujeitos enumerados no artigo 197 do Código Tributário Nacional

são obrigados a prestar informações de negócios de terceiros, que servem de

material indispensável para o desenvolvimento da atividade fiscalizatória.

Nesse caso, os particulares não fiscalizam o cumprimento de obrigações

tributárias de outrem, mas cumprem deveres instrumentais, fornecendo meios

fácticos para a produção de normas individuais e concretas tributárias.

3.1.2 Definição do sujeito

A atividade fiscalizatória mantém uma relação de meio e fim com a tributação,

de modo que o exercício da competência fiscalizatória se torna legítimo quando

guarda um mínimo de correlação com a obrigação tributária que pretende

averiguar.

Porque a fiscalização tributária busca elementos que relatam a ocorrência de

fatos eventualmente relevantes para a realidade jurídica, a legitimidade do seu

exercício está atrelada ao interesse de o ente tributante tomar ciência da

situação em que se encontra o administrado: não apenas como sujeito que

pratica fatos jurídicos tributários motivadores da constituição ex officio do

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crédito tributário, ou como mau pagador de seus tributos197

, mas, ainda, como

fiel cumpridor da sua obrigação principal, ou beneficiário de alguma hipótese

de imunidade, isenção ou suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Exemplo caracterizador da circunstância de que o credor da prestação tributária

é o sujeito que tem legitimidade para fiscalizar é o caso do Imposto Territorial

Rural (ITR): conforme regra Constitucional198

, caso seja delegada aos

Municípios, mediante convênio, a capacidade de cobrarem o tributo, é

imperativo lógico que mencionada providência seja acompanhada da aptidão

para fiscalizar.

Paralelamente, a instituição de quaisquer deveres instrumentais está

diretamente condicionada à sua função de auxiliar a fiscalização e arrecadação

concreta de tributos. Sobre o assunto são os comentários de Maurício Zockun:

Entendemos que uma norma jurídica tributária instrumental

será validamente produzida se prescrever condutas que

tenham por finalidade prover a pessoa competente (que exerce

a função de fiscalização) de informações a respeito (i) da

ocorrência de fatos jurídicos que ensejam o nascimento de

obrigações tributárias materiais; e (ii) seu adimplemento pelo

197

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA -

ISSQN. EMPRESA NÃO CONTRIBUINTE. OBRIGATORIEDADE DE EXIBIÇÃO

DOS LIVROS COMERCIAIS. INEXISTÊNCIA. ART. 113, § 2º, DO CTN. […]. VI - Se

inexiste tributo a ser recolhido, não há motivo/interesse para se impor uma obrigação

acessória, exatamente porque não haverá prestação posterior correspondente. Exatamente

por isso, o legislador incluiu no aludido § 2º do art. 113 do CTN a expressão ‘no interesse

da arrecadação’. VII - Recurso Especial improvido” (REsp nº 539084/SP, Rel. Ministro

FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/10/2005, DJ 19/12/2005, p.

214).

“RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA.

DESCABIMENTO DA EXIGÊNCIA DO FISCO. MULTA. AFASTAMENTO. 1. A

despeito do reconhecimento da independência da nominada obrigação tributária acessória,

essa obrigação só pode ser exigida pelo Fisco para instrumentalizar ou viabilizar a

cobrança de um tributo, ou seja, deve existir um mínimo de correlação entre as duas

espécies de obrigações que justifique a exigibilidade da obrigação acessória. […]” (REsp

1096712/MG, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em

02/04/2009, DJe 06/05/2009). 198

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: […] VI - propriedade territorial

rural; […] § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: […] III - será fiscalizado e

cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique

redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal”, regulamentado pela Lei

nº 11.250, de 27 de Dezembro de 2005.

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sujeito passivo veiculado no mandamento da norma jurídica

tributária. Por isso é que nas dobras dessas prescrições se

encontram os confins do ‘interesse’ da arrecadação e da

fiscalização dos tributos.199

A fim de garantir que sujeitos políticos incompetentes para tributar

determinados aspectos de signos presuntivos de riqueza, por faltar-lhes

competência impositiva, não perturbem indevidamente sujeitos administrados

(i.e., realizem a fiscalização em sentido estrito), o sistema tributário Nacional

conta, v.g., com um instituto que permite a troca de informações entre os

órgãos fazendários, de que tratamos em seguida.

3.1.3 Permuta de informações

As informações obtidas por meio dos procedimentos fiscalizatórios são

protegidas pela máxima do sigilo fiscal, insculpido no artigo 198 do Código

Tributário Nacional, que veda

[…] a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus

servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a

situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de

terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou

atividades.

Este mandamento se justifica no fato de que é prestigiado o sigilo das

informações coletadas em sede da fiscalização, especialmente no tocante às

empresas, tendo em vista as consequências especulativas no mercado que

podem surgir com a difusão dos dados fiscais.200,201

199

ZOCKUN, Maurício. Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória. São Paulo:

Malheiros, 2005, p. 124. 200

“Há que se ter parcimônia na divulgação de informações relativas às empresas, tendo em

vista as consequências que podem advir da propagação de notícias pelo Mercado. A

especulação gerada a partir do uso de informações estratégicas das empresas, como são as

de caráter financeiro e tributário, pode gerar graves prejuízos à atividade empresarial, o

que contra o sentido da Constituição patria, que, ao reconhecer a importância da empresa

no desenvolvimento nacional, procura incentivar sua preservação como móvel da atividade

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O que nos importa neste momento é uma específica exceção à regra do sigilo

fiscal: a permuta de informações fiscais entre as Fazendas Públicas202

. O artigo

199 do Código Tributário Nacional já prescrevia, desde a sua redação original,

a mútua assistência das autoridades administrativas fazendárias para a

fiscalização dos tributos e a permuta de informações, em caráter geral ou

específico, por lei ou convênio, acrescida, ainda, em 2001, a figura dos Estados

estrangeiros nessa relação203

. No mesmo sentido, a Constituição Federal, por

meio da emenda nº 42/2003, passou a contar com enunciado prescritivo

específico que trata da troca de informações tributárias, in verbis:

Art. 37, CF XXII - As administrações tributárias da União,

dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades

essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por

servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários

para a realização de suas atividades e atuarão de forma

integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de

informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

econômica” (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e

Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 237). 201

Observe-se que o sigilo faz referência aos dados que o agente fiscal obteve para atingir seu

fim, mas não ao próprio tributo apurado, de modo que, exemplificativamente, a ampla

publicação dos sujeitos inscritos no Cadastro de Informações dos Créditos de Órgãos e

Entidades Federais Não Quitados (CADIN) não afronta o mencionado dispositivo legal.

(NOUR, Ricardo Abdul apud MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao CTN. 7.

ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 503). 202

Sobre o assunto, o Judiciário já assentou a desnecessidade de prestação jurisdicional

outorgando o direito à informação fiscal compartilhada entre os órgãos fazendários para

fins de tributação, mormente suas respectivas autarquias: “Processo civil. Tributário.

Agravo de instrumento. Pedido de informações fiscais junto à receita federal.

Desnecessidade de provimento jurisdicional. Não conhecimento. O INSS, enquanto

autarquia integrante da administração indireta federal, enquadra-se no conceito de fazenda

pública. O art. 199 do Código Tributário Nacional determina que os entes integrantes da

fazenda pública devem prestar mútua assistência na fiscalização dos tributos e na permuta

de informações. Desnecessidade de o INSS recorrer ao poder judiciário para obter as

informações fiscais junto à Receita Federal. Agravo de instrumento não conhecido”

(TRF5; AI n. 200005000420301; Relator Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho;

publicado em 24/04/2003). 203

“A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta

de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos

ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da

arrecadação e da fiscalização de tributos. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001).”

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Sob a perspectiva da fiscalização em sentido amplo, ressalte-se, desvinculada

de procedimento específico que culmina na produção de uma norma individual

e concreta conclusiva a respeito dos fatos investigativos, é possível verificar

que, mediante a utilização do instituto da permuta de informações, há um

aumento da gama dos entes políticos que podem analisar documentos fiscais

submetidos ao crivo daqueles em favor dos quais foram originariamente

instituídos. Exemplificativamente, os sujeitos que são tributados pelo Imposto

Territorial Rural (ITR) poderão ter seus documentos produzidos para relatar a

prestação de serviços encaminhados para o Auditor Fiscal de Rendas.

Assim, a proposta da permuta de informações autoriza-nos a afirmar que o

sujeito ativo competente para constituir o crédito tributário tem o direito de

averiguar os correlatos deveres instrumentais instituídos em lei, sendo que os

documentos decorrentes do atendimento à legislação de outros entes políticos

estão excluídos da sua competência fiscalizatória, salvo nos casos de permuta

de informações.

Com a permuta de informações, objetiva-se a realização da justiça tributária,

obstando a bitributação, bem como, em contrapartida, a inibição de práticas

relacionadas à sonegação fiscal. Por meio dessa cooperação entre os sujeitos

tributantes, surge a ideia de uma soberania expandida, em cuja sede é

compartilhado comunitariamente um poder regido pela diminuição vertiginosa

da desconfiança e do temor de condutas insuscetíveis de controle204

.

Questão de imprescindível ponderação é a circunstância de que a realização da

permuta de informações fiscais carece da edição de legislação específica que

outorgue aplicação concreta aos preceitos gerais e abstratos que garantem a

realização dessa forma organizacional da Administração Tributária205

. Neste

204

TORRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 454 et seq. 205

“A exigência de lei ou convênio se faz necessárias porque a cooperação importa em

quebra de sigilo funcional, visto que há a transmissão de informações obtidas através de

determinadas ações fiscais” (Excerto extraído do inteiro teor do Acórdão exarado pelo

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sentido, no âmbito internacional, são numerosos os tratados que foram

incorporados pela ordem jurídica Nacional por meio de Decretos-Legislativos e

que disciplinam a permuta de informações entre os Estados, tais como os

firmados entre Brasil e Chile206

, Israel207

, Finlândia208

e Portugal209

. No que

tange à esfera Nacional, exemplificativamente, o art. 936 do Decreto nº

3.000/99 prescreve que:

Todos os órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e

Municipal, bem como as entidades autárquicas, paraestatais e

de economia mista são obrigados a auxiliar a fiscalização,

prestando informações e esclarecimentos que lhes forem

solicitados, cumprindo ou fazendo cumprir as disposições

deste Decreto e permitindo aos Auditores-Fiscais do Tesouro

Nacional colher quaisquer elementos necessários à repartição.

O SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), criado pelo Decreto nº

6.022/07, representa o máximo empenho por parte das Administrações em

aplicar as regras gerais e abstratas que lhes conferem a autorização para

compartilhar informações fiscais: basicamente, o programa consiste “na

modernização da sistemática atual do cumprimento das obrigações acessórias,

transmitidas pelos contribuintes às administrações tributárias e aos órgãos

fiscalizadores”210

, viabilizando o acesso da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios aos dados inseridos no sistema pelos sujeitos

administrados.

Questão controversa surge no tocante à utilidade das informações obtidas

mediante a troca de informações fiscais entre os órgãos fazendários. Há

divergência quanto à possibilidade do uso dos documentos decorrentes da

Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp 310.210/MG, de relatoria da Ministra

Eliana Calmon, em sessão de julgamento realizada em 20.08.2002). 206

Decreto nº 4.852, de 02 de outubro de 2003. 207

Decreto nº 5.576, de 08 de novembro de 2005. 208

Decreto nº 2.465, de 19 de janeiro de 1998. 209

Decreto nº 4012, de 13 de novembro de 2001. 210

BRASIL. SPED – Sistema Público de Escrituração Digital. Apresentação. Brasília, 2012.

Disponível em: <http://www1.receita.fazenda.gov.br/sobre-o-projeto/apresentacao.htm>.

Acesso em: 02 jul. 2014.

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permuta de informações obtidas pelo cumprimento de deveres instrumentais

como prova para a constituição do fato jurídico tributário. Veja-se que:

Na prática, constata-se que a Fazenda Pública,

frequentemente, vem utilizando prova emprestada, em geral

de natureza indiciária, para comprovar a ocorrência dos

pressupostos do fato gerador. Trata-se de prova indiciária

produzida em esfera administrativa alheia à organização

administrativa fiscal do ente tributante que a toma por

empréstimo.

Em rigor, a iniciativa diz respeito aos elementos informativos

do lançamento e consiste em uma ciência e assunção de

resultados de investigações levadas a efeito por outro ente

tributante e cujo conhecimento decorre de permuta de

informações ajustadas pelas Fazendas Públicas da União,

Estados e Municípios, mediante convênios firmados nos

termos do artigo 199 do Código Tributário Nacional.

É muito comum “verbi gratia”, a União valer-se de apurações

hauridas em procedimentos fiscais relacionados com a

incidência do imposto estadual sobre operações relativas à

circulação de mercadorias e serviços (ICMS e antes ICM) para

tomar por empréstimo prova de indícios ou presunções que

corroboram evasão de imposto de sua competência: Imposto

sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre a Renda, por

exemplo.211

São vários os julgados que defendem energicamente a legitimidade de se

proceder à autuação fiscal com base exclusiva nas provas emprestadas,

conferindo progressiva otimização da atividade fiscalizatória212

, em

211

BONILHA, Paulo Cesar Bergstrom. Da prova no Processo Administrativo Tributário. São

Paulo: Ltr, 1992, p. 119-120. 212

Neste sentido, são os julgados, cujas ementas seguem:

“Tributação. Imposto de renda. Lançamento. Não é nulo o lançamento em que fisco

aproveita o processo administrativo feito por outra entidade administrativa, desde que se

conceda ao contribuinte o direito da defesa. A redução da multa só ocorre quando o

contribuinte paga o tributo no prazo que lhe foi fixado. Recurso extraordinário não

conhecido” (RE 95322, Relator(a): Min. CUNHA PEIXOTO, Primeira Turma, julgado

em 17/11/1981, DJ 18-12-1981 PP-12946 EMENT VOL-01239-06 PP-01871 RTJ VOL-

00104-02 PP-00786).

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IRPJ. OMISSÃO DE

RECEITA. APURAÇÃO DO TRIBUTO. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE.

RECOLHIMENTO DO TRIBUTO NÃO COMPROVADO. COBRANÇA DEVIDA. 1.

A jurisprudência tem-se pacificado no sentido de que a assistência mútua entre os entes

tributantes (União, Estados e Municípios) é faculdade estabelecida pela lei tributária para a

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109

homenagem ao princípio da eficiência, por evitar a repetição de diligências e

ensejar a economia de recursos e tempo, ao passo que em outras sessões de

julgamento resta apontada a necessidade de a prova emprestada ser

corroborada por outros elementos probatórios produzidos pelo sujeito político

competente, podendo a prova emprestada dar azo ao início de procedimento

fiscalizatório pela autoridade competente para a arrecadação do tributo em

análise213

.

fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, como forma de otimizar a

arrecadação, nos termos do art. 199 do CTN. 2. O STF tem entendido que não se pode

negar valor probante à prova emprestada desde que colhida com observância do

contraditório. 3. Conquanto tenham servido de subsídio para a lavratura do auto de

infração as conclusões do Fisco Estadual, não houve qualquer prejuízo ao direito de ampla

defesa da embargante, uma vez que esta exerceu de forma exaustiva o seu direito ao

contraditório na via administrativa. 4. Não tendo se desincumbido a embargante do ônus

da prova de suas alegações (art. 333, I, do CPC), antes, pelo contrário, deixou entrever nos

autos que não contabilizara receitas que consubstanciam acréscimo patrimonial tributável,

nos termos do art. 43 do CTN, lícito é concluir pela legitimidade da cobrança do tributo

(IRPJ) que, apesar de confessado pela embargante na instância administrativa, não foi por

ela recolhido. 5. Presunção de certeza e liquidez da CDA (Lei n. 6.830/80, art. 3º) não

afastada na espécie. 6. Apelação da embargante desprovida” (Tribunal Regional Federal

da 1ª Região; AC 0040783-54.1999.4.01.9199 / MG, Rel. DESEMBARGADOR

FEDERAL LEOMAR BARROS AMORIM DE SOUSA, Rel. Conv. JUIZ FEDERAL

CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.), OITAVA TURMA, e-DJF1 p. 2212 de

17/12/2010).

“COFINS – OMISSÃO DE RECEITA – PROVA – INFORMAÇÕES FORNECIDAS

POR SECRETARIA DO ESTADO. A omissão de receita apurada com base em

informações fornecidas por Secretaria de Estado, referentes a declarações comerciais e

financeiras do contribuinte, mormente quando, na fase impugnatória o interessado não

apresentar provas suficientes para descaracterizar a autuação, devendo-se manter a

exigência tributária. Não se pode negar valor probante à prova emprestada, coligida

mediante a garantia do contraditório. Precedentes” (Conselho Administrativo de Recursos

Fiscais; Processo nº 10675.001884/2003-91; Recurso Voluntário nº 162.906; Acórdão nº

3402-001-007; 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária; Relator Fernando Luiz da Gama Lobo

D’eça; julgado em 03.02.2011).

Observe-se que a facultatividade de serem alegados argumentos em desfavor à prova

emprestada se faz sempre presente após a constituição da relação jurídico-tributária, por

meio da impugnação administrativa. 213

“EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO

MEDIANTE AUDITORIDA E PROVA EMPRESTADA DO FISCO ESTADUAL. ART.

199 DO CTN. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR BASEAR-SE

EXCLUSIVAMENTE EM PRESUNÇÕES DE LUCRO. 1. Com a edição do Decreto –

Lei 200/67 ficou firmada a prestação de assistência mútua entre os fiscos federal e

estadual, estabelecida pelo artigo 199 do Código Tributário Nacional através da permuta

de informações para a fiscalização dos tributos respectivos. 2. Contudo tal cooperação não

vai ao ponto de se dispensarem elementos seguros de provas da infração, tampouco

justifica a inteira omissão dos agentes fiscais federais. 3. Meras diferenças, apuradas pelo

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110

Paulo de Barros Carvalho214

e Fabiana Del Padre Tomé215

compartilham do

mesmo entendimento acerca do tema, no sentido de que a controvérsia se

resolve pela admissibilidade da prova emprestada como estopim para a

fisco estadual, em fiscalização realização com vistas à cobrança do ICM, assim

isoladamente, sem outra prova suplementar, não são suficientes para comprovar a

existência do lucro tributável, capaz de legitimar o lançamento de Imposto de Renda. 4,

Ainda que apurado pela fiscalização estadual que determinada mercadoria não foi

contabilizada, isto não significa que o valor das mesas traduz o próprio lucro tributável

que com elas tenha tido o comerciante. Razão pela qual o IR só poderá ser lançado depois

de conhecido o custo das mercadorias e demais despesas para a respectiva

comercialização. 5. Apelação e remessa oficial improvidas” (Tribunal Regional Federal da

3ª Região; Apelação em Mandado de Segurança nº 89.03.029231-6; Quarta Turma;

Relator Juiz Convocado Manoel Álvares; julgamento realizado em 12.06.2002).

“Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF […] PROVA EMPRESTADA.

ADMISSIBILIDADE. ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

ADMINISTRATIVOS E JUDICIAIS. CONVÊNIOS E ACORDOS INTERNACIONAIS.

COLETA DE INFORMAÇÕES - Os órgãos da Secretaria da Receita Federal e os órgãos

correspondentes dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, bem como os órgãos

administrativos e judiciais permutarão entre si, mediante convênio ou pela forma que for

estabelecida, as informações fiscais de interesse recíproco. A prova emprestada deverá ser

examinada em si mesma, pois em certos casos, devem servir como indicador da

irregularidade e não como fato incontestável, sujeito à incidência do imposto na esfera

federal. O fato de a fiscalização valer-se de informações colhidas por outras autoridades

fiscais, administrativas ou judiciais para efeito de lançamento, desde que estas guardem

pertinência com os fatos cuja prova se pretenda oferecer, por si só, não implica em

nulidade do lançamento, mormente se a autoridade lançadora se aprofundou nas

investigações com vistas a caracterizar, adequadamente, a matéria tributável. […]”

(Conselho Administrativo de Recursos Fiscais; Processo nº 19515.002100/2007-83;

Acórdão nº 2202-01.435; 2ª Câmara da 2ª Turma Ordinária; Relator Nelson Mallmann;

sessão de julgamento realizada em 25.10.2011).

“Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF […] PROVA EMPRESTADA.

ADMISSIBILIDADE. O Fisco Federal pode se valer de informações colhidas por

autoridades estaduais para lançamento tributário, desde que estas guardem pertinência com

os fatos. As DIEFs passaram do status de prova indiciária para prova concreta, material

auto-aplicável, após a fiscalização confrontá-las com a escrita contábil e fiscal, sem que o

sujeito passivo de manifestasse sobre os dados nelas contidos” (Conselho Administrativo

de Recursos Fiscais; Processo nº 10218.720714/2011-15; Acórdão nº 1302-001.257; 3ª

Câmara da 2ª Turma Ordinária; sessão de julgamento realizada em 03.09.2013). 214

“Não se admite, porém, que uma Fazenda Pública se utilize dos dados levantados e a ela

informados por uma outra Fazenda para fins de autuação de contribuintes, como se fosse

uma prova emprestada. Haja vista que a informação recebida não possui valor probatório,

a Fazenda, baseada em tais dados, deve proceder à fiscalização própria e instaurar o

devido processo administrativo” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito

Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 664). 215

A prova emprestada “não configura, jamais, prova plena do fato jurídico em sentido

estrito. A informação advinda do órgão fazendário de outra pessoa política não é suficiente

para, por si só, provar fato jurídico ou ilícito tributário, autorizando a lavratura de ato de

lançamento ou de aplicação de penalidade. É inadmissível a edição de norma individual e

concreta, constituidora de relação jurídica tributária ou sancionatória, com base,

unicamente, em dados passados por ente tributante diverso” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A

Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 120).

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instauração de procedimento fiscalizatório próprio ou, no máximo, como

elemento capaz de lastrear outras provas já constituídas pelo sujeito político

competente para tributar.

De fato, à prova emprestada deveria ser outorgado o mesmo valor que se

confere aos documentos produzidos pelos particulares no cumprimento dos

deveres instrumentais. Isto é, de elementos que devem ser submetidos à

apreciação do sujeito político competente para a emissão de um juízo acerca da

subsunção do fato que se prova às normas tributárias.

Pelo exercício da fiscalização, em sentido amplo, os sujeitos políticos analisam

diversos documentos, dentre os quais figura a prova emprestada. Diante de

indício da ocorrência do fato jurídico tributário ou sancionatório, deve ser

instaurado procedimento fiscalizatório próprio (consecução da fiscalização em

sentido estrito), que visa a obter outros dados para produzir uma norma

individual e concreta que afirma o fato jurídico tributário ou infirma ou

confirma a atividade do contribuinte. Como se vê, o empréstimo deve ser da

prova, e não das conclusões construídas por outro órgão fazendário216

.

Assim, os dados obtidos junto aos outros entes da federação ou estrangeiros

devem ser admitidos como substrato a partir do qual se constrói a

fundamentação do ato do lançamento de ofício. Porém, é muito importante

sempre ter em mente que os documentos produzidos em atenção ao

cumprimento de deveres instrumentais são diretamente relacionados com a

pretensão tributária a que são correlatos, de modo que, exemplificativamente, a

aferição de rendimento para fins do Imposto sobre a Renda não pode ser

embasada exclusivamente nas notas fiscais emitidas em razão da prestação de

serviços: é fundamental que, diante do volumoso número de notas fiscais,

demonstrativas da percepção de expressivas cifras, seja instaurado

216

Sobre a diferenciação entre o empréstimo de prova e o empréstimo da conclusão:

ARRUDA, Luiz Henrique Barros de. Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Resenha

Tributária, 1994, p. 41.

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procedimento específico para a averiguação do efetivo acréscimo patrimonial

ou se, por outro lado, as despesas para a prestação do serviço superam as

receitas.

3.2 O critério pessoal – Sujeito passivo da relação jurídica fiscalizatória

No que se refere ao estudo do sujeito passivo da obrigação tributária, Geraldo

Ataliba leciona que o sujeito passivo é, via de regra, a “pessoa que fica na

contingência legal de ter o comportamento objeto da obrigação, em detrimento

do próprio patrimônio”217

, sendo ora aquele que está em conexão íntima com o

núcleo da hipótese de incidência, que é o contribuinte, ora pessoa diversa

daquela depreendida da hipótese de incidência, mas com ela vinculada e que

fica adstrita a pagar tributo alheio (responsável)218

.

No tocante ao estudo da norma de competência fiscalizatória, existe, ainda,

uma terceira figura que pode desempenhar o papel de sujeito passivo da relação

jurídica, qual seja, o terceiro não necessariamente relacionado com a obrigação

tributária219

, isto é, que não está compelido ao pagamento do tributo, seja como

217

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, p.

86. 218

No mesmo sentido são as palavras Paulo de Barros Carvalho, que afirma: “o sujeito

passivo da relação jurídica tributária é a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica,

privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos

obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros

deveres instrumentais ou formais” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito

Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 367). Também, Maria Rita Ferragut define

o sujeito passivo nos seguintes termos: “é aquele que figura no polo passivo de uma

relação jurídica tributária, e não aquele que tem aptidão para suportar o ônus fiscal. […]

Contribuinte é a pessoa que realizou o fato jurídico tributário, e que cumulativamente

encontra-se no polo passivo da relação obrigacional. Se uma das duas condições estiver

ausentes, ou o sujeito será responsável, ou será o realizador do fato jurídico, mas não o

contribuinte. Praticar o evento, portanto, é condição necessária para essa qualificação, mas

insuficiente” (FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o código civil de

2002. São Paulo: Noeses, 2009, p. 29-30). 219

Neste sentido, “o dever de prestar informações ao Fisco não é apenas do sujeito passivo de

obrigações tributárias, ou mais precisamente, não é apenas de contribuintes e de

responsáveis tributários. Abrange também terceiros” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso

de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 161-162).

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113

contribuinte ou responsável, mas que de alguma forma está conectado à

materialidade do tributo.

Nesse sentido, são os mandamentos insculpidos tanto no artigo 194, do Código

Tributário Nacional220

, submetendo à fiscalização do cumprimento da

obrigação tributária e dos deveres instrumentais não somente os contribuintes

(leia-se contribuintes e responsáveis tributários), mas também os não

contribuintes, como é o caso dos sujeitos imunes e isentos, além dos terceiros

relacionados econômica, política e financeiramente com os contribuintes, que

são alguns daqueles enunciados no artigo 197 do mesmo diploma

normativo221,222,223

.

220

“A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou

especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os

poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação.

Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas naturais ou

jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de

isenção de caráter pessoal.” 221

“Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as

informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

[…] II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e VII - quaisquer outras entidades

ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade

ou profissão.” 222

Sobre o tema: “Por força desse dispositivo, funcionam como informantes, ou

colaboradores da investigação fiscal, os cartorários (notadamente para o caso de impostos

imobiliários ou sobre a transmissão de bens ou direitos, como o IPTU, ITBI e ITCMD), os

superintendentes de repartições administrativas outras que não as fiscais, como, ‘v.g.’, o

Departamento de Trânsito – Detran (no caso do IPVA) etc.” (MARINS, James. Direito

Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014,

p. 233). 223

E, ainda: “RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA “A” - TRIBUTÁRIO - MANDADO DE

SEGURANÇA - ADMINISTRADORA DE SHOPPING CENTER - EXIBIÇÃO DE

DOCUMENTOS ELABORADOS COM BASE NOS RELATÓRIOS DE VENDAS DAS

LOJAS ADMINISTRADAS - OBRIGATORIEDADE - ARTIGOS 195, CAPUT E 197,

INCISO III DO CTN. O dever de prestar informações à autoridade fiscal não se restringe

ao sujeito passivo das obrigações tributárias, ou seja, o contribuinte ou responsável

tributário, alcançando também a terceiros, na forma prevista em lei. Dispõe o artigo 195,

caput do CTN que, “para efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer

disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros,

arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais,

ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.” Impõe o artigo 197 do mesmo Codex,

por seu turno, obrigação a terceiros de fornecer dados que auxiliem a atuação dos auditores

fiscais, inserindo-se, dentre as pessoas jurídicas elencadas, empresas da modalidade da

recorrente, administradora das lojas do Shopping Conjunto Nacional, situado nesta capital.

Forçoso concluir, dessarte, que não merece censura o v. acórdão proferido pelo Tribunal

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114

Observe-se que, em princípio, todos os indivíduos que compõem uma

determinada sociedade podem ser submetidos a procedimentos fiscalizatórios

para a apuração do cumprimento das obrigações tributárias e dos deveres

instrumentais próprios, enquadrando-se nas categorias de contribuintes ou

responsáveis tributários. Contudo, relativamente às atividades de terceiros,

apenas é válida a escolha dos sujeitos passivos da relação fiscalizatória

taxativamente enunciados no Código Tributário Nacional ou previstos em lei,

conforme prescreve o artigo 197, inciso VII, do mencionado diploma legal224

,

de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Como bem ponderou o ilustre revisor da

apelação, “a apelante dispõe de documentos comerciais que permitem ao fisco verificar

possíveis irregularidades e mesmo evasão fiscal. A sua recusa não é legítima. Pouco

importa não seja contribuinte do ICMS. Há obrigação dela em fornecer os documentos. É

o que estabelece o art. 197 do CTN, segundo o qual as administradoras de bens - caso da

impetrante - estão obrigadas a prestar, à autoridade administrativa, todas as informações

que dispõe quanto aos bens, negócios ou atividades de terceiros.” Recurso especial não

provido” (REsp 201459/DF, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA,

julgado em 17/02/2004, DJ 03/09/2007, p. 154). 224

Sobre a restrição dos sujeitos adstritos ao fornecimento de dados de terceiro: “são aquelas

que a lei designar, não podendo ser escolhidas por ato discricionário da autoridade

administrativa” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São

Paulo: Saraiva, 2010, p. 663).

E, também: “A norma contida no art. 197 do CTN esclarece a extensão do dever de

informação para além dos limites do polo passivo, como já comentado, jungindo ao dever

pessoas cuja a lei entende aptas a colaborar com o Fisco, até pela especial natureza de suas

atividades. Desnecessário dizer que o rol previsto é taxativo, não havendo possibilidade de

se impor o dever de informações para além da letra da lei” (MARINS, James. Direito

Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014,

p. 235).

Exemplo típico de prestação de informações por terceiros é a exigência da DIMOB pelas

construtoras ou incorporadoras, imobiliárias e administradoras de imóveis, já que fornece

dados referentes às partes contratantes e o valor das operações sujeitas à incidência dos

tributos relativos aos bens adquiridos e às rendas deles decorrentes. Quando provocado, o

STJ se manifestou nos seguintes termos: “TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO DE

INFORMAÇÕES SOBRE ATIVIDADES IMOBILIÁRIAS - DIMOB. IN SRF 304/2003.

FUNDAMENTO LEGAL. ART. 16 DA LEI 9.779/1999 E ART. 197 DO CTN.

EXIGÊNCIA DE MULTA. ART. 57 DA MP 2.158-35/2001. FUNDAMENTO

INATACADO. SÚMULA 182/STJ. […] 4. Não há falar em inexistência de dever de

prestar informações relativas a operações de compra e venda e aluguel de imóveis, já que

as administradoras de bens e os corretores são obrigados, nos termos do art. 197, III e IV,

do CTN. Nessa situação encontram-se as administradoras, imobiliárias, corretoras,

construtoras e incorporadoras quando atuam como intermediárias na consecução dos

negócios de compra e venda e aluguel” (REsp 1105947/PR, Rel. Ministro HERMAN

BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 27/08/2009).

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sendo que as informações destes solicitadas devem, via de regra, respeitar o

sigilo de cargo, ofício, atividade ou profissão225

.

Em recente publicação, Leandro Paulsen trata da capacidade colaborativa nos

deveres instrumentais e dos substitutos e responsáveis tributários, muito mais

abrangente do que a capacidade contributiva, especificamente porque o seu

grupo de sujeitos passivos é o mais amplo possível226

. Definindo a ideia,

afirma:

A capacidade colaborativa pode ser conceituada como a

possibilidade que uma pessoa tem de, consideradas as

circunstâncias das atividades que desenvolve, ou dos atos ou

negócios que realiza, ou ainda da sua relação de proximidade

com o contribuinte ou com o fato gerador, estar em posição tal

que lhe seja viável física, jurídica e economicamente, agir de

modo a subsidiar, facilitar ou incrementar a fiscalização

tributária ou a arrecadação dos tributos, colaborando, assim,

para que a tributação alcance todos os potenciais contribuintes

de modo mais efetivo, isonômico, simples, completo,

confortável, econômico, justo e eficaz, em benefício de toda a

sociedade.227

Em que pese à maior extensão pessoal passiva do que aquela presente na

tributação, a capacidade colaborativa de cada indivíduo é identificada na

225

O dever de prestar informações “não pode ingressar no secreto vínculo que se estabelece

no exercício de certas profissões, em que a própria lei veda terminantemente a quebra do

sigilo […] o psicólogo, o médico, o advogado, o sacerdote e tantas outras pessoas que, em

virtude de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão, tornam-se

depositárias de confidências, muitas vezes relevantíssimas para o interesse do Fisco, não

esta cometidas do dever de prestar informações previstas no art. 197” (CARVALHO,

Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 663).

Sobre uma específica regra do sigilo profissional, vide item 3.6.2. Quebra de sigilo

bancário. 226

O exercício da competência fiscalizatória, enquanto modalidade de poder de polícia, pode

ser dirigido aos particulares em geral. Sobre a sujeição passiva do poder de polícia: “De

fato, o poder de polícia é manifestação eloquente da soberania doestado; manifestado por

meio de leis, o poder de polícia tem como destinatários todas as pessoas. O fundamento

dele, assim, é a supremacia geral do Estado, ou seja, o poder supremo de editar lei em

geral, concretizadas por atos da Administração” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder de

Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 45). 227

PAULSEN, Leandro. Capacidade Colaborativa: Princípio de Direito Tributário para

obrigações acessórias e de terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 40.

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utilidade das informações que podem ser fornecidas228

: no âmbito do nosso

estudo, a escolha dos sujeitos passivos deve ser justificada na adequação da

medida, ou seja, a fiscalização em face de específico membro da sociedade

deve promover o fim, que é o conhecimento de fatos relevantes para o Direito

Tributário.

3.2.1 Discricionariedade na escolha dos fiscalizados

O procedimento fiscalizatório do cumprimento das obrigações tributárias e dos

deveres instrumentais parte da premissa de que todos os administrados devem

submeter-se à fiscalização de suas atividades, noutro discurso, é sujeito passivo

da fiscalização a universalidade dos particulares que compõe o corpo social.

O expressivo número de sujeitos que integram o polo passivo da relação

fiscalizatória ampla impõe a adoção de medidas que restringem a instauração

de procedimentos fiscalizatórios, isto é, o afunilamento da concretização da

fiscalização em sentido estrito a determinados grupos, sob pena de tornar

ineficiente e inviável a prática da Administração. Via de regra, a apuração de

indícios é o estopim para a instauração de particulares procedimentos para a

apuração de informações, contudo também são empregadas técnicas, tais como

o

[…] “profiling”, na qual são elaborados perfis de

comportamento de uma pessoa ou de um grupo a partir dos

dados disponibilizados ou coletados, submetidos ao emprego

de métodos estatísticos, técnicas de inteligência artificial,

228

“Esse auxílio à tributação dá-se na medida da capacidade de colaboração de cada pessoa

que, conforma já se destacou, pressupõe a sua possibilidade de participar de modo útil

desse processo. Tem capacidade de colaboração em matéria tributária quem está em

condições de colaborar efetivamente para tal fim. (PAULSEN, Leandro. Capacidade

Colaborativa: Princípio de Direito Tributário para obrigações acessórias e de

terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 43).

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dentre outros, com o escopo de delinear as tendências de

futuras decisões e comportamentos dos investigados229

.

Exemplo típico da adoção desse mecanismo é a criação das Delegacias

Especiais de Maiores Contribuintes230

que, explicitamente, circunscreve as

suas atividades à fiscalização das atividades desempenhadas por sujeitos que

arrecadam grandes cifras ao Erário. Em que pesem as críticas à

discricionariedade afeta às providências de seleção de contribuintes sujeitos à

fiscalização em sentido estrito, especialmente no que tange à suposta

inobservância dos princípios da isonomia e da presunção de inocência, é muito

importante apontar que a movimentação cambiante do cotidiano, com o

crescimento exponencial de administrados, exige o desenvolvimento de

técnicas que viabilizem o exercício da atividade fiscalizatória.

3.2.2 Não incidência, isenção, imunidade e fiscalização

Conforme apontamos no item 3.2. O critério pessoal – Sujeito passivo da

relação de competência fiscalizatória, apenas pode ser eleito sujeito passivo da

relação fiscalizatória aquele que detém documentos veiculadores de linguagem

útil aos sujeitos políticos tributantes. Este deve ser o norte para a legítima

submissão dos contribuintes, responsáveis e terceiros indicados na lei à

atividade fiscalizatória.

Relativamente aos sujeitos isentos e imunes, a sua submissão ao dever de

suportar a fiscalização justifica-se na imprescindibilidade da demonstração do

preenchimento dos requisitos legais necessários ao gozo das referidas benesses

229

WASSERMAN, Rafhael. A obtenção e o emprego de informações pela Administração

Tributária em face das normas de sigilo. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 29. 230

Conforme prescreve a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 547/2010.

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fiscais, com o consequente não surgimento do crédito tributário, nos termos do

que prescreve o artigo 175, parágrafo único, do Código Tributário Nacional231

.

À parte das diferenças entre os institutos da imunidade e da isenção, temos que

devem ser preenchidos os critérios informadores da hipótese, por meio da

comprovação da adequação do fato à norma, para que seja reconhecida a

imunidade ou a isenção e, consequentemente, juridicamente considerado o

acontecimento factual fora do âmbito da tributação.

Sendo assim, é imprescindível o cumprimento dos deveres instrumentais,

mormente a sujeição à fiscalização, pelos sujeitos que gozam das imunidades

ou isenções, pois que, mediante a análise documental, torna viável a criação de

um juízo sobre o dado factual para a incidência e aplicação das normas

reconhecedoras da imunidade ou da isenção.

No tocante às imunidades, mas também com aplicação no âmbito das isenções,

Rubens Gomes de Sousa, em oportuno comentário ao artigo 9º, § 1º, do Código

Tributário Nacional232

, firma a ideia de que a imunidade refere-se à exação

fiscal, mas jamais à legislação, especialmente àquelas que prescrevem deveres

instrumentais. São as suas palavras:

[…] o que o § 1º quis esclarecer foi que esta exclusão não é

total, mas é apenas a exclusão do campo de aplicação da lei

tributária, naquilo em que esta lei estabeleça obrigação de

pagar tributos; mas, o conteúdo da lei tributária não se limita a

231

“A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias

dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente.” 232

“Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] IV -

cobrar imposto sobre: a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros; b) templos

de qualquer culto; c) o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos e de

instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados na

Seção II dêste Capítulo; c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos,

inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de

educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na

Seção II deste Capítulo; d) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais,

periódicos e livros. § 1º O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às

entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na

fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do

cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.”

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119

isso, compreende a exigência da prática de atos assecuratórios

da cobrança do tributo devido por quem de direito, que não

será o imune, porque é imune, mas, entendido da forma por

que vinha sendo entendido, o conceito de imunidade acabaria

por se transformar numa válvula de escape, numa fórmula

pela qual um particular, ou seja, uma entidade ou outra pessoa

que aquelas a quem a Constituição quis atribuir o benefício da

imunidade, pudesse, à sombra desse benefício, escapar-se do

cumprimento de obrigações tributária, que de direito lhe

competiam233

.

Com efeito, nesses casos é de rigor a caracterização jurídica de um fato para

que seja constatada a sua subsunção às normas imunizantes ou isentivas234

,

justificando-se nesse aspecto a submissão dos sujeitos imunes e isentos ao

cumprimento de deveres instrumentais, inclusive à fiscalização.

Já no que se refere à não incidência, a dificuldade em defender a legitimidade

do exercício da fiscalização esbarra no fato de que nessas hipóteses inexiste a

potencial subsunção do fato social a qualquer conceito contido nas hipóteses

normativas válidas num dado sistema jurídico.

Nesse sentido é, por exemplo, o caso das instituições financeiras que remetem

bens do ativo imobilizado de sua matriz para filiais. Nessas operações, sem

transferência de titularidade, tampouco de conteúdo econômico, alega-se que

jamais deveria ser exigido o cumprimento de deveres instrumentais correlatos

ao ICMS, mormente o de se sujeitar à fiscalização da obrigação decorrente da

incidência do tributo. Isso porque, inexistente a concretização de quaisquer dos

critérios materiais da exação em comento, por se caracterizar evidente caso de

233

SOUSA, Rubens Gomes; ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros.

Comentários ao Código Tributário Nacional – parte geral. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1975, p. 119. 234

Sobre a inadequada nomenclatura da imunidade como hipótese de não incidência

constitucionalmente qualificada, são as palavras de Bernardo Ribeiro de Moraes: “Não

aceitamos a expressão ‘não incidência constitucionalmente qualificada’ para exprimir a

imunidade, porque entendemos que a regra jurídica constitucional de imunidade incide

sempre, como qualquer outra regra jurídica. É uma regra como qualquer outra regra

positiva. Incide sobre os fatos imunes, para vedar a sua tributação. Daí ser imprópria a

denominação ‘hipótese de não incidência’” (apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito

Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 317).

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120

não incidência, impossível a subsunção do fato à norma tributante, caindo por

terra a tentativa de instituição de deveres instrumentais. Justifica-se, ainda, que

o relato de operações que não se subsomem à hipótese tributária causaria ônus

desnecessários tanto para o particular quanto para a Administração, visto que

ambos dispendem recursos e tempo na confecção e análise de documentos

irrelevantes para fins de incidência tributária.

Outro exemplo em que há a imposição de dever instrumental e,

consequentemente, do dever de se submeter à fiscalização, em caso de não

incidência, é o instituído pela Lei do Município de São Paulo nº 14.042/2005,

que prevê o cadastramento de prestadores de serviço que emitem nota fiscal por

outro Município (porque lá sediados e tributados) para tomador estabelecido no

Município de São Paulo. Sob o pretexto de uma eficiente administração

tributária, é o dever de, por meio do cumprimento de um dever instrumental,

comprovar previamente o não preenchimento dos requisitos autorizadores da

incidência do ISSQN de titularidade da Municipalidade de São Paulo, sob pena

de retenção do imposto na fonte.

Em análise do citado caso da transferência do ativo imobilizado entre matriz e

filiais, o Superior Tribunal de Justiça235

firmou entendimento não só pela

235

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE

CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. OPERAÇÃO

INTERESTADUAL DE DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO PERMANENTE OU

DE USO E CONSUMO ENTRE ESTABELECIMENTOS DA MESMA INSTITUIÇÃO

FINANCEIRA. HIGIDEZ DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA CONSISTENTE NA

EXIGÊNCIA DE NOTA FISCAL DOS BENS. IRRELEVÂNCIA INEXISTÊNCIA, EM

TESE, DE OBRIGAÇÃO PRINCIPAL (NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS). FATOR

VIABILIZADOR DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. ARTIGOS 175, PARÁGRAFO

ÚNICO, E 194, DO CTN. ACÓRDÃO FUNDADO EM LEI LOCAL. CONHECIMENTO

PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL. 1. O ente federado legiferante pode instituir dever

instrumental a ser observado pelas pessoas físicas ou jurídicas, a fim de viabilizar o

exercício do poder-dever fiscalizador da Administração Tributária, ainda que o sujeito

passivo da aludida “obrigação acessória” não seja contribuinte do tributo ou que

inexistente, em tese, hipótese de incidência tributária, desde que observados os princípios

da razoabilidade e da proporcionalidade ínsitos no ordenamento jurídico. 2. A relação

jurídica tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu (obrigação tributária

principal), como ao conjunto de deveres instrumentais (desprovidos do timbre da

patrimonialidade), que a viabilizam. 3. Com efeito, é cediço que, em prol do interesse

público da arrecadação e da fiscalização tributária, ao ente federado legiferante atribui-se o

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121

sujeição passiva fiscalizatória nos casos de não incidência como, ainda,

legitima a instituição de deveres instrumentais, desde que respeitada a

proporcionalidade. Igualmente, no que se refere ao cadastramento dos

prestadores de serviços estabelecidos noutros Municípios, o Tribunal de Justiça

direito de instituir obrigações que tenham por objeto prestações, positivas ou negativas,

que visem guarnecer o fisco do maior número de informações possíveis acerca do universo

das atividades desenvolvidas pelos administrados, o que se depreende da leitura do artigo

113, do CTN […] 6. Destarte, o ente federado competente para instituição de determinado

tributo pode estabelecer deveres instrumentais a serem cumpridos até mesmo por não

contribuintes, desde que constituam instrumento relevante para o pleno exercício do

poder-dever fiscalizador da Administração Pública Tributária, assecuratório do interesse

público na arrecadação. 7. In casu: (i) releva-se incontroverso nos autos que o Estado da

Paraíba, mediante norma inserta no RICMS, instituiu o dever instrumental consistente na

exigência de nota fiscal para circulação de bens do ativo imobilizado e de material de uso

e consumo entre estabelecimentos de uma mesma instituição financeira; e (ii) o Fisco

Estadual lavrou autos de infração em face da instituição financeira, sob o fundamento de

que os bens do ativo imobilizado e de uso e consumo (deslocados da matriz localizada em

São Paulo para a filial localizada na Paraíba) encontravam-se acompanhados apenas de

simples notas de remessa, elaboradas unilateralmente pela pessoa jurídica. 8. Deveras, é

certo que: (i) “o deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma

mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS”, máxime em se

tratando de remessa de bens de ativo imobilizado, “porquanto, para a ocorrência do fato

imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da

propriedade” (Precedente da Primeira Seção submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC:

REsp 1.125.133/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 25.08.2010, DJe 10.09.2010),

ratio igualmente aplicável ao deslocamento de bens de uso e consumo; e (ii) o artigo 122,

do CTN, determina que “sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às

prestações que constituam o seu objeto.” 9. Nada obstante, subsiste o dever instrumental

imposto pelo Fisco Estadual com o intuito de “levar ao conhecimento da Administração

(curadora do interesse público) informações que lhe permitam apurar o surgimento (no

passado e no presente) de fatos jurídicos tributários, a ocorrência de eventos que tenham o

condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, além da extinção da obrigação

tributária” (Maurício Zockun, in “Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória”,

Ed. Malheiros, São Paulo, 2005, pág. 134). 10. Isto porque, ainda que, em tese, o

deslocamento de bens do ativo imobilizado e de material de uso e consumo entre

estabelecimentos de uma mesma instituição financeira não configure hipótese de

incidência do ICMS, compete ao Fisco Estadual averiguar a veracidade da aludida

operação, sobressaindo a razoabilidade e proporcionalidade da norma jurídica que tão-

somente exige que os bens da pessoa jurídica sejam acompanhados das respectivas notas

fiscais. […] 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.

Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008”

(REsp 1116792/PB, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em

24/11/2010, DJe 14/12/2010).

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do Estado de São Paulo já se manifestou pela legitimidade da instituição de

deveres instrumentais em razão da necessária fiscalização236

.

Observe-se que a questão relacionada à legitimidade da instituição de deveres

instrumentais é ponto ainda bastante controvertido237

. Exemplificativamente,

algumas soluções de consulta proferidas no âmbito do Município de São Paulo,

especificamente no que se refere aos casos em que o serviço prestado destoa

dos serviços elencados na Lei Complementar nº 116/2003, em sentido

diametralmente oposto ao julgado pelo Superior Tribunal de Justiça e do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, já decidiu pela desnecessidade do

preenchimento de documentos fiscais afetos à tributação238

.

Ao nosso ver, argumentação construída com fundamento na afirmativa ausente

o interesse arrecadatório, porque evidente caso de não incidência, é faltoso

também o interesse investigativo não merece guarida. Partindo das nossas

premissas, a construção de um juízo que atesta a não incidência deve partir de

236

Sobre a questão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se manifestou pela

legitimidade da exigência cadastral em razão da necessária fiscalização. Vide Recurso de

Apelação nº 9124477-98.2007.8.26.0000, julgada em 13.09.2011. 237

“Melhor dizendo, se a pessoa, física ou jurídica, não estiver, efetiva ou potencialmente,

sujeita ao pagamento deste tributo (obrigação tributária principal), não pode ser compelida

a cumprir deveres instrumentais tributários (obrigações tributárias acessórias) a ele

concernentes. Assim, por exemplo, se a atividade que desempenha estiver fora do âmbito

de incidência do ICMS, isto é, for totalmente desvinculada do fato imponível desta exação,

não pode ser constrangida pela Fazenda Pública estadual (ou distrital), a emitir notas

fiscais. Nem muito menos, sancionada, por não as ter emitido” (CARRAZZA, Roque

Antonio. ICMS na Constituição. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 516). 238

“SOLUÇÃO DE CONSULTA SF/DEJUG Nº 79, DE 04 DE SETEMBRO DE 2007 [...]

Os serviços de frete internacional estão fora do campo de incidência do ISS, uma vez que

não constam da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003. 6.1. Assim

sendo, [...] não se pode falar em cumprimento de obrigação acessória para documentar

atividade que não é serviço. [...]; SOLUÇÃO DE CONSULTA SF/DEJUG Nº 2, DE 1 DE

FEVEREIRO DE 2012 [...] não se pode falar em cumprimento de obrigação acessória para

documentar atividade que não consta da Lista de Serviços vigente. [...]; SOLUÇÃO DE

CONSULTA SF/DEJUG Nº 10, DE 14 DE MARÇO DE 2012 [...], a atividade de

veiculação de anúncios está fora do campo de incidência do ISS. [...] Assim sendo, a

consulente não está obrigada a recolher o ISS em relação aos serviços de veiculação de

anúncios, bem como não pode documentar tais atividades mediante emissão de qualquer

tipo de Nota Fiscal de Serviços, já que as disposições da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro

de 2003 e do Decreto nº 50.896, de 1º de outubro de 2009, aplicam-se única e

exclusivamente a atividades que constam da Lista de Serviços vigente.”

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subsídios colhidos pela fiscalização, sendo esse o meio pelo qual se torna

possível o reconhecimento da não incidência tributária.

3.3 O critério espacial – âmbito territorial da competência fiscalizatória

Antes de adentrarmos no mérito do critério espacial da norma de competência

fiscalizatória, é muito importante ter em mente que em relação à esfera Federal,

bem como à Estadual e a dos grandes Municípios, há uma divisão

administrativa do órgão competente para fiscalizar e arrecadar os tributos para

facilitar o atendimento ao contribuinte239

. Todas as unidades que compõem o

mesmo corpo institucional são competentes para expedir atos administrativos

sobre a mesma matéria, de modo que a regra estipulada para a melhor gerência

da res publica não pode ser alegada como limite à competência

fiscalizatória240

.

Fixada a possibilidade de repartição dos órgãos Fazendários da mesma pessoa

política, surge a questão relacionada ao âmbito espacial da competência

fiscalizatória de cada unidade da Federação e dos Municípios.

Sobre o assunto, em princípio, temos que o critério espacial da norma de

competência fiscalizatória deveria ser dotado da mesma extensão da legislação

impositivo-tributária do ente federativo. Conforme já deduzimos outrora, deve

ser competente para fiscalizar quem tem competência para tributar. Ocorre que

a identificação do sujeito competente para tributar e, portanto, fiscalizar, não é

239

Na esfera Federal, por exemplo, a lei outorgou competência fiscalizatória administrativa

aos agentes fiscais do domicílio fiscal do contribuinte: Vide Decreto-Lei nº 5.844/43,

artigo 175; Regulamento do Imposto sobre a Renda, artigo 985. 240

Neste sentido, a legislação Federal prevê a extensão da competência do agente fiscal

lotado em unidade diferente daquela relacionada ao domicílio fiscal do contribuinte:

“Decreto nº 70.235/72 Art. 9º A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade

isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos

para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos,

depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do

ilícito. […] § 2º Os procedimentos de que tratam este artigo e o art. 7º, serão válidos,

mesmo que formalizados por servidor competente de jurisdição diversa da do domicílio

tributário do sujeito passivo.”

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124

tarefa simples. Isso porque a extensão das leis, isto é, do seu âmbito de

vigência e aplicação, se identifica com a ideia de territorialidade, que é

conceito estritamente jurídico, não necessariamente coincidente com os limites

geográficos dos entes competentes.241

Essa circunstância de haver uma noção de território diferente dos lindes físicos

das unidades da Federação e dos Municípios, mas com eles relacionada,

dificulta a identificação da esfera de vigência e eficácia das normas tributárias.

Exemplo típico da ausência de identidade entre o território e o espaço

geográfico dos sujeitos políticos é o caso do Imposto sobre Serviços de

Qualquer Natureza (ISS), que tem como fato gerador a prestação de serviço

previsto na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003 e como critério

espacial da incidência do tributo, via de regra, o estabelecimento ou o domicílio

do prestador.

Nos casos de tributação no estabelecimento ou domicílio do prestador, surge a

questão de que a alteração da sede dos sujeitos passivos da exação em comento

enseja a legitimidade de determinado Município fiscalizar pessoas

anteriormente sediadas no seu espaço geográfico e outrora fixadas em território

alheio. Nessas hipóteses, o âmbito de vigência da legislação Municipal

extravasa os limites físicos do sujeito fiscalizador, contudo é flagrante que os

relatos dos fatos ocorridos até a alteração do domicílio ou sede do prestador

estão abrangidos na ideia de território do Município em que sediado o prestador

de serviço à época dos fatos jurídicos tributários.

Identicamente, os serviços que têm como critério espacial o local da prestação

tornam legítima a tributação e fiscalização pelo ente político em que se

241

A ideia de território traça “as linhas definidoras do âmbito espacial de vigência, isto é, do

domínio que há de encerrar os lugares das condutas juridicamente apreciáveis num certo

ordenamento” (BRITTO, Lucas Galvão de. O Lugar e o Tributo: Estudo sobre o critério

espacial da Regra-Matriz de Incidência Tributária no exercício da competência tributária

para instituir e arrecadar tributos. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 125-126).

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concretiza o fato jurídico tributário, não havendo falar-se em pretensão

impositiva e fiscalizatória do Município em que sediado o prestador.

Esses exemplos demonstram hipótese em que o âmbito de vigência e aplicação

da lei tributária não é fiel ao espaço geográfico do ente tributante, senão com o

seu território. Nesses casos, contudo, a pretensão fiscalizatória é claramente

demarcada.

Questão diferente e complexa refere-se às situações de dúvidas quanto à

espécie do serviço prestado (determinante para a incidência da tributação no

local da prestação ou na sede do estabelecimento prestador), ao local do

estabelecimento prestador ou, ainda, ao local da efetiva prestação do serviço. A

incerteza acerca desses pontos pode ensejar uma espécie de “guerra

fiscalizatória”, na qual mais um ente político realiza atos investigativos acerca

dos mesmos acontecimentos. Para solucionar esse conflito de interesses, o

Judiciário restringe a fiscalização ao território dos sujeitos políticos242

.

Ora, mas é justamente mediante a fiscalização que se torna possível a exata

delimitação do território, isto é, do âmbito de vigência e aplicação da legislação

fiscal, sendo que são diversos os casos em que a premissa da espécie do

serviço, da sede do prestador ou do local da efetiva prestação do serviço é

abalada pela fiscalização. Por um lado, o Judiciário impede que sejam exigidos

documentos emitidos em favor de outro ente político, a fim de evitar possível

choque de prol da sua análise. Por outro lado, contudo, caso o particular seja

possivelmente contribuinte perante Município distinto daquele que no presente

242

Exemplo dessas manifestações é:

“TRIBUTÁRIO. FISCALIZAÇÃO MUNICIPAL. APRESENTAÇÃO DE LIVROS E

DOCUMENTOS FISCAIS. ESTABELECIMENTOS SITUADOS EM OUTROS

MUNICÍPIOS. 1. A fiscalização municipal deve restringir-se à sua área de competência e

jurisdição. 2. Ao permitir que o Município de São Paulo exija a apresentação de livros

fiscais e documentos de estabelecimentos situados em outros municípios, estar-se-ia

concedendo poderes à municipalidade de fiscalizar fatos ocorridos no território de outros

entes federados, inviabilizando, inclusive, que estes exerçam o seu direito de examinar

referida documentação de seus próprios contribuintes. 3. Recurso parcialmente conhecido

e não provido” (Recurso Especial n. 73.086; Ministro João Otávio de Noronha; julgado em

17.06.2003).

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o fiscaliza, é patente a injustiça perpetrada pelo desvencilhamento ilegítimo da

obrigação de pagar tributo.

Ao nosso ver, a sistemática da permuta de informações entre os órgãos

fazendários243

funcionaria como um importante instrumento para coordenar a

atividade fiscal: mediante a partilhada troca de informações fiscais, tornar-se-ia

possível a adequada tributação, sem que qualquer sujeito político tivesse

tolhido o seu direito de análise dos documentos instituídos pela sua própria

legislação tributária, outorgando, ainda, àqueles que possuem dúvida acerca da

caracterização do fato jurídico tributário, um eficaz meio para colher indícios,

fundamentadores da instauração de procedimento fiscalizatório próprio. A

abrangente concretização da fiscalização em sentido amplo viabilizaria o

conhecimento de situações que ensejam a fiscalização estrita, cujo critério

espacial se aproxima mais da ideia de vigência das normas impositivas.

3.4 O critério temporal – limites temporais do exercício da competência

fiscalizatória

O critério temporal da norma de competência fiscalizatória do agente fiscal diz

respeito a vários tempos dos fatos, isto é, a um conjunto de momentos

compreendidos num período em que os enunciados da fiscalização podem

ingressar no sistema jurídico. Nos termos das lições do professor Paulo de

Barros Carvalho, a enunciação pelo agente competente define o tempo do fato,

que se reporta a uma ocorrência concreta de um evento (tempo no fato)244

. O

momento da legítima enunciação do Fisco pode ser qualquer átimo

compreendido dentro do critério temporal que passamos a analisar.

Em princípio, são duas as condicionantes temporais do exercício da

competência fiscalizatória que estudamos: uma relacionada à capacidade

243

Vide item 3.1.3. Permuta de informações. 244

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência.

São Paulo: Saraiva, 2007, p. 172.

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funcional do servidor público e outra afeta ao prazo decadencial para a

constituição da obrigação que se pretende averiguar.

O legítimo exercício da competência fiscalizatória deflagra-se, num de seus

aspectos, no tempo em que vigente a competência funcional do agente.

Primeiramente, é fundamental a aprovação em concurso público para a

nomeação por meio de portaria; investido no cargo, para a realização da

fiscalização em sentido estrito, ainda é imprescindível a indicação pessoal do

sujeito por meio de ordem específica de fiscalização245

para a concretização de

quaisquer atos fiscalizatórios. A inobservância da competência do agente fiscal

no tempo, inclusive, dá razão à nulidade do ato praticado246

.

Observada a legitimidade do agente fiscal, temos a condicionante temporal que

se identifica com o período em que existente a pretensão arrecadatória do

Estado247

. Afirma-se que, enquanto não extinto o prazo decadencial para o

Fisco constituir o crédito tributário, previsto no artigo 173 do Código

Tributário Nacional248

, é plenamente legítimo o exercício da atividade

fiscalizatória. Sobre o critério temporal da norma de competência fiscalizatória,

especificamente apontando o prazo decadencial como um limite ao seu

exercício, são as palavras de Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez

López:

245

Para considerações acerca do Mandado de Procedimento Fiscal, vide item 3.5. O critério

procedimental. 246

“Decreto 70.235/72: Art. 59. São nulos: I - os atos e termos lavrados por pessoa

incompetente; […]”. 247

“O tempo em que a fiscalização pode ocorrer se dá na exata medida da existência da

pretensão arrecadatória do Estado” (MARINS, James. Direito Processual Tributário

Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 234). 248

“O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco)

anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento

poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver

anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O

direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele

previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário

pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao

lançamento.”

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Na busca de provas, porém, o agente fiscal não pode ir além

do permitido legalmente, sob pena de caracterizar crime

pessoal – excesso de exação. Não é raro, por exemplo, o

agente fiscal solicitar documentos comprobatórios de

determinado pagamento de imposto/contribuição relativo a

período em que o contribuinte alega já ter ocorrido a extinção

do crédito tributário pela figura da decadência. […] A recusa

do particular em colaborar, nessa situação, é legítima, eis que

a exigência de informações tem de ser necessária e razoável

para esclarecer os fatos. Em se tratando de exigência ilegal,

deve o contribuinte responder, negativamente à

solicitação/intimação, de modo a que não configure embaraço

à fiscalização. Em sua resposta devem ser esclarecido os

motivos da impossibilidade de prestar as informações

solicitadas249

.

Ocorre que, com fundamento nas premissas metodológicas por nós adotadas, a

linguagem competente, combinada com o procedimento legal, é instrumento

imprescindível para a constituição da realidade jurídica250

. Por isso, não é

legítima a imposição do evento decadencial como um fator que condiciona o

tempo para a concretização da atividade fiscalizatória. A fiscalização pode ser

realizada em face de tributos atingidos pelo evento decadencial, sendo meio

apto para construir o fato jurídico da consumação da decadência no caso

concreto.

Observe-se que a conduta do agente fiscal que instaura procedimento fiscal em

face de obrigação já atingida pelo evento decadencial vai de encontro com o

princípio da eficiência Administrativa, contudo questão que justifica esse

posicionamento e que vem provocando debates nos Tribunais Administrativos

249

NEDER, Marcos Vinicius; LOPEZ, Maria Teresa Martínez López. Processo

Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 99-100. 250

“Norma alguma tem o poder de irradiar efeitos sem que seja aplicada, ou seja, não há

possibilidade de incidência (juridicização de fatos) da norma sobre o mero acontecimento

social sem enunciação por agente credenciado.” Em posterior passagem, explicando o

fenômeno da denúncia espontânea e deixando clara a distinção entre o evento e fato

jurídico moratório: “A denúncia espontânea no direito tributário do Brasil é mecanismo

normativo que permite ao sujeito passivo tributário, mesmo diante de um evento

moratório, evitar que o fato moratório seja constituído pelo sujeito competente, e, portanto,

impedir que a constituição do descumprimento de um dever seja concretizada em nível

individual e concreto” (LINS, Robson Maia. A mora no direito tributário. 2008. Tese

(Doutoramento em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,

2008, p. 103, 234).

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129

é a possibilidade de serem analisados documentos relacionados a tributos já

atingidos pelo evento decadencial para a configuração de operações societárias

realizadas com o intuito de fraudar o Fisco251

.

3.5 O critério procedimental – forma do exercício da competência

fiscalizatória

Neste tópico, trataremos do modo como o administrador público deve realizar a

enunciação no procedimento fiscalizatório. O artigo 196 do Código Tributário

Nacional252

instrumentaliza o procedimento fiscalizatório, apontando a

imprescindibilidade de sua documentação253

. Com fundamento no mencionado

dispositivo legal, foi publicada a Portaria da Secretaria da Receita Federal nº

1.265/99254

, passando a constar no ordenamento jurídico regras específicas a

respeito do ato de enunciar de competência dos agentes fiscais da esfera

federal255

: trata-se do particular documento nomeado Termo de Distribuição do

Procedimento Fiscal (TDPF) de fiscalização, de diligência ou especial, recente

251

“AUDITORIA FISCAL. PERÍODO DE APURAÇÃO ATINGIDO PELA

DECADÊNCIA PARA CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIO.

VERIFICAÇÃI DE FATOS, OPERAÇÕES, REGISTROS E ELEMENTOS

PATRIMONIAIS COM REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA FUTURA. POSSIBILIDADE,

LIMITAÇÕES. O fisco pode verificar fatos, operações e documentos, passíveis de registro

contábeis e fiscais, devidamente escriturados ou não, em períodos de apuração atingidos

pela decadência, em face de comprovada repercussão no futuro, qual seja: apuração de

lucro líquido ou real de períodos não atingidos pela decadência. Essa possibilidade

delimita-se pelos seus próprios fins, pois, os ajustes decorrentes desse procedimento não

podem implicar em alterações nos resultados tributáveis daqueles períodos decaídos, mas

sim nos posteriores. […]” (CARF; Processo nº 10469.721945/2010-03; Acórdão nº 1101-

000.841; Relator Edeli Pereira Bessa; publicado em 10.12.2013). 252

“A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de

fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do

procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão

daquelas. Parágrafo único. Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que

possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se

entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere

este artigo.” 253

Também neste sentido, dispõe o Decreto nº 70.235/1972. 254

Já revogada e cujo teor prescritivo atualmente é enunciado pela Portaria RFB nº 1.687, de

17 de setembro de 2014. 255

Posteriormente, no âmbito estadual de São Paulo, por exemplo, foi publicada a Lei

Complementar nº 939/03, que também rege a mesma atividade.

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130

substituto do Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), emitido por autoridade

que exerce as funções de distribuição dos trabalhos aos seus subordinados,

discriminando as obrigações tributárias, os deveres instrumentais e os seus

respectivos exercícios financeiros submetidos à análise, indicando o auditor

fiscal designado256

. Ato contínuo, em 2001, a relevância do Mandado de

Procedimento Fiscal ganhou novo status hierárquico, com a publicação do

Decreto nº 3.724257

, que estabeleceu a exclusividade do início dos atos

fiscalizatórios com a ordem específica denominada TDPF258

.

Registre-se que essas regras procedimentais em muito se identificam com a

antiga Ficha Funcional (FM), que, porém, era documento de conhecimento

exclusivamente interno da Administração. Sobre as características do

procedimento fiscalizatório anteriormente previsto, em cotejo com o então

MPF e atual TDPF, são as observações de José Antonio Minatel:

Como instrumento de controle interno das atividades do

próprio Fisco, é possível afirmar que (o MPF) não traz muita

novidade, pois já existia no âmbito da administração tributária

federal disciplina equivalente, executada por meio da não tão

conhecida “FM” (Ficha Multifuncional), documento interno

gerado pelas autoridades que comandavam a chefia das

atividades da fiscalização federal de cada unidade

administrativa regionalizada, para registrar o planejamento

256

Já indicando a imprescindibilidade do Mandado de Procedimento Fiscal, em interessante

esforço comparativo, Mary Elbe Gomes de Queiroz equipara o MPF ao mandado de

procuração, outorgado a outrem para atuar em caso específico, representando determinada

pessoa (QUEIROZ, Mary Elbe Gomes. O mandado de procedimento fiscal, Formalidade

essencial, vinculante e obrigatória. Revista da FESDT, Porto Alegre: FESDT, n. 6, p. 133-

170, 2010, p. 142). 257

Artigo 2º, com redação dada pelo Decreto nº 8.303, de 04 de setembro de 2014: “Os

procedimentos fiscais relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da

Receita Federal do Brasil - RFB serão executados por ocupante do cargo efetivo de

Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e terão início mediante expedição prévia de

Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal - TDPF, conforme procedimento a ser

estabelecido em ato do Secretário da Receita Federal do Brasil.” 258

Observe-se que mencionado diploma legal tem como objetivo regular o artigo 6º da Lei

Complementar nº 105/01, que prevê a quebra do sigilo bancário pela Administração.

Relativamente a este tema, vide item 3.6.2. Quebra de sigilo bancário, e frise-se: ao nosso

ver, porque o Decreto nº 3.724/01 é extensão da Lei Complementar nº 105/01, a rigor,

também é eivado de inconstitucionalidades. Porém, enquanto não retirado do sistema

jurídico, mencionada previsão legal cumpre importante papel no tocante à documentação

do procedimento fiscalizatório.

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dos trabalhos a serem desenvolvidos em determinado período,

identificar os sujeitos passivos selecionados em função de

critérios objetivos previamente elencados, assim como

determinar a amplitude dos trabalhos que deveriam ser

desenvolvidos em cada caso, em função das peculiaridades de

cada programação. A ficha de registro interno era denominada

“multifuncional” porque servia, simultaneamente, para

cadastrar a seleção de contribuintes submetidos à inspeção,

determinar os agentes do Fisco encarregados da execução de

cada trabalho, identificados os períodos de tributos objeto da

investigação em cada sujeito passivo, assim como discriminar

e controlar o resultado das atividades de cada agente do Fisco

em relação aos contribuintes fiscalizados. Mediante aferição e

registro do tempo despendido em cada trabalho, como também

eventual crédito tributário constituído quando do

encerramento da auditoria-fiscal que estava a seu cargo.259

A evidente similitude entre o atual e público Termo de Distribuição do

Procedimento Fiscal e a então interna Ficha Multifuncional autoriza a

interpretação pelo avanço das regras que norteiam a Administração Pública:

uma vez publicados os enunciados prescritivos de procedibilidade da

fiscalização, resta homenageada a possibilidade de o contribuinte exercer

controle sobre a atividade fiscalizatória, tornando-se capaz de coibir a prática

de atos abusivos. Por exemplo, considerando o conhecimento sobre a data

inicial do procedimento fiscalizatório, torna-se possível ao sujeito fiscalizado o

socorro ao Judiciário em face da extensa continuidade da fiscalização, em

afronta ao princípio da proporcionalidade, que eventualmente lhe acarreta

prejuízos aos negócios e à sua imagem260

, sendo também, legítima a busca por

259

MINATEL, José Antonio. Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) como condição de

validade do lançamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Org.). Processo

Administrativo Fiscal. v. VI. São Paulo: Dialética, 2002, p. 40. 260

“Pois a realização de diligências em seus livros e documentos deve levar o tempo

estritamente necessário, de forma a não estorvar o desenvolvimento das atividades

negociais da empresa, nem ensejar atraso em sua escrituração” (OLIVEIRA, José Jayme

de Macêdo. Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva 1998, p. 557).

Vale ponderar neste ponto que a atual informatização dos deveres instrumentais diminui a

força do argumento pela ilegítima prolongação do procedimento fiscalizatório em razão de

atrapalhar a escrituração da empresa fiscalizada, remanescendo a discussão acerca da

insegurança do sujeito fiscalizado em relação àqueles que se relaciona comercialmente e,

ainda, à impossibilidade do fiscalizando submeter dúvida interpretativa da legislação à

consulta perante o órgão Fazendário e, possivelmente, perpetuando prática em

desconformidade com o entendimento do Fisco (conforme prescreve o artigo 52 do

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132

pronúncia jurisdicional a respeito da solicitação de documentos que não

mantêm relação com o objeto da fiscalização instaurada.

Ademais, a obrigatoriedade do respeito a esta norma que regula a enunciação

do agente fiscal261

, deve-se à necessária observância de um contraditório

mitigado durante todo o procedimento fiscalizatório. Para a apresentação de

documentos pelo fiscalizado, por exemplo, é fundamental a observância às

regras procedimentais, que expressam o princípio do devido processo legal. A

construção dos fatos pelo agente fiscal pressupõe a participação do sujeito

fiscalizado; tal participação é viabilizada pela observância a um procedimento

específico, que são as regras do TDPF. Assim, os atos que compõem o

procedimento fiscalizatório apenas são válidos se realizados com fundamento

em específico Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal previamente

expedido.

Neste sentido, os precedentes administrativos262

mais pretéritos condenavam a

inobservância do requisito procedimental vigente para a aplicação das normas

Decreto nº 70.235/72, in verbis: “Não produzirá efeito a consulta formulada: […] III - por

quem estiver sob procedimento fiscal iniciado para apurar fatos que se relacionem com a

matéria consultada; […]”. 261

“As portarias em foco, na mediada em que mapearam, passo a passo, o procedimento

fiscalizatório, a cargo dos Auditores Fiscais da Receita Federal, criaram direitos subjetivos

em favor dos contribuinte, que nenhum interesse arrecadatório, por mais relevante, pode

atropelar” (CARRAZZA, Roque Antônio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Mandado de

Procedimento Fiscal e Espontaneidade. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 80,

maio 2002, p. 103). 262

“PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. NORMAS PROCESSUAIS – NULIDADE

– Afora as hipóteses de expressa dispensa do MPF, é inválido o lançamento de crédito

tributário formalizado por agente do Fisco relativo a tributo não indicado no MPF-F, bem

assim cujas irregularidades apuradas não repousam nos mesmos elementos de prova que

serviram de base a lançamentos de tributo expressamente indicado no mandado” (CARF;

Relator Sebastião Rodrigues Cabral; Processo nº 13982.001172/2001-25; Acórdão nº 101-

94497; publicado em 30/01/2004).

“PROCEDIMENTO FISCAL - MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL –

IMPRESCINDIBILIDADE – A inclusão, no mesmo processo, de exigência de tributo que

não decorra dos mesmos elementos de prova das demais exigências, e que não esteja

incluso nas verificações obrigatórias, é nula por estar ao desabrigo de Mandado de

Procedimento Fiscal. […]” (CARF; Relator Valmi Sandri; Processo nº

10920.001354/2005-66; Acórdão nº 101-96368; publicado em 18.10.2007).

“Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ Ano-calendário: 2003 Ementa:

NULIDADE — LANÇAMENTOS — MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL-C

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primárias no plano individual e concreto pela Administração. A título

exemplificativo, não são raros os procedimentos fiscalizatórios julgados

viciados pelo fato de o Mandado de Procedimento Fiscal que supostamente lhe

outorgava fundamento de validade ter indicado, por exemplo, apenas um

tributo e apurar outros. No mesmo sentido da então jurisprudência dominante,

também militaram e ainda militam pela obrigatoriedade do então Mandado de

Procedimento Fiscal e atual Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal,

Roque Antonio Carrazza e Eduardo D. Botallo:

A partir da criação da figura do MPF, em suas várias

modalidades, o agir fazendário, na esfera federal, sofreu

expressiva limitação, já que este documento tornou-se

juridicamente imprescindível à validade dos “procedimentos

fiscais relativos aos tributos e contribuições administrados

pela SRF”.

Vem daí que procedimentos relativos a tributos e

contribuições administrados pela SRF, que sejam instaurados

a descoberto do competente MPF, são inválidos e, nessa

medida, tisnam de irremediável nulidade as providências

fiscais eventualmente adotadas contra os contribuintes263,264

.

— VÍCIO FORMAL, Os comandos do decreto que impõem o MPF são preceptivos e

vinculantes para os procedimentos fiscais que culminam no ato de lançamento. A portaria

que regula os MPF lança suporte no decreto e no art. 196 do CTN. Tanto o decreto como a

portaria prescrevem a emissão de MPF antes ou no início do procedimento fiscal, e não no

fim ou com seu encerramento, e até mesmo nos casos que os diplomas permitem o início

do procedimento fiscal sem MPF, eles determinam que o MPF deva ser emitido no prazo

de cinco dias do início do procedimento fiscal. Emissão de MPF-F para apuração de

infrações à legislação de IPI, em que os elementos de prova que serviram de base àquela

são diversos dos empregados para apuração de irregularidades de tributo distinto — o que

impõe a emissão de MPF-C para iniciar novos procedimentos fiscais. Emissão de MPF-C,

no fim dos procedimentos fiscais de apuração de IRPJ, IRRF, CSLL, e COFINS, constitui

descumprimento dos preceptivos do decreto e da portaria que inquinam os atos de

lançamento de nulidade por vício formal” (CARF; Relator Albertina Silva Santos de Lima;

Processo nº 11020.001108/2006-00; Acórdão nº 1103-00.029; publicado em 26.08.2009). 263

CARRAZZA, Roque Antônio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Mandado de

Procedimento Fiscal e Espontaneidade. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 80,

maio 2002, p. 103. 264

E, ainda, pela obrigatoriedade do “Mandado de Procedimento Fiscal: o MPF, por

conseguinte, adquiriu a qualidade e o “status” de um instrumento e uma formalidade

essencial, indispensável para que lançamento, como o produto final do procedimento

fiscal, seja executado e considerado válido” (QUEIROZ, Mary Elbe Gomes. O mandado

de procedimento fiscal, Formalidade essencial, vinculante e obrigatória. Revista da

FESDT, Porto Alegre: FESDT, n. 6, p. 133-170, 2010, p. 142).

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Note-se, contudo, que, em sentido diametralmente oposto, são atuais e não

meramente ocasionais as decisões administrativas que atribuem ao Mandado de

Procedimento Fiscal o singelo caráter de instrumento de controle interno da

Secretaria da Receita Federal, julgando reiteradamente pela validade do

lançamento tributário realizado com amparo no mencionado documento

especificador da atividade fiscalizatória, mesmo quando o seu conteúdo é

viciado pela ausência de requisitos (notificação do início das atividades fiscais,

especificação da obrigação tributária e dos deveres instrumentais, dos

respectivos períodos analisados, do Auditor Fiscal designado) 265

.

Ao nosso ver, enfim, o atendimento às regras do TDPF é fundamental para

legitimar a atividade dos agentes fiscais, pois viabiliza o controle da atividade

da Administração e garante a participação do particular no procedimento

fiscalizatório, por exemplo, por meio da apresentação de documentos.

3.5.1 Espontaneidade no Direito Tributário

Dando continuidade ao estudo acerca da enunciação do agente fiscal, temos

que a intimação ao sujeito fiscalizado acerca da investigação do seu

265

“NULIDADE. LANÇAMENTO. IRREGULARIDADES NA PRORROGAÇÃO DO

MPF. O Mandado de Procedimento Fiscal é instrumento de controle administrativo e de

informação ao contribuinte. Eventuais omissões ou incorreções do MPF não são causa de

nulidade do auto de infração” (CARF; Processo nº 10865.721233/2012-75; Acórdão nº

1101-001.114; Relator Edeli Pereria Bessa; julgado em 03.06.2014).

“Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou relativas a Títulos ou Valores

Mobiliários - IOF Período de apuração: 31/01/2001 a 30/06/2004 NULIDADE. MPF.

INEXISTENCIA. Constituindo-se o Mandado de Procedimento Fiscal em mero elemento

de controle da administração tributária, disciplinado por ato administrativo, eventual

irregularidade formal nele detectada não enseja a nulidade do auto de infração, nem de

quaisquer Termos Fiscais lavrados por agente fiscal competente para proceder ao

lançamento, atividade vinculada e obrigatória nos termos da lei.” (CARF; Processo nº

10675.002273/2005-22; Acórdão nº 3401-002.490; Relator Fernando Marques Cleto

Duarte; publicado em 29.01.2014).

“O Mandado de Procedimento fiscal - MPF não é requisito de validade do auto de

infração, funcionando como simples instrumento de controle administrativo, de modo que

sua ausência ou defeito em sua emissão/prorrogação não importa em nulidade do ato

administrativo de lançamento correspondente” (CARF; Processo nº 10380.723657/2013-

06; Acórdão nº 3401-002.692; Relator Robson Jose Bayerl; julgado em 18.08.2014).

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135

comportamento é medida essencial, fundamentalmente em razão dos reflexos

que gera no campo da espontaneidade no Direito Tributário.

Como é de sabença, o instituto da denúncia espontânea está anunciado no

artigo 138 do Código Tributário Nacional, in verbis:

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia

espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do

pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do

depósito da importância arbitrada pela autoridade

administrativa, quando o montante do tributo dependa de

apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia

apresentada após o início de qualquer procedimento

administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a

infração.

De uma breve leitura deste enunciado prescritivo é possível perceber que a

denúncia espontânea da conduta ilícita realizada pelo contribuinte libera-o das

consequências punitivas, mormente das sanções decorrentes da infração266

.

Essa ideia traduz para o âmbito tributário a figura do arrependimento eficaz,

previsto no artigo 15 do Código Penal267

, com o intuito não apenas de

beneficiar o sujeito passivo da obrigação fiscal, mas, também, a Fazenda

Pública, que aumenta a arrecadação em razão do estímulo ao adimplemento dos

tributos.

No contexto do presente estudo, convém apontarmos que a circunstância de

que o início de qualquer medida de fiscalização afasta a espontaneidade do

sujeito na denúncia de comportamentos contrários à legislação torna crucial a

266

“Isso porque a denúncia espontânea atua como instrumento impeditivo da tradução em

linguagem competente do evento moratório para constituir o fato jurídico moratório e,

consequentemente, instaurar as consequências jurídicas que lhe são ínsitas” (LINS,

Robson Maia. Mora e a denúncia espontânea no Direito Tributário. Revista de Direito

Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 103, p. 91-104, 2009, p. 93). 267

“Desistência voluntária e arrependimento eficaz Art. 15 - O agente que, voluntariamente,

desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde

pelos atos já praticados. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”

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136

ciência deste acerca do início da investigação tributária268

. Neste sentido, a Lei

nº 9.784/99 indica ser um direito dos particulares a “ciência da tramitação dos

Processos Administrativos em que tenha a condição de interessado”. Também

sobre o assunto, o Decreto nº 70.235/72 enuncia que o início do procedimento

fiscal concretiza-se com “o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por

servidor competente, cientificando o sujeito passivo da obrigação tributária ou

seu preposto”269 , 270

, evidenciando que a intimação daquele submetido à

fiscalização é imperativo para a configuração do início da fiscalização.

Inclusive, diferente não poderia ser a conclusão, visto que a publicidade dos

atos administrativos é princípio inerente ao sistema jurídico. Somente em

atenção ao amplo conhecimento das ações da Administração torna-se possível a

adequação da conduta dos indivíduos, bem como legítimo o exercício de defesa

contra arbitrariedades e abusos eventualmente cometidos. Também em favor do

Fisco milita a importância da documentação com a notificação do sujeito

fiscalizado sobre o início do procedimento fiscal: é o marco final estabelecido

pelo parágrafo único do artigo 173, do Código Tributário Nacional271

, para o

268

“O contribuinte não perde a espontaneidade, senão a partir do momento em que toma

formal conhecimento da existência das providências fiscalizatórias a que alude o art. 138

do CTN” (CARRAZZA, Roque Antônio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Mandado de

Procedimento Fiscal e Espontaneidade. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 80,

maio 2002, p. 102). 269

Conforme artigo 7º, inciso I. 270

Observe-se que a ênfase conferida à forma do ato e a competência do agente fiscal tornam

inverossímil a distinção entre a mencionada caracterização do início da fiscalização em

relação às demais situações elencadas no mesmo dispositivo legal, quais sejam: “a

apreensão de mercadoras, documentos ou livros e o começo de despacho aduaneiro de

mercadorias aduaneiras”, de modo que, ao nosso ver, os acontecimentos descritos nos

incisos II e III do artigo 7º do Decreto nº 70.235/72 são espécies que se enquadram dentro

do amplo conceito definido no inciso I. 271

“O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco)

anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento

poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver

anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito

a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele

previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário

pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao

lançamento.”

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cômputo do prazo decadencial da Administração constituir as exações

fiscais272

.

Corroborando ainda a tese da imprescindibilidade da notificação do fiscalizado,

contudo cometendo um grave equívoco, o parágrafo 1º do mencionado artigo

7º do Decreto nº 70.235/72 aponta que “o início do procedimento exclui a

espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e

independentemente de intimação dos demais envolvidos nas infrações

verificadas”. Ao excetuar a intimação dos demais envolvidos nas infrações

verificadas como causa excludente da espontaneidade, reforça, num primeiro

passo, o nosso argumento. Porém, enuncia mandamento que não se coaduna

com o contexto jurídico, pelas razões dantes aduzidas (a intimação de todos os

particulares submetidos a procedimento fiscalizatório é fundamental para

obstar o gozo da denúncia espontânea).

Enfim, temos que, exclusivamente pela regular intimação do sujeito

fiscalizado, é iniciada a fiscalização e, via de consequência, é excluída da sua

esfera de direitos a oportunidade de se aproveitar da denúncia espontânea.

Diferentemente, contudo, é o nosso entendimento acerca do término do

procedimento fiscalizatório. Em que pese a existência dos chamados Termos de

Encerramento da Fiscalização (TEAF)273

, que atendem à sistemática da

imprescindível notificação do fiscalizado, outra causa extintiva da atividade

272

“É de grande importância a lavratura do termo de início da fiscalização, não apenas para

que seja regular a diligência como e especialmente para comprovar o termo inicial do

prazo de decadência, de que trata o artigo 173 do CTN” (MACHADO, Hugo de Brito.

Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 161). 273

Explicando a documentação do procedimento fiscalizatório instaurado por TDPF: “A ação

fiscal tem início com a notificação ao sujeito passivo do início da ação fiscal através do

Termo de Início de Ação Fiscal (TIAF), subscrito pelos auditores-fiscais em cumprimento

ao mandado expedido pelo Delegado da Receita Federal. A ação fiscal é encerrada com a

lavratura de Termo de Encerramento da Ação Fiscal (TEAF), normalmente acompanhado

de Relatório Fiscal e, se for o caso, de Auto de Infração (AI). No âmbito da SRP/INSS, era

lavrado o Termo de Intimação para Apresentação de Documentos (TIAD) e o

encerramento se dava mediante lavratura de Termo de Encerramento de Auditoria-Fiscal

(TEAF), acompanhado de Relatório Fiscal” (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário:

Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2014, p. 1380).

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fiscalizatória é o decurso do prazo de validade do Termo de Distribuição do

Procedimento Fiscal.

A Portaria da Receita Federal do Brasil nº 1.687/14, que anuncia o TDPF,

aponta o prazo dos procedimentos fiscais274

, prevê a possibilidade da sua

prorrogação275

, porém indica a sua extinção pela conclusão, com a ciência do

sujeito passivo276

. Ora, se o TDPF tem prazo, como não falar em extinção pelo

transcurso temporal, mas apenas pela sua conclusão? As ordens de fiscalização

não se perpetuam no tempo, assim, mesmo que não realizada a intimação

acerca do encerramento do procedimento, caso transcorrido o prazo do TDPF,

é imperativo lógico a conclusão pela extinção da atividade fiscalizatória.

Uma vez extinta a ação fiscal, sem a inserção de norma jurídica conclusiva

acerca da atividade do particular, é restaurado o status quo ante, de modo que o

administrado readquire o seu direito de se aproveitar da denúncia espontânea.

Assim, podemos afirmar que o início de qualquer procedimento fiscalizatório

não significa que o administrado ad eternum não pode fazer jus ao instituto

jurídico que exclui as sanções em favor do pagamento do montante decorrente

da incidência tributária.

3.5.2 Refiscalização

Ao término do procedimento fiscalizatório regularmente encerrado sempre é

inserida uma norma no sistema jurídico, a qual pode: (i) atestar de maneira

originária a ocorrência do fato jurídico tributário ou sancionatório,

caracterizado pela incidência de normas primárias precedentes ou derivadas;

274

“Art. 11. Os procedimentos fiscais deverão ser executados nos seguintes prazos de

duração: I - cento e vinte dias, no caso de procedimento de fiscalização; II - sessenta dias,

no caso de procedimento fiscal de diligência.” 275

“§ 1º Os prazos de que trata o caput poderão ser prorrogados até a efetiva conclusão do

procedimento fiscal e serão contínuos, excluindo-se na sua contagem o dia do início e

incluindo-se o do vencimento, nos termos do art. 5º do Decreto nº 70.235, de 1972.” 276

“Art. 12. O procedimento fiscal se extingue pela sua conclusão, registrado em termo

próprio, com a ciência do sujeito passivo.”

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(ii) infirmar a atividade do sujeito fiscalizado, atestando de maneira

suplementar a ocorrência do fato jurídico tributário caracterizado

exclusivamente pela incidência de normas primárias precedentes; ou (iii)

confirmar a atividade do fiscalizando, de maneira a homologar o seu

comportamento (de ter constituído exatamente o crédito tributário ou de não tê-

lo constituído por não ter praticado qualquer conduta tributável277

), positivando

normas primárias derivadas.

Ao meu ver, no regular encerramento da fiscalização, não há falar-se em

refiscalização, visto que uma nova análise do período fiscalizado somente pode

ser realizada se presentes as hipóteses previstas no artigo 149, incisos VIII e

IX, do Código Tributário Nacional278

, que tratam da revisão do “lançamento”

(leia-se lançamento, Auto de Infração e homologação). A demonstração da

inadequação do conteúdo normativo produzido por culpa do fiscalizado, ou da

falha do agente fiscal, é realizada em sede de procedimento administrativo279

ou de processo administrativo e se justifica na segurança das relações jurídicas.

A constituição do crédito tributário e/ou sanção administrativa ou a

homologação da atividade do sujeito passivo é consequência do juízo

construído pelo agente fiscal. Especificamente no tocante à atividade

homologatória,

277

“Objeto da homologação é a atividade de apuração, e não o pagamento do tributo. É a

atividade que, diante de determinada situação de fato, afirma existente o tributo e apura o

montante devido, ou afirma inexistente o tributo e assim ausente a possibilidade de

constituição de crédito tributário” (MACHADO, Hugo de Brito. Decadência e

Lançamento por homologação tácita no art. 150 do CTN. Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo: Dialética, n. 104, p. 47-54, maio 2004, p. 49). 278

“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos

seguintes casos: VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por

ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior,

ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma

autoridade, de ato ou formalidade especial.”

Sobre a revisão de ofício do lançamento: “podemos concluir que apenas as hipóteses

previstas nos incisos VIII e IX correspondem a uma revisão do lançamento. Afinal, em

todas as demais situações, não se pressupõe um lançamento anterior, mas sim uma

declaração do contribuinte, que se supõe eivada de vício” (FIGUEIREDO, Marina Vieira.

Lançamento Tributário: Revisão e seus efeitos. São Paulo: Noeses, 2014, p. 234). 279

Como nos casos em que não há impugnação, brevemente mencionados no item 2.3. A

fiscalização tributária: processo ou procedimento?

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140

Quando se encerra o procedimento fiscalizatório, emite o

agente fiscal um ato administrativo que cientifica, na hipótese

em estudo, que não encontrou irregularidades nos elementos

objetos de exame.280

Detendo teor econômico ou não, o regular encerramento do procedimento

fiscalizatório põe no sistema uma norma que apenas pode ser alterada

justificadamente, se verificada alguma das hipóteses previstas em lei.

Já no caso da extinção da atividade fiscalizatória pelo transcurso do prazo

assinalado, fica a questão carente de conclusão porque não inserida no sistema

jurídico uma norma individual e concreta que encerra formalmente a

fiscalização e reflete a interpretação do agente fiscal acerca dos relatos de fatos

analisados, sendo legítima a instauração de novo procedimento. Assim, ao

nosso ver, apenas nessas hipóteses existe campo para a “refiscalização”,

mediante a expedição de novo Termo de Distribuição dos Trabalhos Fiscais,

para a retomada da atividade fiscalizatória acerca do mesmo período.

3.6 O critério prestacional – matérias em torno das quais podem ser

instaurados procedimentos fiscalizatórios

O objeto em torno do qual pode ser instaurada a relação fiscalizatória são os

documentos que contêm informações que servem como prova para a

constituição do crédito tributário (de maneira originária ou suplementar) e/ou

das sanções administrativas, ou para a confirmação do devido cumprimento das

obrigações tributárias e dos deveres instrumentais.

3.6.1 Direito ao silêncio e fiscalização

Como já mencionamos, para viabilizar a atividade fiscalizatória, o sistema

jurídico confere amplos poderes investigativos aos agentes fiscais, impondo aos

280

EMERENCIANO, Adelmo da Silva. Procedimentos Fiscalizatórios e a Defesa do

Contribuinte. Campinas: Copola, 2000, p. 200.

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administrados em geral o dever de colaborar com a atividade fiscalizatória.

Ocorre que a Lei nº 8.137/1990 elevou à categoria de crimes contra a ordem

tributária determinadas condutas que podem ser desveladas pelo procedimento

fiscalizatório, surgindo, neste contexto, a questão relativa à aplicação do direito

ao silêncio na seara tributária. Neste tópico, enfrentaremos essa problemática,

pretendendo fixar uma regra segura quanto ao tema do silêncio no

procedimento fiscalizatório.

No altiplano Constitucional, o silêncio está insculpido no artigo 5º, inciso

LXIII, ipsis litteris:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a /inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,

nos termos seguintes: […]

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais

o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da

família e de advogado; […]

Esse enunciado prescritivo anuncia a recepção, pelo nosso ordenamento

jurídico, do princípio contra a autoincriminação, segundo o qual os réus têm o

direito de não se manifestarem durante o processo penal, a fim de evitar que

qualquer declaração própria seja usada contra si mesmo281

. A interpretação

conferida ao dispositivo legal em comento é no sentido de que merecem ser

281

Neste sentido, em razão do avento da Constituição da República de 1988, os diplomas

legislativos anteriores à sua existência passaram a ser interpretados em conformidade com

os direitos e garantias que passaram a ser tutelados pelo Estado. Manifestação disso é a

construção de sentido arquitetada hodiernamente com suporte nos artigos 186 e 198, do

Código Penal, in verbis:

“Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja

obrigado a responder às perguntas que lhe foram formuladas, o seu silêncio poderá ser

interpretado em prejuízo da própria defesa.

Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento

para a formação do convencimento do juiz.”

É entendimento assente entre os estudiosos do assunto, que a parte final de ambos os

enunciados prescritivos citados não pode prevalecer, porque traduzem o silêncio do

acusado em gravame para a esfera penal, num silogismo de que ‘o réu calou-se, logo, é

culpado’, flagrantemente superado pelas prescrições vigentes postas no sistema pelo

Constituinte.

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contemplados com o direito ao silêncio não apenas os sujeitos presos, como

propõe a literalidade da lei, mas todos aqueles que são acusados em geral. O

argumento que justifica essa tomada de posição é a circunstância de que, a

depender do contexto, o réu pode estar preso desde a fase inicial da persecução

penal, ou não, de modo que a extensão do direito ao silêncio a todo acusado

outorga tratamento isonômico aos indivíduos perante o juízo282

.

A fim de solucionar a contraposição entre o direito ao silêncio e o dever de o

contribuinte colaborar com a fiscalização, Helenilson Cunha Pontes283

advoga

pela tese de que o administrado está protegido pelo manto do direito ao silêncio

quando o cumprimento da obrigação de prestar informações gera reflexos na

esfera penal. Numa manobra de ponderação alegadamente justificada no

princípio da proporcionalidade, é retirado o atributo de eficácia técnico-

sintática284

da norma que prescreve o dever de apresentar documentos quando,

282

Corroborando a orientação dos tribunais, é a doutrina de Guilherme de Sousa Nucci, que

anuncia ser “preciso dar ao termo ‘preso’ uma interpretação extensiva para abranger toda

pessoa indiciada ou acusada da prática de um crime, pois se o preso possui o direito, é

evidente que o réu também o tenha” (NUCCI, Guilherme de Sousa. Código de Processo

Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 198). 283

“Se no caso concreto, o direito do Estado de exigir do indivíduo o cumprimento do dever

de colaboração puder gerar a esta consequências de ordem criminal, com reflexos na sua

liberdade individual, poderá o indivíduo afastar aquela pretensão estatal exercendo o

direito ao silêncio, direito fundamental que por dirigir-se exatamente a estas situações,

assume ‘en situation’ peso específico reforçado” (PONTES, Helenilson Cunha. O direito

ao silêncio no Direito Tributário. In: FISCHER, Octavio Campos (Coord.). Tributos e

Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 91). 284

Observe-se que o autor falar em exclusão da validade da norma. Temos que, pelo rigor

terminológico que os estudos com pretensões científicas requerem, é necessária a

adequada nomenclatura ao fenômeno que Helenilson Cunha Pontes explica, qual seja, a

impossibilidade da norma jurídica surtir efeitos em virtude de outra norma jurídica.

Explicando as categorias da validade e da eficácia:

O termo validade equivale à existência, isto é, uma norma é válida/existe na medida em

que pertence a determinado sistema, não devendo ser o termo validade empregado como

predicado, mas como status de relação entre a norma e o sistema jurídico.

A eficácia, nas lições dos professores Tércio Sampaio Feraz Jr. e Paulo de Barros

Carvalho, pode ser analisada sob três diferentes ângulos: técnica, jurídica e social. A

primeira é qualidade da norma, no sentido de descrever fatos que, uma vez ocorridos

tenham aptidão para irradiar efeitos, podendo ocorrer causas impeditivas de ordem

sintática, decorrentes de uma relação entre normas (existência de outra norma inibidora de

sua incidência ou pela ausência de norma regulamentadora, de igual ou inferior

hierarquia), ou de ordem semântica, relacionadas com o conteúdo da norma (descrição de

fatos ou comportamentos impossíveis). A eficácia jurídica, por sua vez, é predicado dos

fatos jurídicos, dizendo respeito à sua aptidão para propagar os efeitos que lhe são próprios

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in concreto, essa exigência puder dar razão a consequências criminais.

Arremata o raciocínio com suporte na alegação de que o dever de colaboração

nasce com o exercício da potestade do Estado de investigar a ocorrência do fato

jurídico tributário, enquanto que o direito ao silêncio antecede a própria

máquina pública estatal, consistindo em prerrogativa inalienável do indivíduo.

Com a devida vênia, não compartilhamos o mesmo entendimento pela

aplicação do direito ao silêncio em sede de procedimento administrativo

tributário, inclusive naquelas situações em que a conclusão do trabalho fiscal

pode redundar em consequências deletérias na esfera penal, por três motivos,

quais sejam: (i) a desobrigatoriedade do atendimento às intimações para apurar

um ilícito fiscal ensejaria a arbitrariedade de os contribuintes escolherem os

tributos que pagam; (ii) o atendimento às intimações fiscais não causa

automática e infalivelmente a aplicação das normas que constituem o crédito

tributário e/ou as sanções administrativas, ou a homologação da atividade do

sujeito administrado, mas provoca, única e exclusivamente, uma expectativa a

respeito da subsunção do fato às referidas normas, que eventualmente podem

provocar o início da persecução penal; (iii) até no âmbito penal, esfera da qual

tem origem o direito ao silêncio, a sua aplicação é restrita à fase acusatória.

Explicamos:

na ordem jurídica, em decorrência da causalidade jurídica. Por fim, a eficácia social é

direcionada ao plano das condutas intersubjetivas e está relacionada à produção dos

resultados das normas na ordem dos fatos sociais.

Partindo dessas premissas, não há como um enunciado ser válido e inválido, a depender da

situação verificada na experiência social. Ou ele pertence ou não ao sistema jurídico. A

possibilidade da norma construída com fundamento na lei ser tolhida nos seus efeitos, a

depender de aspectos factuais, é questão afeta à eficácia técnico-sintática da mesma: a

regra é pela sua aplicação, contudo, em virtude de outras normas também aplicáveis ao

caso concreto, os efeitos da primeira são cassados. (Explicando sobre a ineficácia técnico-

sintática, particularmente no caso de pertencerem ao sistema jurídico normas tributante e

suspensiva da tributação no caso concreto, Robson Maia Lins afirma que a suspensão não

é da validade, tampouco da vigência ou da eficácia técnico-semântica da norma

impositiva, mas da sua eficácia técnico-sintática, visto que “a norma introduzida pela

cautelar, ainda que provisória, impede o agente competente de realizar a incidência da

RMIT. Prescreve, portanto, a ineficácia técnico-sintática da RMIT” (LINS, Robson Maia.

Controle de Constitucionalidade da norma tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.

163).

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144

Primeiramente, inexiste lógica no raciocínio que defende a cessação da

obrigatoriedade de apresentar documentos em observância a dever instrumental

em defluência do cometimento ilícito, facultando o que antes era uma

obrigação. Admitir a aplicação do direito ao silêncio no Direito Tributário

implicaria na arbitrariedade de os contribuintes escolherem as exações fiscais

que pretendessem adimplir, pois poderiam negar o acesso do Fisco aos

documentos motivadores do nascimento do fato jurídico tributário mediante a

alegação de que as informações solicitadas poderiam vir a incriminá-los285

.

O sistema tributário funda-se, precipuamente, na colaboração dos particulares,

sob o pretexto de fornecer substrato fáctico aos agentes fiscais, responsáveis

pela arrecadação de recursos para o financiamento do Estado, bem como pela

homologação da atividade dos administrados. A alteração desta sistemática, em

virtude da possível criminalização de condutas que podem ser aferidas em

procedimento fiscalizatório, tornaria impraticável a fiscalização tributária.

Ademais, nos termos das premissas adotadas nesta dissertação, as normas não

incidem sem a participação de um sujeito competente: assim, como seria

possível afirmar, a priori, de eventual processo de positivação do direito penal,

que determinada conduta subsome-se à figura delituosa, conferindo, então,

aplicabilidade ao direito ao silêncio? Ora, para a criminalização de uma

conduta é imprescindível a condenação em processo judicial, visto que essa

pronúncia jurisdicional é a linguagem competente para a constituição do crime,

inclusive daqueles classificados como contra a ordem tributária. Assim, resta

inviável a defesa pela aplicabilidade do silêncio em procedimento

285

“Por tanto, ¿puede el contribuyente negarse desde un principio a brindar la información o

documentación requerida por el fisco nacional de conformidad con el art. 35 de la LPT

antes analizado? Claro está que si la respuesta es afirmativa se podría sostener que ello

conduciría a la “quiebra” del sistema sobre el cual se asienta la recaudación de tributos,

por cuanto ningún contribuyente prestaría documentación al fisco y ello haría imposible a

dicho organismo determinar los ingresos de los contribuyentes o terceros e, por ende, los

tributos a ingresar” (LALANNE, Guillermo A. Las facultades de la administración

tributaria – las actuaciones de los inspectores y deberes de colaboración. In: El

procedimiento tributario. Buenos Aires: Editorial Abaco de Rodolfo Depalma, 2003, p.

141).

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fiscalizatório, por impossibilidade lógica de falar-se em crime em momento

anterior a qualquer providência persecutória no campo do Direito Penal286

.

Observe-se que, pragmaticamente, a consequência imposta pelo sistema

normativo, no caso de configuração, em tese, de crime contra a ordem

tributária, é a formulação, pelo auditor fiscal, de representação para fins

penais287

. Somente depois de encerrado o procedimento fiscalizatório

tributário, com a constituição do crédito tributário ou a lavratura do Auto de

Infração, podem passar a incidir sobre o caso normas jurídicas de duas esferas

distintas do Direito: tributária e penal, de modo que, dando continuidade ao

procedimento de constituição do crédito tributário, é concedida a oportunidade

de o contribuinte se defender em sede administrativa ou judicial; e, tendo início

o curso de positivação da norma penal, o Ministério Público já oferece a

denúncia ao juiz de Direito ou, ainda, caso necessário, instaura o inquérito

policial para a investigação dos elementos do tipo penal. A comprovação da

ocorrência do fato jurídico tributário que eventualmente se subsome ao fato

jurídico penal, nos termos da legislação que define os crimes contra a ordem

tributária, é apenas um impulso inicial para as providências penais.

Por fim, até na esfera penal, da qual se origina o direito ao silêncio, há

restrições quanto à sua aplicação, justamente no tocante a um momento que

muito se assemelha à fase procedimental fiscalizatória.

O percurso de positivação das normas penais é formado por uma fase

inquisitiva e outra acusatória. A primeira é comumente revelada no inquérito

policial, que investiga pelos relatos de fatos que constituem o crime. Esse iter

inquisitivo se encerra com o oferecimento da denúncia, que pode instaurar a

286

Sobre o assunto, também Hugo de Brito Machado: “o dever de informar precede a

configuração do crime contra a ordem tributária” (MACHADO, Hugo de Brito. Algumas

questões relativas aos crimes contra a ordem tributária. In: PINTO, Ernestina Rodrigues;

TRONCOSO, João Troncoso y; CORRÊA, Viviane (Coords.). Coletânea de Estudos

Jurídicos – homenagem ao advogado José Oswaldo Correa. Rio de Janeiro: Grafline,

1999, p. 121). 287

Conforme prescrevem, no âmbito federal, o artigo 83 da Lei nº 9.430/1996 e as Portarias

da Secretaria da Receita Federal do Brasil nºs 2.439/10 e 3.182/11.

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fase acusatória, caracterizada por um processo regido pelos princípios da

imparcialidade do órgão julgador e da ampla defesa e contraditório. É apenas a

partir dessa segunda fase de realização do Direito Penal que surge a figura do

acusado e, via de consequência, o direito ao silêncio.

Conforme abalizadas vozes da doutrina penal, a inexistência de um direito ao

silêncio na fase inquisitiva penal se justifica no seu caráter meramente

procedimental, que busca por informações relevantes para o início do processo

penal288

. O direito à autodefesa, que tem como desdobramento o direito a não

se autoincriminar, mediante uma postura silenciosa, apenas incide em fases

póstumas à averiguação dos relatos dos fatos e oferecimento da denúncia.

Como se pode ver, o procedimento fiscalizatório identifica-se com a fase

inquisitória do Direito Penal, na medida em que em ambos são realizados atos

no intuito de colher elementos formadores de um juízo acerca dos fatos para

subsumi-los ao antecedente normativo de uma norma primária (no caso da

esfera tributária) e de uma norma secundária (referente à esfera penal). Em

ambos os casos não é legítima a invocação do direito ao silêncio.

Por essas razões, não há como negarmos a premente necessidade de os

administrados sempre atenderem às intimações da fiscalização para a

apresentação de documentos que relatam fatos eventualmente relevantes para o

mundo jurídico. Ao nosso ver, a utilização de elementos produzidos em sede de

procedimento fiscalizatório tributário pelo Ministério Público, provocado pela

representação para fins penais, é um ônus que não pode ser revertido em favor

daquele que pratica condutas reprovadas pelo sistema jurídico.

Inclusive, reforçando o raciocínio pela inaplicabilidade do direito ao silêncio

no procedimento fiscalizatório, a súmula nº 439 do Supremo Tribunal Federal

anuncia que “está sujeito à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer

288

Vide: MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo penal interpretado. São Paulo:

Atlas, 1994, p. 31; MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.

Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 145.

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livros comerciais, limitando o exame aos pontos objeto da investigação” e, a

Lei nº 8.137/1990 devidamente criminaliza, no inciso V, do seu artigo 1º289

, a

conduta consubstanciada no desatendimento de intimação fiscal para a

apresentação de documentos. De fato, a ausência de cooperação do

administrado com a fiscalização deve ser fato apto a acarretar consequências

penais, sob pena de inviabilizar a atividade fiscalizatória e, via de

consequência, comprometer a gestão do Estado.

Frise-se, ainda, que a exata definição de um direito fundamental apenas pode

ser aferida mediante a definição do seu conteúdo cotejado com demais

enunciados prescritivos válidos e vigentes290

. Neste caso, o enunciado

prescritivo contido no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, deve ser

interpretado conjuntamente com o artigo 145, § 1º, do mesmo diploma

normativo, que impõe à Administração Tributária a identificação do

patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte para

conferir efetividade ao princípio da capacidade contributiva. Assim, a aparente

limitação de aplicabilidade do direito ao silêncio “não implica em sacrificar-se

direitos, pois os direitos albergados no sistema são tais como o sistema os

concebe”291

: as restrições estabelecidas pelo Constituinte não são restrições,

mas descrições dos exatos contornos daquilo que é protegido juridicamente.

Pelos motivos expostos, via de regra, o silêncio não pode ser arguido em favor

do sujeito passivo de procedimento fiscalizatório, subsistindo o dever de

colaborar e informar. Ocorre que, nos termos das ponderações deduzidas no

289

“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou

contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: […] V - negar

ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a

venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em

desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” 290

A respeito de outro aparente conflito entre normas Constitucionais, James Marins

envereda a seguinte solução: “Para tanto, basta que se refira a um dos mais elementares

cânones da intepretação constitucional que preceitua que dois comandos de ordem

constitucional não podem em sua aplicação concreta anular-se, devendo se propugnar por

um ponto de equilíbrio entre eles” (MARINS, James. Direito Processual Tributário

Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 243). 291

BEZNOS, Clóvis. Poder de polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 68.

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específico item 2.2. A fiscalização tributária e o dever de colaborar, existem

solicitações documentais que exigem uma análise mais parcimoniosa, por

afrontarem outros direitos fundamentais, mormente a inviolabilidade da

privacidade. Exemplo que ainda merece a atenção do Judiciário, no que diz

respeito à análise da sua constitucionalidade, é a questão afeta à quebra do

sigilo bancário pela autoridade administrativa, de que trataremos no tópico

seguinte.

3.6.2 Quebra de sigilo bancário

Relembrando, é regra no procedimento fiscalizatório a obrigatoriedade do

sujeito passivo fornecer à administração os documentos que lhe são solicitados.

Este enunciado, contudo, alberga exceções desveladas nas situações em que as

informações são pertinentes a garantias fundamentais. Aqui, trabalharemos

uma hipótese deste tratamento diferenciado: a questão do sigilo bancário que,

por suas particulares características, suscita, em algumas ocorrências, a

mitigação da regra do dever de colaborar não só do contribuinte, mas também

das instituições financeiras.

No mais das vezes, os dados bancários revelam detalhes íntimos daqueles que

se utilizam dos incontáveis serviços prestados pelas instituições elencadas no

inciso II do artigo 197292

do Código Tributário Nacional, pois viabilizam o

conhecimento da situação econômico-financeira, a assoalhar, inclusive,

diversos aspectos do indivíduo, entre os quais se destacam os hábitos pessoais,

os projetos de vida e as opções religiosas. Em virtude dessas peculiaridades,

essas específicas informações são protegidas pela ordem Constitucional, com

292

“Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as

informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:

[…] II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;

[…]”

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supedâneo no artigo 5º, incisos X e XII293

, que prescrevem a inviolabilidade da

intimidade e dos dados, bem como pelo Código Tributário Nacional, o qual

excetuou do dever de colaboração aqueles que detêm essa espécie de

informações, nos termos do parágrafo único do artigo 197294

.

Em razão dos mencionados enunciados prescritivos, que na verdade refletem os

interesses de toda a sociedade295

, já podemos adiantar que seria um

contrassenso defender o acesso irrestrito de terceiros às informações bancárias

em nome do interesse público. Sobre o assunto:

A rigor, inclusive, se faz equivocado enunciar sobre a rubrica

“interesse público” pretensão que não encontre amparo

constitucional. O interesse público não é o dos governantes de

plantão, e sim o de toda a sociedade, cuja manifestação mais

concreta se dá justamente no Texto Magno296

.

Vige, então, o princípio pelo sigilo bancário, que, contudo, não é absoluto. Em

que pese a defesa da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional pela

inviolabilidade da intimidade e de dados pessoais, há situações concretas em

que a conclusão de procedimento fiscalizatório depende vigorosamente de

dados bancários. Nestas situações, é imprescindível a ponderação a respeito da

adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito297

da quebra do

sigilo bancário em favor da atividade fiscalizatória.

293

“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[…] XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de

dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas

hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução

processual penal; […]” 294

“A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos

sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de

cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.” 295

Vide item 2.5.2. Legalidade. 296

MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial).

São Paulo: Dialética, 2014, p. 245. 297

Vide item 2.5.5. Proporcionalidade.

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Neste sentido, o artigo 38 da Lei nº 4.595/64298

, recepcionado pela Constituição

Federal de 1988 com status de Lei Complementar, expressamente consagrava a

proteção das informações bancárias. Com o advento da Lei nº 9.311/96299

, que

instituiu a CPMF, passou a ser exigível o fornecimento de informações

bancárias para a constituição do mencionado tributo, posteriormente

estendendo este dever para a constatação de demais créditos tributários, nos

termos da Lei nº 10.174/01300

. No mesmo diapasão, hodiernamente, a Lei

Complementar nº 105/2001301

outorgou poderes ao Fisco para analisar a

298

“As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e

serviços prestados. § 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder

Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições

financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo

caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não

poderão servir-se para fins estranhos à mesma. § 2º O Banco Central da República do

Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo,

podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo. § 3º

As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e

legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº 1579, de 18 de março

de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive

através do Banco Central da República do Brasil. § 4º Os pedidos de informações a que se

referem os §§ 2º e 3º, deste artigo, deverão ser aprovados pelo Plenário da Câmara dos

Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de

Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros. § 5º Os agentes fiscais tributários do

Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos,

livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos

forem considerados indispensáveis pela autoridade competente. § 6º O disposto no

parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas

instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem

conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente. § 7º A quebra do

sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão,

de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo

Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.” 299

“Art. 11. […] § 3° A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação

aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para

constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos.” 300

“Art. 11 […] § 3o A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação

aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para

instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário

relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal,

do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430,

de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.” (NR). 301

“Art. 6 As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de

instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações

financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em

curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa

competente.”

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necessidade dos dados bancários para a conclusão do procedimento

fiscalizatório e, ato contínuo, solicitar informações originariamente acobertadas

pelo sigilo bancário e profissional. Com fundamento nessa disposição legal,

desde que instaurado procedimento fiscalizatório e justificada a

indispensabilidade dos documentos bancários, intentou-se tornar legítima a

quebra do sigilo bancário pela autoridade administrativa.

Contudo, o juízo acerca da imprescindibilidade dessas informações está restrito

ao Judiciário. É exclusivamente o Estado-Juiz, que atua de maneira imparcial,

capaz de tomar conhecimento da situação concreta e escolher a solução que

homenageia o tão prezado princípio da proporcionalidade302

. No Estado

Democrático do Direito, é o Judiciário o órgão apto a qualificar a medida da

quebra do sigilo como essencial e indispensável para a consecução da

fiscalização tributária, sendo que a Administração não guarda, em relação ao

fiscalizado, posição equidistante, já que é parte diretamente interessada na

constituição do crédito tributário303

.

302

Ressalvando as situações submetidas ao crivo do Judiciário, são as palavras de James

Marins pela proteção aos dados bancários: “O dever de colaborar vai até o limite legal

concernente às mesmas garantias que limitam os poderes de investigação da

Administração tributária. Não estão os particulares, empresas ou instituições, obrigados a

colaborar quando estiver em jogo a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, da

residência, da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das

comunicações telefônicas. Exceto em obediência à ordem judicial” (MARINS, James.

Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética,

2014, p. 177). 303

Acerca da atuação do Estado em suas três esferas Legislativa, Judiciária e Executiva, são

as lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: “Naquelas ações, legislativa e executiva,

na função que se denomina administrativa, o Estado-poder pratica atos jurídicos como

‘parte’, isto é, em obra própria, espontânea, através da função pública que lhe compete, ao

passo que nesta ação judicial, na função que se denomina jurisdicional, como ‘terceiro’,

substituindo de maneira eminente, através da função pública, a atividade das próprias

partes, que não conseguiram, por si mesmas, harmonizar os respectivos interesses.”

(MELO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais do Direito Administrativo. Rio

de Janeiro: Forense, 1979, p. 25).

E, especificamente sobre o papel desempenhado pela Administração: “Atente-se que, se

caso fosse permitido à Administração tributária a possibilidade de quebrar o sigilo dos

cidadãos estar-se-ia a centrar na mesma figura os papéis de parte e de juiz, o que não se

admite em se tratando de respeito a direitos fundamentais da pessoa humana” (MARINS,

James, op. cit., p. 251).

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Assim, não é demais reforçar: nas relações entre os fiscalizados e a

Administração rege a regra do dever de colaborar e informar. Contudo,

específicas informações, mormente as bancárias, são protegidas

constitucionalmente, sendo legítima a recusa no fornecimento de tais dados.

Excepcionalmente, em virtude da essencialidade da referida documentação à

fiscalização, é necessária a delimitação concreta da extensão das garantias

individuais, eventualmente fazendo voltar a valer a regra pela obrigatoriedade

do dever de colaborar e informar. Essas situações extraordinárias apenas

podem ser concretizadas por meio de pronúncia jurisdicional, visto que apenas

o Estado-Juiz é órgão capaz de ponderar imparcialmente os interesses das

partes e aplicar, ao caso individualizado, a solução que melhor atenda aos

interesses gerais.

No mesmo sentido do raciocínio exposto é a solução conferida pelo Supremo

Tribunal Federal, em 15 de dezembro de 2010, nos autos do Recurso

Extraordinário nº 398.808304

. Observe-se, entretanto, que há decisões judiciais

em sentido contrário305

e que a questão teve a repercussão geral reconhecida,

304

“SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º

da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às

comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do

sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para

efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS

BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal

atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo

de dados relativos ao contribuinte” (RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,

Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-

2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218 RTJ VOL-00220- PP-00540) Em agosto de

2014, o recurso ainda se encontrava pendente de julgamento de Embargos de Declaração. 305

Inclusive submetida ao rito dos recursos repetitivos, em sede do qual a legalidade do

preceito legal restou implícita, uma vez que a análise se restringiu à aplicação das normas

no tempo: REsp nº 1134665/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado

em 25/11/2009, DJe 18/12/2009.

Considerando julgada a questão pelo Superior Tribunal de Justiça, é a recente ementa:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS

CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. IRPF. EXTRATOS BANCÁRIOS.

RENDIMENTOS NÃO JUSTIFICADOS. ARBITRAMENTO. APLICAÇÃO

RETROATIVA DO ART. 42 DA LEI N. 9.430/96. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO

IMEDIATA DA LEI N. 8.021/90. PRECEDENTES. REEXAME DE PROVAS.

SÚMULA 7/STJ. SIGILO BANCÁRIO. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LC N. 105/01

E DA LEI N. 10.174/01. POSSIBILIDADE. […] 5. O Tribunal de origem firmou

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em 22 de outubro de 2009, afetando o Recurso Extraordinário nº 601.314,

pendente de qualquer manifestação. E, ainda, que são cinco as Ações Diretas

de Inconstitucionalidade propostas contra o artigo 6º da Lei Complementar nº

105/2001306

, todas pendentes de julgamento.

entendimento no sentido de que a quebra do sigilo bancário, prevista na Lei Complementar

n. 105/01 e na Lei n. 10.174/01, não depende de prévia autorização judicial e que é

possível sua aplicação, inclusive retroativa. 6. O entendimento está em harmonia com a

jurisprudência do STJ, firmada em recurso repetitivo, no julgamento do REsp

1.134.665/SP (DJe 16.3.2011), relatoria do Min. Luiz Fux, no sentido de que “as leis

tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não

alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90

e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação

fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a

serem apurados lhes sejam anteriores.” Agravo regimental improvido” (AgRg no AREsp

473.896/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em

27/03/2014, DJe 02/04/2014). 306

ADI nº 2390, ADI nº 2859, ADI nº 2386, ADI nº 2397 e ADI nº 4010.

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CONCLUSÕES

Os estudos desenvolvidos nesta dissertação não esgotam os questionamentos

que o tema afeto ao regime jurídico da fiscalização tributária propicia,

tampouco pretendem acenar para a definitividade dos raciocínios

desenvolvidos. Com arrimo nessas ponderações, é a síntese conclusiva:

Capítulo 1 – Premissas Metodológicas e Delimitação do Objeto

01. Para o desenvolvimento de uma pesquisa que se pretende científica são

fundamentais a indicação do método adotado para a aproximação do objeto de

estudo e a demarcação do assunto que será analisado. A fixação das premissas

metodológicas confere uniformidade ao pensamento e possibilita o controle da

coerência do raciocínio construído, e a delimitação do objeto marca de maneira

acurada os limites da experiência sobre a qual incide a proposta cognoscitiva.

(O conhecimento e o constructivismo lógico-semântico)

02. O método proclamado neste trabalho é o constructivismo lógico-

semântico, cujo primeiro fundamento é a filosofia da linguagem, à qual se

acrescenta o estudo da sintaxe e semântica dos elementos que compõem o

discurso, imprescindivelmente perpassando pelo aspecto pragmático da língua,

para a construção de sentido da realidade.

(O estudo do Direito a partir das premissas metodológicas do constructivismo

lógico-semântico)

03. Na senda do constructivismo lógico-semântico podemos diferençar

quatro planos que podem ser objeto de estudo: do evento, do fato, do direito

positivo e da ciência do direito. É objeto do nosso estudo o âmbito do direito

positivo, composto por um conjunto de enunciados prescritivos, mais

especificamente dos dispositivos legais que tratam da fiscalização tributária.

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04. As disposições prescritivas carecem da atuação de um intérprete, o qual,

percorrendo o percurso gerador de sentido proposto por Paulo de Barros

Carvalho, entra em contato com as marcas de tinta no papel (S1), construindo

proposições isoladas (S2), estruturadas na fórmula lógica hipotético-

condicional (S3) e organizadas em relações de coordenação e subordinação

(S4).

05. Numa acepção ampla, a expressão norma jurídica pode designar as três

diferentes unidades do sistema jurídico em seus domínios S1, S2, S3 e S4:

enunciados do direito positivo, significação deles construída e significação

deonticamente estruturada. Já sob um viés estrito, as normas jurídicas são as

significações de sentido deôntico completo, estruturadas na forma lógica

hipotético-condicional, construídas a partir da linguagem prescritiva do direito,

verificadas nos estágios S3 e S4 do percurso gerador de sentido.

06. A norma jurídica completa é formada por duas normas em sentido

estrito: uma norma primária, que estatui direitos e deveres materiais, e outra

secundária, que sanciona o inadimplemento da primeira.

07. A norma primária contém, no seu antecedente, a descrição de um fato e,

no seu consequente, uma relação diádica entre sujeitos com direitos e deveres

materiais correlatos.

08. Adotando o esforço classificatório de Aurora Tomazini de Carvalho,

podemos fracionar as normas primárias em: precedente, derivada punitiva e

derivada não punitiva. A norma primária precedente prescreve na sua hipótese

um fato lícito e na sua consequência uma relação entre sujeitos com direitos e

deveres. As normas primárias derivadas pressupõem a existência de uma norma

primária precedente e vinculam as mesmas partes envolvidas na relação

adjacente à incidência e aplicação da norma primária precedente, sendo que a

punitiva descreve um ilícito decorrente do inadimplemento da obrigação

constituída pela incidência e aplicação da norma primária precedente e

prescreve uma relação sancionatória, e a norma primária derivada não punitiva

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descreve o cumprimento da obrigação constituída pela norma primária

precedente e instaura uma relação sem as notas da punibilidade.

09. A norma secundária, por sua vez, prescreve uma providência coercitivo-

sancionatória aplicável pelo Estado-juiz na hipótese de descumprimento das

normas primárias. No antecedente da norma secundária é descrito um fato

ilícito, representado pela inobservância de um dever constituído pela incidência

de uma norma primária, instituindo uma relação entre o sujeito ativo da relação

jurídica não adimplida e o órgão judicial, que atuará coercitivamente forçando

o sujeito passivo da relação jurídica surgida com a aplicação da norma primária

a satisfazê-la.

10. Partindo do referencial teórico que adotamos, podemos afirmar que as

normas jurídicas não produzem os seus efeitos de maneira automática e

infalível, como propunha Pontes de Miranda. O processo de positivação do

direito positivo pressupõe a existência e atuação de um sujeito, que interpreta

os enunciados prescritivos, construindo e escolhendo a norma aplicável ao caso

concreto, segundo a versão que ele próprio desenha do fato social, com base

nos enunciados que o relatam.

(A delimitação do objeto)

11. O signo é uma relação triádica entre um suporte físico (parte material do

signo), um significado (representação individualizada do signo) e uma

significação (ideia suscitada na mente daquele que entra em contato com o

signo). As palavras são signos da espécie simbólica, arbitrariamente

construídas: daí a relevância da explicitação do sentido que se lhes atribui.

12. O conceito de um termo é a significação suscitada na mente do

intérprete, e a definição é o conceito demarcado linguisticamente.

13. Para a definição do conceito da expressão fiscalização tributária são

imprescindíveis algumas anotações a respeito das relações jurídico-tributárias.

Da incidência e aplicação da legislação tributária nascem duas espécies de

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relações jurídicas: obrigação tributária e dever instrumental. Sob um ponto de

vista, ambas têm a mesma finalidade, qual seja, constituir o tributo. As normas

prescritivas de deveres instrumentais são aplicadas para inserir na realidade

jurídica linguagem que viabiliza o conhecimento acerca dos acontecimentos

factuais e o controle do fiel cumprimento da prestação tributária; e as normas

que enunciam obrigações principais, que pressupõem o tecido de linguagem

produzido pelo cumprimento dos deveres instrumentais, são positivadas,

constituindo o crédito tributário.

14. São exemplos de espécies de obrigações tributárias aquelas decorrentes

da incidência e aplicação das regras-matrizes de incidência do ISS e do ICMS,

e, de deveres instrumentais, a escrituração de livros, inscrição em cadastro de

contribuintes, apresentação de declarações, promoção de levantamentos físicos,

econômicos ou financeiros, não recebimento de mercadorias desacompanhadas

de nota fiscal, manutenção de dados e documentos fiscais e, inclusive, a

sujeição à fiscalização realizada pela Administração, que é o objeto de estudo

do presente trabalho.

15. A fiscalização tributária pode acontecer em dois momentos distintos:

antes da constituição inaugural do crédito tributário, pretendendo afirmar a

ocorrência do fato jurídico tributário, ou posteriormente à constituição da

relação obrigacional pelo próprio contribuinte, daí com o objetivo de infirmar a

atividade do fiscalizado (e aplicar sanções administrativas) ou confirmá-la (e

homologar a conduta do particular).

16. Numa acepção estrita, a fiscalização tributária é o conjunto de atos

investigativos concretizados pela Administração, necessariamente vinculados a

uma forma prevista na lei, que, no mais das vezes, culmina com a produção de

uma norma individual e concreta que constrói fatos jurídicos (tributários ou

sancionatórios) ou homologa a atividade desempenhada pelo particular, pois

subsome o relato do fato social à descrição normativa presente na hipótese de

uma norma primária tributária. Sob uma perspectiva ampla, a fiscalização

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compreende todos os atos realizados a pretexto de afirmar o fato jurídico

tributário e os seus exatos contornos, ou infirmar ou confirmar a atividade do

particular, sem a imprescindibilidade de vinculação do ato investigativo a um

procedimento específico, tampouco a uma finalização conclusiva acerca dos

fatos fiscalizados. O discrímen escolhido para a diferenciação entre a

fiscalização tributária em sentido amplo e em sentido estrito repousa na

vinculação da atividade administrativa a um procedimento específico, que

geralmente se encerra com a introdução no sistema jurídico de uma norma

individual e concreta que afirma o fato jurídico tributário, ou infirma ou

confirma a conduta do particular. Observe-se que, na atualidade, em virtude da

crescente evolução tecnológica, combinada com a permuta de informações, a

fiscalização em sentido amplo passou a tomar maiores proporções.

17. É foco central das nossas atenções a fiscalização tributária em sentido

estrito, cuja norma competencial será estudada na minudência de seus critérios

informadores. Contudo, sempre que necessário, recorreremos à fiscalização em

sentido amplo para ponderarmos questões afetas ao delineamento do regime

jurídico daquela.

Capítulo 2 – Noções Fundamentais

(A organização do Estado Brasileiro e a competência tributária)

18. A organização do Estado Brasileiro é realizada pela outorga de

competência para determinados indivíduos administrarem a res publica,

distribuídos em três funções: Legislativa, Executiva e Judiciária. Ainda, como

forma de realização da República, optou-se, entre nós, pela Federação

combinada com a autonomia dos Municípios.

19. Para a gestão da “coisa do povo”, são outorgados diversos instrumentos

aos sujeitos de direito público interno, dentre os quais se destacam aqueles

relacionados à obtenção de recursos financeiros, por meio da tributação, para o

custeio de ações públicas.

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20. O expediente qualificado para a instituição, arrecadação e fiscalização

do cumprimento das obrigações tributárias e dos deveres instrumentais é o

exercício da competência tributária, minuciosamente demarcada no

ordenamento jurídico.

21. Numa acepção estrita, a competência tributária é parcela da prerrogativa

legiferante dos sujeitos políticos, titularizada pelo Legislativo, no exercício de

sua função típica: mediante a observância do procedimento legislativo, introduz

de maneira inaugural enunciados prescritivos no sistema jurídico tributário. Já

sob um viés amplo, a competência tributária é a vocação de produzir

enunciados prescritivos titularizada não apenas pelo Legislativo, mas, também,

pelo Executivo e Judiciário, cumprindo e fazendo cumprir a lei.

Especificamente, importa-nos a atividade desenvolvida pelos órgãos que

compõem o Executivo, fundada numa competência tributária administrativa

para promover a incidência das normas primárias tributárias.

22. A competência fiscalizatória é uma das parcelas da extensa competência

tributária e consiste no específico labor de inserir no ordenamento jurídico

normas relacionadas à atividade fiscalizatória. Essa competência fiscalizatória

é realizada por agentes públicos integrantes da categoria dos servidores

estatais, comumente chamados de agentes fiscais ou auditores fiscais, e é uma

vertente prática da polícia administrativa, pois o agente público estabelece os

lindes jurídicos da propriedade e da liberdade das pessoas, na medida em que,

em contato com os documentos que relatam as atividades dos particulares,

emite juízo valorativo acerca dos fatos, efetuando a subsunção da ideia do fato

à hipótese contida na regra-matriz de incidência tributária ou nas normas

primárias derivadas punitivas ou não punitivas. A finalidade última da

consecução desses atos é evidenciada numa obrigação de não fazer: não

perturbar os valores acolhidos pelo sistema normativo, mormente aquele

relacionado à provisão de recursos ao Estado para a gestão da res publica.

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23. Sob a ótica da atividade fiscalizatória, enquanto procedimento que

precede a expedição de uma norma individual e concreta que constitui o crédito

tributário ou a sanção administrativa, ou homologa a atividade do particular,

não há falar-se em discricionariedade da Administração: construído o juízo do

fato, é obrigatória a incidência e aplicação da norma tributária. Isso porque os

sujeitos que realizam a fiscalização não podem dispor do interesse público e

estão adstritos à observância do princípio da legalidade.

24. Em contraposição, é de se reconhecer certa discricionariedade nos atos

fiscalizatórios. Pela análise de critérios de conveniência e oportunidade são

selecionados específicos sujeitos para figurarem no polo passivo da relação

fiscalizatória e são analisados quaisquer documentos pertinentes ao tributo que

se pretende averiguar.

(A fiscalização tributária e o deve de colaborar)

25. O dever de colaboração do administrado se resume em posturas

facilitadoras do acesso do agente fiscal aos relatos dos fatos, que lhes atribuirá

sentido, por um ato de valoração. O atendimento à intimação para a

apresentação de documentos gera uma expectativa acerca das normas que

podem ser aplicadas ao caso concreto, pois é o sujeito competente para

interpretar os elementos probatórios quem emite um juízo juridicamente

relevante a respeito do Direito aplicável. Ressalte-se, ainda, que o dever de

colaborar, assim como todos os direitos e deveres, não é absoluto, exigindo a

delimitação do seu âmbito de proteção em cada caso concreto.

(A fiscalização tributária: processo ou procedimento?)

26. Seguimos a sorte dos estudiosos que apontam repousar na litigiosidade a

diferença fundamental entre o procedimento e o processo. Esse dualismo

processo/procedimento é encontrado em três diferentes momentos do percurso

de positivação das normas tributárias: procedimento preparatório do ato de

lançamento tributário, processo administrativo instaurado em razão da

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impugnação do contribuinte e processo judicial em sede do qual atua um

terceiro imparcial para a solução da controvérsia. Focando as nossas atenções

na fase procedimental administrativa, a ausência da litigiosidade se confirma

pela circunstância de que é a sua consecução que enseja o nascimento das

relações jurídico-tributárias: somente depois de constituído o crédito tributário

e/ou as sanções administrativas, ou homologada a atividade do contribuinte é

que podem ser suscitadas inconformidades a respeito de seus termos.

27. Decorrência lógica da conclusão pelo caráter procedimental da atividade

fiscalizatória é a inaplicabilidade do princípio da ampla defesa e a existência de

um contraditório mitigado durante a concretização desses atos que perquirem

pelos dados factuais: inexistente obrigação constituída, não há motivo para a

salvaguarda de uma participação ativa do fiscalizado. Ademais, sob a expressão

vinculada da atividade fiscalizatória, é irrelevante a averiguação dos interesses

dos particulares, já que, uma vez caracterizados os elementos contidos no

antecedente de uma norma primária, é obrigatória a positivação da norma pelo

agente fiscal. E, ainda, o extenso número de particulares sujeitos à fiscalização

tornaria impraticável o exercício da fiscalização com uma robusta participação

dos envolvidos.

(Os princípios que regem a atividade fiscalizatória)

28. Os princípios, enquanto normas jurídicas de significação prescritiva com

elevada relevância valorativa, influenciam vigorosamente a construção de

outras normas jurídicas. Assim, com o intuito de agregar mais elementos para o

estudo dos contornos jurídicos de qualquer instituto do Direito, é de grande

importância a análise das específicas diretrizes magnas que regem a

fiscalização tributária. Do ordenamento jurídico válido, selecionamos:

supremacia do interesse público sobre o interesse privado, legalidade,

eficiência, publicidade, proporcionalidade e verdade jurídica.

29. A gestão da res publica tem como alicerce o interesse público, como

meio de realização dos interesses individuais de determinada sociedade.

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Corolário lógico da priorização do público em detrimento do particular é a

indisponibilidade do interesse perseguido pela Administração: uma vez

constatados elementos caracterizadores da concretização do conceito descrito

no antecedente das normas primárias, é obrigatória a subsunção da ideia do fato

à norma, instaurando uma relação jurídica. Na fiscalização, não há espaço para

qualquer espécie de ponderação de interesses, tampouco de acordos.

30. Em atenção ao caro princípio da legalidade, toda a atuação dos agentes

fiscais deve estar pautada em lei autorizativa. A razão de ser desse princípio

justifica-se na homenagem do ordenamento jurídico a um ideal de participação

política dos administrados, que expressam, pela ponência de enunciados

prescritivos no sistema, os parâmetros de quanto e de que modo consentem em

concorrer com os gastos públicos. Importantes desdobramentos da legalidade

são os princípios da motivação, revelados no dever de o agente fiscal expor e

provar os motivos de fato e de direito que motivaram a produção de norma

individual e concreta, bem como da moralidade e da impessoalidade, que

prezam pela adstrita observância da legislação em detrimento de quaisquer

condutas ensejadoras de benefícios pessoais.

31. O princípio da eficiência objetiva o alcance das finalidades públicas da

melhor forma possível, isto é, com o menor dispêndio de tempo e de recursos

financeiros, já que o Estado tem como objeto a tutela dos direitos da mais

ampla gama de administrados. Em nome do princípio da eficiência é a

celeridade combinada com a maior prática possível do interesse coletivo, que

não significa a exclusiva maximização da arrecadação por meio da constituição

desenfreada do crédito tributário.

32. Todos os procedimentos administrativos devem obedecer ao princípio

da publicidade, sendo regidos por um ideal de transparência desde o seu início

e, fundamentalmente, ao seu término. Isso porque revelam a possibilidade de

conferência a respeito do atendimento da Administração ao princípio da

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legalidade e, também, porque garantem o livre arbítrio de os particulares

firmarem negócios com outros tendo ciência da sua situação perante o Estado.

33. A proporcionalidade na fiscalização enseja a análise de três pontos,

quais sejam, a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito:

os meios escolhidos para a consecução da atividade fiscalizatória devem ser

compatíveis com a finalidade buscada, isto é, o desígnio de afirmar o fato

jurídico tributário ou infirmar ou confirmar a atividade do particular; não

devem existir outros meios tão eficazes e menos limitadores dos direitos

fundamentais atingidos para promover o objetivo perseguido; e,

derradeiramente, a medida deve representar o justo alcance do exercício da

competência fiscalizatória, avaliada pela ponderação entre as desvantagens dos

meios e as vantagens dos fins, tal qual os direitos afetados e a produção

normativa individual e concreta.

34. Mediante um ato valorativo, o agente fiscal constrói a sua versão dos

fatos, com fundamento nos elementos probatórios que objetivam o

reconhecimento do fato. Em respeito à verdade jurídica, a convicção do fiscal

positivador do Direito é traduzida para a linguagem competente, com a

observância de um código e um procedimento específico previsto em lei, sob

pena de violação ao princípio da proibição da prova ilícita.

Capítulo 3 – Elementos da Norma de Competência Fiscalizatória

35. O processo de enunciação no Direito, especificamente no campo da

atividade fiscalizatória, é regulado por uma norma de estrutura: a norma de

competência do agente fiscal, descritora de um fato, que é o processo de

enunciação necessário para a realização dos atos fiscalizatórios, e imputativa de

uma relação jurídica fiscalizatória. São renomados estudiosos do assunto

Cristiane Mendonça e Tácio Lacerda Gama, cujas propostas de modelo lógico-

sintático da norma competencial contêm sete elementos essenciais: o sujeito

competente, em determinadas coordenadas espaçotemporais, adotando o

procedimento previsto em lei, emite norma jurídica, que vincula um sujeito

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ativo a um sujeito passivo numa relação abrangente de determinada matéria.

Comprometemo-nos a uma análise minuciosa desses critérios informadores da

norma da qual deriva a fiscalização.

(O critério pessoal – Sujeito competente para aplicar as normas de

fiscalização tributária e para figurar no polo ativo da relação jurídica

fiscalizatória)

36. Em comparação ao que se verifica na competência exercida pelo

Legislador, na sua função típica, no que tange à competência fiscalizatória dos

agentes fiscais, inexiste a diferenciação entre o sujeito produtor do ato de

enunciação e aquele que figura na relação jurídica posta no sistema. Aqui, o

sujeito competente e o detentor da capacidade fiscalizatória ativa se confundem

na mesma pessoa, pois a atividade desempenhada pelos sujeitos vinculados à

Administração tributária já se circunscreve à aplicação de normas pelo detentor

da capacidade tributária ativa, inexistindo a possibilidade de delegação da

atividade fiscalizatória.

37. A atividade de fiscalização das obrigações tributárias e dos deveres

instrumentais é formada por um conjunto de atos que buscam por elementos

para a construção da convicção do Fisco acerca dos acontecimentos factuais, a

fim de enquadrá-los no antecedente de normas tributárias primárias precedente

ou derivadas e regular a concretude da vida social: seja homologando,

retificando ou complementando a atividade do administrado e/ou constituindo

originariamente obrigações tributárias. Partindo desse pressuposto, o sujeito

que detém legitimidade para inserir no sistema jurídico um expediente

normativo enunciador de um fato jurídico em sentido estrito e constitutivo de

um vínculo obrigacional tributário é quem pode figurar no polo ativo da norma

de fiscalização. Caso a fiscalização fosse outorgada aos particulares, tratar-se-

ia de uma relação recíproca, em que um indivíduo tivesse o dever de fiscalizar

a atividade de outro. Ocorre que tal situação não se coaduna com o

ordenamento vigente, fundamentalmente em razão da diferença de regimes

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jurídicos a que estão submetidos os membros da sociedade em geral e os

agentes fiscais. Observe-se que a proibição da privatização da atividade

fiscalizatória não se confunde com a instituição de deveres instrumentais,

obrigando a sociedade ao fornecimento de meios fáticos, que servem de

substrato linguístico para a produção normativa individual e concreta de

competência dos agentes fiscais.

38. A atividade fiscalizatória mantém uma relação de meio e fim com a

tributação, de modo que o exercício da competência fiscalizatória se torna

legítima quando guarda um mínimo de correlação com a obrigação tributária

que pretende averiguar. Porque a fiscalização tributária busca por elementos

que relatam a ocorrência de fatos eventualmente relevantes para a realidade

jurídico-tributária, a legitimidade do seu exercício está atrelada ao interesse de

o ente tributante tomar ciência da situação em que se encontra o administrado.

Paralelamente, em nível geral e abstrato, a instituição de quaisquer deveres

instrumentais está diretamente condicionada à sua função de auxiliar a

fiscalização e arrecadação concreta de tributos.

39. As informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito

passivo ou de terceiros, obtidas por meio dos procedimentos fiscalizatórios, são

protegidas pela máxima do sigilo fiscal, insculpido no artigo 198 do Código

Tributário Nacional. Específica exceção a essa regra é aquela fundamentada no

artigo 199, do Código Tributário Nacional, combinado com o artigo 37, inciso

XII, da Constituição Federal, que cria uma ideia de soberania expandida,

propiciando às autoridades administrativas fazendárias Federal, Estaduais,

Municipais e, inclusive, estrangeiras, a mútua assistência para a fiscalização de

tributos por meio da “permuta de informações”. Mediante a utilização deste

instituto, há um aumento da gama dos entes políticos que podem analisar

documentos fiscais submetidos ao crivo daqueles em favor dos quais foram

originariamente instituídos, autorizando-nos a afirmar que o sujeito ativo

competente para constituir o crédito tributário tem o direito de averiguar os

correlatos deveres instrumentais instituídos em lei, sendo que os documentos

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decorrentes do atendimento à legislação de outros entes políticos estão

excluídos da sua competência fiscalizatória, salvo nos casos de “permuta de

informações”.

40. Em que pese o entendimento de que, em homenagem ao princípio da

eficiência, é legítima a autuação fiscal com base exclusiva nas “provas

emprestadas”, temos que os indícios da ocorrência do fato jurídico tributário,

construídos com esteio nessa espécie probatória podem, no máximo, ensejar a

instauração de procedimento fiscalizatório próprio, em sede do qual deverão

ser colhidos outros elementos para a construção do juízo do agente fiscal acerca

do acontecimento factual: a consideração isolada da “prova emprestada” não é

suficiente para subsidiar a aplicação do Direito, porque produzida

originariamente para relatar outros aspectos do signo presuntivo de riqueza.

(O critério pessoal – Sujeito passivo da relação de competência fiscalizatória)

41. No tocante ao estudo da norma de competência fiscalizatória são

possíveis sujeitos passivos o contribuinte, os responsáveis e os terceiros não

necessariamente relacionados com a obrigação tributária. A específica seleção

do sujeito passivo da relação fiscalizatória deve ter como orientação a sua

capacidade colaborativa, isto é, a sua aptidão para fornecer elementos que

respaldem o conhecimento de fatos relevantes para o Direito Tributário.

42. O expressivo número de sujeitos que podem integrar o polo passivo da

relação fiscalizatória impõe, com fundamento num poder discricionário dos

agentes fiscais, a adoção de medidas que restrinjam a instauração de

procedimentos fiscalizatórios a determinados grupos, sob pena de tornar

ineficiente e inviável a prática da Administração.

43. É sujeito passivo da relação fiscalizatória aquele que detém documentos

veiculadores de linguagem útil aos sujeitos políticos tributantes. Relativamente

àqueles isentos e imunes, a sua submissão ao dever de suportar a fiscalização

justifica-se na imprescindibilidade da demonstração do preenchimento dos

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requisitos legais necessários ao gozo das referidas benesses fiscais. Já no que se

refere à não incidência, a dificuldade em defender a legitimidade do exercício

da fiscalização esbarra no fato de que nessas hipóteses inexiste a potencial

subsunção do fato social a qualquer conceito contido nas hipóteses normativas

válidas num dado sistema jurídico. Ocorre que, em observância às nossas

premissas, a incidência e aplicação do Direito não é automática e infalível, de

modo que é imprescindível a construção de um juízo que reconhece

juridicamente a não incidência: isso apenas é possível mediante a concretização

da atividade fiscalizatória.

(O critério espacial – Âmbito territorial da competência fiscalizatória)

44. Em princípio, o critério espacial da norma de competência fiscalizatória

deveria identificar-se com a extensão da legislação impositivo-tributária do

ente federativo: deveria ser competente para fiscalizar quem tem competência

para tributar. Contudo, o critério espacial da norma de competência

fiscalizatória é mais amplo, pois a certeza a respeito da extensão das leis

impositivas, isto é, do seu âmbito de vigência e aplicação, não é facilmente

identificado, já que se identifica com a ideia de territorialidade, que é conceito

estritamente jurídico, não necessariamente coincidente com os limites

geográficos dos entes competentes e que prescinde da análise casuística para a

sua exata conformação.

(O critério temporal – limites temporais do exercício da competência

fiscalizatória)

45. A capacidade funcional do servidor público é uma condicionante

temporal do exercício da competência fiscalizatória: é fundamental a

consecução de atos fiscalizatórios enquanto investido no cargo, e, ainda, na

fiscalização em sentido estrito, é necessária a indicação pessoal do sujeito, por

meio de ordem específica de fiscalização. O evento decadencial não é um fator

que condiciona o tempo para a concretização da atividade fiscalizatória: a

fiscalização pode ser realizada em face de tributos atingidos pelo evento

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decadencial, sendo o meio apto para construir o fato jurídico da consumação da

decadência no caso concreto. Observe-se que a conduta do agente fiscal que

instaura procedimento fiscal em face de obrigação já atingida pelo evento

decadencial vai de encontro com o princípio da eficiência Administrativa,

contudo questão que justifica este posicionamento e que vem provocando

debates nos Tribunais Administrativos é a possibilidade de serem analisados

documentos relacionados a tributos já atingidos pelo evento decadencial para a

configuração de operações societárias realizadas com o intuito de fraudar o

Fisco.

(O critério procedimental – forma do exercício da competência fiscalizatória)

46. O artigo 196 do Código Tributário Nacional instrumentaliza o

procedimento fiscalizatório, apontando a imprescindibilidade de sua

documentação: no âmbito federal, figura o Termo de Distribuição dos

Trabalhos Fiscais (TDPF) de fiscalização, de diligência ou especial, recente

substituto do Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), emitido por autoridade

que exerce as funções de distribuição dos trabalhos aos seus subordinados,

discriminando as obrigações tributárias, os deveres instrumentais e os seus

respectivos exercícios financeiros submetidos à análise, indicando o auditor

fiscal designado. Por meio da documentação do agir fazendário é garantida a

possibilidade de o administrado exercer controle sobre a atividade

fiscalizatória, tornando-se capaz de coibir a prática de atos abusivos, bem como

é regrada a sua participação.

47. Pela regular intimação do sujeito fiscalizado é iniciada a fiscalização em

sentido estrito e, via de consequência, é excluída da sua esfera de direitos a

oportunidade de se aproveitar da denúncia espontânea. Por outro lado, o

término do procedimento fiscalizatório, além de poder ocorrer mediante os

chamados Termos de Encerramento de Fiscalização (TEAF), que atendem à

sistemática da indispensável notificação do fiscalizado, pode, ainda, ser

verificado pelo decurso do prazo de validade do TDPF. Uma vez extinta a ação

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fiscal, pelo irregular encerramento do procedimento fiscalizatório (decurso do

prazo do TDPF), não é produzida norma jurídica conclusiva acerca da atividade

do particular, sendo restaurado o status quo ante, readquirindo o administrado

o seu direito de se aproveitar da denúncia espontânea.

48. O regular encerramento do procedimento fiscalizatório, com a

notificação do sujeito passivo, põe no sistema uma norma que externa o juízo

do agente fiscal (constituindo crédito tributário e/ou sanção administrativa ou

homologando as atividades examinadas), que apenas pode ser alterado

justificadamente, se comprovada a inadequação do conteúdo normativo

produzido por culpa do fiscalizado ou a falha do agente fiscal. Já no caso da

extinção da atividade fiscalizatória pelo transcurso do prazo do TDPF, fica a

questão carente de conclusão porque não inserida no sistema jurídico uma

norma individual e concreta que encerra formalmente a fiscalização e reflete a

interpretação do agente fiscal acerca dos relatos de fatos analisados, sendo

legítima a refiscalização, isto é, a instauração de novo procedimento

fiscalizatório acerca do mesmo período.

(O critério prestacional – matéria em torno da qual podem ser instaurados

procedimentos fiscalizatórios)

49. O objeto em torno do qual pode ser instaurada a relação fiscalizatória

são os documentos que contêm informações que servem como prova para a

constituição do crédito tributário (de maneira originária ou suplementar) e/ou

das sanções administrativas, ou para a confirmação do devido cumprimento das

obrigações tributárias e dos deveres instrumentais.

50. O direito ao silêncio não tem aplicabilidade em sede de procedimento

administrativo tributário, inclusive naquelas situações em que a conclusão do

trabalho fiscal pode redundar em consequências deletérias na esfera penal, por

três motivos, quais sejam: (i) a desobrigatoriedade do atendimento às

intimações para apurar um ilícito fiscal ensejaria a arbitrariedade de os

contribuintes escolherem os tributos que pagam; (ii) o atendimento às

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intimações fiscais não causa automática e infalivelmente a incidência e

aplicação das normas tributárias, mas provoca, única e exclusivamente, uma

expectativa a respeito da subsunção do fato às referidas normas, que

eventualmente podem provocar o início da persecução penal; (iii) até no âmbito

penal, esfera da qual tem origem o direito ao silêncio, a sua aplicação é restrita

à fase acusatória.

51. Nas relações entre os fiscalizados e a Administração rege a regra do

dever de colaborar e informar. Contudo, específicas informações, mormente as

bancárias, são protegidas pela Constituição Federal, sendo legítima a recusa no

fornecimento de tais dados. Excepcionalmente, em virtude da essencialidade da

referida documentação à fiscalização, é necessária a delimitação concreta da

extensão das garantias individuais, eventualmente, fazendo voltar a valer a

regra pela obrigatoriedade do dever de colaborar e informar. Essas situações

extraordinárias apenas podem ser concretizadas por meio de pronúncia

jurisdicional, visto que o Estado-Juiz é o órgão capaz de ponderar

imparcialmente os interesses das partes, analisando a proporcionalidade da

medida, e aplicar, ao caso individualizado, a solução que melhor atenda aos

interesses gerais.

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