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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
MARIANA ARITA SOARES DE ALMEIDA
REGIME JURÍDICO DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
Estudo sobre as normas de fiscalização da obrigação tributária
e dos deveres instrumentais
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO – 2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
MARIANA ARITA SOARES DE ALMEIDA
REGIME JURÍDICO DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
Estudo sobre as normas de fiscalização da obrigação tributária
e dos deveres instrumentais
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP, como exigência parcial para
a obtenção do título de MESTRE EM
DIREITO TRIBUTÁRIO, sob a
orientação do Professor Paulo de
Barros Carvalho.
SÃO PAULO – 2014
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
____________________________________
____________________________________
AGRADECIMENTOS
A finalização de uma etapa muito importante, concretizada com a presente
dissertação, jamais seria possível sem a participação de pessoas muito
especiais, que merecem o meu “muito obrigada”! Agradeço:
Ao meu orientador, Paulo de Barros Carvalho, cuja escola me ensinou uma
extraordinária maneira de estudar.
Aos professores Fabiana Del Padre Tomé e Robson Maia Lins, pelas
fundamentais considerações e sugestões tecidas na banca de qualificação.
Aos demais professores do curso, José Artur Lima Gonçalves, Regina
Helena Costa e Silvio Luis Ferreira da Rocha, que contribuíram
inestimavelmente para a ampliação dos meus horizontes.
Às minhas muito admiradas e estimadas chefes, Maria Leonor Leite Vieira,
Sandra Cristina Denardi e Maria Ângela Lopes Paulino Padilha, por terem
enfrentado de maneira tão participativa todo o desenvolvimento deste trabalho.
Às queridas amigas, revisoras, debatedoras e críticas, Viviane Camara
Strachicini, Daniele Souto Rodrigues, Semíramis Oliveira e Luisa Cristina
Miranda Carneiro.
Aos meus pais, Ana Cleonice Arita e Marcelo Soares de Almeida, à minha
irmã, Carolina Arita Soares de Almeida, e à minha avó, Anna Maria
Ferreira Santos, pelo incentivo aos estudos e ao desfrute da vida.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
CAPES –, pelo financiamento desta pesquisa.
RESUMO
Essa dissertação tem como eixo central de estudo a fiscalização das obrigações
tributárias e dos deveres instrumentais realizada pela Administração. Sob um
viés crítico-reflexivo, serão analisadas questões atinentes ao momento que se
inicia com uma investigação ampla e abrangente, eventualmente desdobrada
num específico procedimento que culmina com a positivação de normas que
afirmam o fato jurídico tributário, ou infirmam ou confirmam a atividade do
particular, emanadas de normas primárias precedentes ou derivadas punitivas
ou não punitivas. Mediante a análise das regras e princípios que devem nortear
a atividade fiscalizatória, busca-se o estudo pormenorizado de cada critério
informador da norma estrutural de competência que outorga poderes
investigativos aos agentes fiscais.
Palavras-chave: Procedimento fiscalizatório tributário. Obrigação tributária.
Dever instrumental. Normas primárias precedente. Normas primárias derivadas
punitivas. Normas primárias derivadas não punitivas. Norma de competência
do agente fiscal.
ABSTRACT
The central axis of this dissertation is studying the surveillance activity about
tax obligations and instrumental duties performed by the Executive. Under a
critical and reflective review, it´s going to be analyzed the moment which
begins with a broad and comprehensive inspection, possibly originating a
specific procedure that culminates with application of norms that assert the tax
legal fact, or invalidate or endorse the activity held by the particular, branched
from norms sorted as primary precedent or derived punitive or non-punitive.
Through the analysis of rules and principles that should guide the surveillance
activity, we are going to accomplish a detailed study of each criterion that
informs the structural standard of the investigative competence of tax agents.
Keywords: Tax inspection procedure. Tax obligation. Instrumental duty.
Primary precedent norm. Primary derived punitive norm. Primary derived non-
punitive norm. Competence of the fiscal agent.
LISTA DE ABREVIATURAS
CADIN Cadastro de Informações dos Créditos de Órgãos e Entidades
Federais Não Quitados
CARF Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
CF Constituição Federal
CPMF Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou
Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza
Financeira
CTN Código Tributário Nacional
DIMOB Declaração Informações sobre Atividades Imobiliárias
ICMS Imposto Incidente sobre a Circulação de Mercadorias e
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação
ISS Imposto Sobre Serviços
ITR Imposto Territorial Rural
MPF Mandado de Procedimento Fiscal
RFB Receita Federal do Brasil
RE Recurso Extraordinário
RESP Recurso Especial
RIR Regulamento do Imposto sobre a Renda
SINTEGRA Sistema Integrado de Informações sobre Operações
Interestaduais com Mercadorias e Serviços
SF Secretaria das Finanças
SPED Sistema Público de Escrituração Digital
SRF Secretaria da Receita Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
TDPF Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal
TEAF Termo de Encerramento de Ação Fiscal
TIAD Termo de Intimação para Apresentação de Documento
TIAF Termos de Início de Ação Fiscal
TIT Tribunal de Impostos e Taxas
TJ Tribunal de Justiça
TRF Tribunal Regional Federal
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1 PREMISSAS METODOLÓGICAS E DELIMITAÇÃO DO OBJETO .......... 15
1.1 O conhecimento e o constructivismo lógico-semântico ............................................. 16
1.2 O estudo do Direito a partir das premissas metodológicas do
constructivismo lógico-semântico ............................................................................... 21
1.2.1 Construção de sentido do Direito .............................................................................. 23
1.2.2 Norma jurídica completa ........................................................................................... 27
1.2.3 Processo de positivação do Direito ........................................................................... 30
1.3 A delimitação do objeto de estudo .............................................................................. 32
1.3.1 Relações jurídico-tributárias ..................................................................................... 34
1.3.2 Fiscalização tributária ............................................................................................... 39
2 NOÇÕES FUNDAMENTAIS............................................................................... 45
2.1 A organização do Estado Brasileiro e a competência tributária .............................. 45
2.1.1 Competência fiscalizatória ........................................................................................ 52
2.2 A fiscalização tributária e o dever de colaborar ........................................................ 60
2.3 A fiscalização tributária: processo ou procedimento? .............................................. 65
2.4 Os princípios que regem a atividade fiscalizatória tributária .................................. 71
2.4.1 Supremacia do interesse público sobre o interesse privado ...................................... 72
2.4.2 Legalidade ................................................................................................................. 74
2.4.3 Eficiência .................................................................................................................. 77
2.4.4 Publicidade ................................................................................................................ 82
2.4.5 Proporcionalidade ..................................................................................................... 84
2.4.6 Verdade jurídica ........................................................................................................ 86
3 ELEMENTOS DA NORMA DE COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA ...... 91
3.1 O critério pessoal – Sujeito competente para aplicar as normas de
fiscalização tributária e para figurar no polo ativo da relação jurídica
fiscalizatória .................................................................................................................. 94
3.1.1 Agentes fiscais e particulares: privatização da atividade fiscalizatória? ................... 96
3.1.2 Definição do sujeito ................................................................................................ 102
3.1.3 Permuta de informações .......................................................................................... 104
3.2 O critério pessoal – Sujeito passivo da relação jurídica fiscalizatória .................. 112
3.2.1 Discricionariedade na escolha dos fiscalizados ...................................................... 116
3.2.2 Não incidência, isenção, imunidade e fiscalização ................................................. 117
3.3 O critério espacial – âmbito territorial da competência fiscalizatória .................. 123
3.4 O critério temporal – limites temporais do exercício da competência
fiscalizatória ................................................................................................................ 126
3.5 O critério procedimental – forma do exercício da competência fiscalizatória...... 129
3.5.1 Espontaneidade no Direito Tributário ..................................................................... 134
3.5.2 Refiscalização ......................................................................................................... 138
3.6 O critério prestacional – matérias em torno das quais podem ser
instaurados procedimentos fiscalizatórios ............................................................... 140
3.6.1 Direito ao silêncio e fiscalização ............................................................................. 140
3.6.2 Quebra de sigilo bancário ........................................................................................ 148
CONCLUSÕES ......................................................................................................... 155
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 173
11
INTRODUÇÃO
A positivação1 do Direito Tributário para a regulação dos casos concretos não é
ato espontâneo; muito pelo contrário, pressupõe a interpretação dos enunciados
prescritivos, bem como dos dados factuais e a subsunção da versão do fato ao
conceito descrito na hipótese normativa. Nesta senda, a atividade fiscalizatória
é expediente imprescindível para a incidência e aplicação das normas
tributárias impositivas de exações fiscais, constitutivas de sanções
administrativas e homologatórias da conduta dos administrados, pois, mediante
o seu exercício, torna-se possível a específica reconstrução dos acontecimentos
do “mundo da vida”2, traduzindo-os juridicamente e imputando-lhes efeitos
legais.
Essa complexa tarefa de construção dos fatos tipificados no antecedente das
prescrições tributárias é composta por uma série de atos administrativos que
pressupõem a colaboração dos contribuintes, responsáveis tributários e
terceiros. Esses sujeitos – aqueles que produzem os atos administrativos, os
contribuintes, responsáveis e terceiros – estão intricadamente relacionados em
direitos e deveres.
Sob o rótulo Regime Jurídico da Fiscalização Tributária, o que se pretende é
oferecer uma argumentação sólida e consistente, contribuindo para o
desenvolvimento teórico e pragmático da atividade que precede a produção de
normas individuais e concretas que afirmam o fato jurídico tributário ou
infirmam ou confirmam a atividade do particular. O estudo das normas de
fiscalização da obrigação tributária e dos deveres instrumentais cinge-se à
análise de diferentes aspectos da produção normativa pela prática das três
1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 36. 2 HUSSERL, Edmund. A crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental.
Introdução e tradução de Urbano Zilles. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002, p. 31.
12
funções de órgãos que compõem o Estado, quais sejam, a legislativa, executiva
e judiciária.
Para cumprir esse mister, no Capítulo 1, serão fixadas as premissas
metodológicas que permeiam todo o raciocínio desenvolvido no trabalho, já
desenhando a utilização dessas categorias na específica tratativa do tema, bem
como delimitando o objeto do estudo, de modo a oferecer o sentido adotado
para o conceito de fiscalização tributária.
Em seguida, no Capítulo 2, serão apresentadas noções essenciais para a
configuração das linhas mestras da atividade fiscalizatória: serão fixadas ideias
construídas a partir dos enunciados prescritivos postos no sistema jurídico pelo
Legislador, conferindo as notas fundantes da atividade fiscalizatória exercida
pelo Executivo. Além do mais, serão analiticamente contextualizados
peculiares princípios que devem nortear a fiscalização tributária em todos os
seus planos de expressão.
No Capítulo 3, será proposto o estudo dos elementos que compõem a norma de
competência fiscalizatória dos agentes fiscais, isto é, dos critérios que
informam a norma que atribui legitimidade a determinados sujeitos para
concretizarem atos fiscalizatórios e introduzirem no sistema jurídico
enunciados prescritivos que vinculam indivíduos de direitos e deveres em
função de situações constituídas juridicamente. A importância da estrita
atenção à norma de competência fiscalizatória se revela na circunstância de que
eventuais vícios dos atos fiscalizatórios afetam diretamente os atos que lhe
seguem, mormente o ato de lançamento, bem como a lavratura de Auto de
Infração e a homologação da atividade do particular3. No decorrer deste
3 Ressalta à obviedade que o procedimento, enquanto sucessão de atos administrativos,
depende da validade e eficácia de cada uma das respectivas atividades, a ponto de ver-se
prejudicado, em seu caminhar, pelos vícios que porventura os comprometam.
(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 785).
13
capítulo, selecionados temas afetos à atividade fiscalizatória serão estudados
em constante cotejo com a produção normativa dos Tribunais Administrativos
e Judiciais.
“O vício jurídico de um ato anterior contamina o posterior, na medida em que haja entre
ambos um relacionamento lógico incindível” (MELLO, Celso Antonio Bandeira.
Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 72).
14
15
1 PREMISSAS METODOLÓGICAS E DELIMITAÇÃO DO OBJETO
O método é o expediente adotado pelo sujeito cognoscente para se aproximar
do objeto de estudo e sobre ele emitir juízos. É por intermédio da adoção de
uma metodologia específica que se estabelece um contato entre o objeto de
conhecimento e o indivíduo que se propõe conhecê-lo.
Com efeito, as propostas metodológicas são inúmeras, e não existe um
instrumento exclusivo para a investigação e exploração de cada objeto, de
modo que a escolha de cada método está relacionada com a proposta
cognoscitiva do intérprete. A título exemplificativo, podemos nos utilizar da
via racional dedutiva, alcançada pela lógica, para analisarmos sintaticamente a
linguagem, perquirindo as relações entre os signos organizados em um
discurso. Esse estudo lógico dos textos é apenas um ponto de vista sobre o
conhecimento, não o contemplando, portanto, na sua totalidade, pois
negligencia os planos semântico e pragmático da fala, circunstância reveladora
de que a aproximação do objeto em toda proposta cognoscitiva implica,
inevitavelmente, um corte metodológico4.
A apresentação das premissas metodológicas assumidas no desenvolvimento de
um trabalho confere a possibilidade de controle e vigilância da coerência do
raciocínio construído acerca do objeto cognoscitivo. Isso porque, a partir do
domínio das ideias primeiras que fundamentam todo argumento, é possível a
verificação da uniformidade e procedência das conclusões construídas.
Tão importante quanto a fixação das premissas metodológicas que serão
utilizadas em qualquer trabalho é a delimitação do objeto que se propõe
estudar. Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho:
4 Neste sentido, observa Paulo de Barros Carvalho: “exatamente porque todo o
conhecimento é redutor de dificuldades, reduzir as complexidades do objeto da
experiência é uma necessidade inafastável para se obter o próprio conhecimento”
(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 7).
16
[…] o saber científico dos tempos atuais é enfático em um
ponto: todos entendem que não há como abrir mão da
uniformidade na apreciação do objeto, bem como da rigorosa
demarcação do campo sobre o qual haverá de incidir a
proposta cognoscitiva.5
Neste capítulo, vamos expor a metodologia adotada para a elaboração desta
dissertação e, uma vez fixadas as ferramentas de que nos utilizaremos para a
aproximação do tema, delimitaremos o nosso objeto de estudo, apontando o
sentido que atribuímos à expressão fiscalização tributária.
1.1 O conhecimento e o constructivismo lógico-semântico
Desde Crátilo de Platão, destacava-se a filosofia da consciência, segundo a qual
o ato de conhecer consistia na reprodução do real por meio da linguagem. Essa
concepção defendia o sentido ontológico do mundo refletido pelas palavras,
isto é, partia do pressuposto de que o homem, por intermédio da língua,
representava a realidade que existia em si mesma. Nesse contexto, as
proposições eram consideradas verdadeiras quando presente a correspondência
entre a reprodução do real e o objeto referido.
Ocorre que não foram (e ainda não são) raros os momentos em que o estudo
dos objetos acabou por infirmar teorias já construídas e difundidas por longas
décadas, revogando as verdades dantes defendidas6. Justificando esse contínuo
5 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 6. 6 Exemplificando, é a situação de “Plutão, ‘o nono planeta’, que acaba de ser
inapelavelmente desqualificado pelos “avanços” da Astronomia. Pequena substituição na
camada de linguagem que outorgava àquela esfera celeste a condição de planeta foi o
suficiente para desclassificá-lo, oferecendo à comunidade das Ciências outro panorama do
nosso sistema solar” (ibid., p. 159).
Não apenas pelo aperfeiçoamento da técnica de aproximação, mas também em razão da
mudança de contexto em que são realizadas as análises, variam os sentidos atribuídos aos
objetos de estudo. Neste sentido, “os valores, os bens, as realizações alcançadas estão
condicionadas à altura que a vida vai historicamente adquirindo. Daí a impossibilidade de
se conceber a vida da cultura como uma história em direção linear. Não existe uma história
da moral, do direito, da ciência, mas valores morais, sistemas de direito, ciências, cujos
métodos, fins e significações variam com o tipo de humanidade em que a vida se
17
surgimento de novas conjecturas acerca do mundo real, surgiu o movimento do
giro-linguístico, cuja obra percussora é o Tractatus logico-philosophicus, de
Ludwig Wittgenstein.
De acordo com essa escola filosófica, o conhecimento é um processo
interpretativo que empresta inteligibilidade às coisas, sendo o mundo da vida
submetido à nossa percepção sensível (olfato, visão, audição, tato e paladar),
num “caos de sensações”7 organizado no nosso intelecto e interpretado na
forma de linguagem, ingressando, então, no plano da realidade.
Nesse contexto, o movimento pelo qual o indivíduo se propõe a conhecer algo
(ato de conhecer) se motiva na tentativa de estabelecer uma ordem ao mundo
da experiência, sendo a evolução do conhecimento (como forma e conteúdo)
concretizada por meio de uma sedimentação gradativa em três etapas
apresentadas por Leonidas Hegenberg8: primeiramente, por meio da percepção,
o indivíduo sabe de, identificando os objetos e os distribuindo em classes, o
que o torna capaz de dirigir suas ações futuras, garantindo-lhe a possibilidade
de sobrevivência9. Em seguida, em razão das atividades que os homens são
compelidos a executar, sabe-se como os objetos funcionam, compreendendo a
matéria, o comportamento e as transformações do mundo à sua volta. E, por
fim, atinge-se o saber que, decorrente da aplicação de diversas teorias que
permitem a construção de inferências atributivas de lógica ao mundo. Desse
modo, o conhecimento se aperfeiçoa em três estágios: primeiramente, tem-se a
concretiza” (VILANOVA, Lourival. A teoria dos valores em Nietzsche. Diário de
Pernambuco, 27 abr. 1947). 7 KANT, Immanuel apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e
Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 7. 8 HEGENBERG, Leonidas. Saber de e saber que: alicerces da racionalidade. Petrópolis:
Vozes, 2002, p. 19 et seq. 9 Neste sentido, Vilém Flusser sugere a ideia de uma constante conversação entre os planos
da experiência e da realidade, na medida em que são estabelecidas relações no interior de
um único intelecto, aprimorando o conhecimento acerca de determinado evento, como
explica o filósofo: “os dados são formados como pasta caótica, as palavras vêm
organizadas em frases. Os dados brutos vêm, por exemplo, na forma das seguintes
palavras: dói, duro, marrom, quatro pernas, igual a: bati contra a mesa […] o intelecto em
conversação conserva e aumenta o território da realidade” (FLUSSER, Vilém. Língua e
Realidade. São Paulo: Annablume, 2007, p. 47, 50).
18
apreensão dos objetos na forma de ideias, que passam a ser associadas com
outras formulações, em juízos, que, por fim, servem para a construção de
raciocínios.
Observa-se que, em qualquer dessas formas de manifestação do conhecimento,
jamais podemos deixar o campo da linguagem, porque os objetos manifestados
no plano da experiência representam meros eventos que, exclusivamente por
intermédio do homem, que lhes atribui nomes, passam a integrar o plano dos
fatos, a respeito dos quais se formulam proposições10
. Sem adentrar no mérito
da existência ontológica das coisas, “existindo ou não existindo tais entidade
em si, elas somente entrarão para o âmbito do conhecimento quando vierem a
fazer parte da intersubjetividade do social, ‘inteiramente’ tecida pela
linguagem”11
. Noutros termos, os dados brutos que não são captados pela
percepção humana ou que, embora captados, não conseguem ser traduzidos em
linguagem para que sobre eles o sujeito possa emitir qualquer juízo, deixam de
ingressar no plano da realidade.
Partindo dessa ênfase conferida ao abismo entre os mundos real e ideal, a
escola da filosofia da linguagem aponta a irredutibilidade do objeto às palavras,
em flagrante contraposição às ideias fundantes da filosofia da consciência.
Explicando a percepção do novo paradigma filosófico são as lições de clareza
ímpar de Aurora Tomazini de Carvalho:
Exemplo disso pode ser observado quando buscamos o
sentido de um termo no dicionário, não encontramos a coisa
10
Os objetos, por si só, somente terão um significado se caracterizados por palavras, pela
língua falada, para ingressar na realidade perceptível do sujeito cognoscente. A realidade é
constituída pelas coisas do mundo da experiência interpretadas e compreendidas pela
língua (FLUSSER, Vilém apud TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o
constructivismo lógico-semântico. In: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilém
Flusser e juristas. São Paulo: Noeses, 2009). Neste sentido, a realidade é o produto de
“uma atitude dialética, uma vez que se trata de inter-relação entre sujeito e objeto, um
elemento se adequando concomitantemente ao outro para que se ponha “in” o ato de
conhecimento” (REALE, Miguel. Cinco temas do culturalismo. São Paulo: Saraiva, 2000,
p. 6). 11
CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.). Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo:
Noeses, 2014, p. 6.
19
em si (referente), mas outras palavras. Deste modo, podemos
afirmar que a correspondência não se dá entre um termo e a
coisa, mas entre um termo e outros, ou seja, entre linguagem.
A essência ou a natureza das coisas, idealizada pela filosofia
da consciência, é algo intangível.12
Com fundamento no corte feito por Kant entre os planos do ser e do dever ser,
foi abandonada a ideia de subsunção do objeto em si ao juízo formulado a
respeito dele, passando a ser defendido o conhecimento como uma relação
entre linguagens que estão em constante mutação.
Assim, o conhecimento não é mais a mera tradução do objeto pela língua, mas
o estudo dos termos que o homem emprega para referir-se ao objeto. Como se
pode notar, a linguagem tornou-se essencial expediente para a própria
construção dos objetos encontrados no mundo da experiência, captados pelos
nossos sentidos e organizados no intelecto com os demais elementos
cognoscitivos13
.
Por causa da então reconhecida impossibilidade de acessarmos o mundo pelo
emprego da linguagem para meramente refletirmos a natureza do dado bruto, o
conhecimento passou a consistir numa “correlação transcendental subjetivo-
objetiva”14
: atribuindo, na visão dessa corrente filosófica, um caráter dialético
ao processo de conhecer, em que há uma relação de interdependência entre o
sujeito e o objeto, que apenas existem concomitantemente. Em outros termos,
“o sujeito só o é perante um objeto e o objeto só o é objeto em face de um
sujeito”15
, visto que é por meio do processo de conhecimento do dado bruto
que se constrói o sujeito e a sua concepção a respeito do objeto, sendo que
12
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo
Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 15. 13
“Os relatos – ou, já podemos assim dizer, os fatos – se articulam sempre uns com outros
construindo uma realidade, tal como os fios se juntam para formar um tecido” (LINS,
Robson Maia. A reiteração e as normas jurídicas tributárias sancionatórias – a multa
qualificada da Lei 9.430/96. In: SOUZA, Priscila de. VII Congresso Nacional de Estudos
Tributários. São Paulo: Noeses, 2011, p. 1107). 14
REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 79. 15
TOMÉ, Fabiana Del Padre. Vilém Flusser e o constructivismo lógico-semântico. In:
HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilém Flusser e juristas. São Paulo: Noeses,
2009, p. 329.
20
tanto o homem quanto o dado bruto não têm sentido se não interpretados. Sobre
esta relação dialética entre sujeito e objeto, cumpre-nos reproduzir as lições de
Paulo de Barros Carvalho, in verbis:
[…] o processo de conhecimento dos objetos do mundo não se
completa sem transitar, obrigatoriamente, pela subjetividade
do ser cognoscente, quer os do mundo exterior como os de seu
próprio universo interior, fazendo-se presentes em sua
consciência por uma das formas […].16
Essas ponderações acerca da imprescindibilidade da linguagem para a
expressão do conhecimento carregam justamente a noção que serviu de
fundamento para a escolha do método proclamado neste trabalho – o
constructivismo lógico-semântico – para o fim de nos aproximarmos e
construirmos um discurso consistente a respeito do tema investigado. De
acordo com essa técnica hermenêutica, o sujeito intervém na “con-formación
del objeto conocido”17
e amarra a construção de sentido nos planos lógico,
semântico e pragmático, numa intensa tentativa de, abrangendo esses três
campos do conhecimento, construir, da maneira mais acurada possível, o
sentido do objeto.
O conhecimento dos objetos pelas construções linguísticas do intelecto humano
é alcançado por meio do estudo dos signos que compõem o discurso
cognoscível, levando em consideração a “significação das palavras tal como
elas existem numa língua”18
. Em contraposição aos ideais defendidos por
Kelsen em sua Teoria Pura do Direito, encontra-se aqui uma levíssima
impureza metodológica, que admite uma espécie de interdisciplinaridade de
elementos para a construção de sentido dos enunciados linguísticos.
16
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 14. 17
MUÑOZ, Jocobo (Dir.). Diccionário Espasa. Madrid: Espasa, 2003, p. 107. 18
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo
Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 14.
21
Enfim, acrescentando às premissas do paradigma metodológico que realça a
importância do dado linguístico para o conhecimento, a construção de sentido
da realidade é concretizada pelo estudo da sintaxe e da semântica da
linguagem, imprescindivelmente perpassando pelo aspecto pragmático da
língua, analisando-se as mensagens com o emprego da técnica hermenêutico-
analítica – decompondo o objeto em unidades simples – a fim de facilitar a
compreensão do fenômeno estudado e construir a unicidade do objeto por meio
de seu detalhamento, sem deixar de lado um “culturalismo sadio”19
, que
confere sentido aos enunciados em cotejo com fatores históricos e
axiológicos20
.
1.2 O estudo do Direito a partir das premissas metodológicas do
constructivismo lógico-semântico
Num primeiro momento, é importante apontarmos a advertência quanto aos
diversos planos de abordagem que podem ser objeto de estudo.
Com fundamento nas premissas expostas no item precedente, já podemos falar
na existência de dois domínios distintos, cuja diferença repousa no dado
linguístico: âmbitos dos eventos e dos fatos. Aquelas manifestações que não
são submetidas à intuição sensível do homem, verificadas apenas no campo
19
Ao se referir ao jusfilósofo Lourival Vilanova, cujos trabalhos foram decisivos para o
desenvolvimento do constructivismo lógico-semântico, Paulo de Barros Carvalho emprega
a expressão culturalismo sadio como uma convivência ao mesmo tempo comedida e
harmoniosa deste paradigma filosófico com a escola culturalista, evitando qualquer crítica
que aponte para o sincretismo metodológico (CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.).
Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2014, p. XI). 20
“Entre as características do constructivismo lógico-semântico que me encantam gostaria
de pontuar as seguintes: uma busca pela precisão do discurso, determinando-se o sentido
de conceitos utilizados a partir de definições adequadamente elaboradas; uma análise
rigorosa a partir de definições adequadamente elaboradas; uma análise rigorosa da lógica
do direito, investigando diferentes aspectos de sua estrutura e de seu domínio sintático;
uma visão filosófica que embasa o discurso científico, especialmente, a partir de recursos
da filosofia da linguagem, particularmente o positivismo lógico-semântico, a semiótica e o
giro-linguístico; o abandono da crença ingênua na verdade absoluta; e uma busca pela
compreensão do dado jurídico em sua dimensão lógica” (MCNAUGHTON, Charles
William. Elisão e Norma Antielisiva. São Paulo: Noeses, 2014, p. XXV).
22
fenomênico, ou que, apesar de sujeitas à apreciação do indivíduo, não são
captadas pelo seu intelecto, são meros eventos; ao passo que, quando
construída a significação dos fenômenos, podemos falar em fatos sociais, isto é,
em conceitos de eventos relatados através da língua.
Acrescentemos que, na tessitura da facticidade social, emerge a linguagem do
direito positivo, que seleciona parcelas factuais, relacionando-as a
consequências jurídicas, com o intuito de regular as condutas intersubjetivas
numa sociedade. A linguagem do direito positivo manifesta-se na forma
eminentemente prescritiva, orientando o agir dos indivíduos, por meio da
descrição de critérios informadores de uma hipótese factual ou de determinadas
situações delimitadas no tempo e espaço, imputando-lhes relações jurídicas.
Essa tradução dos fatos para a construção da linguagem jurídica é realizada
exclusivamente por meio do código e procedimento reputados competentes
pelo sistema jurídico, morando, nesse aspecto, uma importante diferença entre
os planos do fato e do direito positivo21
.
Há, ainda, o campo da ciência do direito positivo, à qual cumpre elaborar
proposições crítico-descritivas a respeito dos enunciados prescritivos que
compõem o direito positivo. Mediante o estudo do seu objeto, a ciência cria
teorias para aprofundar o conhecimento a respeito da legislação e traduz o
direito positivo para a sua língua predominantemente descritiva.
Por essas ligeiras, porém relevantes, ponderações, ressalta aos olhos a
circunstância de que todos esses planos têm um “quantum de
referenciabilidade”22
, de modo que a linguagem social se reporta ao evento,
21
Sobre a linguagem jurídica: “a construção do fato jurídico nada mais é que a constituição
de um fraseado normativo capaz de justapor-se como antecedente normativo de uma
norma individual e concreta, dentro das regras sintáticas ditadas pela gramática do direito,
assim como de acordo com os limites semânticos arquitetados pela hipótese da norma
geral e abstrata” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos
Jurídicos da Incidência. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 148). 22
Ibid., p. 120.
23
assim como a linguagem prescritiva jurídica aos fatos sociais, e a ciência do
direito aos enunciados prescritivos. Elucidando essa relação, podemos citar o
seguinte exemplo: o nascimento de uma criança é um evento; a comunicação
do pai aos parentes de que a criança nasceu é um fato que, uma vez registrado
em cartório, dá ensejo a um fato jurídico, sendo, por seu turno, passível de
estudo do cientista do direito, elaborador de proposições crítico-descritivas a
respeito dos direitos e deveres dos cidadãos.
No presente trabalho, é nosso objeto de estudo o conjunto de enunciados
prescritivos que compõem o direito positivo vigente, mormente os dispositivos
legais que tratam da fiscalização tributária, sobre os quais lançaremos as luzes
do pensamento hermenêutico e analítico.
1.2.1 Construção de sentido do Direito
Porque a fiscalização tributária é instituto criado no bojo do direito positivo,
seu regime é pautado, exclusivamente, em normas jurídicas, e a sua
concretização culmina, obrigatoriamente, com a construção, também, de uma
proposição normativa. Nesse contexto, é imprescindível delimitarmos o sentido
que atribuímos à expressão norma jurídica.
Partindo das premissas do constructivismo lógico-semântico, o cumprimento
da função de orientar as ações dos indivíduos na sociedade pelos enunciados
prescritivos não decorre de uma “norma jurídica previamente dada no âmbito
do ordenamento jurídico coesa, que fosse aplicável por meio do silogismo”23
.
Isso porque admitimos ser imprescindível a atuação de um intérprete, em
contato com as marcas de tinta do papel, para atribuir-lhes significação.
Noutras palavras, os dispositivos legais, por si só, assemelham-se ao dado bruto
apresentado no item precedente, sendo que as normas são as significações
23
MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011, p. 203.
24
construídas na mente do sujeito cognoscente a partir da apreensão da
linguagem prescritiva institucionalizada. Reforçando esta distinção entre os
enunciados prescritivos e normas jurídicas, são as palavras de Ricardo
Guastini:
[…] a distinção entre disposição e norma não pretende ser
uma distinção ontológica entre enunciados e alguma coisa
distinta dos enunciados. Trata-se, mais modestamente, da
distinção entre duas classes de enunciados. […] a disposição é
um enunciado que constitui o objeto da interpretação. A
norma é um enunciado que constitui o produto, o resultado da
interpretação24
.
Com efeito, o exegeta não entra em contato direto com uma norma posta,
tampouco extrai ou descobre o sentido da legislação, mas constrói a sua
significação, permeada de fatores históricos e axiológicos que influenciam o
sujeito cognoscente. Nessa trajetória interpretativa, o estudioso trilha o
percurso gerador de sentido proposto por Paulo de Barros Carvalho25
, que se
completa em quatro etapas, assim discriminadas: S1 (plano dos enunciados);
S2 (plano das proposições); S3 (plano das normas); S4 (plano da
sistematização).
Nesse modelo, há, primeiramente, o estabelecimento de um contato entre o
intérprete e o conjunto de enunciados prescritivos (S1). Ao ler o texto, o sujeito
dá início a um processo de atribuição de significações ao objeto, construindo
proposições isoladas acerca do que estuda (S2), que, “embora proposicionais,
não são suficientes, em si, para a compreensão da mensagem legislada”26
,
sendo necessária a estruturação das significações na fórmula lógica hipotético-
condicional (“Se o antecedente, então deve ser o consequente”: H → C), para
que passem a ser proposições normativas em sentido completo, possibilitando a
apreensão da mensagem prescritiva (S3). Depois de estruturadas, as normas
24
GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 28. 25
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 83 et seq. 26
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo
Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 227.
25
devem ser situadas no sistema de significações atribuídas às demais prescrições
legais, vinculadas por relações de subordinação e coordenação (S4).
Assim, numa acepção estrita27
, as normas jurídicas são as significações de
sentido deôntico completo, estruturadas na forma lógica hipotético-condicional,
construídas a partir da linguagem prescritiva do direito, verificadas nos estágios
S3 e S4 do percurso gerador de sentido. Essas unidades que compõem o direito
positivo são classificadas arbitrariamente pelos estudiosos, a depender do
estudo que pretendem empreender, agrupando em categorias os elementos
submetidos à sua análise, sobre o fundamento de diferença que distancia os
conceitos que os designam28
.
27
Esta unidade do sistema, que chamamos de mínimo irredutível de manifestação do
deôntico, depende, costumeiramente, da reunião de uma série de significações construídas
a partir de diferentes enunciados prescritivos. Em que pese à circunstância de
reconhecermos força prescritiva aos enunciados positivados isoladamente, “este teor de
prescritividade não basta, ficando na dependência de integrações em unidades normativas,
com mínimos deônticos completos. Somente a norma jurídica, tomada em sua integridade
constitutiva, terá condão de expressar o sentido cabal dos mandamentos da autoridade que
legisla” Com efeito, a ordem pague a quantia de x reais prescinde de outras informações,
tais como pagar para quem, quando, por quê? (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 189-190).
Observe-se que, numa acepção ampla, a expressão norma jurídica designa diferentes
unidades do sistema jurídico em seus quatro planos de expressão: “se pensarmos no direito
positivo, levando-se em conta seu plano de expressão (S1), as unidades do sistema são
enunciados prescritivos; se avaliarmos o plano das significações construídas a partir dos
enunciados (S2), as unidades do sistema são proposições jurídicas; e se tomarmos o direito
como o conjunto de significações deonticamente estruturadas (S3), que mantêm relações
de coordenação e subordinação entre si (S4), as unidades do sistema jurídico são aquilo
que denominamos de normas jurídicas em sentido estrito. Neste sentido, considerando a
expressão ‘norma jurídica’, quando utilizada para apontar indiscriminadamente as
unidades do sistema jurídico, podemos denotar: (i) enunciados do direito positivo; (ii) a
significação deles construída; ou (iii) a significação deonticamente estruturada,
dependendo do plano em que o intérprete trabalha” (CARVALHO, Aurora Tomazini de.
Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo:
Noeses, 2009, p. 266). 28
Neste sentido: “é sabido que toda classificação revela certa arbitrariedade, porque os
critérios utilizados são relativos (nunca absolutos), sendo algumas das convenções
estabelecidas pelo próprio intérprete. Por essa mesma razão, não são as classificações
certas ou erradas, válidas ou inválidas. São simplesmente úteis ou inúteis, dependendo da
função que lhes possa ser atribuída pelo sujeito cognoscente, para efeito de verificação e
identificação das espécies analisadas” (MARQUES, Márcio Severo. Classificação
Constitucional dos Tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 147).
26
Numa proposta classificatória cuja discriminação radica no grau de conotação
axiológica, há as regras e os princípios. Conquanto objeto cultural, as
significações construídas a partir dos enunciados prescritivos sempre estarão
permeadas de valores, porém os princípios detêm elevada relevância valorativa,
sendo que influenciam fortemente na construção de outras normas jurídicas.
As normas podem ser, ainda, classificadas como de conduta ou de estrutura29
:
em que pese a legitimidade de afirmar que todas as normas se dirigem à
regulação das relações intersubjetivas e, portanto, se enquadram na categoria de
regras de conduta, determinados enunciados veiculam disposições relacionadas
à construção de outras normas jurídicas, a justificar a outorga do nome de
normas de estrutura. Um exemplo de norma de conduta é se não cumprir a
obrigação tributária, então deve ser a cobrança forçada do débito, acrescido
dos devidos consectários legais, bem como a aplicação de multa
administrativa pelo descumprimento de disposição normativa, enquanto que é
norma de estrutura o juízo hipotético-condicional que regula a produção de
norma individual e concreta derivada da aplicação de normas pertinentes à
fiscalização tributária.
Outra proposta classificatória enumera normas abstratas ou concretas e gerais
ou individuais. Serão abstratas quando construídas a partir de enunciados que
descrevem características que permitem identificar a classe de fatos que podem
vir a ocorrer, e serão concretas quando os dispositivos legais mencionarem um
fato que já se consumou em determinadas coordenadas de tempo e espaço. Por
seu turno, serão normas gerais quando a relação jurídica prescrita no
consequente da regra não individualiza os sujeitos ou o objeto da relação, e
29
“Em cada grau normativo encontraremos normas de conduta e normas de estrutura, isto é,
normas dirigidas diretamente a regular a produção de outras normas. Comecemos pela
Constituição […] há normas que atribuem diretamente direitos e deveres aos cidadãos,
como as que dizem respeito aos direitos de liberdade; mas existem outras normas que
regulam o processo através do qual o Parlamento pode funcionar para exercer o Poder
Legislativo, e, portanto, não estabelecem nada a respeito das pessoas, limitando-se a
estabelecer a maneira pela qual outras normas dirigidas às pessoas poderão ser emanadas”
(BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 9. ed. Brasília: Universidade de
Brasília, 1997, p. 46).
27
individuais quando identificadas as partes que compõem o vínculo jurídico. A
partir da combinação dessas espécies de enunciados normativos, são
construídas as normas gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e
abstratas e individuais e concretas.
1.2.2 Norma jurídica completa
Cumpre-nos observar que, no sistema jurídico, caracterizado pela sua
coercitividade, as normas vêm relacionadas logicamente a outras, no sentido de
que para cada direito e dever material corresponde uma sanção aplicável pelo
Estado quando não observadas as obrigações imputadas pela legislação.
Expliquemos:
Todos os conjuntos normativos são dotados de força coativa, isto é, para que as
regras não sejam mantidas como meras expectativas, são-lhes relacionadas
sanções no caso da sua não observância (e.g., leis da Igreja: se cometer pecado,
então deve ser a punição no juízo final). A diferença primordial entre o
ordenamento jurídico e as demais normas está na forma como a coação é
exercida: no Direito, a aplicação e execução de sanções é realizada por
intermédio do Estado-juiz30
.
Nesse sentido, podemos falar numa norma jurídica na forma completa,
composta de duas normas em sentido estrito: uma norma primária, que estatui
direitos e deveres materiais, e outra secundária, que sanciona o inadimplemento
da primeira31
. Para o enfrentamento do tema que nos propomos estudar, são de
mister importância alguns esclarecimentos acerca dessa estrutura normativa
plena.
30
Esta é uma ponderação relevantíssima apontada por grandes vozes do Direito, entre elas, a
de Hans Kelsen: “As sanções estatuídas por uma ordem jurídica são – diferentemente das
sanções transcendentes – sanções socialmente imanentes e – diversamente daquelas, que
consistem na simples aprovação ou desaprovação – socialmente organizada” (KELSEN,
Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 23). 31
VILANOVA, Lourival. As Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo:
Noeses, 2005, p. 105.
28
Relembrando, todas as normas em sentido estrito estão organizadas na forma
lógica hipotético-condicional, de modo que o antecedente (hipótese) implica o
consequente (tese). Observe-se que essa relação implicacional está articulada
no interior de cada proposição normativa é deonticamente modalizada: se o
antecedente, então deve ser obrigatório (O), proibido (V) ou permitido (P) o
consequente, nisso se diferenciando o direito positivo, regido pela causalidade
jurídica, das leis naturais, regidas pela lógica da causalidade natural (se..., então
é)32
.
A norma primária contém, no seu antecedente, a descrição de um fato
hipotético, prescrevendo, no seu consequente, uma relação entre sujeitos com
direitos e deveres materiais correlatos.
Adotando o esforço classificatório das normas empreendido por Aurora
Tomazini de Carvalho33
, podemos fracionar as normas primárias, que possuem
no seu consequente uma relação jurídica exclusivamente diádica (entre dois
sujeitos), não fazendo qualquer referência à providência jurisdicional, em
normas primárias precedente, derivada punitiva e derivada não punitiva.
A norma primária precedente prescreve, na sua hipótese, um fato lícito e, na
sua consequência, uma relação jurídica entre sujeitos com direitos e deveres.
Exemplo típico dessa espécie normativa são as normas que instituem o dever
instrumental de suportar a fiscalização, descritivas de fatos jurídicos
ensejadores da fiscalização, indicando seus critérios material, espacial e
32
“Tanto o ‘mundo do ser’ como o ‘mundo do dever ser’ constituem corpos de linguagem,
nos quais atuam, respectivamente, a causalidade natural e a causalidade jurídica”
(PAULINO, Maria Ângela Lopes. A teoria das relações na compreensão do Direito
Positivo. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini
(Org.). Constructivismo Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2014, p. 388). Enquanto a
causalidade natural tem essência eminentemente descritiva, a causalidade jurídica não só
descreve fatos, mas, mediante um ato de valoração, modaliza positiva ou negativamente a
conduta. 33
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Direito Penal Tributário (Uma Análise Lógica,
Semântica e Jurisprudencial). São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 75.
29
temporal caracterizadores, e prescritivas de relações obrigacionais entre o
sujeito ativo e passivo, em torno de uma prestação.
A classe das normas primárias derivadas se funda no discrímen de o
antecedente do juízo implicacional pressupor a existência de uma prescrição
contida em outra norma, qual seja, na norma primária precedente.
Dentro dessa proposta, as normas primárias derivadas punitivas descrevem um
ilícito decorrente do inadimplemento da obrigação constituída pela incidência
e aplicação da norma primária precedente e prescrevem uma relação jurídica
sancionatória entre os mesmos sujeitos que se relacionam na norma primária
precedente não observada. A multa de ofício, constituída pela Administração
Tributária em decorrência da constatação, mediante o desenvolvimento de
procedimento fiscalizatório, da constituição inadequada do crédito tributário e
do consequente não recolhimento do tributo dentro do prazo previsto na regra-
matriz de incidência tributária, caracteriza este tipo normativo34
.
Por sua vez, a norma primária derivada não punitiva pressupõe, assim como a
norma primária derivada punitiva, a norma primária precedente, contudo não
descreve o inadimplemento desta última no seu antecedente, mas o seu
cumprimento, prescrevendo, no seu consequente, uma relação jurídica sem as
notas da punibilidade. A título exemplificativo, podemos mencionar as normas
individuais e concretas eventualmente expedidas ao término da atividade
fiscalizatória, que homologam a atividade desempenhada pelo contribuinte ao
constituir o crédito tributário35
.
Em remate, a norma secundária prescreve uma providência coercitivo-
sancionatória aplicável pelo Estado-Juiz na hipótese de descumprimento das
34
Minuciosamente explicando: Se prestar serviço, deve ser o pagamento do ISS (norma
primária precedente). Dado que X prestou serviço e não pagou ISS, então deve ser a
aplicação da multa punitiva (norma primária derivada sancionatória). 35
Detalhadamente: Se prestar serviço, deve ser o pagamento do ISS (norma primária
precedente). Dado que X prestou serviço e pagou ISS, então deve ser a homologação da
atividade de X (norma primária derivada não sancionatória).
30
normas primárias. Obrigatoriamente, esta categoria normativa descreve no seu
antecedente um fato ilícito, representado pela inobservância de uma norma
primária, e institui, no seu consequente, uma relação entre o sujeito ativo da
relação jurídica não adimplida e o órgão judicial, que atuará coercitivamente,
forçando o sujeito passivo da obrigação prescrita na norma primária a satisfazê-
la. São exemplos de normas secundárias aquelas que prescrevem o direito de o
ente político promover a Execução Fiscal de tributo não adimplido, bem como
aquelas que garantem o direito de o administrado impetrar Mandado de
Segurança em razão de conduta arbitrária da Administração em sede de
procedimento fiscalizatório.
1.2.3 Processo de positivação do Direito
Apresentado o processo de construção de sentido dos enunciados prescritivos,
bem como a estrutura das unidades que compõem o direito positivo, convém
explicarmos o modo como a norma produz seus efeitos (eficácia pragmática),
regulando as condutas intersubjetivas.
A doutrina tradicional, cujo expoente precursor é Pontes de Miranda, defende a
teoria da incidência do direito positivo como operação automática e infalível.
Negando a existência de qualquer distinção entre os planos factual e jurídico, a
“incidência das regras jurídicas independe de que alguém, ainda os
interessados, conheçam a regra jurídica”36
, de modo que a lei, por si só,
regularia as situações factuais verificadas no seio da sociedade: uma vez
ocorrido um fato que se subsome ao conceito previsto no antecedente de uma
previsão legal, ocorreria a incidência da norma, posteriormente aplicada ao
caso concreto, pelo Estado-Juiz, na hipótese da sua não observância.
36
MIRANDA, Pontes de. Incidência e aplicação da lei. Conferência pronunciada em
solenidade da Ordem dos Advogados – Seção de Pernambuco. Recife, 30 set. 1995, p. 53.
31
Partindo do referencial teórico que adotamos, o mero acontecimento factual de
uma situação que se enquadra àquele conceito previsto na hipótese de uma
norma jurídica não basta, por si só, para a incidência normativa e o nascimento
do vínculo obrigacional. Isso por causa de duas razões fundamentais: a
primeira, conforme já tratado no item 1.2.1. Construção de sentido do Direito,
não há norma dada no sistema jurídico, de modo que esta significação deve ser,
obrigatoriamente, construída por um intérprete; a segunda, o direito positivo é
sintaticamente fechado e regula a sua reprodução, permitindo a inserção de
novos elementos exclusivamente pelos sujeitos autorizados no sistema,
mediante o relato em linguagem competente, empregando o código
previamente habilitado pelo sistema e o procedimento previsto na lei.
Com efeito, a atividade de aplicação e construção do direito impõe a existência
de um intérprete, que desempenha, fundamentalmente, duas funções: interpreta
o direito positivo, construindo e escolhendo a norma aplicável ao caso
concreto, segundo a versão que ele próprio desenha do fato social com base em
enunciados que o relatam37
.
Assim, na nossa concepção, a incidência e a aplicação do Direito ocorrem num
único momento, que pressupõe a construção de uma norma a partir do direito
posto, a cuja hipótese se subsome a enunciação de um fato jurídico. É o ato de
aplicação do intérprete que faz a norma incidir.
37
“Porque o fato será elemento de norma jurídica individual e concreta, no ato de
lançamento tributário, toda a interpretação deverá reportar-se não só aos textos do direito
positivo, mas também ao negócio jurídico como fato, à situação jurídica identificadora da
materialidade sujeita à tributação por norma geral e abstrata. Daí a aplicação de normas
tributárias exigir, além de conhecimento do direito positivo (‘quaestio iuris’), perfeito
conhecimento dos fatos a considerar (‘quaestio facti’) para que, confrontando ambos
(subsunção) e implicando os efeitos (relação jurídica), tenha-se a criação da norma
individual e concreta, pela interpretação do agente da administração. Neste processo, a
interpretação do fáctico, a partir do ato ou negócio jurídico que lhe dá consistência,
mostra-se imprescindível. A ‘quaestio facti’ corresponde aos fatos juridicamente
qualificados, e não aos fatos brutos, bem como lembra Michele Taruffo. Qualificação e
interpretação, portanto, complementam-se mutuamente” (TORRES, Heleno Taveira.
Direito Tributário e autonomia privada. O poder de tributar e a teoria dos negócios
jurídicos na atualidade. Metodologia para a interpretação dos fatos tributários. In: ______
(Coord.). Tributação nos mercados financeiro e de capitais e na previdência privada. São
Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 65).
32
Nesse complexo processo de incidência e aplicação do Direito, ao qual
outorgamos o nome de positivação38
, a previsão geral e abstrata ganha
concretude com a produção de normas individuais e concretas, que daquelas
derivam.
A título ilustrativo, para a incidência e aplicação das prescrições tributárias
impositivas, sancionatórias (leia-se normas que preveem sanções
administrativas) e homologatórias da atividade do administrado, é pressuposta
a compreensão do agente fiscal, pautada na orientação da Administração
Pública, acerca das características que tipificam a hipótese de cada espécie
normativa. Pois que esse mesmo sujeito competente, por meio da atividade
fiscalizatória, deve lançar os seus olhos sobre os documentos que relatam a
atividade desempenhada pelos administrados e, mediante um ato valorativo,
traduzir juridicamente os fatos, subsumindo-os às normas que afirmam o fato
jurídico tributário ou infirmam ou confirmam a atividade do particular.
Frise-se: para a positivação do Direito Tributário, tão importante quanto a
formulação da norma jurídica geral e abstrata é a construção do desenho dos
fatos concretizados pelos sujeitos de direito, mediante a atividade fiscalizatória.
1.3 A delimitação do objeto de estudo
Partindo da metodologia do constructivismo lógico-semântico, sobressai a
relevância dos signos para conhecermos os objetos. Isso porque, para nos
referirmos ao mundo da experiência, somos compelidos a empregar signos que
os representam. Em estudo aprofundado, Edmund Husserl estabeleceu que essa
entidade (signo) é uma relação triádica entre um suporte físico, um significado
e uma significação, sendo que o suporte físico é a parte material do signo,
apreendida pelas nossas sensações (e.g., marcas de tinta no papel, gesto com as
38
CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. São Paulo:
Noeses, 2011/2012, p. XIX.
33
mãos, ondas sonoras), que se refere ao seu significado, consistente na sua
representação individualizada, que, por sua vez, suscita na mente do intérprete
uma ideia, que é a sua significação39
.
Nesta senda, observe-se que as palavras são signos da espécie símbolos
arbitrariamente construídos, não guardando, em princípio, qualquer ligação
com o objeto do mundo que significam40
. Partindo dessa premissa e
contextualizando-a com a estrutura triádica dos signos proposta por Husserl,
temos que o conceito de determinado termo é justamente a significação
suscitada na mente do intérprete, é a ideia manifestada na consciência do
sujeito cosgnoscente a respeito do signo, não do objeto em si, portanto. A
definição, por seu turno, é o conceito demarcado linguisticamente, consiste no
ato de “eleger critérios que apontem determinada forma de uso da palavra, a
fim de introduzi-la ou identificá-la num contexto comunicacional”41
. A
definição pode ser realizada de diversas formas, de modo que,
exemplificativamente, podemos falar em definição denotativa, enumerando os
objetos que pertencem à classe, ao grupo, ou melhor, que são abarcados por um
39
Estas ponderações reforçam a ideia de que não somos capazes de falar a respeito dos
objetos em si, mas dos signos que utilizamos para nos reportar ao mundo da experiência.
Acerca da distinção entre a ideia que temos dos objetos e dos objetos em si mesmos, são as
palavras de Paulo de Barros Carvalho: “É comum a confusão entre ‘objeto’ do
conhecimento e o ‘objeto’ que vemos ali, concretamente existente no mundo real. O que
está em nossa consciência é o conteúdo da forma, não o objeto mesmo, tomado na sua
contextura físico-material. Os filósofos separam de maneira clara essas duas situações,
referindo-se a ‘objeto’ em sentido amplo: a coisa-em-si, percebida por nossos órgãos
sensoriais, e ‘objeto’ em sentido estrito, vale dizer, em sentido epistêmico: conteúdo de
uma forma de consciência. Efeito prático imediato dessa distinção é a lembrança de
William James de que ‘a palavra ‘cão’ não morde’” (CARVALHO, Paulo de Barros.
Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 14). 40
“Um símbolo é um signo que perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse um
interpretante. Tal é o caso de qualquer elocução de discurso que significa apenas por força
de compreender-se que possui essa significação” (PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica.
São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 74). Para o autor, os signos podem ser classificados
segundo o tipo de associação mantida entre o suporte físico e o significado. Os sintomas
patológicos são índices, uma vez que mantém conexão física com o objeto que indicam e o
significado; os desenhos figurativos, porque procuram reproduzir os objetos a que se
referem, são ícones e, por fim, as palavras, que são arbitrariamente construídas, são um
exemplo de símbolo. 41
CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o Constructivismo
Lógico-Semântico. São Paulo: Noeses, 2009, p. 55.
34
mesmo suporte físico; e, conotativa, trazendo critérios que permitem identificar
todos os objetos que podem ser denominados por determinado vocábulo,
trazendo as notas necessárias para que o significado enquadre-se ao suporte
físico42
.
Nos tópicos subsequentes, pretendemos esclarecer o nosso conceito da
expressão fiscalização tributária, de modo a delimitar o objeto que nos
propomos a estudar nesta dissertação.
1.3.1 Relações jurídico-tributárias
Para a devida compreensão do nosso objeto de estudo, são imprescindíveis
algumas breves anotações a respeito das relações jurídico-tributárias.
Em sentido estrito, a relação jurídica é um vínculo interpessoal contido no
consequente das normas jurídicas individuais e concretas e instaurado em razão
da incidência jurídica, manifestada em “direitos, faculdades, autorizações,
poderes, pretensões, que se conferem a um sujeito-de-direito (estão) em relação
necessária com condutas de outros sujeitos-de-direito”43
.
Da incidência e aplicação da legislação tributária podemos falar no nascimento
de duas espécies de relações jurídicas, que dão ensejo ao nascimento do dever:
(i) de recolher determinado montante aos cofres públicos a título de impostos,
42
Ao esclarecer acerca dos institutos da definição denotativa e conotativa, elucidam Ricardo
Guiborg, Alejandro Gigliani e Ricardo Guarinoni: “El conjunto de todos los objetos o
entidades que caben en la palabra ‘ciudad’ se llama la denotación de esta palabra. […] Es
conjunto de estos requisitos o razones, es decir, el criterio de uso de una palabra de clase
(determinante y demostrativo del concepto correspondiente) se llama designación de esa
palabra” (Introducción al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba, 2000, p. 26).
Em termos ordinários, portanto, a denotação é uma espécie do gênero conotação, isto é, é
um núcleo forte do sentido ao qual se somaria uma área confusa e tonalizada da conotação.
Por isso, um texto denotativo transmite uma mensagem inequívoca, com menores
possibilidades de interpretação, visando a suscitar uma única significação, e os textos
conotativos são ambíguos e plurissêmicos, carregando diversas formas de interpretação e,
consequentemente, de significações. 43
VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 121.
35
taxas, empréstimos compulsórios, contribuições gerais e contribuições de
melhoria, e (ii) de praticar determinadas condutas sem expressão patrimonial,
instituídas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos44
. À
primeira o Código Tributário Nacional chamou de obrigação principal e à
segunda, de obrigação acessória45
.
Preliminarmente, cumpre observar que, conforme leciona a mais recente
doutrina46
, o termo obrigações acessórias não é adequado para rotular a
significação que pretende suscitar, em decorrência de duas ponderações:
A obrigação, mais profundamente estudada no âmbito do Direito Civil,
pressupõe uma característica inexistente nessa espécie de vínculo acessório,
qual seja, a sua possível quantificação pecuniária. Nesse aspecto, é importante
ressaltar que, em que pese o parágrafo terceiro do artigo 113 do Código
Tributário Nacional prescrever que a falta da observância de um dever
instrumental enseja a sua conversão em obrigação principal, deve-se
44
“Desse modo, exceto a obrigação de levar certa quantia em dinheiro aos cofres públicos,
advinda da relação jurídica tributária em sentido estrito, […] todos os demais deveres
impostos a esse mesmo sujeito passivo, defronte ao tributo instituído, com a inerente
característica da impossibilidade de mensuração econômica, de cunho administrativo,
devem ser entendidos como deveres instrumentais” (MARICATO, Andreia Fogaça
Rodrigues. Os impactos das mudanças nos deveres instrumentais com a informatização
fiscal: constituição do crédito tributário; prescrição e decadência; e prova tributária. 2014.
Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2014). 45
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge
com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade
pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação
acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou
negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A
obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação
principal relativamente à penalidade pecuniária.” 46
Neste sentido: “tais relações são conhecidas pela designação imprecisa de ‘obrigações
acessórias’, nome impróprio, uma vez que não apresentam o elemento caracterizador dos
laços obrigacionais, inexistindo nelas prestação passível de transformação em termos
pecuniários” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 355); e “entendemos que não se pode afirmar que essas
obrigações tributárias são relações jurídicas ‘lato sensu’ acessórias. E justamente porque
calcados nesses pressupostos, entendemos ser cientificamente oportuno alterar a
denominação das obrigações tributárias ‘acessórias’ para ‘obrigações tributárias
instrumentais” (ZOCKUN, Maurício. Regime Jurídico da Obrigação Tributária
Acessória. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 122).
36
compreender que o desatendimento à legislação que institui dever instrumental
dá razão à aplicação de sanções, eventualmente expressadas em valores
pecuniários, não sendo outorgada, contudo, semblante pecuniário aos deveres
instrumentais, que mantém as suas características independentemente da
constatação do seu não cumprimento pelos utentes do Direito.
Ademais47
, as obrigações principal e acessória não são “umbilicalmente
associadas”48
, ou seja, a legitimidade da obrigação acessória não depende da
eclosão dos efeitos jurídicos da obrigação principal. Nesse sentido, sujeitos
isentos e imunes à tributação são obrigados a cumprir deveres instrumentais e
administrados em geral são submetidos a procedimentos fiscalizatórios, sendo-
lhes imposto o cumprimento de diversos deveres instrumentais, sem que seja
necessariamente constatada a ocorrência do fato jurídico tributário, ensejador
do nascimento da obrigação principal49
. Embora os referidos deveres
47
Talvez conferindo demasiada autonomia aos deveres instrumentais, ensina Aliomar
Baleeiro, “as ‘obrigações acessórias’ têm vida própria, nascendo de hipótese específica e
seguindo regime independente […] somente se extinguindo naqueles casos disciplinados
em lei” (BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 702). 48
ZOCKUN, Maurício. Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 116. 49
“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CDA. MULTA POR
INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. DESCUMPRIMENTO DE
OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. ENTREGA DE GIA. ICMS. EMPRESA ISENTA.
LEGALIDADE DA MULTA. 1. O interesse público na arrecadação e na fiscalização
tributária legitima o ente federado a instituir obrigações, aos contribuintes, que tenham por
objeto prestações, positivas ou negativas, que visem guarnecer o fisco do maior número de
informações possíveis acerca do universo das atividades desenvolvidas pelos sujeitos
passivos (artigo 113, do CTN). 2. É cediço que, entre os deveres instrumentais ou formais,
encontram-se ‘o de escriturar livros, prestar informações, expedir notas fiscais, fazer
declarações, promover levantamentos físicos, econômicos ou financeiros, manter dados e
documentos à disposição das autoridades administrativas, aceitar a fiscalização periódica
de suas atividades, tudo com o objetivo de propiciar ao ente que tributa a verificação do
adequado cumprimento da obrigação tributária’ (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de
Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 288-289). 3. A relação jurídica
tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu (obrigação tributária
principal), como ao conjunto de deveres instrumentais (positivos ou negativos) que a
viabilizam. 4. Os deveres instrumentais (obrigações acessórias) são autônomos em relação
à regra matriz de incidência tributária, aos quais devem se submeter, até mesmo, as
pessoas físicas ou jurídicas que gozem de imunidade ou outro benefício fiscal, ex vi dos
artigos 175, parágrafo único, e 194, parágrafo único, do CTN […] 8. In casu, ainda que o
contribuinte fosse isento do recolhimento do ICMS caberia a ele entregar a GIA ao Fisco
Estadual, motivo pelo qual, em assim não procedendo, legítima a aplicação da multa
constante da CDA objeto da execução fiscal objeto dos presentes embargos. 9. Recurso
37
pressuponham a existência lógica da obrigação tributária, dispensam o seu
surgimento in concreto50
, faltando motivos para ser empregado o adjetivo
acessória à relação em comento.
Postas essas razões, seguimos a sorte daqueles estudiosos que julgam ser mais
conveniente atribuirmos às referidas obrigações o termo deveres
instrumentais51
: dever, porque previstos na lei, e instrumentais, pois que
conferem operacionalidade à regra-matriz de incidência tributária, fornecendo-
lhe motivação para a sua incidência e aplicação. Decorrência lógica, as então
nomeadas obrigações tributárias principais serão simplesmente mencionadas
como obrigações tributárias.
Superada a nomenclatura das relações instituídas pela aplicação das leis
tributárias, passemos a estudá-las.
Em razão da subsunção de determinado fato signo presuntivo de riqueza52
previsto na hipótese de uma regra-matriz de incidência tributária, surgem os
elementos da relação jurídica tributária, cujo objeto é uma prestação pecuniária,
na forma de tributo.
Justamente para viabilizar a fiscalização do cumprimento das normas que
prescrevem a instituição das obrigações tributárias, existem os deveres
instrumentais, que veiculam mandamentos de fazer ou não fazer,
“preordenados a facilitar o conhecimento, o controle e a arrecadação da
especial provido.” (REsp 1035798/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 02/04/2009, DJe 06/05/2009). 50
Neste sentido, são as lições de Luis Eduardo Schoueri: “não é necessário que haja um
tributo devido para que surja o poder de fiscalizar; ao contrário, da fiscalização pode-se
concluir que nenhum tributo é devido. Mas, justamente para que se tenha tal certeza,
haverá a fiscalização. Assim, por exemplo, um ente imune está sujeito à fiscalização, que
investigará se os requisitos constitucionais ou da Lei Complementar, se for o caso, foram
preenchidos” (SHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
721). 51
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 357 et seq. 52
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Noeses, 2007,
p. 535.
38
importância devida como tributo”53
. Os deveres instrumentais representam uma
das espécies de prova competentes para formar a convicção do agente
fiscalizador a respeito dos acontecimentos factuais54
e, ato contínuo, subsumir
o fato à norma.
Com efeito, sob uma perspectiva, ambas as espécies de relações jurídico-
tributárias “colaboram, em momentos distintos, para a realização do mesmo
fim, qual seja, a implantação do tributo”55
. As normas prescritivas de
obrigações acessórias são aplicadas para inserir na realidade jurídica
linguagem que viabiliza o conhecimento acerca dos acontecimentos factuais e o
controle do fiel cumprimento da prestação tributária; e as normas que enunciam
obrigações principais, que pressupõem o tecido de linguagem produzido pelo
cumprimento das obrigações acessórias, são positivadas, constituindo o crédito
tributário.
São exemplos de espécies de obrigações tributárias aquelas decorrentes da
incidência e aplicação das regras-matrizes de incidência do ISS e do ICMS, e
de deveres instrumentais a escrituração de livros, inscrição em cadastro de
contribuintes, apresentação de declarações, promoção de levantamentos físicos,
econômicos ou financeiros, não recebimento de mercadorias desacompanhadas
de nota fiscal, manutenção de dados e documentos fiscais e, inclusive, a
sujeição à fiscalização realizada pela Administração, que é o objeto de estudo
do presente trabalho.
53
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 355. 54
Já individualizando uma espécie de dever instrumental, Fabiana Del Padre Tomé ressalta
prescrição normativa que atribui caráter probatório aos elementos que relatam fatos
sociais: “Vale lembrar, ainda, que o atual Código Civil dispõe, em seu art. 226, que ‘os
livros e fichas dos empresários e sociedades provam contra as pessoas a que pertencem, e,
em seu favor, quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, foram confirmados
por outros subsídios’” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed.
São Paulo: Noeses, 2011, p. 113-114). 55
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 833.
39
Por fim, é importante observarmos que, conquanto o cumprimento dos deveres
instrumentais dê origem a um substrato linguístico que relata o acontecimento
de eventos possivelmente tributáveis, referida linguagem não basta, por si só,
para a constituição da relação jurídico-tributária obrigacional em torno do
objeto prestacional. É imprescindível a enunciação de uma norma individual e
concreta, que veicula a obrigação tributária individualizada no tempo e espaço,
por agente competente, “num resumo objetivo daquele tecido de linguagem,
mais amplo e abrangente, constante dos talonários de notas fiscais, livros e
outros feitos jurídico-contábeis”56
.
Fundamentalmente57
, existem dois sujeitos competentes para produzir as
normas individuais e concretas que veiculam as relações jurídicas tributárias
decorrentes da positivação de normas tributantes e motivadas na linguagem
constante nos documentos decorrentes do cumprimento de deveres
instrumentais: o próprio indivíduo que figura no polo passivo do vínculo
obrigacional tributário e a Administração, por meio dos seus agentes fiscais.
1.3.2 Fiscalização tributária
Ao definir conotativamente o conceito de fiscalização tributária, numa acepção
ampla, enuncia Ruy Barbosa Nogueira, in verbis:
A fiscalização tributária é exercício de poder administrativo,
que compreende todos os atos de ‘verificação’ e ‘controle’,
56
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo:
Noeses, 2008, p. 836. 57
Exemplo de outro sujeito competente para constituir tributo, mormente contribuições
sociais, é o caso dos juízes trabalhistas, cujo fundamento de validade é o artigo 114, inciso
VIII, da Constituição Federal (“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e
julgar: […] VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a,
e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”), regulado pelo
artigo 879, § 1-A, da Consolidação das Leis do Trabalho (“Art. 879 - Sendo ilíquida a
sentença exequenda, ordenar-se-á, previamente, a sua liquidação, que poderá ser feita por
cálculo, por arbitramento ou por artigos. Parágrafo único. Na liquidação, não se poderá
modificar, ou inovar, a sentença liquidanda, nem discutir matéria pertinente à causa
principal. […] § 1o-A. A liquidação abrangerá, também, o cálculo das contribuições
previdenciárias devidas”).
40
devendo examinar perante a legislação se os atos fiscalizados
guardam conformidade com ela.58
Com efeito, relativamente aos tributos constituídos pelos particulares, cabe à
Administração controlar a magnitude do fato jurídico tributário indicada pelo
contribuinte. Já, no que se refere aos tributos constituídos de ofício ou por
declaração, é responsabilidade dos agentes fiscais a verificação inaugural da
ocorrência do fato que enseja a tributação.
Noutros termos, a fiscalização, lato sensu, compreende todos os atos realizados
a pretexto de afirmar o fato jurídico tributário e os seus exatos contornos, ou
infirmar ou confirmar a atividade do particular. Explicamos: a fiscalização
tributária pode acontecer em dois momentos distintos: antes da constituição
inaugural do crédito tributário, pretendendo afirmar a ocorrência do fato
jurídico tributário, ou posteriormente à constituição da relação obrigacional
pelo próprio contribuinte, daí tendo como objetivo infirmar a conduta analisada
(e aplicar sanções administrativas) ou confirmá-la (e homologar a atividade do
particular)59
.
Enfim, genericamente, a atividade fiscalizatória compreende o movimento do
agente competente que visa a sondar os eventos consumados no mundo
fenomênico, por meio da análise documental.
Numa acepção estrita, a fiscalização tributária é o conjunto de atos
investigativos concretizados pela Administração, necessariamente vinculados a
uma forma prevista na lei60
, que culmina com a produção de uma norma
individual e concreta que constrói fatos jurídicos (tributários e/ou
sancionatórios) ou homologa a atividade desempenhada pelo particular, pois
58
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 258,
grifos nossos. 59
Neste sentido, Ruy Barbosa Nogueira assinala que o poder de fiscalizar abrange as
atividades de “controlar não só os lançamentos efetuados, mas descobrir os porventura
omitidos ou errôneos” (ibid., p. 241). 60
Trataremos dessa questão no item 3.5. O critério procedimental – forma do exercício da
competência.
41
subsome o relato do fato social à descrição normativa presente na hipótese de
uma norma primária tributária61
. O discrímen escolhido para a diferenciação
entre a fiscalização tributária em sentido amplo e em sentido estrito repousa na
vinculação da atividade administrativa a um procedimento específico, que, via
de regra, se encerra com a introdução no sistema jurídico de uma norma
reveladora das conclusões fiscais, que afirma o fato jurídico tributário, ou
infirma ou confirma a conduta do particular.
No desempenho da atividade fiscalizatória em sentido estrito, o agente fiscal,
na posse do alicerce documental, mediante um juízo valorativo, constrói a sua
noção acerca dos fatos consumados, que, caso motivem a instauração de uma
relação obrigacional tributária, ensejam o lançamento de ofício62
do crédito
61
Apesar da ausência de menção à possível homologação a atividade do sujeito passivo, vale
a transcrição das palavras de José Artur Lima Gonçalves e Márcio Severo Marques: a
tarefa fiscalizatória “pressupõe a averiguação exaustiva e imparcial dos eventos do mundo
fenomênico, (i) para efetuar sua tradução em conceitos, criando-se os respectivos fatos
jurídicos, (ii) para a verificação da eventual subsunção destes fatos jurídicos (conceitos) à
descrição normativa correspondente, e (iii) para identificação das peculiaridades destes
fatos jurídicos e determinação do conteúdo da obrigação tributária.” (GONÇALVES, José
Artur Lima; MARQUES, Márcio Severo. Processo Administrativo Tributário. Revista de
Direito Tributário, n. 75, 1999, p. 232). 62
Cumpre-nos observar que o termo lançamento padece do vício da ambiguidade, sendo
classificado como norma, ato e procedimento que, em verdade, são momentos
significativos de uma e somente uma realidade62
: o ato é o resultado de uma sequência de
outros atos, que é o procedimento, sendo que ambos (o ato e o procedimento) estão
previstos em normas jurídicas. Disso decorre a circunstância de que a definição do
lançamento tributário irá variar conforme a perspectiva interpretativa do sujeito
cognoscente. Nesta passagem, estamos fazendo uso do termo enquanto ato, produto que
instaura a relação jurídico-tributária obrigacional, veiculando uma norma individual e
concreta que relaciona, em torno de uma prestação pecuniária, dois sujeitos: o sujeito
ativo, detentor do crédito, isto é, do direito subjetivo de exigir o adimplemento da
obrigação tributária, e o sujeito passivo, titular do débito, que é o dever jurídico de
satisfazer a obrigação (“Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria
dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica
brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico
tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela
individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação,
formada pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento
dos termos espaço – temporais em que o crédito há de ser exigido.”) (CARVALHO, Paulo
de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 432).
Inspirado no índice de colaboração do administrado no relato do fato jurídico tributário, o
Código Tributário Nacional categoriza três espécies de lançamento-ato, quais sejam, o de
ofício, por declaração e por homologação. Sendo que, na primeira espécie, a participação
do particular é praticamente inexistente, colaboração esta já equilibrada na segunda
42
decorrente da aplicação da norma primária impositiva ao fechamento da
fiscalização.
Outrossim, ao termo da atividade fiscalizatória, frise-se, em sentido estrito,
também podem ser inseridas outras espécies de normas individuais e concretas,
para além do lançamento. É o caso do auto de infração, que veicula uma sanção
administrativa decorrente da aplicação de uma norma primária derivada
punitiva quando constatados o descumprimento da obrigação de constituir o
tributo ou de cumprir deveres instrumentais. Também é espécie normativa que
pode ser produzida ao término da fiscalização a norma homologatória da
atividade do sujeito fiscalizado63
, em razão da positivação de uma norma
primária derivada não punitiva, motivada pelo adstrito cumprimento das
obrigações e deveres pelo sujeito passivo.
A fiscalização, em sentido estrito, é manifestada pelo exame de mercadorias,
livros de escrituração comercial e fiscal, arquivos, papéis, comprovantes de
lançamentos e movimentação financeira em instituições bancárias64
, sob o
modalidade e, por fim, invertida no último tipo. À parte das críticas a respeito desta
escolha classificatória legislativa, importa-nos ressaltar a dúplice utilidade do lançamento
de ofício, senão vejamos:
O lançamento de ofício” é como que a sentinela daqueles” (por declaração e
homologação), “pois além da função de apurar unilateralmente o crédito tributário,
também tem a função específica de apurar a ação ou omissão que dê lugar à aplicação de
multas fiscais. Pela sua função supletiva, o lançamento ‘ex officio’ tem sobretudo a missão
de apurar a integralidade da verdade material tributária” (NOGUEIRA, Ruy Barbosa.
Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 238).
Noutros termos, nessa acepção, o lançamento de ofício é a espécie de ato produzido pelo
Estado, mediante a concretização de normas primárias precedentes, que constitui tanto de
modo originário, como, também, supletivo, as exações fiscais, quando apurada a
desobediência à legislação tributária, ao termo do procedimento fiscalizatório. 63
Seja em virtude da escorreita atividade desempenhada pelo sujeito fiscalizado, ou da
preclusão do direito de o Fisco lançar. 64
Observe-se que elencamos algumas modalidades por meio das quais é realizada a
atividade fiscalizatória, sem pretensões, contudo, de obter uma lista exaustiva, tendo em
vista as especificidades de cada tributo. Apontando para as especificidades de cada tributo,
que exigem diversas medidas fiscalizatórias, são os ensinamentos de Ruy Barbosa
Nogueira: “Na fiscalização de um imposto como o que incide sobre o lucro operacional
das empresas, precisam ser investigadas operações contábeis, examinados documentos e a
lei permitir o exame de escrita e autorizar métodos específicos de apuração. Se o tributo é
o IPI, exige recursos à tecnologia, perícias etc., de conformidade com a natureza das
operações industriais e assim por diante” (ibid., p. 242).
43
fundamento de um procedimento regrado, sendo concretizada por meio da
visita in loco do agente fiscal no domicílio do administrado ou, também,
através de intimação deste último para a entrega dos documentos na repartição
fiscal65
. Já a fiscalização tributária ampla é também realizada pela análise
esparsa de documentos sem a imprescindibilidade de vinculação do ato
investigativo a um procedimento específico, tampouco a uma finalização
conclusiva.
Observe-se que, na atualidade, em virtude da crescente evolução tecnológica,
tornou-se necessária a adaptação da prática fiscalizatória, que se utiliza cada
vez mais de recursos digitais. Essas mutações viabilizam o aumento vertiginoso
da atividade vigilante da Administração, mais especificamente do campo
pessoal passivo da fiscalização em sentido amplo, pois o cumprimento de
inúmeros deveres instrumentais tornou a ser realizado pelo preenchimento on-
line de informações imediatamente disponibilizadas aos sujeitos políticos que
detêm legitimidade para analisá-las66
.
Na presente dissertação, é foco central das nossas atenções a fiscalização
tributária em sentido estrito, cuja norma competencial será estudada na
minudência de seus critérios informadores. Contudo, sempre que necessário,
recorreremos à fiscalização em sentido amplo para ponderar questões afetas ao
delineamento do regime jurídico daquela.
65
Neste sentido, conforme prescreve o artigo 10, caput, do Decreto n. 70.235/71, que dispõe
sobre o processo administrativo fiscal federal (“Art. 10. O auto de infração será lavrado
por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente”), até
o encerramento da fiscalização pode ser o lugar onde ocorreu a prática infratora, como o
local onde a autoridade constrói a sua convicção a respeito dos fatos: “seja na repartição,
seja no veículo oficial, seja no domicílio de qualquer dos funcionários, seja a caminho de
qualquer desses locais” (ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Processo Administrativo Tributário
Federal – Tributos da Alçada da Secretaria da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional. Bauru: EDIPRO, 1998, p. 61).
E, também: “a distinção entre o trabalho exercitado externamente, ou no âmbito interno
das repartições, em nada modifica o regime jurídico da atividade” (CARVALHO, Paulo de
Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 658). 66
Conjuntamente com este aspecto evolutivo da tecnologia, a permuta de informações
(tratada no item 3.1.3. Permuta de informações) amplia a gama de particulares sujeitos à
fiscalização em sentido amplo.
44
45
2 NOÇÕES FUNDAMENTAIS
2.1 A organização do Estado Brasileiro e a competência tributária
Da análise do ordenamento jurídico Brasileiro, constatamos a escolha pelo
regime republicano de governo, que parte da premissa de que uma comunidade,
ao se organizar num Estado, confere competência a determinados indivíduos
para a administração da res publica. Característica marcante dessa forma de
coordenação para fazer funcionar a complexa máquina estatal é a consagração
da técnica da tripartição da atividade desempenhada em favor do bem comum
nas funções Legislativa, Executiva e Judiciária.
A ideia da separação dos poderes, inicialmente surgida com Platão, em A
República, aperfeiçoada por Aristóteles, em Política, bem como por John
Locke, em Segundo Tratado de Governo Civil, e, finalmente, por Montesquieu,
em O espírito das leis, tem como ideal a “contenção do poder pelo poder”67
.
Em linhas gerais, o Legislativo edita normas do mais alto grau de generalidade,
o Executivo toma medidas individuais com fundamento nas disposições postas
no sistema por aquele e, por fim, o Judiciário decide sobre a conformidade dos
atos individuais em relação às normas gerais.
Contudo, observe-se que essa divisão de funções não é estanque, sendo que,
por exemplo, os órgãos do Executivo, se provocados, são competentes para
decidir sobre a “norma que deve prevalecer nas situações de conflito entre o
agente público e o contribuinte”68
, no exercício atípico de função jurisdicional,
67
“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos
nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as
resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares”
(MONTESQUIEU, Barão de. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p.
172). 68
GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 252.
46
assim como o Judiciário edita as regras do seu regimento interno,
desempenhando papel tipicamente do Legislativo69
.
Anote-se, ainda, que, como forma de realização da República, optou-se, entre
nós, pela federação combinada com a autonomia dos Municípios70
, com a
criação de quatro figuras políticas soberanas dentro de suas respectivas esferas:
União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Com efeito, em virtude da vasta
extensão territorial do Brasil, a descentralização política é a melhor maneira de
assegurar maior proximidade entre governantes e governados71
.
Assim, temos que a União, os vinte e seis Estados federados e os cinco mil
quinhentos e setenta Municípios, além do Distrito Federal, realizam o ideal
republicano de representatividade política no âmbito de suas fatias
competenciais, contando com órgãos próprios que desempenham as funções de
legislar, executar e julgar.
Para o desempenho da atividade que lhe foi confiada pelo sistema jurídico, qual
seja, a gestão da coisa do povo, os sujeitos de direito público interno estão
69
Anotando a dificuldade em diferençar o desempenho pelo Executivo das funções
legislativa e judiciária, tipicamente cometidas ao Legislativo e Judiciário, são as
observações de Gordillo: “las dificultades más serias comienzan cuando se trata de
analizar la actividad de los propios órganos administrativos. Estos órganos dictan actos
materialmente similares a los actos legislativos y jurisdiccionales (como ejemplo de lo
primero, cuando crean reglamentos, de lo segundo, cuando se deciden recursos jerárquicos
presentados por los administrados contra actos de órganos inferiores), pero pareciera
predominar actualmente la opinión de que tanto los reglamentos como las decisiones en
casos concretos son actividad administrativa a pesar de su similitud con la legislativa y
jurisdiccional; la razón de ello está, a juicio nuestro, en que su régimen jurídico es
precisamente también el del derecho administrativo” (GORDILLO, Augustín. Tratado de
derecho administrativo y obras selectas. 11. ed. Buenos Aires: F.D.A., 2013, p. IX-5). 70
Observe-se que os Municípios “não integram a Federação brasileira, composta pelos
Estados e pela União, a despeito da fórmula literal do art. 1º, ‘caput’, mas recebem
dignidade constitucional como está dito no art. 18 desse Diploma” (CARVALHO, Paulo
de Barros. A concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito do ICMS.
In: ______; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra Fiscal: Reflexões sobre a concessão
de benefícios no âmbito do ICMS. São Paulo: Noeses, 2012, p. 32). 71
Neste sentido, citando Celso Antonio Bandeira de Melo, Geraldo Ataliba afirma que pela
forma federativa “melhor funciona a representatividade e de maneira mais enfática o povo
exerce as suas prerrogativas de cidadania e de autogoverno” (ATALIBA, Geraldo.
República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 43).
47
munidos de diversos instrumentos, dentre os quais se destacam aqueles
relacionados à obtenção de recursos financeiros para custear as suas ações72
.
Nesse contexto, surge a ideia da “receita pública”73
, resumida na entrada que se
integra ao patrimônio e acresce o seu vulto, como elemento novo e positivo.
Tomando a peculiaridade da origem dessa verba, podemos classificá-las em
não tributária e tributária, sendo que aquelas são obtidas de modo voluntário,
em virtude da exploração, pelo Estado, de seus próprios bens, enquanto que as
tributárias estão relacionadas à ideia do tributo. Para nós, interessa-nos essa
segunda espécie de receita, mais especificamente, o respectivo expediente que
viabiliza a sua instituição, arrecadação e fiscalização.
Ordinariamente, os meios aptos a instituir, arrecadar tributos e fiscalizar o
cumprimento das obrigações tributárias e dos deveres instrumentais são
chamados de poderes74
. Conforme ensinam os estudiosos75
, porém, o termo
adequado para nomeá-los é competência.
72
GONÇALVES, José Artur Lima. Tributação, Liberdade e Propriedade. In: SHOUERI,
Luis Eduardo (Coord.). Direito Tributário – homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São
Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 242. 73
“A existência do Estado Fiscal está atrelada à existência de tributos. Na medida do
agigantamento das tarefas estatais, cabe ao ordenamento prever os meios para o Estado
financiar seus gastos. Cogita-se, aqui, da obtenção de receita pública” (SHOUERI, Luis
Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 119). 74
Vide: TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro Tributário. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998, p. 310; NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. São
Paulo: Saraiva, 1995, p. 117; MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário.
São Paulo: Malheiros, 2008, p. 172. 75
Em discussão sobre as diferenças entre poder e competência, são os trechos que seguem:
“Prof. Geraldo Ataliba: Penso ser oportuno – para fixar um vocabulário – deixar claro isto:
poder tributário, no Brasil a rigor não existe. O constituinte limitou-se a repartir
competências tributárias. […] Prof. Rubens Gomes de Sousa: Perguntaria apenas, face à
afirmação de que não existe no Brasil poder tributário, mas apenas competências
tributárias repartidas pelo legislador constitucional de uma determinada maneira: A
atribuição de competência tributária, no sentido em que ela está usada neste art. 6º e em
outros dispositivos do Código, não implicaria uma atribuição de poder tributário? Prof.
Geraldo Ataliba: Parcela de poder; uma certa quantidade de poder, que não é poder,
porque é próprio do poder ser ilimitado e global. Prof. Rubens Gomes de Sousa: Poder, na
mediada em que foi conferido. Prof. Geraldo Ataliba: É competência. Parece melhor falar
só de competência e não poder tributário. […] Prof. Rubens Gomes de Sousa: […] Neste
sentido é exato dizer-se que não há poder tributário, como não há também poder
legislativo, a não ser sob a forma de repartição, em frações, deste poder e atribuição de
48
Com efeito, o poder remete à ideia de atuação livre de quaisquer limites, visto
que preexiste ao ordenamento jurídico-positivo. Já a competência nasce no
sistema normativo e por ele, consequentemente, é limitada76
, no sentido de que
o seu exercício consiste em, “acima de tudo, atos que manifestam e que
cumprem deveres: os deveres de implementar a finalidade legal que os
justifica”77
.
Nesse sentido, Roque Antonio Carrazza elucida as distinções entre os termos
poder tributário e competência tributária:
No Brasil, por força de uma série de disposições
constitucionais, não há falar em ‘poder tributário’
(incontrastável, absoluto), mas tão-somente em ‘competência
tributária’ (regrada, disciplinada pelo Direito). De fato, entre
nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro
dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida,
cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País,
poder tributário (manifestação do ‘ius imperium’ do Estado),
mas competência tributária (manifestação de autonomia da
cada uma dessas parcelas a uma das entidades componentes da Federação, e então o poder
estará, neste conceito, delimitado e, portanto, tornado sinônimo de competência. Então,
seria problema terminológico. Prof. Geraldo Ataliba: Não é só. Ele tem a sua utilidade
prática, pelo seguinte: nós sofremos ainda grande influência do direito francês e o direito
italiano, cuja doutrina, jurisprudência e mesmo legislação refletem uma mentalidade
despreocupada com essa problemática, porque, tratando-se de Estados unitários, não há
necessidade de distinguir ‘poder’ de ‘competência’, porque a única expressão de poder
competente é o legislativo nacional; todos os demais são delegados do poder nacional, ao
passo que, no Brasil, o poder legislativo municipal, o estadual e o da União não são
delegados de ninguém, mas recebem, diretamente, do poder constituinte, aquela parcela de
competência. Portanto, têm competência.” (SOUSA, Rubens Gomes; ATALIBA, Geraldo;
CARVALHO, Paulo de Barros. Comentários ao Código Tributário Nacional – parte geral.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 74-76).
Adotando o termo competência em detrimento de poder: CARVALHO, Paulo de Barros.
Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 266; MELO, José
Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2008, p. 84;
JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. São
Paulo: Saraiva, 199, p. 180. 76
Neste sentido, afirma Cristiane Mendonça: “Fica patente, a partir desta óptica, a
dessemelhança que os signos “poder” e “competência” apresentam. Enquanto o poder não
sofre limitação jurídica alguma, a competência nasce limitada, exatamente por ser
disciplina pelo Direito. As regras de um sistema jurídico-positivo têm, entre outros, o
escopo de delinear a competência dos órgãos do Estado. De modo diverso, o Direito não
se imiscui no exercício do poder” (MENDONÇA, Cristiane. Competência Tributária. São
Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 40). 77
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 46.
49
pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-
constitucional). A competência tributária subordina-se às
normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau
superior às de nível legal, que preveem as concretas
obrigações tributárias. Em boa técnica, não se deve dizer que
as pessoas políticas têm, no Brasil, ‘poder tributário’. ‘Poder
tributário’ tinha a Assembleia Nacional Constituinte, que era
soberana. Ela, realmente, tudo podia, inclusive em matéria
tributária.78
Destaca-se, então, que o Estado não detém poderes ilimitados, mas
competências tributárias minuciosamente demarcadas no ordenamento
jurídico, como condição necessária para o desempenho das funções que lhe são
imputadas.
O termo competência tributária padece de plurivocidade, sendo que é
empregado para nomear diversas circunstâncias, dentre as quais:
Apartamos as seguintes: (i) aptidão para criar tributos in
abstracto; (ii) parcela do poder tributário de que são dotadas as
pessoas políticas para instituir seus próprios tributos; (iii)
poder de instituir e de exonerar tributos; (iv) poder para
instituir, exigir e arrecadar tributos; (v) competência
legislativa plena de que são dotadas as pessoas políticas para
instituírem os seus tributos; (iv) competência para legislar
sobre matéria tributária; (vii) poder para legislar sobre
tributos, administrar tributos e julgar litígios tributários.
Poderíamos empregar, ainda, competência tributária com (viii)
aptidão para criar tributos in concreto; (ix) norma jurídica que
autoriza a criação e a alteração dos enunciados prescritivos
veiculadores de tributos (normas gerais e abstratas ou
individuais e concretas) ou (x) autorização jurídico-positiva
para a criação e a alteração dos enunciados prescritivos
veiculadores de tributos (normas gerais e abstratas ou
individuais e concretas).79
Considerando essa multiplicidade de acepções, para o específico estudo da
fiscalização tributária, consideramos relevante apontar um conceito de
competência tributária em sentido estrito e outro em sentido amplo:
78
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 472. 79
MENDONÇA, Cristiane. Competência Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 37-
38.
50
Numa acepção estrita, a competência tributária é parcela da prerrogativa
legiferante dos sujeitos políticos. O Legislativo, no exercício da sua função
típica (legislar), é o titular da competência tributária, na medida em que,
mediante a observância do procedimento legislativo, insere de forma
inaugural80
enunciados prescritivos no sistema jurídico. Isto é, o Legislativo é a
figura que detém a competência tributária stricto sensu, porquanto é titular da:
[…] aptidão, juridicamente modalizada como permitida ou
obrigatória […] para alterar o sistema de direito positivo,
mediante a introdução de novas normas jurídicas que, direta
ou indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação e
fiscalização de tributos81
.
Já sob um viés amplo, podemos afirmar que a competência tributária é a
vocação de produzir normas jurídicas, titularizada por todas as esferas que
compõem o esquema organizacional do Estado82
. De fato, não podemos negar
que os órgãos do Executivo e Judiciário, no exercício de suas precípuas
funções, também inserem no sistema legal enunciados normativos, acabando
por, também, numa acepção ampla, legislar83
, isto é, positivar o Direito,
cumprindo ou fazendo cumprir a lei, introduzindo normas jurídicas no sistema
legal. Vejamos: o Legislativo, por seus agentes credenciados, mediante o
80
Leia-se inaugural no sentido da inovação legislativa não ser flagrantemente previsível,
como decorrência lógica dos preceitos da segurança jurídica e da certeza do direito, pois
que trata da inserção geral e abstrata de um enunciado prescritivo. 81
GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 218. 82
Sobre o assunto e colocando a produção normativa do Supremo Tribunal Federal como a
solucionadora nos casos de positivação de normas jurídicas conflitantes, são as
ponderações de Robson Maia Lins: “A produção de atos de fala pelo Poder põe no
ordenamento jurídico diversas interpretações, vale dizer, diferentes normas jurídicas.
Quando essas interpretações regulam condutas de forma contrária ou contraditória, aparece
o STF, órgão que ocupa a cúspide da pirâmide normativa, para prescrever, com assomos
de maior segurança jurídica, a interpretação que vale, isto é, a norma jurídica que vale”
(LINS, Robson Maia. O Supremo Tribunal Federal e norma jurídica: Aproximações com o
constructivismo lógico-semântico. In: HARET, Florence; CARNEIRO, Jerson. Vilém
Flusser e os juristas. São Paulo: Noeses, 2009, p. 368). 83
Exemplificativamente: ao constatar a regularidade do estabelecimento, o Poder Executivo
emite a norma “dado que o estabelecimento possui instalações adequadas, então confiro-
lhe alvará de funcionamento”; ao decidir que não é constitucional a incidência de
determinado tributos sobre determinadas verbas, o Poder Judiciário enuncia “dado que a
verba x não se encontra no âmbito de abrangência da materialidade da regra matriz de
incidência tributária w, então não é devido o tributo x sobre a verba z.”
51
procedimento previsto em lei, introduz no sistema, de modo inaugural,
enunciados prescritivos. O Executivo, no exercício da sua atividade plenamente
vinculada, aplica aqueles enunciados prescritivos, produzindo regras que regem
os casos concretos. Derradeiramente, se provocado, o Judiciário decide a
respeito de questões litigiosas, colocando no sistema jurídico enunciados que
devem regular as relações intersubjetivas submetidas à sua apreciação84
.
Observe-se, ainda, que, extraordinariamente, como já mencionamos, as funções
de legislar, executar e julgar podem ser concretizadas por órgãos aos quais não
foram precipuamente conferidas (em virtude da elasticidade da tripartição das
funções), sendo que, nos casos de exercício da função Legislativa pelo
Executivo e Judiciário, também não há falar-se numa competência em sentido
estrito, mas amplo85
, já que, por vedações contidas no sistema jurídico, essas
produções normativas não podem veicular conteúdos inovadores, tampouco
seguem as rigorosas etapas do procedimento legislativo.
Portanto, numa acepção ampla, todos os órgãos do Estado são competentes
para expedir diferentes espécies de normas jurídicas. Desde que essas
atividades estejam relacionadas aos temas tributários, podemos afirmar, então,
que o Legislativo, Executivo e Judiciário exercem formas de competência
84
“Dentro da ordem jurídica vigente e nos regimes democrático, o órgão representativo, que
espelha as diferentes correntes de opinião pública nacional, se denomina Poder
Legislativo, porque se lhe reconhece a prerrogativa principal de fazer as leis, de
estabelecer as normas de direito, informadoras da ordem jurídica do Estado-sociedade; e o
órgão que realiza como especial cometimento, de modo prático, essas normas, efetivando,
de modo próprio, como parte, o programa de ação por elas dispostas, se denomina Poder
Executivo; e se nomeia de Poder Judiciário o órgão que objetiva, em posição eminente, a
resolução de controvérsias entre as partes, em posição eminente, a resolução de
controvérsias entre as partes, para assegurar essas normas e firmar situação jurídica
definitiva” (MELO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais do Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 21). 85
Relativamente a este atípico exercício da função legislativa pelos demais órgãos do
Estado, é de grande valia a leitura do estudo realizado por Cristiane Mendonça, que analisa
pormenorizadamente a positivação de normas gerais e abstratas, não apenas pelo
Legislativo, mas também, pelo Executivo e Judiciário, especificamente no que tange à
regra-matriz de incidência tributária, classificando o fundamento sobre o qual se realizam
estas funções em competências Legislativo-tributária, Legislativo-tributária Órgão-
Executivo e Legislativo-tributária Órgão-Judiciário (MENDONÇA, Cristiane.
Competência Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004).
52
tributária86
. No contexto do presente trabalho, é objeto de estudo a atividade
desenvolvida pelos órgãos que compõem o Executivo, fundada numa
competência tributária administrativa para promover a incidência das normas
tributárias87
.
2.1.1 Competência fiscalizatória
A competência de fiscalizar é uma das parcelas da extensa competência
tributária administrativa e consiste no específico labor, desempenhado pela
Administração, de inserir no ordenamento jurídico normas relacionadas à
atividade fiscalizatória. Como já apontamos, as três esferas que compõem a
estrutura organizacional do Estado Brasileiro inserem no sistema legal normas
jurídicas e, sendo assim, são capazes para, sobre diferentes aspectos, legislar
sobre a fiscalização. Enquadra-se no escopo desta dissertação o exercício da
competência fiscalizatória exercida pela Administração, para averiguar, in
86
Neste sentido, “não podemos deixar de considerar que têm, igualmente, competência
tributária o Presidente da República, ao expedir um decreto sobre IR, ou seu ministro ao
editar a correspondente instrução ministerial; o magistrado e o tribunal que vão julgar a
causa; o agente da administração encarregado de lavrar o ato de lançamento, bem como os
órgãos que irão participar da discussão administrativa instaurada com a peça impugnatória
[…]” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 218). 87
Trabalhando com a ideia de diferentes competências relacionadas com cada função dos
órgãos que compõem o Estado, anuncia Daniel Monteiro Peixoto: “Três são as funções do
Estado: a legislativa, a administrativa e a jurisdicional. Em todas elas, como não poderia
deixar de ser, a produção de enunciados prescritivos é regulada por normas de
competência: as ‘normas de competência legislativa’ regulam a função legislativa na
produção de normas, notadamente abstratas e gerais; as ‘normas de competência
administrativa’, a função administrativa na produção de normas, em sua maior parte,
concretas e individuais; e as ‘normas de competência judiciária’, a função jurisdicional em
que o Estado-juiz produz normas com o propósito de resolver determinada situação
litigiosa (podem ser concretas e individuais, no caso das sentenças condenatórias; ou
mesmo abstratas e gerais, como no caso do controle concentrado de constitucionalidade
pelo STF)” (PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na aplicação do
Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 76).
No mesmo passo, Tácio Lacerda Gama enumera a: (i) competência tributária legislativa
desempenhada pelos órgãos do Legislativo; (ii) competência tributária administrativa,
exercida pelo Executivo, subdividida em competência regulamentar e outras, competência
para promover a incidência da norma tributária e, competência jurisdicional atípica; e (iii)
competência tributária jurisdicional praticada pelo Judiciário (GAMA, Tácio Lacerda.
Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. São Paulo: Noeses,
2009, p. 221-263).
53
concreto, a configuração do fato jurídico ensejador da produção do ato do
lançamento tributário e, eventualmente, da lavratura do Auto de Infração ou,
ainda, da introdução de norma que homologa a atividade do sujeito fiscalizado.
Para o exercício deste mister, à Administração tributária são conferidos amplos
poderes investigativos evidenciados, de maneira meramente exemplificativa,
nos artigos 37, inciso XVIII88
, e 145, § 1º89
, da Constituição Federal e 19490
,
19591
, 19792
e 20093
do Código Tributário Nacional.
88
“A administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de
competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma
da lei; […]” 89
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e
nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.” 90
“A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou
especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os
poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação.
Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas naturais ou
jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de
isenção de caráter pessoal.” 91
“Para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais
excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos,
documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou
produtores, ou da obrigação destes de exibi-los. Parágrafo único. Os livros obrigatórios de
escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão
conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações
a que se refiram.” 92
“Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as
informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:
I - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício; II - os bancos, casas bancárias,
Caixas Econômicas e demais instituições financeiras; III - as empresas de administração
de bens; IV - os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais; V - os inventariantes; VI - os
síndicos, comissários e liquidatários; VII - quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei
designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações
quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo
em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.” 93
“As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da força pública
federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de embaraço ou desacato
no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação dê medida prevista na
legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou
contravenção.”
54
Cumpre-nos consignar que essa competência fiscalizatória tributária
administrativa é uma vertente prática da polícia administrativa94
, surgida ao
período absolutista, em virtude das arbitrariedades cometidas pelo Príncipe e,
conceitualmente definida por Clóvis Beznos como:
[…] a atividade administrativa, exercitada sob previsão legal,
com fundamento numa supremacia geral da Administração, e
que tem por objeto ou reconhecer os confins dos direitos,
através de um processo, meramente interpretativo, quando
derivada de uma competência vinculada, ou delinear os
contornos dos direitos, assegurados no sistema normativo,
quando resultante de uma competência discricionária, a fim de
adequá-los aos demais valores albergados no mesmo sistema,
impondo aos administrados uma obrigação de não fazer95
.
Isto é, mediante o exercício do poder de polícia, cumpre ao Executivo a
garantia da fruição dos direitos individuais e coletivo previstos nas normas
gerais e abstratas inseridas no sistema pelo Legislador, por meio de uma
atividade vinculada ou discricionária96
que reconhece e demarca os contornos
94
Doutrinando sobre a competência tributária, dentro da qual se enquadra a competência
fiscalizatória, como uma modalidade do exercício do poder de polícia, são as lições de
Onofre Alves Batista Jr.: “Poder tributário, “poder de tributar” ou poder de instituir
tributos nada mais é que uma das facetas do poder político estatal para realização do bem
comum, ou seja, é apenas uma “manifestação especialíssima do poder de polícia” em um
sentido lato” (BATISTA JR., Onofre Alves. O Poder de polícia fiscal. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2001, p. 14).
Em sentido oposto: “Quando o Estado institui tributos não pretende estabelecer lindes
jurídico-normativos da propriedade ou liberdade dos contribuintes; o poder de tributar tem
por finalidade abastecer o erário de dinheiro à mantença do aparato administrativo
(tributos não-vinculados: impostos) ou à realização de certa atividade pública, referida ao
contribuinte (tributos vinculados: taxas e contribuições)” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder
de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 57). A respeito desta manifestação, cumpre-nos
ponderar que, ao nosso ver, trata-se de raciocínio improcedente. Isso porque, em razão da
função arrecadatória dos tributos, a tributação restringe direitos individuais. Aponte-se
contudo, que a tributação jamais pode aniquilar referidos direitos, mas conformá-los,
assim como o faz o exercício do poder de polícia – “se a Lei Maior assegura o exercício de
determinados direitos, que qualifica como fundamentais, não pode tolerar que a tributação
também constitucionalmente disciplinada, seja desempenhada em desapreço a esses
mesmos direitos” (COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 71). 95
BEZNOS, Clóvis. Poder de polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 76. 96
A polícia administrativa pode desempenhar suas funções de modo vinculado ou
discricionário. Atuará de maneira vinculada sempre que a lei já regular antecipadamente
em todos os aspectos o comportamento que deve ser adotado; e, discricionariamente,
quando a regra outorgar-lhe certa margem de liberdade para escolher, com fundamento em
55
dessas prerrogativas dentro do sistema jurídico, tendo como finalidade última
prezar por uma obrigação de não fazer97
.
Transportando essas lições para o específico campo da atividade fiscalizatória,
temos que o agente competente estabelece os lindes jurídicos da propriedade e
liberdade das pessoas em geral, na medida em que, em contato com os
documentos que relatam as atividades dos contribuintes, emite juízo valorativo
acerca dos fatos, efetuando a subsunção da ideia do fato à hipótese contida na
regra-matriz de incidência tributária (norma primária precedente) e/ou nas
normas primárias derivadas punitivas ou não punitivas.
Observe-se que, em que pese a circunstância de eventualmente a conclusão da
atividade fiscalizatória provocar a instituição de uma obrigação de dar (pagar
tributo, pagar sanção pecuniária), a finalidade última da consecução desses atos
é uma obrigação de não fazer: garantir que nenhum sujeito perturbe os valores
acolhidos pelo sistema normativo, mormente aquele relacionado à provisão de
recursos ao Estado para a gestão da res publica (não sonegar tributos).
critérios de conveniência e oportunidade, o melhor meio de satisfazer o interesse público
que se pretende realizar.
“Há equívoco na assertiva de que a autoridade pública, na polícia administrativa, restringe-
se ao exercício de competência discricionária. Haverá casos em que ela atuará na
competência vinculada. Na competência discricionária o agente público sopesa o caso
concreto, mediante critérios de conveniência/oportunidade, e decide a esfera legítima de
atuação do particular, como ocorre na autorização de porte de arma e na autorização para o
administrado circular com veículos contendo peso excessivo. Já na competência vinculada
a autoridade não tem margem subjetiva; a lei não lhe atribui conveniência/oportunidade
para atuar perante o caso concreto. O exemplo clássico – apontado pela doutrina nacional
– é a licença” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p.
190-193). 97
Ressalte-se que o Código Tributário Nacional, no seu artigo 78, caput, também propõe
uma definição do conceito da atividade desempenhada pela polícia administrativa,
motivadora da instituição de uma modalidade específica de tributo, que é a taxa, in verbis:
“Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou
disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato,
em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes,
à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes
de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular
o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites
da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei
tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”
56
Sobremais, não podemos deixar de ressaltar que, no exercício da atividade
fiscalizatória, enquanto procedimento que precede a expedição de norma
individual e concreta que relata um fato ao qual são logicamente imputadas
relações constitutivas do crédito tributário ou de sanção administrativa, ou
homologatórias da atividade do sujeito passivo, não há falar-se em
discricionariedade da Administração98
: dado o fato de a atividade do
contribuinte subsumir-se ao antecedente da regra-matriz de incidência
tributária; ou dado o fato de a atividade do contribuinte subsumir-se ao
antecedente de uma norma primária derivada punitiva; ou dado o fato de a
atividade do contribuinte subsumir-se ao antecedente de uma norma primária
derivada não punitiva; então, é obrigatória a constituição do crédito tributário;
ou a constituição de uma sanção administrativa; ou a homologação da atividade
do contribuinte. Caso a conduta daquele que fiscaliza não se adéque às
prescrições descritas na legislação, além da pena de declaração de invalidade
do ato eventualmente produzido, é, inclusive, cabível a punição do aplicador do
98
Defendendo a categorização da atividade fiscalizatória ao tipo vinculada, são as palavras
de José Artur Lima Gonçalves e Márcio Severo Marques: “No exercício dessa atividade
(função executiva concernente à fiscalização e controle da arrecadação tributária), a
interferência valorativa do agente público encarregado de levá-la a cabo é absolutamente
vedada, pois, em face do princípio da legalidade, trata-se de atividade administrativa
plenamente vinculada” (GONÇALVES, José Artur Lima; MARQUES, Márcio Severo.
Processo Administrativo Tributário. Revista de Direito Tributário, n. 75, 1999, p. 233).
Também, excetuando a discricionariedade no âmbito fiscalizatório tributário: “Sem
embargo, no entanto, de figurar a discricionariedade – a modo geral – como característica
do poder de polícia, no campo da fiscalização tributária o administrador deverá estar
atento para o caráter vinculado de sua atividade (arts. 3 do CTN 142, parágrafo único, do
CTN) enquanto integrante do procedimento preparatório para a realização do ato de
lançamento” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 504).
E, ainda:
“PAF – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. OBSERVÂNCIA. Na função de aplicador
da lei não pode o julgador tributário esquecer de integrar a interpretação aos princípios
constitucionais que funcionam como “vetores interpretativos”, o agente público que
fiscaliza e apura créditos tributários está sujeito ao princípio da indisponibilidade dos bens
públicos e deverá atuar aplicando a lei – que disciplina o tributo – ao caso concreto, sem
margem de discricionariedade. A renúncia total ou parcial e a redução de suas garantias
pelo funcionário, fora das hipóteses estabelecidas na Lei n. 5.172/66, acarretará a sua
responsabilização funcional” (CARF, 1. Seção, 1. Câmara, 2, Turma, Processo n.
10280.720234/2007-14, Recurso n. 167.959, Acórdão n. 1102-00.247, publicado em
05.07.2010).
57
Direito99
. Adiante, trabalharemos com maior profundidade a questão da
indisponibilidade do interesse público, bem como a estrita submissão do agente
fiscal ao princípio da legalidade, que evidenciam a ausência de
discricionariedade no curso da fiscalização.
Em contraposição a essa severa vinculação da atividade fiscalizatória à lei,
decorrente da necessária subsunção do fato à norma, é de se reconhecer certa
discricionariedade dos atos que compõem o desempenho da fiscalização. Nesse
sentido, mediante a avaliação dos critérios de conveniência e oportunidade,
podem ser selecionados específicos sujeitos para figurarem no polo passivo da
relação fiscalizatória, em virtude da sua extensa numerosidade hodierna100
, bem
como serem analisados quaisquer documentos pertinentes ao tributo que se
pretende averiguar101
.
99
O agente fiscal pode ser responsabilizado, por meio do enquadramento da sua conduta aos
crimes elencados nos artigos 316, caput, e parágrafo primeiro (“Concussão Art. 316 -
Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes
de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos,
e multa. Excesso de exação § 1º - Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que
sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório
ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. § 2º
- Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente
para recolher aos cofres públicos: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa”). E, o
Estado pode ser condenado responsável pela conduta do agente mediante a prova do nexo
causal entre a conduta praticada e o resultado experimentado pelo particular, nos termos
do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal (“As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”), sendo que, caso presente o elemento
culposo ou doloso do agente fiscal, será cabível a promoção da ação regressiva contra
aquele que praticou o ato (Art. 43, Código civil: “As pessoas jurídicas de direito público
interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem
danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver,
por parte destes, culpa ou dolo”). 100
Vide item 3.2.1 Discricionariedade na escolha dos fiscalizados. 101
Neste sentido, são as importantes ponderações de Geraldo Ataliba: “O controle das
atividades dos contribuintes, o conhecimento dos fatos que se ligam diretamente ou
indiretamente à ocorrência dos fatos imponíveis, o acompanhamento de todos os fatos que
dão ensejo a qualquer das relações de capacidade contributiva, assim qualificados pela lei,
tudo isso requer quase plena liberdade para o fisco, agilidade e presteza de movimentos,
possibilidade de ampla liberdade de indagação e investigação. […] Em contraste com essa
liberdade – como visto – é inteiramente vinculada a atividade do lançamento. É que este é
a culminância do procedimento, que se iniciou com os atos preparatórios, que começaram
58
Uma breve digressão é relevante neste ponto: não há confundir-se
discricionariedade com arbitrariedade. Enquanto a arbitrariedade está
relacionada com caprichos pessoais, a discricionariedade é limitada pelo
Direito, na medida em que é exclusivamente nos moldes do direito que a
Administração pode agir.102
Postas as características fundamentais da competência fiscalizatória, é
imprescindível apontar que, nos termos do plexo normativo vigente, o seu
exercício é titularizado pelos agentes públicos. Esses sujeitos são qualificados
por exprimirem:
[…] a manifestação estatal, munidos de uma qualidade que só
podem possuir porque o Estado lhes emprestou sua força
jurídica e os habilitou a assim agirem ou, quando menos, têm
que reconhecer como estatal o uso que hajam feito de certos
poderes103
.
por um vago tatear a partir de indícios e simples alegações” (ATALIBA, Geraldo.
Lançamento – Procedimento regrado: discricionariedade na investigação e levantamento
de dados. Esclarecimentos e informações do contribuinte. Impossibilidade jurídica da
presunção quando a lei requer prova. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 330-331). 102
Sobre a atuação discricionária do administrador:” O poder discricionário não significa que
ele esteja livre para decidir sem recorrer a padrões de bom senso e equidade, mas apenas
que sua decisão não é controlada por um padrão formulado pela autoridade particular que
temos em mente quando colocamos a questão do poder discricionário” (DWORKIN,
Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 53).
Explicitando as diferenças entre a atividade discricionária e arbitrária: “No exercício
desses poderes, já dizia Vivien, falando das autorização discrecionarias, a administração é
investida de um pleno poder; ella póde conceder ou recusar. A lei se submete inteiramente
á sua prudencia. Mas muito convém não consfundir o poder discrecionario de que a
autoridade gosa com o poder arbitrario. O poder propriamente, rigorosamente arbitrario,
isto é, o poder, para uma autoridade, de agir segundo sua vontade pessoal, segundo seu
capricho e seu humor... não existe no Estado moderno. Não é o mesmo com o poder com o
poder discrecionario, que é dependente da regra geral dos serviços públicos: não agir sinão
tendo em vista o interesse comum. Pelo poder arbitrario, a autoridade age indiferente ao
direito; pelo poder discrecionario, age dentro de um circulo geral do direito” (LEAL,
Aurelino. Polícia e Poder de Polícia. Rio Janeiro: Imprensa Nacional, 1918, p. 143). 103
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 244.
59
A categoria dos agentes públicos abarca todos aqueles sujeitos que servem ao
Poder Público104
, consistindo, em requisitos para a sua caracterização, a
natureza estatal da atividade desempenhada e a investidura outorgada ao
indivíduo.
Na sistematização proposta por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello105
, os
agentes públicos podem ser agentes políticos, servidores estatais ou particulares
em atuação colaboradora com o Poder Público. Os agentes políticos consistem
nos indivíduos investidos em cargos estruturais à organização política da
federação. Aqueles que mantêm vínculos de trabalho de natureza profissional e
caráter não eventual, sob relação de dependência, formam a classe dos
servidores estatais, que se subdivide em servidores públicos e servidores das
pessoas governamentais de Direito Privado106
. Por sua vez, os particulares, que
podem se subsumir ao conceito de agente público, são aqueles que exercem
função pública, ainda que às vezes apenas em caráter episódico. São exemplos
desta categoria os sujeitos requisitados para a prestação de atividade pública
(e.g., jurados); que sponte propria assumem a gestão de atividade pública, em
virtude de situações anômalas; contratados por locação civil de serviços (como
o advogado de notório saber jurídico contratado para defesa oral em processo
judicial); bem como os concessionários e permissionários de serviços públicos
e delegados de função ou ofício público.
No caso das atividades relacionadas à fiscalização, instituição e arrecadação de
tributos e sanções decorrentes do descumprimento de obrigações tributárias e
104
“Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar
genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos
expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou
episodicamente” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
São Paulo: Malheiros, 2009, p. 243). 105
Ibid., 1979. 106
Ibid., p. 247.
60
de deveres instrumentais, figuram os servidores estatais comumente
denominados agentes fiscais ou auditores fiscais107
.
2.2 A fiscalização tributária e o dever de colaborar
O dever de colaborar imputado aos indivíduos submetidos à fiscalização é um
“dever de facultar meios de prova cuja valoração caberá ao órgão de aplicação
do direito”108
. Isto é, enquanto sujeito passivo do procedimento fiscalizatório, é
fundamental a participação do particular, proporcionando ao agente competente
meios aptos para a construção de um juízo acerca dos fatos. Todas as provas
colhidas pelo agente fiscal, mediante a colaboração do fiscalizado, são
analisadas e valoradas em conjunto com os demais elementos obtidos, de modo
que o qualificativo da relatividade permeia todos os documentos109
.
Nesse sentido, não há cogitar-se de uma repartição do dever de instrução
probatória entre o Fisco e os fiscalizados, mas de um dever de o particular
107
Ilustrativamente, neste sentido, é a legislação Federal, que enuncia, na Lei nº 10.593, de 6
de dezembro de 2002: “Art. 6º São atribuições dos ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal
da Receita Federal do Brasil: I - no exercício da competência da Secretaria da Receita
Federal do Brasil e em caráter privativo: a) constituir, mediante lançamento, o crédito
tributário e de contribuições; b) elaborar e proferir decisões ou delas participar em
processo administrativo-fiscal, bem como em processos de consulta, restituição ou
compensação de tributos e contribuições e de reconhecimento de benefícios fiscais; c)
executar procedimentos de fiscalização, praticando os atos definidos na legislação
específica, inclusive os relacionados com o controle aduaneiro, apreensão de mercadorias,
livros, documentos, materiais, equipamentos e assemelhados; d) examinar a contabilidade
de sociedades empresariais, empresários, órgãos, entidades, fundos e demais contribuintes,
não se lhes aplicando as restrições previstas nos arts. 1.190 a 1.192 do Código Civil e
observado o disposto no art. 1.193 do mesmo diploma legal; e) proceder à orientação do
sujeito passivo no tocante à interpretação da legislação tributária; f) supervisionar as
demais atividades de orientação ao contribuinte; II - em caráter geral, exercer as demais
atividades inerentes à competência da Secretaria da Receita Federal do Brasil.” 108
XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 161. 109
Exemplificativamente, “a despeito do disposto no art. 226 do Código Civil, cuja
literalidade aparenta conferir caráter de prova plena aos documentos ali relacionados, essa
modalidade de prova documental, assim como qualquer outro meio probatório tributário,
ostenta o qualificativo da relatividade, podendo ser ilidida por prova contrária,
demonstrando-se a falsidade da escrituração, realizada de modo inadvertido ou proposital”
(TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses,
2011, p. 114).
61
proporcionar relatos de fatos que serão apreciados livremente, perfazendo o
papel de elemento de convicção da Administração110
.
Na posse dos elementos colhidos durante o procedimento fiscalizatório, a
Administração procede à sua análise dentro do contexto da sua atividade, sendo
que a presunção de adequação do relato ao fato pode ser afastada no caso
concreto111
. Especialmente porque:
O processo tributário é oficial e não um processo de partes. O
fisco não pode só considerar o que o obrigado alega e prova;
não pode supor inexistente o que ele cale. Deve o fisco
conduzir o procedimento (de lançamento ou de recurso) com o
fim de lançar, o mais exatamente possível, o estado de coisas
que criou o fato gerador, seja esse (estado de coisas) favorável
ou não ao acusado112
.
Na fiscalização em sentido estrito, é o fisco quem tem o dever de oferecer
prova concludente de que o fato ocorreu na estrita conformidade da previsão
110
Ruy Barbosa Nogueira é contundente ao atribuir caráter instrutório à participação do
fiscalizado no procedimento fiscalizatório, demonstrando que os documentos que relatam
as atividades dos particulares ainda prescindem de valoração pela administração: “A
autoridade fiscal apura de ofício o fato tributário, determina o modo e a extensão dessa
apuração e não se vincula às alegações e provas das partes” (NOGUEIRA, Ruy Barbosa.
Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 239).
Também neste sentido: “o contribuinte tem o dever jurídico de colaborar na instrução
desse procedimento [fiscalizatório], o que inclui prestar declarações, esclarecimentos,
exibir livros ou documentos em seu poder, ou seja, facultar os meios de prova cuja
valoração caberá à autoridade fazendária” (NEDER, Marcus Vinicius; LOPEZ, Maria
Teresa Martínez López. Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo:
Dialética, 2002, p. 99). 111
Uma vez preenchidos os requisitos procedimentais afetos à produção dos deveres
instrumentais, são as palavras de José Luiz Saldanha Sanches acerca da verossimilhança
dos relatos: “A regularidade formal cria uma presunção de conformidade material, mas tal
presunção pode ser afastada pelas circunstâncias externas que põe em causa os elementos
contidos na contabilidade” (SANCHES, José Luís Saldanha. A quantificação da obrigação
tributária. Lisboa: Lex, 2000, p. 260). 112
ATALIBA, Geraldo. Lançamento – Procedimento regrado: discricionariedade na
investigação e levantamento de dados. Esclarecimentos e informações do contribuinte.
Impossibilidade jurídica da presunção quando a lei requer prova. Estudos e Pareceres de
Direito Tributário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 341. Observe-se que, em
que pese ao mestre Geraldo Ataliba tratar dos termos processo e procedimento de modo
diferente do que demonstraremos no item seguinte, julgamos interessante colacionar as
suas palavras, que realçam a presunção relativa dos documentos apresentados pelo
fiscalizado.
62
genérica da hipótese normativa. Para tanto, realiza a análise de documentos,
podendo infirmar relatos produzidos pelo administrado113
.
A título ilustrativo, no plano federal, a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo
administrativo no âmbito da Administração Pública Federal114
, anuncia os
deveres do administrado que se alinham com o dever de colaborar tratado neste
item, in verbis:
Art. 4º São deveres do administrado perante a Administração,
sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:
I - expor os fatos conforme a verdade;
II - proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;
III - não agir de modo temerário;
IV - prestar as informações que lhe forem solicitadas e
colaborar para o esclarecimento dos fatos.
Como se pode notar, o dever de colaboração do particular resume-se em
posturas facilitadoras do acesso do agente fiscal aos relatos dos fatos, sendo
que a valoração das provas fica à mercê deste último. O atendimento à
intimação para a apresentação de documentos gera uma expectativa acerca das
normas que serão aplicadas ao caso concreto, sendo que apenas o sujeito
competente para interpretar os elementos emite um juízo juridicamente
relevante a respeito do Direito aplicável.
Tamanha é a relevância da cooperação do sujeito fiscalizado, que a sua
ausência, nos casos de presunção de incidência de tributo, enseja não apenas o
113
“Por exemplo, se certo documento designa uma operação de compra e venda, mas a
mercadoria vendida não existe, ou não foi determinado preço, negócio jurídico de compra
e venda não há, de sorte que o Fisco estará habilitado para requalificar – em outra situação
jurídica – ou desqualificar – para não enquadrá-la em nenhuma outra situação jurídica – a
linguagem produzida pelo contribuinte, para fina de perfazer a incidência da norma
tributária (MCNAUGHTON, Charles William. Elisão e Norma Antielisiva. São Paulo:
Noeses, 2014, p. 169). 114
E, observe-se, reconhecidamente pela doutrina e jurisprudência aplica-se também às
esferas Estaduais, Municipais e Distrital.
63
emprego das técnicas indiciárias para a constituição dos fatos jurídicos, como,
ainda, a denúncia por resistência, desobediência ou desacato115
, a requisição do
auxílio de força pública116
, o ajuizamento de ação de busca e apreensão117
, a
115
Código Penal: “Resistência Art. 329 - Opor-se à execução de ato legal, mediante violência
ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando
auxílio: Pena - detenção, de dois meses a dois anos; Desobediência Art. 330 - Desobedecer
a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e
multa; Desacato Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em
razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.” 116
Código Tributário Nacional: “Art. 200. As autoridades administrativas federais poderão
requisitar o auxílio da força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente,
quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando
necessário à efetivação dê medida prevista na legislação tributária, ainda que não se
configure fato definido em lei como crime ou contravenção.” 117
Código de Processo Civil: “Art. 839. O juiz pode decretar a busca e apreensão de pessoas
ou de coisas.”
64
aplicação de penalidade pelo embaraço à atividade fiscalizatória118
, além da
possível criminalização da conduta119
.
Outrossim, é importante observar que o dever de colaborar, assim como todos
os demais direitos e deveres, não é absoluto, de modo que exige a delimitação
do seu âmbito de proteção, isto é, da acurada definição do seu conteúdo120
.
118
Como é o caso da instituição do regime especial de fiscalização previsto no Regulamento
do Imposto sobre operações de importação: “Art. 541. A Secretaria da Receita Federal do
Brasil poderá determinar regime especial para cumprimento de obrigações, pelo sujeito
passivo, nas seguintes hipóteses: I - embaraço à fiscalização, caracterizado pela negativa
não justificada de exibição de livros e documentos em que se assente a escrituração das
atividades do sujeito passivo, bem como pelo não fornecimento de informações sobre
bens, movimentação financeira, negócio ou atividade, próprios ou de terceiros, quando
intimado, e demais hipóteses que autorizam a requisição do auxílio da força pública, nos
termos do art. 200 da Lei nº 5.172, de 1966; II - resistência à fiscalização, caracterizada
pela negativa de acesso ao estabelecimento, ao domicílio fiscal ou a qualquer outro local
onde se desenvolvam as atividades do sujeito passivo, ou se encontrem bens de sua posse
ou propriedade; III - evidências de que a pessoa jurídica esteja constituída por interpostas
pessoas que não sejam os verdadeiros sócios ou acionistas, ou o titular, no caso de firma
individual; IV - realização de operações sujeitas à incidência tributária, sem a devida
inscrição no cadastro de contribuintes apropriado; V - prática reiterada de infração da
legislação tributária; VI - comercialização de mercadorias com evidências de contrabando
ou descaminho; ou VII - incidência em conduta que enseje representação criminal, nos
termos da legislação que rege os crimes contra a ordem tributária. § 1o O regime especial
de fiscalização será aplicado em virtude de ato do Secretário da Receita Federal do Brasil.
§ 2o O regime especial pode consistir, inclusive, em: I - manutenção de fiscalização
ininterrupta no estabelecimento do sujeito passivo; II - redução, à metade, dos períodos de
apuração e dos prazos de recolhimento dos tributos; III - utilização compulsória de
controle eletrônico das operações realizadas e recolhimento diário dos respectivos tributos;
ou IV - exigência de comprovação sistemática do cumprimento das obrigações tributárias.
§ 3o As medidas previstas neste artigo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente,
por tempo suficiente à normalização do cumprimento das obrigações tributárias. § 4o A
imposição do regime especial não elide a aplicação de penalidades previstas na legislação
tributária. § 5o As infrações cometidas pelo contribuinte durante o período em que estiver
submetido a regime especial de fiscalização serão punidas com a multa de que trata o art.
571.” 119
Criminalizando a conduta consubstanciada no desatendimento de intimação fiscal para a
apresentação de documentos é Lei nº 8.137/1990, artigo 1, inciso V: “Art. 1° Constitui
crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e
qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: […] V - negar ou deixar de fornecer,
quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria
ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a
legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” 120
Observe-se que, a título de estudo das limitações e restrições aos direitos, foram
desenvolvidas as teorias externa e interna. Segundo a teoria externa, o direito individual e
a restrição são categorias distintas, que necessariamente devem ser compatibilizadas para
possibilitar a convivência em sociedade. Já para a teoria interna, os direitos individuais e
as restrições são partes opostas de uma mesma moeda, tal como ressalvado por Alexy: “a
eventual dúvida sobre o limite do direito não se confunde com a dúvida sobre a amplitude
65
Nesse sentido, há recusas legítimas de colaboração, tais como nas hipóteses de
pedido de informações que afrontem ao princípio da legalidade, como por
deveres instrumentais não instituídos por lei, ou à proporcionalidade, pela
solicitação de documento que não se configure o meio menos oneroso para o
fiscalizado facultar a informação à Administração, por exemplo121
.
2.3 A fiscalização tributária: processo ou procedimento?
É essencial esclarecermos as diferenças entre procedimento e processo para
que possamos contextualizar a fiscalização tributária neste tema e, assim,
definir aspectos fundamentais para o estudo do seu regime jurídico.
das restrições que lhe devem ser impostas, mas diz respeito ao próprio conteúdo do
direito” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Vírgilio Afonso
da Silva. São Paulo, 2008).
Para uma melhor compreensão das teorias do âmbito de proteção dos direitos, podemos
traçar semelhanças às concepções de imunidade e de isenção. Relativamente à teoria
interna, podemos afirmar que a similitude com as normas imunizantes existe porque estas
“estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito
constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações
específicas e suficientemente caracterizadas”, impedindo a construção da regra-matriz de
incidência tributária. Igualmente, a teoria interna nega a existência de direitos e limitações
como categorias autônomas, mas compatibilizadas e resultantes de um único direito,
demarcado pelas limitações. Destarte, enquanto a imunidade delimita a competência
tributária, aqui, a contraposição entre direito e restrição delimita o âmbito de abrangência
do direito fundamental. Também, pode ser traçado paralelo entre a teoria externa e a
isenção na medida em que esta é o fenômeno de “encontro de normas com a mutilação da
regra matriz de incidência”, sendo que esta mutilação decorre do encontro de duas normas
jurídicas – regra de tributação e regra de isenção –, que inibe a incidência da hipótese
tributária sobre os eventos abstratamente qualificados pelo preceito isentivo, ou que lhe
tolhe as consequências, comprometendo-lhe os efeitos prescritivos da conduta. Da mesma
forma, na teoria externa pressupõe-se a existência de duas normas jurídicas – regra de
direito e regra de restrição –, que são conflituosas e devem ser compatibilizadas, com a
consequente mitigação de atuação de uma delas.
Enfim, o maior obstáculo à delimitação do âmbito de proteção dos direitos,
independentemente da teoria adotada, está na dificuldade da constatação objetiva dos
limites dos limites, isto é, admitindo-se a possibilidade de limitação ou restrição a direitos
fundamentais, resta a árdua tarefa de demarcação do núcleo essencial de cada direito para
fins de aferição de eventuais (in)constitucionalidades e (i)legalidades. 121
Sobre o assunto, vide item 3.6. O critério prestacional.
66
A corrente majoritária dos administrativistas brasileiros122
aponta repousar na
litigiosidade a diferença fundamental entre o procedimento e o processo.
Enquanto o procedimento é termo que se vale para nomear a forma de
concatenação de determinados atos, o processo, mais amplo e abrangente, é um
procedimento especificamente voltado para a solução de um litígio. Nesse
sentido, o procedimento é uma espécie de itinerário que deve ser seguido para o
atingimento de uma finalidade específica. Esta ideia é ponderada por Marçal
Justen Filho, ipsis litteris:
O procedimento consiste numa sequência predeterminada de
atos, cada qual com finalidade específica, mas todos dotados
de uma finalidade última comum, em que o exaurimento de
cada etapa é pressuposto de validade da instauração da etapa
posterior e cujo resultado final deve guardar compatibilidade
lógica com o conjunto dos atos praticados123
.
Disso decorre a conclusão lógica de que todo processo pressupõe um
procedimento, mas nem todo procedimento converte-se em processo.
No Direito Tributário, encontramos este dualismo processo/procedimento em
três diferentes momentos no percurso de positivação das normas, quais sejam:
procedimento administrativo preparatório do ato do lançamento tributário124
;
processo administrativo, instaurado em razão da impugnação do contribuinte
122
Vide: FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
1985, p. 280; MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 480. 123
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2011,
p. 306. 124
Enquadrando-se nessa fase, nos casos em que prevista na legislação, ainda, a eventual
revisão do ato de lançamento em face da ausência de impugnação do contribuinte. (e.g.,
Artigo 29 da Lei Estadual nº 10.941/2001, que dispõe sobre o processo administrativo
tributário decorrente de lançamento de ofício e dá outras providências: “Apresentada
defesa, ou findo o prazo sem que esta seja apresentada, o processo deve ser como regra,
imediatamente encaminhado ao órgão de julgamento de primeira instância
administrativa”).
67
contra o crédito constituído; processo judicial, em sede do qual atua um
terceiro imparcial para a solução da controvérsia125
.
As características que diferem o procedimento administrativo tributário do
processo administrativo tributário são muito bem elucidadas por Fabiana Del
Padre Tomé. Vejamos:
Enquanto o procedimento administrativo tributário é
marcadamente fiscalizatório e apuratório, visando a preparar o
ato constituidor da obrigação tributária ou da sanção pelo
descumprimento desta ou de deveres instrumentais, a figura
do processo administrativo só aparece em momento posterior
ao nascimento do crédito tributário, mediante resistência do
contribuinte à pretensão do Fisco126
.
Focando as nossas atenções na fase fiscalizatória, confirmamos a míngua da
litigiosidade entre os envolvidos127
, fundamentalmente porque o iter
procedimental que caracteriza a fiscalização é aquele que precede a
constituição de obrigações decorrentes da incidência de normas impositivas de
tributos e/ou de sanções administrativas ou homologatórias da atividade do
contribuinte. Isto é, o procedimento fiscalizatório é composto por uma série de
atos que visam à aplicação de uma norma primária128
que, então, enseja o
125
Neste sentido, “no Direito Tributário, como já visto em capítulos anteriores, deve-se
enfrentar o dualismo procedimento/processo em três diferentes regimes jurídicos: 1º
procedimento enquanto caminho para consecução do ato de lançamento (inclusive
fiscalização tributária e imposição de penalidades); 2º processo como meio de solução
administrativa dos conflitos fiscais; e 3º processo como meio de solução judicial dos
conflitos fiscais” (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro
(Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 160). 126
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses,
2011, p. 279. 127
Corroborando a assertiva pela ausência de litigiosidade na fase fiscalizatória, é a regra
insculpida no artigo 14, do Decreto nº 70.235/1972, que dispõe sobre o processo
administrativo fiscal federal: “a impugnação administrativa instaura a fase litigiosa do
procedimento” (NEDER, Marcos Vinicius; LOPEZ, Maria Teresa Martínez López.
Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 28). 128
Retomando, em breve síntese, algumas ideias traçadas no item 1.2.2. Norma jurídica
completa deste trabalho, todas as normas em sentido estrito são organizadas na forma
lógica hipotética condicional, de modo que o antecedente implica o consequente. No
sistema jurídico, caracterizado pela sua coercitividade, existem (i) a norma primária, que
contém na sua hipótese a descrição de um fato hipotético, prescrevendo, na sua tese, uma
relação entre sujeitos com direitos e deveres materiais correlatos; e (ii) a norma
68
nascimento de uma relação jurídico-tributária129
. É depois de constituídas
juridicamente as relações jurídicas que podem ser suscitadas inconformidades a
respeito de seus termos.
Com efeito, a relação jurídica obrigacional tributária é instaurada quando
presentes e, necessariamente, traduzidos em linguagem competente, os seus
cinco elementos constitutivos: sujeitos ativo e passivo, direito subjetivo, dever
jurídico e objeto.
Noutro giro, antes e durante o transcurso do procedimento fiscalizatório,
inexiste a obrigação formalizada, tampouco a pretensão resistida130
. É depois
de constituída a relação entre o contribuinte e o ente político competente que
surge a exigibilidade da obrigação, surgindo as possibilidades de o autuado
quitar a dívida ou contestá-la, seja em sede de processo administrativo ou
judicial.
Decerto, uma vez efetuado o lançamento, pode ocorrer o pagamento,
encerrando nesta etapa a concretização do Direito, exclusivamente, por meio de
um procedimento administrativo. Existe, porém, a possibilidade de ser
instaurada uma fase processual, permeada pela litigiosidade, caso o sujeito
passivo da obrigação, veiculada pelo documento que relata a incidência
tributária, venha a insurgir-se contra a pretensão estatal. Em sede de processo
administrativo, o litígio será solucionado por órgão que integra a própria
Administração Tributária. Neste caso, numa espécie de controle de legalidade
do ato impugnado, será proferida decisão que se restringirá a analisar a
adequação do ato à lei.
secundária, que prescreve a atuação coercitivo-sancionatória dos Estado-juiz na hipótese
de descumprimento das normas primárias. 129
“Até a interposição da peça impugnatória pelo contribuinte, o conflito de interesses ainda
não está configurado. Os atos anteriores ao lançamento referem-se à investigação fiscal
propriamente dita, constituindo-se medidas preparatórias tendentes a definir a pretensão da
Fazenda. Há simples procedimento que tão-somente conduz a constituição do crédito
tributário.” 130
MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial).
São Paulo: Dialética, 2014, p. 164.
69
Mais amplamente, com a instauração de um processo judicial, podem ser
discutidos assuntos mais abrangentes do que a submissão do ato de lançamento
às prescrições legais. O autuado tem o direito de requerer, com fundamento
numa norma secundária, a manifestação do Poder Judiciário, que é parte
desinteressada no litígio, a respeito do conflito suscitado131
.
Feitas essas ponderações, fica evidente que a atividade fiscalizatória é realizada
a título de um procedimento administrativo até o momento que apura a
ocorrência de fatos ensejadores da aplicação de normas primárias precedentes
ou derivadas punitivas ou não punitivas.
Decorrência lógica da conclusão pelo caráter procedimental da atividade
fiscalizatória é a inaplicabilidade do princípio da ampla defesa e a existência de
um contraditório mitigado132
durante a concretização desses atos que perquirem
131
“O juiz é imparcial. Ele não é titular dos interesses sobre os quais decide. Ele personifica o
Estado-jurisdição, que é parte na relação processual Essa relação processual é peculiar,
uma vez que congrega três partes (usualmente) e tem por objeto obter uma solução para o
litígio existente em outra relação jurídica” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito
Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 311). 132
Importante observar aqui a distinção entre a ampla defesa e o contraditório. Aquele diz
respeito à oportunidade de deduzir resistência às pretensões adversárias, enquanto que este
refere-se ao direito de ser ouvido.
Fixadas estas ideias, exemplo do mitigado contraditório é a comunicação do início do
procedimento fiscalizatório, o direito de consulta dos atos procedimentais, o direito de
apresentar documentos quando intimado, o direito de solicitar a dilação de prazo para o
atendimento à intimação.
Pela inaplicabilidade da ampla defesa no procedimento fiscalizatório: “[…] NULIDADE
DO PROCESSO FISCAL. MOMENTO DA INSTAURAÇÃO DO LITÍGIO.
CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. Somente a partir da lavratura do auto de
infração é que se instaura o litígio entre o fisco e o contribuinte, podendo-se, então, falar
em ampla defesa ou cerceamento dela, sendo improcedente a preliminar de cerceamento
do direito de defesa quando concedida, na fase de impugnação, ampla oportunidade de
apresentar documentos e esclarecimentos. […]” (CARF; Primeira Seção; Acórdão nº
1402-001.763; publicado em 16/09/2014).
Sequer considerando aplicáveis os princípios da ampla defesa, como também do
contraditório, na fase procedimental que antecede a constituição do crédito tributário:
“Como explicitado na Seção I, o processo administrativo fiscal é composto de dois
momentos distintos: o primeiro caracteriza-se por procedimento em que são prolatados os
atos inerentes ao poder fiscalizatória do autoridade administrativa cuja finalidade é
verificar o correto cumprimento dos deveres tributários por parte do contribuinte,
examinando registro contábeis, pagamentos, retenções na fonte, culminando com o
lançamento. Este é, portanto, o ato final que reconhece a existência da obrigação tributária
e constitui o respectivo crédito, vale dizer, cria o direito à pretensão estatal. Nesta fase, a
70
dados factuais: inexistente crédito constituído, não há motivo para a
salvaguarda de uma participação ativa do fiscalizado no sentido de lhe outorgar
oportunidade de deduzir a sua inconformidade contra obrigação sequer
existente133
.
Também em favor da regra que preza pela ausência da ampla defesa nesta fase
procedimental, são os argumentos de que a natureza estritamente vinculada da
atividade fiscalizatória torna irrelevante a averiguação dos interesses dos
particulares e de que a fiscalização é voltada a um vasto campo de
destinatários, que combinado com infinitos recursos tecnológicos, inviabilizaria
o desempenho da atividade fiscalizatória com uma robusta participação dos
particulares134
.
atividade administrativa pode ser inquisitória e destinada tão-somente à formalização da
exigência fiscal. O segundo inicia-se com o inconformismo do contribuinte em face da
exigência fiscal ou, nos casos de inciativa do contribuinte, com a negativa do direito
pleiteado. A partir daí, está formalizado o conflito de interesses, momento em que se
considera existente um verdadeiro processo legal, entre eles o da ampla defesa e do
contraditório” (NEDER, Marcos Vinicius; LOPEZ, Maria Teresa Martínez López.
Processo Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 75-
76).
Também neste sentido: “O procedimento fiscalizador interessa apenas ao Fisco e tem a
finalidade instrutória, estando for a da possibilidade, ao menos enquanto mera fiscalização,
dos questionamentos processuais do contribuinte. […] na etapa meramente fiscalizatória
não há que se falar em contraditório ou ampla defesa, pois não há, ainda, qualquer espécie
de pretensão fiscal sendo exigida pela Fazenda Pública em face do contribuinte, mas tão
somente o exercício da faculdade da Administração Tributária em examinar mercadorias,
livros, arquivos, documentos, papéis fiscais ou comerciais e da correspectiva obrigação do
contribuinte em exibi-los” (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro
(Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 228, 267-268). 133
Corroborando a assertiva, é o magistério de Fabiana Del Padre Tomé: “Apenas no âmbito
do processo, entretanto, tem-se a garantia constitucional da ampla defesa, visto que esta,
nos termos da Carta Magna, aplica-se “aos litigantes” ou “acusados em geral”. O
procedimento administrativo fiscalizador não representa materialização conflitiva,
configurando sequência de atos unilaterais com vistas a verificar a ocorrência ou não do
fato jurídico ou do ilícito tributário, inviabilizando, por conseguinte, questionamentos e
oposição por parte do contribuinte” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito
Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 300). 134
“Dificilmente se concebe, na verdade, que o lançamento tributário deva ser precedido de
uma necessária audiência prévia dos interessados. Duas razões desaconselham tal
audiência: em primeiro lugar, o caráter estritamente vinculado do lançamento quanto ao
seu conteúdo torna menos relevante a prévia ponderação de razões e interesse
apresentados pelo particular do que nos atos discricionários; em segundo lugar, o fato de
se tratar de um “procedimento de massas”, dirigido a um amplo universo de destinatários e
71
2.4 Os princípios que regem a atividade fiscalizatória tributária
Conforme já mencionamos outrora, os princípios, por serem normas jurídicas
de significação prescritiva com elevada relevância valorativa, influenciam
vigorosamente a construção de outras normas jurídicas, mormente daquelas
relacionadas à atividade fiscalizatória.
O necessário respeito a essa espécie normativa é muito bem apontado por Celso
Antonio Bandeira de Mello, in verbis:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não
apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio
atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia
irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura
mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o
sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada135
.
Assim, com o intuito de agregar mais elementos para o estudo dos contornos
jurídicos de qualquer instituto do Direito, é de grande importância a análise das
específicas diretrizes magnas que devem nortear a compreensão de todo o
sistema em que o objeto submetido ao conhecimento se insere.
Relativamente à atividade desempenhada pela Administração Pública, em suas
inúmeras atribuições, a Constituição Federal, no artigo 37, caput136
, enuncia
serem princípios de obrigatória obediência a legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência. Em idêntica reprodução do referido
baseado em processos tecnológicos informáticos, tornaria praticamente inviável o
desempenho da função, se submetida ao rito da prévia audiência individual” (XAVIER,
Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005,
p. 175). 135
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 546. 136
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […]”
72
enunciado prescritivo é o artigo 111 da Constituição Estadual de São Paulo137
.
No mesmo norte, a Lei nº 9.784/1999138
, que regula o processo administrativo
no âmbito da Administração Pública Federal, enumera serem princípios que
regem a atividade dos agentes públicos: legalidade, finalidade, motivação,
razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,
segurança jurídica, interesse público, eficiência, dentre outros.
Neste trabalho, porque o objeto de estudo restringe-se à atividade da
Administração pública que precede a aplicação das normas tributárias que
afirmam o fato jurídico tributário ou infirmam ou confirmam a atividade do
particular, serão estudados apenas selecionados princípios enunciados no
Direito Positivo, cujos conteúdos são de fundamental relevância para o
delineamento do regime jurídico da fiscalização tributária.
2.4.1 Supremacia do interesse público sobre o interesse privado
O trato da supremacia do interesse público sobre o privado é eixo central de
estruturação científica do regime jurídico da fiscalização tributária. A gestão da
res publica, mormente através da atividade fiscalizatória, tem como meta a
realização do interesse público, isto é, do “conjunto de interesses que os
indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de
membros da sociedade e pelo simples fato de o serem”139
.
Conquanto possa haver a contraposição de um específico interesse pessoal a
um interesse público, este último jamais vai de encontro com todos os
interesses pessoais. Exemplificativamente, um indivíduo provavelmente não
137
“A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do
Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.” 138
“A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade,
finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa,
contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” 139
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 61.
73
tem interesse em exibir à Administração todos os documentos que relatam a
sua atividade econômica para, consequentemente, transferir parte do seu
patrimônio ao Erário; contudo, os demais membros do corpo social necessitam
de escolas, estradas e saúde subsidiadas pelo Estado com o emprego da receita
advinda dos tributos140
. O interesse público, portanto, é uma faceta dos
interesses dos indivíduos de determinada sociedade, justificando-se enquanto
meio de realização dos interesses de suas partes.
Fixados estes conceitos, resta evidente que a supremacia do interesse público
sobre o privado proclama a superioridade do plexo de interesses coletivos sobre
o do particular, inclusive para a garantia de existência deste último.
Corolário lógico da priorização do público em detrimento do particular é a
indisponibilidade do interesse perseguido pela Administração141
. Uma vez
constatados elementos caracterizadores da concretização do conceito descrito
no antecedente das normas primárias tributárias, é obrigatória a subsunção da
ideia do fato à norma, instaurando uma relação jurídica, não havendo espaço
para qualquer espécie de ponderação de interesses, tampouco de acordos, visto
que o agente fiscal não detém poderes para dispor do interesse público,
especialmente do crédito tributário: é obrigação da Administração perquirir
sobre a ocorrência dos fatos ensejadores da tributação e constituí-lo nos exatos
termos e dimensão aferível pela análise documental.
140
Introduzindo a questão da elisão tributária, são os comentário de Charles William
McNaughton: “A ideia de que a economia tributária é antiética e abusiva parte mais ou
menos da seguinte linha: a arrecadação de tributos beneficiaria a todos e é em prol da
justiça social. Já a ausência de tributação favoreceria somente o indivíduo. Apenas um
individualismo exacerbado, desprovido de uma interação com o que a sociedade almeja,
sustentaria que garantias individuais, já superadas, como a legalidade, são mais
importantes do que valores éticos como a igualdade e solidariedade (MCNAUGHTON,
Charles William. Elisão e Norma Antielisiva. São Paulo: Noeses, 2014, p. XXII). 141
Sobre a magnitude dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da
indisponibilidade dos interesses públicos, são as palavras de Celso Antonio Bandeira de
Mello: “Todo o sistema de Direito Administrativo, a nosso ver, se constrói sobre os
mencionados princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e
indisponibilidade do interesse público pela Administração” (MELLO, Celso Antonio
Bandeira de, op. cit., p. 56).
74
Observe-se que, apesar de o Estado ser entidade jurídica que realiza o interesse
público, é importante ressaltar que este objeto não se confunde com os próprios
interesses do Estado e demais pessoas públicas. Os interesses particulares do
Estado – também chamados de interesses secundários ou financeiros142
–
assemelham-se aos de titularidade dos demais indivíduos que compõem a
sociedade, contudo apenas podem ser perseguidos quando não se chocarem
com os interesses públicos do Estado – interesses primários ou substanciais de
justiça143
–, sob pena de trair a sua missão própria e a sua própria razão de
existir.
O procedimento fiscalizatório hodierno inspira-se, fundamentalmente, nos
interesses primários do Estado. Aponta esta postura a regra que impõe à
Administração a abstenção da prática do ato de lançamento em casos de
subsistência de dúvida acerca do objeto da fiscalização. Também neste sentido,
a atividade fiscalizatória não visa exclusivamente à constituição do crédito
tributário, mas também à homologação da atividade do fiscalizado.
2.4.2 Legalidade
O cânone da legalidade, inserido no inciso II do artigo 5º da Constituição
Federal, anuncia que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei”. Esta regra não é dirigida exclusivamente ao
legislador, no sentido de exigir a definição de situações gerais e abstratas às
quais se deve imputar consequências jurídicas, mas, também, ao Executivo e ao
Judiciário, aos quais cabe aplicar o Direito às situações concretas e individuais.
De acordo com o princípio em comento, especificamente no que tange à
atividade fiscalizatória, toda a atuação dos agentes fiscais deve estar pautada
142
XAVIER, Alberto. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 166. 143
Ibid., p. 167.
75
em lei autorizativa144
. Neste sentido, por meio do exercício da função
administrativa, os agentes fiscais emitem “comandos complementares, ou de
atos integrativos, aos preceitos normativos abstratos com a finalidade de lhes
dar completa e imediata operatividade”145 , 146
, não existindo espaço para a
imposição de vontades pessoais147
. Isto é, a Administração interpreta e aplica o
direito positivo, conferindo-lhe máxima concretude, sendo que referidos atos
de aplicação devem estar em completa sintonia com a lei que lhes fundamenta,
sob pena de revisão pelo próprio órgão que o emitiu, em sede de controle da
perfectibilidade dos atos de seus agentes, ou pelo Legislativo ou Judiciário148
.
A razão de ser deste princípio justifica-se na homenagem do ordenamento
jurídico a um ideal de participação política dos particulares, sob o aspecto de
que, na República, a vontade dos cidadãos é expressa por meio de seus
144
“A atividade administrativa é uma atividade muito mais assujeitada a um quadro
normativo constritor do que a atividade dos particulares. Esta ideia costuma ser
sinteticamente expressada através das seguintes averbações: enquanto o particular pode
fazer tudo aquilo que não lhe é proibido, estando em vigor portanto o princípio geral de
liberdade, a Administração só pode fazer o que lhe é permitido. Logo, a relação existente
entre um indivíduo e a lei, é meramente uma relação de não contradição, enquanto que a
relação existente entre a Administração e a lei, é não apenas uma relação de não
contradição, mas é também uma relação de subsunção” (MELLO, Celso Antonio Bandeira
de. Discricionariedade e controle jurisdicional. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 12-13). 145
ALESSI, Renato apud FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 1985, p. 25. 146
Delimitando o papel do administrador público e reforçando a importância do princípio da
legalidade, são as palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello: a função administrativa
consiste na “função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma
estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza
pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou,
excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo
Poder Judiciário” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
São Paulo: Malheiros, 2009, p. 36). 147
“Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública
só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer
assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’” (MEIRELLES, Hely
Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 82-83). 148
“A função administrativa consiste no dever de o Estado, ou de quem aja em seu nome, dar
cumprimento fiel, no caso concreto, aos comandos normativos, de maneira geral ou
individual, sob regime prevalente de direito público, por meio de atos e comportamentos
controláveis internamente, bem como externamente pelo Legislativo (com o auxílio dos
Tribunais de Contas), atos, estes, revisíveis pelo Judiciário” (FIGUEIREDO, Lucia Valle.
Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1985, p. 29).
76
representantes no Legislativo, que estabelecem, por meio da introdução de
enunciados prescritivos no sistema normativo, os parâmetros de quanto o
indivíduo consente em concorrer com os gastos públicos e em que medida o
fará149,150
. Noutros termos, a função fiscalizatória se realiza na criação concreta
da utilidade pública, de modo que o desempenho dessa atividade deve ser
absolutamente vinculado à lei, pois é esta que expressa a vontade dos
administrados151,152
.
É importante apontarmos que o princípio da legalidade desdobra no princípio
da motivação153
, revelado no dever do agente fiscal de provar a ocorrência do
fato jurídico tributário, expondo os motivos de fato e de direito que motivaram
a expedição da norma individual e concreta que afirma ou infirma o fato
jurídico tributário ou confirma a atividade do particular. Aqui, a relevância da
motivação se justifica na circunstância de que o exame acerca da correta
aplicação da lei aos específicos casos apenas pode ser aferida mediante a
análise das razões que conduziram a produção normativa da autoridade fiscal
ao termo do procedimento fiscalizatório.
149
Neste sentido, “nada do que faça o Estado é válido sem o consentimento dos governados”
(ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 181). 150
GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto Sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 1997, p.
86. 151
“O Direito Administrativo não é um Direito criado para subjugar os interesses ou os
direitos dos cidadãos aos do Estado. É, pelo contrário, um Direito que surge exatamente
para regular a conduta do Estado e mantê-la afivelada às disposições legais, dentro desse
espírito protetor do cidadão contra descomedimentos dos detentores do exercício do Poder
estatal” (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 47). 152
“Quem criou o Estado foi o cidadão, quem atribuiu competências ao Estado foi o cidadão,
quem atribuiu meio – ação de tributar – foi o cidadão, e, portanto, este instrumento só
pode ser exercido sob e nos termos do consentimento do cidadão” (GONÇALVES, José
Artur Lima. Planejamento Tributário – Certezas e Incertezas. In: ROCHA, Valdir de
Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. v. 10. São Paulo:
Dialética, 2006, p. 270). 153
Neste sentido: “A rigor, o dever de prova do fato típico tributário titularizado pelos
agentes fiscais representa a dimensão processual do princípio da legalidade tributária, vale
dizer, a demonstração objetiva, na forma e nos limites do devido processo legal (cuja
eficácia alcança também a atividade administrativa no que esta atina à esfera jurídica dos
indivíduos), do atendimento cabal às exigências normativas emanadas daquele princípio”
(PONTES, Helenilson Cunha. O direito ao silêncio no Direito Tributário. In: FISCHER,
Octavio Campos (Coord.). Tributos e Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004,
p. 89).
77
Neste sentido, para a prova da realização do fato e da subsunção à hipótese da
norma tributária, é imprescindível a descrição do motivo do ato, consignando
objetivamente a prova dos fatos-índices que se referem ao fato jurídico
tributário, não podendo haver sombra de dúvida sobre a concreção do fato que
dá causa à autuação administrativa.
Corroborando este dever de fundamentação, que milita como uma garantia do
administrado em face da atuação do Estado, o Decreto nº 70.235/72, em seu
artigo 10154
, ao descrever os requisitos do documento que constitui as
obrigações tributárias, elenca a descrição do fato, bem como a indicação da
disposição legal infringida, atribuindo à ausência desses elementos a pena de
nulidade do ato administrativo. Decerto, essas informações são fundamentais
para a identificação da conduta constatada in concreto e tipificada pelo Direito
Tributário, outorgando artifícios para o autuado consentir ou impugnar o
crédito constituído, assim como para o julgador, seja em sede administrativa ou
judiciária, decidir a respeito da subsunção do fato à norma.
No mais, não é exagero frisar que a prévia fixação das regras pertinentes à sua
atuação também reforça princípios essenciais para o bom funcionamento da
Administração, quais sejam, a moralidade e a impessoalidade, que prezam pela
adstrita observância da legislação em detrimento de quaisquer condutas
ensejadoras de benefícios próprios.
2.4.3 Eficiência
A notabilidade do princípio da eficiência na orientação da atividade do
administrador público, especialmente do auditor fiscal, é evidenciada por
154
“O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta,
e conterá obrigatoriamente: I - a qualificação do autuado; II - o local, a data e a hora da
lavratura; III - a descrição do fato; IV - a disposição legal infringida e a penalidade
aplicável; V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no
prazo de trinta dias; VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o
número de matrícula.”
78
constar enunciada na Constituição Federal, repetida da Constituição Estadual e
reiterada na lei que rege o processo administrativo federal.
Nas palavras de Odete Medauer:
A eficiência é princípio que norteia toda a atuação da
Administração Pública. O vocábulo liga-se à ideia de ação,
para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à
Administração Pública, o princípio da eficiência determina
que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para
produzir resultados que satisfaçam as necessidades da
população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a
negligência, a omissão – características habituais da
Administração Pública brasileira, com raras exceções155
.
Em sucintas palavras, objetiva-se, com o princípio da eficiência, o alcance das
finalidades públicas da melhor forma possível, isto é, com o menor dispêndio
de tempo e de recursos financeiros, já que o Estado tem como objetivo a tutela
dos direitos da mais ampla gama factível de administrados.
Um desdobramento do princípio da eficiência, portanto, é a celeridade156
: a
eficiência requer a ausência de delongas desnecessárias na conclusão dos
procedimentos fiscalizatórios. Com efeito, esse tipo de conduta prejudica
ambas as partes envolvidas na fiscalização, no sentido de que o sujeito
fiscalizado sofre insegurança quanto ao comprometimento do seu patrimônio,
além da negativa reprovação social perante seus contatos, e a Administração
expende fundos com diligências e deixa de arrecadar em função de eventual
ausência de autuação.
Outro aspecto relevante concerne ao fato de a eficiência não significar a
exclusiva maximização da arrecadação por meio da tributação, mas a maior
prática possível do interesse coletivo, por meio do desenvolvimento da
155
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno – de acordo com EC 19/98. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 145. 156
A celeridade está enunciada na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LXXVIII, in
verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração
do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
79
atividade fiscalizatória com qualidade157
. Neste sentido, alerta Hely Lopes
Meirelles:
O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa
seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional.
É o mais moderno princípio da função administrativa, que já
não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade,
exigindo resultados positivos para o exercício público e
satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de
seus membros 158
.
Com efeito, a desenfreada busca pela constituição do crédito tributário gera
negativos reflexos diretos no contencioso administrativo: em razão da autuação
de casos que não se subsomem à norma, bem como da lavratura de autos de
infração sem atendimento aos devidos requisitos formais, o número de
impugnações administrativas é sobremaneira elevado, importando em maiores
gastos com o aparato revisional do crédito tributário e, eventualmente, com o
próprio corpo fiscalizatório, em evidente afronta ao postulado da eficiência159
.
É a conjugação da celeridade com a qualidade no proceder do agente fiscal
traduz a fiel imagem do princípio da eficiência. Postura que intenta
homenagear essa ideia é a adotada pelo Estado de São Paulo, por meio da Lei
Complementar nº 1.059/2008, que, entre outras disposições, institui o prêmio
157
Neste sentido, não é acertada a ideia de que os crescentes recordes superados pelas
fiscalizações no tocante à constituição do crédito tributário significam a concretização do
princípio da eficiência. Conforme anunciado no Balanço da Fiscalização da Receita
Federal, foi constituído crédito tributário no valor de R$ 190,1 bilhões no exercício de
2013. Desse montante, contudo, não há dados seguros a respeito da quota anulada em
razão do controle de legalidade realizado pelos próprios órgãos administrativos ou
judiciais. 158
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 90. 159
“O que na verdade deve ser perseguido não é o simples aumento da arrecadação tributária.
O princípio da eficiência tratado neste dispositivo constitucional condiz mais com a ideia
de gastar menos e arrecadar de forma eficaz, sem extrapolar os limites constitucionais e
legais, uma vez que na ânsia de arrecadar o Estado acaba por promover a multiplicação de
litígios, no sentido contrário, portanto, de sua finalidade” (MARINS, James. Direito
Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014,
p. 230).
80
de produtividade dos agentes fiscais160
. Conforme prescreve a referida
legislação, a remuneração dos agentes fiscais é composta de uma parte fixa,
que corresponde ao valor-base, uma parte variável, referente ao prêmio de
produtividade, e outras formas que vierem a ser previstas em lei.
O mencionado abono de produtividade é atualmente regulado pela Resolução
da Secretaria da Fazenda nº 28, de 08.04.2013, cujo teor enumera em tabelas as
atividades que dão ensejo à sua percepção, com os respectivos pontos
atribuídos a cada prática, posteriormente convertidos em UFESPs.
Em muito bom passo, são prestigiadas atividades afetas ao aprimoramento e
modernização da Administração Tributária e à gestão do conhecimento dos
servidores públicos, de modo que, a título ilustrativo, são atribuídos 200 pontos
ao dia aplicado na elaboração ou revisão de material didático, manuais de
conhecimento ou de técnicas fiscais, assim como para o dia aplicado para
apresentação em cursos, treinamentos, congressos, seminários ou outro evento
assemelhado161
. No mesmo sentido, são atribuídos pontos à autuação,
automaticamente cassados na hipótese de o julgamento administrativo resultar
na anulação do lançamento ou auto de infração162
.
160
“Art. 15. A remuneração do Agente Fiscal de Rendas compreende: I - como parte fixa, o
valor-base, expresso em quantidade de quotas, conforme o nível em que estiver
enquadrado, constante do Anexo desta lei complementar; II - como parte variável: a) o
prêmio de produtividade; b) outras que vierem a ser previstas em lei; III - como vantagens
pecuniárias: a) o adicional por tempo de serviço, de que trata o Art. 129, calculado à razão
de 5% (cinco por cento) por quinquênio de serviço, sobre o valor da parte fixa, acrescido
do prêmio de produtividade e do “pro labore”, observado o disposto no inciso XVI do Art.
115, ambos da Constituição Estadual; b) a sexta-parte, de que trata o Art. 129 da
Constituição Estadual, calculada sobre o valor da parte fixa, acrescido do prêmio de
produtividade, do “pro labore” e do adicional por tempo de serviço; c) décimo terceiro
salário; d) acréscimo de 1/3 (um terço) das férias; e) “pro labore”; f) adicional de
transporte como ajuda de custo para indenizar despesas de locomoção; g) verba
indenizatória pelo exercício em unidades localizadas nas divisas do Estado; h) diárias; i)
gratificação de representação, de que trata o inciso III do Art. 135 da Lei nº 10.261, de 28
de outubro de 1968.” 161
Conforme tabela V, da Resolução SF nº 28, de 08.04.2013. 162
Conforme tabela III, da Resolução SF nº 28, de 08.04.2013 e Nota Explicativa III.6: “O
Agente Fiscal de Rendas e a respectiva equipe perderão os pontos que lhes foram
atribuídos na mesma proporção dos valores do Auto de Infração e Imposição de Multa –
81
Contudo, no que tange às atividades relacionadas à atividade fiscalizatória, o
Legislador Estadual cometeu algumas falhas na escolha da sistemática de
atribuição de pontos. Expressão disso é o conteúdo da Tabela 1, abaixo
colacionada:
Tabela 1 - Atividades relativas à apreensão de mercadorias, bens, documentos,
equipamentos e arquivos digitais:
Código Denominação Pontos
2.1 Apreensão de mercadorias e/ou bens em situação irregular perante
a legislação tributária.
90
2.2 Apreensão de livros, documentos, impressos e papéis de efeitos
fiscais com a finalidade de comprovar infração à legislação
tributária, desde que a apreensão sirva de prova para a constituição
do crédito tributário:
2.2.1 por livro. 8
2.2.2 por documento, impresso e papel de efeitos fiscais. 2
2.3 Apreensão de equipamento emissor de cupom fiscal – ECF ou
qualquer outro equipamento que possibilite o registro ou o
processamento de operação ou prestação de serviços, que
constituir prova material ou indício de infração à legislação
tributária ou em situação irregular – por ECF ou equipamento.
90
2.4 Copiagem ou captura de dados digitais com finalidade de subsidiar
o desenvolvimento da ação, por determinação ou autorização
superior – por estabelecimento diligenciado.
540
De uma breve leitura, é possível constatar que a Tabela 1, referente à
Resolução SF nº 28/2013, especificamente no subitem 2.2, encoraja a
apreensão de mercadorias e livros com a finalidade de comprovar infração à
lei, atribuindo pontos àquele que dessa forma proceder, sendo que, conforme
nota explicativa, a devolução das mencionadas mercadorias e livros sem a
respectiva constituição do crédito tributário torna os pontos outrora atribuídos
sujeitos à decisão do Inspetor Fiscal acerca da necessidade da conduta
perpetrada pelo agente163
. Isto é, a atribuição de pontos é realizada no momento
da apreensão, sendo que, apenas em virtude da constatação do excesso do meio
AIIM não confirmados em decisão de julgamento de defesa ou não ratificados pelo
Delegado Regional Tributário.” 163
Tabela II - NOTAS EXPLICATIVAS […] II.4 – Na hipótese de mercadorias ou bens
apreendidos, sem a correspondente constituição de crédito tributário, o Inspetor Fiscal
decidirá sobre a manutenção dos pontos atribuídos quando da apreensão tiver sido
necessária para a segurança das verificações fiscais.”
82
empregado – apreensão –, atestado pelo Inspetor Fiscal, é realizada a subtração
do benefício remuneratório.
Ora, a dificuldade na definição dos lindes do excesso da conduta do agente
fiscal é uma barreira à realização do princípio da eficiência. Isso porque a
ausência de critérios objetivos na resolução que visa a premiar a produtividade,
combinada com a qualidade, quiçá honra o crescimento de condutas que
atentam à boa administração (apreensão ilegal de livros e mercadorias), em
flagrante afronta aos direitos e garantias fundamentais dos sujeitos fiscalizados.
2.4.4 Publicidade
É imperativa a publicidade dos atos administrativos em geral com o fito de
garantir a sabença de todos a respeito da situação em que se encontram as
pessoas com quem se relacionam. Neste sentido, é dever da Administração
manter plena transparência de seus comportamentos, fornecendo informações
sobre assuntos públicos.
Exemplo típico que requer a ampla propagação de informações acerca da
atividade administrativa é a declaração de inidoneidade e inabilitação da
inscrição estadual de fornecedor: caso não seja levado a cabo o princípio da
publicidade, podem ser firmados negócios jurídicos que implicam o direito ao
crédito decorrente da incidência não cumulativa do imposto incidente sobre a
circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação (ICMS) 164
, sendo absolutamente ilegítima a
glosa destes créditos pelo Fisco.
164
Prescreve o artigo 23 da mencionada Lei Complementar nº 87/96: “O direito de crédito,
para efeito de compensação com débito do imposto, reconhecido ao estabelecimento que
tenha recebido as mercadorias ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está
condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e
condições estabelecidos na legislação.”
83
Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em sede de recurso
especial submetido ao rito previsto no artigo 543-C, do Código de Processo
Civil165
, no sentido de que é apenas em momento posterior à publicação da
declaração de inidoneidade fiscal do estabelecimento que se torna ilegítimo o
aproveitamento do crédito surgido pela incidência de tributo não cumulativo166
.
Seguindo a mesma linha, mas ainda não conferindo o devido respeito ao
princípio da publicidade e favorecendo a chamada salvabilidade167
do crédito
tributário, em julgamento memorável realizado no Tribunal de Impostos e
Taxas de São Paulo (TIT)168
, restou consignado que, dentre outros requisitos,
uma vez comprovada a busca pelo adquirente contribuinte de informações
sobre o sujeito emitente de documentos acobertadores do crédito tido como
indevido no Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais
com Mercadorias e Serviços (SINTEGRA) é reconhecida a sua boa-fé,
165
“Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de
direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.” 166
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE ICMS.
APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE). NOTAS FISCAIS
POSTERIORMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. 1. O
comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa
vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do
crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade
da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz
efeitos a partir de sua publicação […] 6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido
ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008” (REsp 1148444/MG,
Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/04/2010, DJe 27/04/2010). 167
“Fala-se no ‘princípio da salvabilidade do crédito tributário’, por exemplo, para
fundamentar decisões no mínimo controversas no que concerne aos princípios da estrita
legalidade e do devido processo legal no direito tributário. A criatividade e a liberdade do
Judiciário parecem não ter limites” (ADEODATO, João Maurício Leitão. Norma jurídica
como decisão dotada de efetividade. Revista Jurídica da Presidência, Brasília: Centro de
Estudos Jurídicos da Presidência, n. 106, 2013, p. 327). 168
“ICMS. GLOSA DE CRÉDITOS EM RAZÃO DA DECLARAÇÃO DE
INIDONEIDADE DOS DOCUMENTOS FISCAIS EMITIDOS PELO FORNECEDOR
DAS MERCADORIAS. Nos termos do que já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ) em sede de “recurso repetitivo”, o contribuinte de boa-fé não deve ser apenado em
casos tais, desde que comprovada a efetividade das operações contestadas, como ocorreu
no caso dos autos. RECURSO ESPECIAL FAZENDÁRIO AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO. DECISÃO NÃO UNÂNIME. Vencido o voto do juiz relator pelo retorno
dos autos à instância anterior.” (Recurso Especial; Processo nº DRTCIII-296166-2010;
AIIM nº 3.130.581-7; Câmara Superior, Relator Juiz Gianpaulo Camilo Dringoli,
julgamento realizado em 29 de maio de 2012).
84
autorizadora apenas da exclusão da aplicação da norma primária derivada
punitiva (i.e., aquela que constitui uma relação jurídica sancionatória
decorrente da configuração da infração atinente ao creditamento indevido).
Em suma, todos os procedimentos administrativos – sejam eles afetos à
idoneidade das pessoas jurídicas ou de fiscalização de tributos, etc. – devem ser
regidos pela transparência desde o seu início e, fundamentalmente, ao seu
término: a uma porque revelam a possibilidade de conferência a respeito do
atendimento ao princípio da legalidade, e a duas porque garantem o livre
arbítrio dos administrados de firmarem negócios jurídicos com outros, tendo
pleno conhecimento da sua situação perante a Administração.
2.4.5 Proporcionalidade
A proporcionalidade é uma das diretrizes magnas do sistema jurídico, que
informa a intelecção de todos os demais princípios e regras do direito positivo.
Particularmente, no âmbito da atividade fiscalizatória, conforma “a correta
identificação, eleição, compreensão, ponderação e aplicação das normas
aplicáveis a cada ação administrativa”169
, de modo que o seu estudo serve de
instrumento para o controle da intervenção do Estado na esfera particular.
O exame da proporcionalidade, que anuncia o direito de ninguém ser obrigado
a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam
indispensáveis à satisfação do interesse público, sobeja três análises
fundamentais, objetivamente fixadas pela jurisprudência do Tribunal
Constitucional Alemão no caso Aphothekenurteil: o da adequação,
respondendo à indagação: “o meio promove o fim?”, seguido da necessidade,
representado pelo questionamento: “dentre os meios disponíveis e igualmente
eficazes para promover o fim, não há outro meio menos restritivo dos direitos
169
OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade
no direito administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 199.
85
fundamentais afetados?” e, por fim, da proporcionalidade em sentido estrito,
perguntando: “as vantagens pela promoção do fim correspondem às
desvantagens provocadas pela adoção do meio?”170
. Respondidas
positivamente as três questões, evidencia-se o atendimento da conduta ao
postulado da proporcionalidade.
Observe-se que a proporcionalidade não se identifica com a razoabilidade.
Enquanto a razoabilidade é conceito fluido que se esgota no exame da
compatibilidade entre os meios e fins, a proporcionalidade, mais ampla e
abrangente, envolve a análise de três sub elementos independentes (adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) 171
.
Sob o prisma da proporcionalidade, portanto, a atuação do agente fiscal deve
ser adequada, necessária e proporcional em sentido estrito: os meios escolhidos
para a consecução da atividade fiscalizatória devem ser compatíveis com a
finalidade buscada, isto é, o desígnio de afirmar o fato jurídico tributário ou
infirmar ou confirmar a atividade do particular; não devem existir outros meios
eficazes e menos limitadores dos direitos fundamentais atingidos (mormente a
inviolabilidade do domicílio, o sigilo bancário, a livre iniciativa, entre outros)
para promover o objetivo perseguido; e, derradeiramente, a medida deve
representar o justo alcance do exercício da competência fiscalizatória, avaliada
pela ponderação entre as desvantagens dos meios e as vantagens dos fins, tal
qual os direitos afetados e a produção normativa individual e concreta.
Em síntese, os atos fiscalizatórios devem ser adequados para a positivação das
normas tributárias e necessárias enquanto meio eficaz e menos oneroso, em
relação a outros de igual eficiência, além de o resultado obtido justificar, na
170
ÁVILA, Humberto. Proporcionalidade e Direito Tributário. In: SCHOUERI, Luís
Eduardo. Direito Tributário: Homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier
Latin, 2003, p. 330-331. 171
Externando a vaguidade do razoável, é a tentativa definitória de Luís Roberto Barroso: “O
que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja
arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em
dado momento ou lugar” (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da
Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 204-205).
86
justa medida, a eventual restrição do direito, em atenção à proporcionalidade
em seu sentido estrito.
2.4.6 Verdade jurídica
Para além dos princípios trabalhados até este ponto, é de elementar importância
a tratativa da construção da verdade jurídica, enquanto linha diretiva da
atividade fiscalizatória. Em que pese a ausência de enunciado prescritivo
explícito172
a respeito desta questão, é, além de lógica, indispensável a sua
observância no desempenho da atividade fiscalizatória.
Ordinariamente, a verdade é classificada em material e formal, sendo aquela a
correspondência entre a proposição e o acontecimento, e esta, a verdade
construída em atenção a determinadas regras, mas vulnerável a divergir do
evento a que se refere. Com fundamento nesta distinção, é comum o
estabelecimento de um vínculo entre a verdade material e a fase administrativa
tributária, tanto a precedente à aplicação das normas instituidoras de relações
jurídicas em sentido estrito, quanto a contenciosa, e entre a verdade formal e o
processo judicial, visto que naquele estágio são dispensadas certas
formalidades impreterivelmente observadas no segundo.
172
Reitere-se: ausência de suporte físico explicitamente enunciado. Isso porque, em
conformidade com as premissas metodológicas adotadas, apesar de todos os enunciados
terem a aptidão de suscitarem diversas interpretações na mente dos intérpretes e, portanto,
serem, sob um ponto de vista, implícitos, diferencia-se aqui a positivação expressa, ou não,
de determinados princípios.
Acerca da existência de princípios implícitos e, inclusive, ressaltando a sua importância e
alçando-os à categoria de sobreprincípios, são as palavras de Paulo de Barros Carvalho:
(os princípios) “algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador
constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes
à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo para percebê-los e
isolá-los. São os princípios implícitos. Entre eles e os expressos não se pode falar em
supremacia, a não ser pelo conteúdo intrínseco que representam para a ideologia do
intérprete, momento em que surge a oportunidade de cogitar-se de princípios e de
sobreprincípios” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 195-196).
87
Ocorre que, em conformidade com o nosso raciocínio, é impróprio falarmos em
correspondência entre o evento e o seu relato, visto que o mundo das coisas e
da linguagem não se tocam. Ademais, no que se refere ao Direito, é
fundamental a análise do conteúdo das proposições para a aferição da verdade
em nome da qual se fala, tornando-se inútil173
diferenciarmos as verdades
material e formal.
Neste contexto, surge a ideia da verdade jurídica. Pelo emprego da linguagem
prevista no sistema, com a observância do procedimento estabelecido também
nas regras do ordenamento normativo, é construída a verdade jurídica174
.
Durante o momento fiscalizatório, a Administração constrói a sua concepção
da verdade, e, nos processos administrativo e judicial, o juiz desempenha esse
papel, sendo que, em ambas as ocasiões, são diversos os elementos que
objetivam o reconhecimento do fato alegado como verdadeiro. Diante desses
relatos, a título de representar a verdade, o Direito estabelece formas para a
escolha da verdade que deve prevalecer no sistema jurídico.
Acerca desses elementos que subsidiam a convicção do positivador do Direito,
é importante recordarmos que os acontecimentos factuais consistem em meros
eventos passíveis de serem submetidos à intuição sensível dos indivíduos,
sendo que a sua ocorrência é infinita e irrepetível. Apenas o registro do
acontecimento factual propicia o seu conhecimento a sujeitos que não se
173
Como já mencionado no item 1.2.1. Construção de sentido do Direito, as classificações
são reveladas em arbitrariedades daquele que classifica, uma vez que os critérios
empregados para a fixação de um discrímen entre os elementos que compõem determinado
conjunto são relativos. Assim, não há classificação verdadeira ou falsa, válida ou inválida,
mas, sim, útil ou inútil para o estudo a que se propõe o sujeito cognoscente. 174
Sobre o assunto, são as palavras de Fabiana Del Padre Tomé: “A verdade que se busca no
curso de processo de positivação do direito, seja ele administrativo ou judicial, é a verdade
lógica, quer dizer, a verdade em nome da qual se fala, alcançada mediante a constituição
de fatos jurídicos, nos exatos termos prescritos pelo ordenamento: a verdade jurídica. Daí
por que leciona Paulo de Barros Carvalho46 que, “para o alcance da verdade jurídica,
necessário se faz o abandono da linguagem ordinária e a observância de uma forma
especial. Impõe-se a utilização de um procedimento específico para a constituição do fato
jurídico”, pouco importando se o acontecimento efetivamente ocorreu ou não. Havendo
construção de linguagem própria, na forma como o direito preceitua, o fato dar-se-á por
juridicamente verificado e, portanto, verdadeiro” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no
Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 25).
88
fizeram presentes à época do seu ocorrido. Neste sentido, “o acontecimento
propulsor do lançamento não está acessível à percepção da autoridade
administrativa, já que sua ocorrência situa-se no passado e a sua vivência não
se perpetua ao longo do tempo”175
. Igualmente ao que se sucede no plano do
lançamento, em relação à aplicação das normas homologatórias da atividade do
sujeito fiscalizado e impositivas de sanções administrativas, é imprescindível a
constituição dos fatos jurídicos enunciados no antecedente dos dispositivos
individuais e concretos. Essa construção, obrigatoriamente, deve estar pautada
na linguagem probatória.
O sistema normativo prescreve o modo como as provas têm que ser colhidas e
produzidas a fim de se tornarem habilitadas a fundamentar fatos jurídicos,
sendo que, não obstante a existência de provas da ocorrência de determinado
fato, é fundamental que a sua origem e produção tenham sido pautadas em
diretrizes e regras previstas nos enunciados prescritivos, sob pena de violação
do princípio da proibição da prova ilícita. Acerca da produção probatória no
cenário jurídico, é o magistério de Paulo de Barros Carvalho:
[…] é algo pacífico, nos dias de hoje, expressar-se o direito
positivo numa linguagem que lhe é privativa. […] dentro do
limite da latitude semântica da expressão linguagem jurídica
há segmentos do sistema em que os meios de manifestação
comunicacional dos participantes ficam adstritos a fórmulas
determinadas e adredemente estabelecidas, tendo em vista os
valores de certeza e segurança que a ordem normativa visa a
realizar. […] são restritos os modos de utilização da
linguagem, tendo em vista a comprovação das ocorrências
factuais. Nem todos os recursos da comunicação ordinária são
admitidos para efeito de atestar a realização de sucessos
nessas áreas.176
Enfim, a atividade fiscalizatória é pautada na busca pela verdade jurídica, frise-
se, pela construção jurídica do relato de fatos vencedor, isto é, em
175
NEDER, Marcos Vinícius. O problema da prova na desconsideração de negócios jurídicos.
V Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: IBET, 2009, p. 690. 176
CARVALHO, Paulo de Barros. A Prova no Procedimento Administrativo Tributário.
Revista Dialética de Direito Tributário, n. 34, p. 104-116, jul. 1998.
89
conformidade com as regras do jogo normativo. Essas traduções, ensejadoras
do surgimento dos fatos jurídicos, devem ser fundadas, obrigatoriamente, em
provas produzidas no código previsto em lei e em atenção a procedimento
específico.
90
91
3 ELEMENTOS DA NORMA DE COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA
Como muito bem observado por Tárek Moysés Moussalem, “a expressão ‘ato
de fala’ padece de plurivocidade significativa”177
, sendo empregada em três
acepções: enunciado, ação e ato de produção de enunciados. Enquanto
enunciado, o ato de fala no Direito é compreendido como as marcas de tinta no
papel, o suporte físico de onde se partirá para a construção de uma
significação. Na qualidade de ação, o ato de fala é visto pelo seu caráter
performativo, que enfatiza o ato de dizer algo, mediante o qual também se faz
algo. Por derradeiro, como ato de produção de enunciados, o ato de fala é
empregado como enunciação, ato de enunciar.
A partir desta última acepção, os atos de fala no Direito são “as condutas
caracterizadoras de tomadas de decisão, cujo resultado são os enunciados
normativos postos no ordenamento”178
. No contexto do presente estudo,
sobressai a importância dos atos de fala expedidos com a realização da
atividade fiscalizatória.
Pois bem, esse processo de enunciação179
é regulado por uma norma de
estrutura: a norma de competência fiscalizatória, que descreve na sua hipótese
o fato de ser sujeito que atua em nome da Administração Pública, em
determinadas coordenadas espaço-temporais, adotando regras formais e
materiais do Direito, e, no seu consequente, a legitimidade de um sujeito
fiscalizar e positivar enunciados prescritivos instituidores de relações jurídico-
tributárias e o dever de toda a comunidade respeitar o exercício deste direito
177
MOUSSALEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses,
2006, p. 68. 178
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses,
2011, p. 250. 179
Merece destaque a delimitação das definições dos termos enunciação, enunciado e
enunciação-enunciada: a enunciação é o ato de enunciar algo, o enunciado é a mensagem,
enquanto suporte físico (no âmbito do direito é o texto das normas de conteúdo
substantivo relacionadas com a matéria regulada) e, a enunciação-enunciada são as
marcas da enunciação (ato de enunciar) que ficaram no enunciado (mensagem).
92
subjetivo de exigir a submissão à fiscalização desenvolvida dentro das regras
previstas no sistema jurídico180
.
Noutro discurso, a norma de competência fiscalizatória descreve um fato, que é
o processo de enunciação necessário para a realização dos atos fiscalizatórios, e
imputa a esse fato uma relação jurídica fiscalizatória181
.
Em apurada análise dessa espécie normativa, Cristiane Mendonça e Tácio
Lacerda Gama propõem modelos lógico-sintáticos de representação das normas
de competência, ou seja, dos mandamentos que prescrevem como outras
normas devem ser produzidas. No estudo do tema, Cristiane Mendonça aventa
a seguinte estruturação:
Dsm
Nct = {Hct = (Cm+Ce+Ct) Cct =[Cp(Sa+Sp) + Cda(Lf+Lm)]}182
Significando: na hipótese da norma de competência é descrito o fato de ser
sujeito competente (Cm), dentro de determinada esfera territorial (Ce), em
específico marco temporal (Ct), a cuja tipificação imputa-se a autorização
(Dsm) para legislar, desde que respeitados específicos critérios delimitadores
da autorização (Cda), isto é, observadas as restrições quanto à matéria (Lm) e
180
Adaptações das lições de Cristiane Mendonça, acerca da norma de competência tributária:
“Antecedente: Se for pessoa política constitucional no território brasileiro no tempo X.
Consequente: Deve-ser a autorização (permissão ou imposição) para distintos sujeitos de
direito (ocupantes de órgãos unipessoais ou colegiais), de acordo com determinados
limites formais (relativos ao procedimento) e materiais (concernentes à substância dos
enunciados a serem criados), editarem e revogaram (parcial ou totalmente) enunciados
prescritivos instituidores de tributos – no plano geral e abstrato ou individual e concreto –
e o dever jurídico de a comunidade respeitar o exercício de tal permissão (faculdade) ou o
direito subjetivo de exigir o cumprimento da imposição (obrigatoriedade), em consonância
com os limites (formais e materiais) previstos no sistema” (MENDONÇA, Cristiane.
Competência Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 70). 181
Tácio Lacerda Gama, acerca da norma de competência tributária: “no antecedente dessa
norma, descreve-se um fato – o processo de enunciação necessário à criação dos tributos –,
imputa-se a esse fato uma relação jurídica, cujo objeto consiste na faculdade de criar
tributos” (GAMA, Tácio Lacerda. Contribuições de intervenção no domínio econômico.
São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 73). 182
MENDONÇA, Cristiane, op. cit., p. 71.
93
procedimento (Lp), cujo conteúdo vinculará o sujeito enunciador (Sa) e seletos
sujeitos passivos (Sp).
Com os toques lapidares das lições de Lourival Vilanova e Paulo de Barros
Carvalho, Tácio Lacerda Gama expõe o seguinte esquema normativo para o
estudo da competência legislativa:
Njurídica de competência = H {[s.p(p1, p2, p3, ...)].(e.t)} R[S(s.sp).M(s.e.t.c)]183
,
em cuja hipótese descrevem-se as características necessárias para o
desempenho do papel de sujeito enunciador – s –, que deve adotar determinado
procedimento – p(p1, p2, p3, ...) –, em específicas condições de espaço – e – e
de tempo – t. Da positivação dessa hipótese surge o fato jurídico exercício da
competência, que institui a criação de um texto normativo sobre certa matéria,
com limites subjetivos, espaciais, temporais e materiais em sentido estrito –
M(s.e.t.c) –, sem que os sujeitos destinatários da norma – sp – possam impedir
o enunciador – s – de exigir essa norma como válida.
Aproveitando-nos dos ensinamentos dos aludidos estudiosos, podemos,
simplificadamente, constatar a presença de sete elementos essenciais para a
disciplina da competência: o sujeito competente, em determinadas coordenadas
espaçotemporais, adotando o procedimento previsto em lei, emite norma
jurídica, que vincula um sujeito ativo a um sujeito passivo, numa relação
abrangente de determinada matéria.
Suplantando esses ensinamentos para o estudo da particular competência
fiscalizatória administrativa, em sentido estrito – competência para averiguar a
configuração do fato jurídico ensejador da produção do ato do lançamento
tributário e, eventualmente, da lavratura do Auto de Infração ou, ainda, da
introdução de norma que homologa a atividade do sujeito fiscalizado –,
comprometemo-nos, nos tópicos seguintes, a uma análise minuciosa dos
183
GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da
nulidade. São Paulo: Noeses, 2009, p. 91.
94
critérios informadores da norma da qual deriva a fiscalização, que descreve o
fato de determinada pessoa, em respeitadas coordenadas espaçotemporais,
adotando específico procedimento, instaurar uma relação jurídico-fiscalizatória
entre dois sujeitos.
3.1 O critério pessoal – Sujeito competente para aplicar as normas de
fiscalização tributária e para figurar no polo ativo da relação jurídica
fiscalizatória
Observe-se que, no que se refere ao estudo da competência tributária ousada
por Cristiane Mendonça e Tácio Lacerda Gama, na parte em que restrito à
produção normativa decorrente do exercício da função legislativa tributária
pelo Legislador, o sujeito competente para promover a enunciação não
necessariamente é o mesmo que figura no polo ativo da relação enunciada184
.
Isso porque, no plano da competência legislativa tributária em sentido estrito,
existem as figuras do sujeito competente e daquele detentor da capacidade
tributária ativa.
A competência tributária pressupõe a capacidade tributária ativa, mas com ela
não se confunde: a competência tributária exaustivamente delineada na
Constituição Federal refere-se à vocação para instituir, por meio de lei, as
obrigações tributárias e os deveres instrumentais, enquanto que a capacidade
tributária ativa refere-se à aptidão para integrar a relação jurídica,
desenvolvendo o papel de titular do direito de fiscalizar, identificar os credores
da relação e exigir o pagamento do tributo. Nesse sentido, afirma Paulo de
Barros Carvalho:
184
Neste sentido, explicita Cristiane Mendonça: “Não há como confundir o sujeito ativo da
norma de competência legislativo-tributária com o sujeito ativo da norma jurídico-
tributária em sentido estrito. O primeiro tem a missão constitucional de editar e promover
alterações nos enunciados legais que vivificam determinado gravame fiscal na esfera de
dada ordem jurídica. Já o segundo é o titular do direito subjetivo de exigir a prestação
pecuniária do sujeito passivo (contribuinte). É um dos termos da relação jurídico-tributária
em sentido estrito” (MENDONÇA, Cristiane. Competência Tributária. São Paulo:
Quartier Latin, 2004, p. 304).
95
[…] uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico
de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua
funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a
relação jurídica, no tópico de sujeito ativo185
.
Desse modo, uma pessoa política pode instituir, com fundamento em
dispositivo constitucional, determinado tributo. Decorrência lógica, detendo
esse poder, pode eleger-se sujeito ativo dessa exação. Contudo, é também
legítima a escolha de ente distinto para figurar na posição de credor da relação
jurídica tributária, de modo que, sempre que se verificar essa situação, há a
possibilidade de ocorrer (i) a mera delegação da capacidade tributária ativa, que
consiste na competência para fiscalizar, constituir e arrecadar o tributo, ou (ii) a
delegação da capacidade tributária ativa somada à disponibilidade do montante
arrecadado. Nesta última situação, realiza-se o fenômeno jurídico da
parafiscalidade.
Ocorre que, no tocante à competência fiscalizatória dos agentes fiscais, inexiste
a diferenciação entre o sujeito descrito como produtor do ato de enunciação e
aquele que figura na relação jurídica posta no sistema186
. Aqui, essas duas
figuras se confundem na mesma pessoa, pois a atividade desempenhada pelos
sujeitos vinculados à Administração tributária já se circunscreve à aplicação de
normas pelo detentor da capacidade tributária ativa, inexistindo a possibilidade
de delegação da atividade fiscalizatória. Enquanto a norma de competência do
legislador pode ser expressada em “dado o fato de ser sujeito competente, então
a permissão para figurar no polo ativo da relação jurídico-tributária ou para
delegar tal posição a outrem”, a competência do fiscalizador é “dado o fato de
ser agente fiscal, então a permissão para figurar no polo passivo da relação
jurídico-fiscalizatória”.
185
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva,
2010, p. 268. 186
Corroborando a assertiva, Daniel Monteiro Peixoto categoricamente afirma que no
consequente da norma de competência administrativa “há um vínculo entre o titular da
competência administrativa e a coletividade em geral”, isto é, há identidade entre o sujeito
descrito no antecedente e o sujeito ativo que figura no consequente (PEIXOTO, Daniel
Monteiro. Competência Administrativa na aplicação do Direito Tributário. São Paulo:
Quartier Latin, 2006, p. 147).
96
Postas essas breves, porém relevantes observações, passaremos a definir o
sujeito competente para aplicar as normas fiscalizatórias, explicitando mais
profundamente as ideias sugeridas.
3.1.1 Agentes fiscais e particulares: privatização da atividade
fiscalizatória?
No que se refere à constituição das obrigações tributárias, é crescente o número
de disposições legais que atribuem ao administrado o encargo de constituir o
crédito tributário187
, contudo, em relação à atividade fiscalizatória, essa
tendência não encontra qualquer viabilidade, já que o particular não detém
capacidade para participar da gestão fiscalizatória tributária188
.
O sujeito competente para aplicar as normas de fiscalização tributária é
exclusivamente aquele inserido nos quadros de agentes fiscais que compõem a
Administração Pública. A atividade de fiscalização das obrigações tributárias e
dos deveres instrumentais é formada por um conjunto de atos que buscam, por
intermédio dos elementos disponíveis, a construção da convicção do Fisco
acerca dos acontecimentos factuais, a fim de enquadrá-los no antecedente de
normas tributárias primárias precedentes ou derivadas e regular a concretude da
vida social: seja homologando, retificando ou complementando a atividade do
administrado e/ou constituindo originariamente obrigações e sanções
tributárias. Partindo desse pressuposto, o sujeito que detém legitimidade para
187
Sobre a privatização da gestão tributária: LAPATZA, Ferreiro; JUÁN, José. La
privatización de la gestión tributaria y las nuevas competencias de los tribunales
económico-administrativos. Civitas – REDF, v. 37, p. 81 et seq. apud HORVATH,
Estevão. Lançamento tributário e “autolançamento”. São Paulo: Dialética, 1997, p. 71. 188
Corroborando a assertiva: “outorgam-se ao particular, sob regime de concessão ou
permissão, somente atividades privativas do Poder Público; e a polícia administrativa o é.
Contudo, isso não basta: para que a ‘atividade pública’ possa ser atribuída ao particular
por meio de concessão ou permissão ‘é necessário que sua prestação não haja sido
reservada exclusivamente ao próprio Poder Público’ – nas palavras de Celso Antonio
Bandeira de Mello. E polícia administrativa é atividade tipicamente do Estado! Exclusiva!
Portanto, não pode ser objeto de concessão ou permissão” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder
de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 150).
97
inserir no sistema jurídico um expediente normativo enunciador de um fato
jurídico em sentido estrito e constitutivo de um vínculo obrigacional tributário
é quem pode figurar no polo ativo da norma de fiscalização. É o sujeito dotado
de legitimidade para exigir o cumprimento das obrigações tributárias e dos
deveres instrumentais, competente para fiscalizar, uma vez que a conclusão de
procedimento fiscalizatória visa a inserir no sistema jurídico normas
expressivas de um juízo acerca da conduta do fiscalizado em face da lei.
Na seara fiscalizatória, portanto, não resta campo para o intenso aumento da
participação do particular.
Como já mencionado alhures, ao Direito interessam as condutas
intersubjetivas, de modo que a possível fiscalização realizada por determinado
indivíduo acerca de seus próprios atos não é relação juridicamente relevante,
ressalvadas as consequências decorrentes das eventuais hipóteses de eficaz
retificação de dado incorretamente indicado em momento anterior. Assim, caso
a fiscalização fosse outorgada aos particulares, tratar-se-ia de uma relação
recíproca, em que um particular tivesse o dever de fiscalizar a atividade de
outro. Ocorre que essa ideia de atribuição de competência aos particulares para
fiscalizarem a atividade desempenhada por outros iguais não se coaduna com o
ordenamento jurídico vigente. Nesse sentido, são as argutas observações de
Celso Antonio Bandeira de Mello, in verbis:
Os atos jurídicos expressivos de poder público, de autoridade
pública, e, portanto, os de polícia administrativa, certamente
não poderiam, ao menos em princípio, e salvo circunstâncias
excepcionais ou hipóteses muito específicas (caso, ‘exempli
gratia’, dos poderes reconhecidos aos capitães de navios),
serem delegados a particulares, ou serem por eles praticados.
A restrição à atribuição de atos de polícia a particulares funda-
se no corretíssimo entendimento de que não se lhes pode, ao
menos em princípio, cometer o encargo de praticar atos que
envolvem o exercício de misteres tipicamente públicos quando
em causa liberdade e propriedade, porque ofenderiam o
98
equilíbrio entre os particulares em geral, ensejando que uns
oficialmente exercesse supremacia sobre outros189
.
De fato, a outorga de legitimidade aos particulares para aplicarem normas de
fiscalização e, consequentemente, imputarem obrigações a outrem provocaria
uma situação inédita, capaz de ocasionar sérios danos à segurança jurídica.
Duas possíveis ocorrências originárias desse caótico cenário são: a
subjetividade que permeia o processo de aplicação do Direito, antes resumida à
Administração Pública, passaria a contar com juízos produzidos por inúmeros
intelectos; ademais, as aplicações da legislação poderiam passar a ser
arbitrárias, em atitudes influenciadas pela má-fé, no intuito de desfavorecer a
livre iniciativa, em detrimento dos caros princípios afetos ao procedimento
fiscalizatório, tais como a homenagem do interesse público sobre o particular,
bem como da legalidade e da busca pela verdade jurídica. Isso porque os
agentes fiscais, diferentemente dos particulares, estão sujeitos a um específico
regime jurídico, que lhes impõe a atuação nos exatos termos da lei, sem campo
para a influência de qualquer interesse político190
. A ação administrativa é,
obrigatoriamente, secundum legem. Por estas razões, como já fora mencionado
no item 2.1.1. Competência Fiscalizatória, apenas o Poder Executivo, por meio
dos agentes que integram a Administração Tributária191
, pode, legitimamente,
compor o critério pessoal ativo da norma de competência fiscalizatória. Nesse
189
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 2009, p. 832. 190
“Os direitos e garantias de servidores, especificamente ‘estatutários’ – integrantes da
Administração direta e de autarquias, regidos por estatutos, isto é, leis, de cada entidade
política, no âmbito do respectivo território -, existem em benefício da sociedade. A
população espera desses agentes públicos imparcialidade no desempenho de atividades
públicas; por isso, não podem sujeitar-se às pressões de grupos políticos momentâneos”
(VITTA, Heraldo Garcia. Poder de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 145). 191
Frise-se, vinculados pelo regime estatutário e, jamais, celetista, haja vista que “não há
possibilidade fora do regime institucional/estatutário de se dar prevalência ao interesse
público sobre o interesse privado. Isto porque a adoção do regime celetista retira do poder
público a possibilidade de alterar regras do jogo no decorrer da relação mantida com os
seus servidores. As jurisprudência e doutrina pátrias são pacíficas ao aceitarem a alteração
dos direitos e vantagens dos servidores no decorrer de uma relação institucional. Já no
tocante ao regime celetista ocorre o inverso. Aqui o que prevalece é a proteção ao obreiro”
(BASTOS, Evandro de Castro. O regime estatutário, a fiscalização da coisa pública e as
“pedras de toque” do regime jurídico-administrativo. In: ______; BORGES JR., Odilon.
Novos rumos da autonomia Municipal. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 103).
99
mesmo sentido, o artigo 145, § 1º, da Constituição Federal192
, expressamente
outorga o dever fiscalizatório à administração tributária, não havendo
disposições normativas que deleguem referida atividade aos particulares. É
relevante consignar que o Supremo Tribunal Federal193
, em análise da
inconstitucionalidade de dispositivos afetos à legislação que dispunha sobre a
fiscalização de profissões regulamentadas, houve por bem, entre outras
questões, declarar a contrariedade à Constituição Federal dos preceitos legais
que delegavam aos particulares referidas atividades, pois que patentemente
representativas do exercício de polícia, já que relacionadas à tributação e
punição.
Observe-se que, naquela oportunidade, as discussões em plenário suscitaram a
ideia de delegação do poder de polícia no âmbito do Código de Trânsito
Brasileiro, no que se refere às parcerias do Poder Público com os particulares
para o registro de infrações por meio de aparelhos eletrônicos. Como muito
bem ressalvado em breve ponderação colocada pelo Ministro Sepúlveda
Pertence, não há falar-se, neste tocante, de privatização do poder de polícia, já
que nestas hipóteses os particulares não aplicam as normas aos casos concretos,
192
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e
nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.” 193
“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI
FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE
FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. […] a interpretação
conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da
Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade
privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de
punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como
ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime” (ADI 1717, Relator(a):
Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28-03-2003 PP-
00061 EMENT VOL-02104-01 PP-00149).
100
senão fornecem elementos para os agentes competentes subsidiarem a
positivação do Direito194
.
Assim, podemos inferir que a Corte Máxima Brasileira julga que o exercício do
poder de polícia, categoria dentro da qual se enquadra a atividade fiscalizatória
tributária, enquanto exercício de função típica e essencial do Estado, no
exercício pleno de sua soberania, não pode ser objeto de delegação aos
particulares. Sendo que a suposta ocorrência de referida delegação de
competência, como no seio da fiscalização das regras atinentes ao trânsito, por
194
Apesar de não concordarmos em ser o fornecimento do substrato linguístico uma forma de
fiscalização, isto é, de exercício do poder de polícia, Heraldo Garcia Vitta enumera as
atividades representativas da polícia administrativa, dentre as quais figuram as atividades
materiais, que se enquadram ao nosso conceito de atividade que pode ser atribuída aos
particulares, e permite a delegação do seu desempenho: “Quando se fala em polícia
administrativa – atividade exclusiva do Estado, na qual há contornos jurídicos à liberdade
e propriedade das pessoas – tem-se, dentre outros atos jurídicos ampliativos (como
autorizações e licenças), atos jurídicos restritivos da esfera jurídica do administrado
(ordens, proibições, medidas cautelares, imposição de penalidades administrativas) e
atividades materiais (guinchar veículo na via pública; apreender produtos deteriorados;
fechar fábrica poluidora; intentar, compulsoriamente, louco, em hospital público, etc.).
[…] particulares, contratados pelo Poder Público podem praticar atos materiais que
precedem atos jurídicos de polícia [como exemplo dos equipamentos fotossensores
pertencentes e operados por empresas privadas] […] Sem embargo, de acordo com Celso
Antônio Bandeira de Mello, atividades materiais podem ser praticadas por particular –
contratado pela Administração – quando forem sucessivas de atos jurídicos de polícia
realizados pelo Poder Público” (e.g., contratar empresa privada para demolir dado prédio
em ruínas)” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder de Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p.
153-155).
A título ilustrativo: “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO NÃO
CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II DO CPC.
MULTA DE TRÂNSITO. NULIDADE DE AUTOS DE INFRAÇÃO. EQUIPAMENTO
ELETRÔNICO (RADAR FIXO). LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO.
AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO AGENTE AUTUADOR. ART. 280 DO CTB.
RESOLUÇÃO DO CONTRAN. […] 3. O Código de Trânsito Brasileiro e Resoluções do
CONTRAN permitem a comprovação de infrações no trânsito por meio de aparelhos
eletrônicos. […] 5. Os ‘‘pardais’’ não aplicam multas, apenas fornecem elementos fáticos
para que o DETRAN lavre o auto e imponha sanções quando comprovadas as infrações.
[…] ‘‘A função da polícia administrativa envolve o ‘‘poder de império’’ sobre a vontade
individual, devendo ser exercida por entidade com personalidade jurídica de direito
público (administração direta – centralizada – ou, se descentralizada, só se pode outorgá-la
para uma autarquia). Para tanto, pode ser necessário o uso de insumos – pessoal e
equipamentos – privados, o que não se confunde com transferência do exercício do poder
de polícia para o particular, o que representa um dos limites à desestatização.’’ (Marcos
Juruena Villela Souto, in Direito Administrativo Regulatório, 2ª edição, Editora Lumen
Juris, Rio de Janeiro, 2005, pág:73/74). 7. Recurso especial desprovido” (REsp
772347/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/03/2006, DJ
17/04/2006, p. 181).
101
exemplo, é, na verdade, mera cessão da atividade de coleta de elementos que
subsidiam a construção de um juízo precedente à produção de atos
administrativos.
Aplicando essas lições ao âmbito do Direito Tributário, é a crítica à
interpretação de que a regra insculpida no artigo 155, § 2º, inciso I, da
Constituição Federal195
, impõe a efetiva cobrança e respectiva comprovação de
pagamento do tributo para a consecução do direito ao crédito. Como muito bem
ponderado por Clélio Chiesa196
, o termo cobrado mencionado no referido
enunciado prescritivo deve ser compreendido como devido, pois, caso
contrário, estar-se-ia impondo a necessidade de que cada contribuinte se
certificasse de que seus fornecedores e produtores efetivamente constituíram e
recolheram aos cofres públicos o ICMS incidente em toda a cadeia de
circulação da mercadoria até a operação ou prestação presente. À parte dos
argumentos pela manutenção do direito creditício independentemente do
pagamento e respectiva comprovação, em virtude da ausência de ingerência do
Estado de destino acerca da tributação na jurisdição de origem, bem como da
obrigatória observância ao postulado da não cumulatividade, temos que o
contribuinte adquirente de mercadoria ou tomador de serviços não dispõe de
poderes para fiscalizar e exigir o cumprimento de obrigações tributárias pelo
vendedor ou prestador do serviço. Ao nosso ver, a solução neste caso seria, no
máximo, a instituição de um dever instrumental pelo qual o sujeito que firma
195
“Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: […] II - operações
relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se
iniciem no exterior; […] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será
não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação
de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo
mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.” 196
“Nada obstante o legislador tenha se utilizado da referida expressão [montante cobrado] ao
dispor sobre o crédito, o intérprete não pode se limitar a uma interpretação literal da
legislação. A exegese de que o crédito está atrelado ao montante pago nas operações
anteriores não nos parece ser a mais adequada. A origem do crédito está atrelada à
existência de operação tributada. Essa é a ilação que se pode extrair da análise dos
perceptivos que disciplinam a matéria” (CHIESA, Clélio. Créditos de ICMS: situações
polêmicas. In: VII Congresso Nacional de Estudos Tributários – Direito Tributário e os
conceitos de Direito Privado. São Paulo: Noeses, 2011, p. 251).
102
negócios informa o Fisco sobre o efetivo recolhimento do tributo em favor do
Erário pelo contribuinte que lhe antecede na cadeia de operações mercantis,
não lhe tolhendo qualquer direito creditício.
Enfim, assim como na seara das normas de trânsito e do direito administrativo,
no âmbito do Direito Tributário não existe espaço para a concretização da
atividade fiscalizatória pelos particulares. Situação distinta e aceitável é aquela
verificada nos casos em que a lei, por meio da instituição de deveres
instrumentais, estabelece a obrigatoriedade do fornecimento de meios fáticos,
pela sociedade, que servem de substrato linguístico para a produção normativa
individual e concreta de competência dos agentes fiscais. Ilustrativamente,
alguns dos sujeitos enumerados no artigo 197 do Código Tributário Nacional
são obrigados a prestar informações de negócios de terceiros, que servem de
material indispensável para o desenvolvimento da atividade fiscalizatória.
Nesse caso, os particulares não fiscalizam o cumprimento de obrigações
tributárias de outrem, mas cumprem deveres instrumentais, fornecendo meios
fácticos para a produção de normas individuais e concretas tributárias.
3.1.2 Definição do sujeito
A atividade fiscalizatória mantém uma relação de meio e fim com a tributação,
de modo que o exercício da competência fiscalizatória se torna legítimo quando
guarda um mínimo de correlação com a obrigação tributária que pretende
averiguar.
Porque a fiscalização tributária busca elementos que relatam a ocorrência de
fatos eventualmente relevantes para a realidade jurídica, a legitimidade do seu
exercício está atrelada ao interesse de o ente tributante tomar ciência da
situação em que se encontra o administrado: não apenas como sujeito que
pratica fatos jurídicos tributários motivadores da constituição ex officio do
103
crédito tributário, ou como mau pagador de seus tributos197
, mas, ainda, como
fiel cumpridor da sua obrigação principal, ou beneficiário de alguma hipótese
de imunidade, isenção ou suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
Exemplo caracterizador da circunstância de que o credor da prestação tributária
é o sujeito que tem legitimidade para fiscalizar é o caso do Imposto Territorial
Rural (ITR): conforme regra Constitucional198
, caso seja delegada aos
Municípios, mediante convênio, a capacidade de cobrarem o tributo, é
imperativo lógico que mencionada providência seja acompanhada da aptidão
para fiscalizar.
Paralelamente, a instituição de quaisquer deveres instrumentais está
diretamente condicionada à sua função de auxiliar a fiscalização e arrecadação
concreta de tributos. Sobre o assunto são os comentários de Maurício Zockun:
Entendemos que uma norma jurídica tributária instrumental
será validamente produzida se prescrever condutas que
tenham por finalidade prover a pessoa competente (que exerce
a função de fiscalização) de informações a respeito (i) da
ocorrência de fatos jurídicos que ensejam o nascimento de
obrigações tributárias materiais; e (ii) seu adimplemento pelo
197
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA -
ISSQN. EMPRESA NÃO CONTRIBUINTE. OBRIGATORIEDADE DE EXIBIÇÃO
DOS LIVROS COMERCIAIS. INEXISTÊNCIA. ART. 113, § 2º, DO CTN. […]. VI - Se
inexiste tributo a ser recolhido, não há motivo/interesse para se impor uma obrigação
acessória, exatamente porque não haverá prestação posterior correspondente. Exatamente
por isso, o legislador incluiu no aludido § 2º do art. 113 do CTN a expressão ‘no interesse
da arrecadação’. VII - Recurso Especial improvido” (REsp nº 539084/SP, Rel. Ministro
FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/10/2005, DJ 19/12/2005, p.
214).
“RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA.
DESCABIMENTO DA EXIGÊNCIA DO FISCO. MULTA. AFASTAMENTO. 1. A
despeito do reconhecimento da independência da nominada obrigação tributária acessória,
essa obrigação só pode ser exigida pelo Fisco para instrumentalizar ou viabilizar a
cobrança de um tributo, ou seja, deve existir um mínimo de correlação entre as duas
espécies de obrigações que justifique a exigibilidade da obrigação acessória. […]” (REsp
1096712/MG, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
02/04/2009, DJe 06/05/2009). 198
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: […] VI - propriedade territorial
rural; […] § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: […] III - será fiscalizado e
cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique
redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal”, regulamentado pela Lei
nº 11.250, de 27 de Dezembro de 2005.
104
sujeito passivo veiculado no mandamento da norma jurídica
tributária. Por isso é que nas dobras dessas prescrições se
encontram os confins do ‘interesse’ da arrecadação e da
fiscalização dos tributos.199
A fim de garantir que sujeitos políticos incompetentes para tributar
determinados aspectos de signos presuntivos de riqueza, por faltar-lhes
competência impositiva, não perturbem indevidamente sujeitos administrados
(i.e., realizem a fiscalização em sentido estrito), o sistema tributário Nacional
conta, v.g., com um instituto que permite a troca de informações entre os
órgãos fazendários, de que tratamos em seguida.
3.1.3 Permuta de informações
As informações obtidas por meio dos procedimentos fiscalizatórios são
protegidas pela máxima do sigilo fiscal, insculpido no artigo 198 do Código
Tributário Nacional, que veda
[…] a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus
servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a
situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de
terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou
atividades.
Este mandamento se justifica no fato de que é prestigiado o sigilo das
informações coletadas em sede da fiscalização, especialmente no tocante às
empresas, tendo em vista as consequências especulativas no mercado que
podem surgir com a difusão dos dados fiscais.200,201
199
ZOCKUN, Maurício. Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 124. 200
“Há que se ter parcimônia na divulgação de informações relativas às empresas, tendo em
vista as consequências que podem advir da propagação de notícias pelo Mercado. A
especulação gerada a partir do uso de informações estratégicas das empresas, como são as
de caráter financeiro e tributário, pode gerar graves prejuízos à atividade empresarial, o
que contra o sentido da Constituição patria, que, ao reconhecer a importância da empresa
no desenvolvimento nacional, procura incentivar sua preservação como móvel da atividade
105
O que nos importa neste momento é uma específica exceção à regra do sigilo
fiscal: a permuta de informações fiscais entre as Fazendas Públicas202
. O artigo
199 do Código Tributário Nacional já prescrevia, desde a sua redação original,
a mútua assistência das autoridades administrativas fazendárias para a
fiscalização dos tributos e a permuta de informações, em caráter geral ou
específico, por lei ou convênio, acrescida, ainda, em 2001, a figura dos Estados
estrangeiros nessa relação203
. No mesmo sentido, a Constituição Federal, por
meio da emenda nº 42/2003, passou a contar com enunciado prescritivo
específico que trata da troca de informações tributárias, in verbis:
Art. 37, CF XXII - As administrações tributárias da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades
essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por
servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários
para a realização de suas atividades e atuarão de forma
integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de
informações fiscais, na forma da lei ou convênio.
econômica” (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e
Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 237). 201
Observe-se que o sigilo faz referência aos dados que o agente fiscal obteve para atingir seu
fim, mas não ao próprio tributo apurado, de modo que, exemplificativamente, a ampla
publicação dos sujeitos inscritos no Cadastro de Informações dos Créditos de Órgãos e
Entidades Federais Não Quitados (CADIN) não afronta o mencionado dispositivo legal.
(NOUR, Ricardo Abdul apud MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários ao CTN. 7.
ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 503). 202
Sobre o assunto, o Judiciário já assentou a desnecessidade de prestação jurisdicional
outorgando o direito à informação fiscal compartilhada entre os órgãos fazendários para
fins de tributação, mormente suas respectivas autarquias: “Processo civil. Tributário.
Agravo de instrumento. Pedido de informações fiscais junto à receita federal.
Desnecessidade de provimento jurisdicional. Não conhecimento. O INSS, enquanto
autarquia integrante da administração indireta federal, enquadra-se no conceito de fazenda
pública. O art. 199 do Código Tributário Nacional determina que os entes integrantes da
fazenda pública devem prestar mútua assistência na fiscalização dos tributos e na permuta
de informações. Desnecessidade de o INSS recorrer ao poder judiciário para obter as
informações fiscais junto à Receita Federal. Agravo de instrumento não conhecido”
(TRF5; AI n. 200005000420301; Relator Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho;
publicado em 24/04/2003). 203
“A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta
de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.
Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos
ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da
arrecadação e da fiscalização de tributos. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001).”
106
Sob a perspectiva da fiscalização em sentido amplo, ressalte-se, desvinculada
de procedimento específico que culmina na produção de uma norma individual
e concreta conclusiva a respeito dos fatos investigativos, é possível verificar
que, mediante a utilização do instituto da permuta de informações, há um
aumento da gama dos entes políticos que podem analisar documentos fiscais
submetidos ao crivo daqueles em favor dos quais foram originariamente
instituídos. Exemplificativamente, os sujeitos que são tributados pelo Imposto
Territorial Rural (ITR) poderão ter seus documentos produzidos para relatar a
prestação de serviços encaminhados para o Auditor Fiscal de Rendas.
Assim, a proposta da permuta de informações autoriza-nos a afirmar que o
sujeito ativo competente para constituir o crédito tributário tem o direito de
averiguar os correlatos deveres instrumentais instituídos em lei, sendo que os
documentos decorrentes do atendimento à legislação de outros entes políticos
estão excluídos da sua competência fiscalizatória, salvo nos casos de permuta
de informações.
Com a permuta de informações, objetiva-se a realização da justiça tributária,
obstando a bitributação, bem como, em contrapartida, a inibição de práticas
relacionadas à sonegação fiscal. Por meio dessa cooperação entre os sujeitos
tributantes, surge a ideia de uma soberania expandida, em cuja sede é
compartilhado comunitariamente um poder regido pela diminuição vertiginosa
da desconfiança e do temor de condutas insuscetíveis de controle204
.
Questão de imprescindível ponderação é a circunstância de que a realização da
permuta de informações fiscais carece da edição de legislação específica que
outorgue aplicação concreta aos preceitos gerais e abstratos que garantem a
realização dessa forma organizacional da Administração Tributária205
. Neste
204
TORRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 454 et seq. 205
“A exigência de lei ou convênio se faz necessárias porque a cooperação importa em
quebra de sigilo funcional, visto que há a transmissão de informações obtidas através de
determinadas ações fiscais” (Excerto extraído do inteiro teor do Acórdão exarado pelo
107
sentido, no âmbito internacional, são numerosos os tratados que foram
incorporados pela ordem jurídica Nacional por meio de Decretos-Legislativos e
que disciplinam a permuta de informações entre os Estados, tais como os
firmados entre Brasil e Chile206
, Israel207
, Finlândia208
e Portugal209
. No que
tange à esfera Nacional, exemplificativamente, o art. 936 do Decreto nº
3.000/99 prescreve que:
Todos os órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e
Municipal, bem como as entidades autárquicas, paraestatais e
de economia mista são obrigados a auxiliar a fiscalização,
prestando informações e esclarecimentos que lhes forem
solicitados, cumprindo ou fazendo cumprir as disposições
deste Decreto e permitindo aos Auditores-Fiscais do Tesouro
Nacional colher quaisquer elementos necessários à repartição.
O SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), criado pelo Decreto nº
6.022/07, representa o máximo empenho por parte das Administrações em
aplicar as regras gerais e abstratas que lhes conferem a autorização para
compartilhar informações fiscais: basicamente, o programa consiste “na
modernização da sistemática atual do cumprimento das obrigações acessórias,
transmitidas pelos contribuintes às administrações tributárias e aos órgãos
fiscalizadores”210
, viabilizando o acesso da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios aos dados inseridos no sistema pelos sujeitos
administrados.
Questão controversa surge no tocante à utilidade das informações obtidas
mediante a troca de informações fiscais entre os órgãos fazendários. Há
divergência quanto à possibilidade do uso dos documentos decorrentes da
Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp 310.210/MG, de relatoria da Ministra
Eliana Calmon, em sessão de julgamento realizada em 20.08.2002). 206
Decreto nº 4.852, de 02 de outubro de 2003. 207
Decreto nº 5.576, de 08 de novembro de 2005. 208
Decreto nº 2.465, de 19 de janeiro de 1998. 209
Decreto nº 4012, de 13 de novembro de 2001. 210
BRASIL. SPED – Sistema Público de Escrituração Digital. Apresentação. Brasília, 2012.
Disponível em: <http://www1.receita.fazenda.gov.br/sobre-o-projeto/apresentacao.htm>.
Acesso em: 02 jul. 2014.
108
permuta de informações obtidas pelo cumprimento de deveres instrumentais
como prova para a constituição do fato jurídico tributário. Veja-se que:
Na prática, constata-se que a Fazenda Pública,
frequentemente, vem utilizando prova emprestada, em geral
de natureza indiciária, para comprovar a ocorrência dos
pressupostos do fato gerador. Trata-se de prova indiciária
produzida em esfera administrativa alheia à organização
administrativa fiscal do ente tributante que a toma por
empréstimo.
Em rigor, a iniciativa diz respeito aos elementos informativos
do lançamento e consiste em uma ciência e assunção de
resultados de investigações levadas a efeito por outro ente
tributante e cujo conhecimento decorre de permuta de
informações ajustadas pelas Fazendas Públicas da União,
Estados e Municípios, mediante convênios firmados nos
termos do artigo 199 do Código Tributário Nacional.
É muito comum “verbi gratia”, a União valer-se de apurações
hauridas em procedimentos fiscais relacionados com a
incidência do imposto estadual sobre operações relativas à
circulação de mercadorias e serviços (ICMS e antes ICM) para
tomar por empréstimo prova de indícios ou presunções que
corroboram evasão de imposto de sua competência: Imposto
sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre a Renda, por
exemplo.211
São vários os julgados que defendem energicamente a legitimidade de se
proceder à autuação fiscal com base exclusiva nas provas emprestadas,
conferindo progressiva otimização da atividade fiscalizatória212
, em
211
BONILHA, Paulo Cesar Bergstrom. Da prova no Processo Administrativo Tributário. São
Paulo: Ltr, 1992, p. 119-120. 212
Neste sentido, são os julgados, cujas ementas seguem:
“Tributação. Imposto de renda. Lançamento. Não é nulo o lançamento em que fisco
aproveita o processo administrativo feito por outra entidade administrativa, desde que se
conceda ao contribuinte o direito da defesa. A redução da multa só ocorre quando o
contribuinte paga o tributo no prazo que lhe foi fixado. Recurso extraordinário não
conhecido” (RE 95322, Relator(a): Min. CUNHA PEIXOTO, Primeira Turma, julgado
em 17/11/1981, DJ 18-12-1981 PP-12946 EMENT VOL-01239-06 PP-01871 RTJ VOL-
00104-02 PP-00786).
“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IRPJ. OMISSÃO DE
RECEITA. APURAÇÃO DO TRIBUTO. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE.
RECOLHIMENTO DO TRIBUTO NÃO COMPROVADO. COBRANÇA DEVIDA. 1.
A jurisprudência tem-se pacificado no sentido de que a assistência mútua entre os entes
tributantes (União, Estados e Municípios) é faculdade estabelecida pela lei tributária para a
109
homenagem ao princípio da eficiência, por evitar a repetição de diligências e
ensejar a economia de recursos e tempo, ao passo que em outras sessões de
julgamento resta apontada a necessidade de a prova emprestada ser
corroborada por outros elementos probatórios produzidos pelo sujeito político
competente, podendo a prova emprestada dar azo ao início de procedimento
fiscalizatório pela autoridade competente para a arrecadação do tributo em
análise213
.
fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, como forma de otimizar a
arrecadação, nos termos do art. 199 do CTN. 2. O STF tem entendido que não se pode
negar valor probante à prova emprestada desde que colhida com observância do
contraditório. 3. Conquanto tenham servido de subsídio para a lavratura do auto de
infração as conclusões do Fisco Estadual, não houve qualquer prejuízo ao direito de ampla
defesa da embargante, uma vez que esta exerceu de forma exaustiva o seu direito ao
contraditório na via administrativa. 4. Não tendo se desincumbido a embargante do ônus
da prova de suas alegações (art. 333, I, do CPC), antes, pelo contrário, deixou entrever nos
autos que não contabilizara receitas que consubstanciam acréscimo patrimonial tributável,
nos termos do art. 43 do CTN, lícito é concluir pela legitimidade da cobrança do tributo
(IRPJ) que, apesar de confessado pela embargante na instância administrativa, não foi por
ela recolhido. 5. Presunção de certeza e liquidez da CDA (Lei n. 6.830/80, art. 3º) não
afastada na espécie. 6. Apelação da embargante desprovida” (Tribunal Regional Federal
da 1ª Região; AC 0040783-54.1999.4.01.9199 / MG, Rel. DESEMBARGADOR
FEDERAL LEOMAR BARROS AMORIM DE SOUSA, Rel. Conv. JUIZ FEDERAL
CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.), OITAVA TURMA, e-DJF1 p. 2212 de
17/12/2010).
“COFINS – OMISSÃO DE RECEITA – PROVA – INFORMAÇÕES FORNECIDAS
POR SECRETARIA DO ESTADO. A omissão de receita apurada com base em
informações fornecidas por Secretaria de Estado, referentes a declarações comerciais e
financeiras do contribuinte, mormente quando, na fase impugnatória o interessado não
apresentar provas suficientes para descaracterizar a autuação, devendo-se manter a
exigência tributária. Não se pode negar valor probante à prova emprestada, coligida
mediante a garantia do contraditório. Precedentes” (Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais; Processo nº 10675.001884/2003-91; Recurso Voluntário nº 162.906; Acórdão nº
3402-001-007; 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária; Relator Fernando Luiz da Gama Lobo
D’eça; julgado em 03.02.2011).
Observe-se que a facultatividade de serem alegados argumentos em desfavor à prova
emprestada se faz sempre presente após a constituição da relação jurídico-tributária, por
meio da impugnação administrativa. 213
“EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO
MEDIANTE AUDITORIDA E PROVA EMPRESTADA DO FISCO ESTADUAL. ART.
199 DO CTN. NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR BASEAR-SE
EXCLUSIVAMENTE EM PRESUNÇÕES DE LUCRO. 1. Com a edição do Decreto –
Lei 200/67 ficou firmada a prestação de assistência mútua entre os fiscos federal e
estadual, estabelecida pelo artigo 199 do Código Tributário Nacional através da permuta
de informações para a fiscalização dos tributos respectivos. 2. Contudo tal cooperação não
vai ao ponto de se dispensarem elementos seguros de provas da infração, tampouco
justifica a inteira omissão dos agentes fiscais federais. 3. Meras diferenças, apuradas pelo
110
Paulo de Barros Carvalho214
e Fabiana Del Padre Tomé215
compartilham do
mesmo entendimento acerca do tema, no sentido de que a controvérsia se
resolve pela admissibilidade da prova emprestada como estopim para a
fisco estadual, em fiscalização realização com vistas à cobrança do ICM, assim
isoladamente, sem outra prova suplementar, não são suficientes para comprovar a
existência do lucro tributável, capaz de legitimar o lançamento de Imposto de Renda. 4,
Ainda que apurado pela fiscalização estadual que determinada mercadoria não foi
contabilizada, isto não significa que o valor das mesas traduz o próprio lucro tributável
que com elas tenha tido o comerciante. Razão pela qual o IR só poderá ser lançado depois
de conhecido o custo das mercadorias e demais despesas para a respectiva
comercialização. 5. Apelação e remessa oficial improvidas” (Tribunal Regional Federal da
3ª Região; Apelação em Mandado de Segurança nº 89.03.029231-6; Quarta Turma;
Relator Juiz Convocado Manoel Álvares; julgamento realizado em 12.06.2002).
“Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF […] PROVA EMPRESTADA.
ADMISSIBILIDADE. ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
ADMINISTRATIVOS E JUDICIAIS. CONVÊNIOS E ACORDOS INTERNACIONAIS.
COLETA DE INFORMAÇÕES - Os órgãos da Secretaria da Receita Federal e os órgãos
correspondentes dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, bem como os órgãos
administrativos e judiciais permutarão entre si, mediante convênio ou pela forma que for
estabelecida, as informações fiscais de interesse recíproco. A prova emprestada deverá ser
examinada em si mesma, pois em certos casos, devem servir como indicador da
irregularidade e não como fato incontestável, sujeito à incidência do imposto na esfera
federal. O fato de a fiscalização valer-se de informações colhidas por outras autoridades
fiscais, administrativas ou judiciais para efeito de lançamento, desde que estas guardem
pertinência com os fatos cuja prova se pretenda oferecer, por si só, não implica em
nulidade do lançamento, mormente se a autoridade lançadora se aprofundou nas
investigações com vistas a caracterizar, adequadamente, a matéria tributável. […]”
(Conselho Administrativo de Recursos Fiscais; Processo nº 19515.002100/2007-83;
Acórdão nº 2202-01.435; 2ª Câmara da 2ª Turma Ordinária; Relator Nelson Mallmann;
sessão de julgamento realizada em 25.10.2011).
“Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF […] PROVA EMPRESTADA.
ADMISSIBILIDADE. O Fisco Federal pode se valer de informações colhidas por
autoridades estaduais para lançamento tributário, desde que estas guardem pertinência com
os fatos. As DIEFs passaram do status de prova indiciária para prova concreta, material
auto-aplicável, após a fiscalização confrontá-las com a escrita contábil e fiscal, sem que o
sujeito passivo de manifestasse sobre os dados nelas contidos” (Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais; Processo nº 10218.720714/2011-15; Acórdão nº 1302-001.257; 3ª
Câmara da 2ª Turma Ordinária; sessão de julgamento realizada em 03.09.2013). 214
“Não se admite, porém, que uma Fazenda Pública se utilize dos dados levantados e a ela
informados por uma outra Fazenda para fins de autuação de contribuintes, como se fosse
uma prova emprestada. Haja vista que a informação recebida não possui valor probatório,
a Fazenda, baseada em tais dados, deve proceder à fiscalização própria e instaurar o
devido processo administrativo” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito
Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 664). 215
A prova emprestada “não configura, jamais, prova plena do fato jurídico em sentido
estrito. A informação advinda do órgão fazendário de outra pessoa política não é suficiente
para, por si só, provar fato jurídico ou ilícito tributário, autorizando a lavratura de ato de
lançamento ou de aplicação de penalidade. É inadmissível a edição de norma individual e
concreta, constituidora de relação jurídica tributária ou sancionatória, com base,
unicamente, em dados passados por ente tributante diverso” (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A
Prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 120).
111
instauração de procedimento fiscalizatório próprio ou, no máximo, como
elemento capaz de lastrear outras provas já constituídas pelo sujeito político
competente para tributar.
De fato, à prova emprestada deveria ser outorgado o mesmo valor que se
confere aos documentos produzidos pelos particulares no cumprimento dos
deveres instrumentais. Isto é, de elementos que devem ser submetidos à
apreciação do sujeito político competente para a emissão de um juízo acerca da
subsunção do fato que se prova às normas tributárias.
Pelo exercício da fiscalização, em sentido amplo, os sujeitos políticos analisam
diversos documentos, dentre os quais figura a prova emprestada. Diante de
indício da ocorrência do fato jurídico tributário ou sancionatório, deve ser
instaurado procedimento fiscalizatório próprio (consecução da fiscalização em
sentido estrito), que visa a obter outros dados para produzir uma norma
individual e concreta que afirma o fato jurídico tributário ou infirma ou
confirma a atividade do contribuinte. Como se vê, o empréstimo deve ser da
prova, e não das conclusões construídas por outro órgão fazendário216
.
Assim, os dados obtidos junto aos outros entes da federação ou estrangeiros
devem ser admitidos como substrato a partir do qual se constrói a
fundamentação do ato do lançamento de ofício. Porém, é muito importante
sempre ter em mente que os documentos produzidos em atenção ao
cumprimento de deveres instrumentais são diretamente relacionados com a
pretensão tributária a que são correlatos, de modo que, exemplificativamente, a
aferição de rendimento para fins do Imposto sobre a Renda não pode ser
embasada exclusivamente nas notas fiscais emitidas em razão da prestação de
serviços: é fundamental que, diante do volumoso número de notas fiscais,
demonstrativas da percepção de expressivas cifras, seja instaurado
216
Sobre a diferenciação entre o empréstimo de prova e o empréstimo da conclusão:
ARRUDA, Luiz Henrique Barros de. Processo Administrativo Fiscal. São Paulo: Resenha
Tributária, 1994, p. 41.
112
procedimento específico para a averiguação do efetivo acréscimo patrimonial
ou se, por outro lado, as despesas para a prestação do serviço superam as
receitas.
3.2 O critério pessoal – Sujeito passivo da relação jurídica fiscalizatória
No que se refere ao estudo do sujeito passivo da obrigação tributária, Geraldo
Ataliba leciona que o sujeito passivo é, via de regra, a “pessoa que fica na
contingência legal de ter o comportamento objeto da obrigação, em detrimento
do próprio patrimônio”217
, sendo ora aquele que está em conexão íntima com o
núcleo da hipótese de incidência, que é o contribuinte, ora pessoa diversa
daquela depreendida da hipótese de incidência, mas com ela vinculada e que
fica adstrita a pagar tributo alheio (responsável)218
.
No tocante ao estudo da norma de competência fiscalizatória, existe, ainda,
uma terceira figura que pode desempenhar o papel de sujeito passivo da relação
jurídica, qual seja, o terceiro não necessariamente relacionado com a obrigação
tributária219
, isto é, que não está compelido ao pagamento do tributo, seja como
217
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, p.
86. 218
No mesmo sentido são as palavras Paulo de Barros Carvalho, que afirma: “o sujeito
passivo da relação jurídica tributária é a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica,
privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos
obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros
deveres instrumentais ou formais” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito
Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 367). Também, Maria Rita Ferragut define
o sujeito passivo nos seguintes termos: “é aquele que figura no polo passivo de uma
relação jurídica tributária, e não aquele que tem aptidão para suportar o ônus fiscal. […]
Contribuinte é a pessoa que realizou o fato jurídico tributário, e que cumulativamente
encontra-se no polo passivo da relação obrigacional. Se uma das duas condições estiver
ausentes, ou o sujeito será responsável, ou será o realizador do fato jurídico, mas não o
contribuinte. Praticar o evento, portanto, é condição necessária para essa qualificação, mas
insuficiente” (FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o código civil de
2002. São Paulo: Noeses, 2009, p. 29-30). 219
Neste sentido, “o dever de prestar informações ao Fisco não é apenas do sujeito passivo de
obrigações tributárias, ou mais precisamente, não é apenas de contribuintes e de
responsáveis tributários. Abrange também terceiros” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso
de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 161-162).
113
contribuinte ou responsável, mas que de alguma forma está conectado à
materialidade do tributo.
Nesse sentido, são os mandamentos insculpidos tanto no artigo 194, do Código
Tributário Nacional220
, submetendo à fiscalização do cumprimento da
obrigação tributária e dos deveres instrumentais não somente os contribuintes
(leia-se contribuintes e responsáveis tributários), mas também os não
contribuintes, como é o caso dos sujeitos imunes e isentos, além dos terceiros
relacionados econômica, política e financeiramente com os contribuintes, que
são alguns daqueles enunciados no artigo 197 do mesmo diploma
normativo221,222,223
.
220
“A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou
especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os
poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação.
Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas naturais ou
jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de
isenção de caráter pessoal.” 221
“Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as
informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:
[…] II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e VII - quaisquer outras entidades
ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade
ou profissão.” 222
Sobre o tema: “Por força desse dispositivo, funcionam como informantes, ou
colaboradores da investigação fiscal, os cartorários (notadamente para o caso de impostos
imobiliários ou sobre a transmissão de bens ou direitos, como o IPTU, ITBI e ITCMD), os
superintendentes de repartições administrativas outras que não as fiscais, como, ‘v.g.’, o
Departamento de Trânsito – Detran (no caso do IPVA) etc.” (MARINS, James. Direito
Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014,
p. 233). 223
E, ainda: “RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA “A” - TRIBUTÁRIO - MANDADO DE
SEGURANÇA - ADMINISTRADORA DE SHOPPING CENTER - EXIBIÇÃO DE
DOCUMENTOS ELABORADOS COM BASE NOS RELATÓRIOS DE VENDAS DAS
LOJAS ADMINISTRADAS - OBRIGATORIEDADE - ARTIGOS 195, CAPUT E 197,
INCISO III DO CTN. O dever de prestar informações à autoridade fiscal não se restringe
ao sujeito passivo das obrigações tributárias, ou seja, o contribuinte ou responsável
tributário, alcançando também a terceiros, na forma prevista em lei. Dispõe o artigo 195,
caput do CTN que, “para efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer
disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros,
arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais,
ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.” Impõe o artigo 197 do mesmo Codex,
por seu turno, obrigação a terceiros de fornecer dados que auxiliem a atuação dos auditores
fiscais, inserindo-se, dentre as pessoas jurídicas elencadas, empresas da modalidade da
recorrente, administradora das lojas do Shopping Conjunto Nacional, situado nesta capital.
Forçoso concluir, dessarte, que não merece censura o v. acórdão proferido pelo Tribunal
114
Observe-se que, em princípio, todos os indivíduos que compõem uma
determinada sociedade podem ser submetidos a procedimentos fiscalizatórios
para a apuração do cumprimento das obrigações tributárias e dos deveres
instrumentais próprios, enquadrando-se nas categorias de contribuintes ou
responsáveis tributários. Contudo, relativamente às atividades de terceiros,
apenas é válida a escolha dos sujeitos passivos da relação fiscalizatória
taxativamente enunciados no Código Tributário Nacional ou previstos em lei,
conforme prescreve o artigo 197, inciso VII, do mencionado diploma legal224
,
de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Como bem ponderou o ilustre revisor da
apelação, “a apelante dispõe de documentos comerciais que permitem ao fisco verificar
possíveis irregularidades e mesmo evasão fiscal. A sua recusa não é legítima. Pouco
importa não seja contribuinte do ICMS. Há obrigação dela em fornecer os documentos. É
o que estabelece o art. 197 do CTN, segundo o qual as administradoras de bens - caso da
impetrante - estão obrigadas a prestar, à autoridade administrativa, todas as informações
que dispõe quanto aos bens, negócios ou atividades de terceiros.” Recurso especial não
provido” (REsp 201459/DF, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA,
julgado em 17/02/2004, DJ 03/09/2007, p. 154). 224
Sobre a restrição dos sujeitos adstritos ao fornecimento de dados de terceiro: “são aquelas
que a lei designar, não podendo ser escolhidas por ato discricionário da autoridade
administrativa” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010, p. 663).
E, também: “A norma contida no art. 197 do CTN esclarece a extensão do dever de
informação para além dos limites do polo passivo, como já comentado, jungindo ao dever
pessoas cuja a lei entende aptas a colaborar com o Fisco, até pela especial natureza de suas
atividades. Desnecessário dizer que o rol previsto é taxativo, não havendo possibilidade de
se impor o dever de informações para além da letra da lei” (MARINS, James. Direito
Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014,
p. 235).
Exemplo típico de prestação de informações por terceiros é a exigência da DIMOB pelas
construtoras ou incorporadoras, imobiliárias e administradoras de imóveis, já que fornece
dados referentes às partes contratantes e o valor das operações sujeitas à incidência dos
tributos relativos aos bens adquiridos e às rendas deles decorrentes. Quando provocado, o
STJ se manifestou nos seguintes termos: “TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO DE
INFORMAÇÕES SOBRE ATIVIDADES IMOBILIÁRIAS - DIMOB. IN SRF 304/2003.
FUNDAMENTO LEGAL. ART. 16 DA LEI 9.779/1999 E ART. 197 DO CTN.
EXIGÊNCIA DE MULTA. ART. 57 DA MP 2.158-35/2001. FUNDAMENTO
INATACADO. SÚMULA 182/STJ. […] 4. Não há falar em inexistência de dever de
prestar informações relativas a operações de compra e venda e aluguel de imóveis, já que
as administradoras de bens e os corretores são obrigados, nos termos do art. 197, III e IV,
do CTN. Nessa situação encontram-se as administradoras, imobiliárias, corretoras,
construtoras e incorporadoras quando atuam como intermediárias na consecução dos
negócios de compra e venda e aluguel” (REsp 1105947/PR, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 27/08/2009).
115
sendo que as informações destes solicitadas devem, via de regra, respeitar o
sigilo de cargo, ofício, atividade ou profissão225
.
Em recente publicação, Leandro Paulsen trata da capacidade colaborativa nos
deveres instrumentais e dos substitutos e responsáveis tributários, muito mais
abrangente do que a capacidade contributiva, especificamente porque o seu
grupo de sujeitos passivos é o mais amplo possível226
. Definindo a ideia,
afirma:
A capacidade colaborativa pode ser conceituada como a
possibilidade que uma pessoa tem de, consideradas as
circunstâncias das atividades que desenvolve, ou dos atos ou
negócios que realiza, ou ainda da sua relação de proximidade
com o contribuinte ou com o fato gerador, estar em posição tal
que lhe seja viável física, jurídica e economicamente, agir de
modo a subsidiar, facilitar ou incrementar a fiscalização
tributária ou a arrecadação dos tributos, colaborando, assim,
para que a tributação alcance todos os potenciais contribuintes
de modo mais efetivo, isonômico, simples, completo,
confortável, econômico, justo e eficaz, em benefício de toda a
sociedade.227
Em que pese à maior extensão pessoal passiva do que aquela presente na
tributação, a capacidade colaborativa de cada indivíduo é identificada na
225
O dever de prestar informações “não pode ingressar no secreto vínculo que se estabelece
no exercício de certas profissões, em que a própria lei veda terminantemente a quebra do
sigilo […] o psicólogo, o médico, o advogado, o sacerdote e tantas outras pessoas que, em
virtude de seu cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão, tornam-se
depositárias de confidências, muitas vezes relevantíssimas para o interesse do Fisco, não
esta cometidas do dever de prestar informações previstas no art. 197” (CARVALHO,
Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 663).
Sobre uma específica regra do sigilo profissional, vide item 3.6.2. Quebra de sigilo
bancário. 226
O exercício da competência fiscalizatória, enquanto modalidade de poder de polícia, pode
ser dirigido aos particulares em geral. Sobre a sujeição passiva do poder de polícia: “De
fato, o poder de polícia é manifestação eloquente da soberania doestado; manifestado por
meio de leis, o poder de polícia tem como destinatários todas as pessoas. O fundamento
dele, assim, é a supremacia geral do Estado, ou seja, o poder supremo de editar lei em
geral, concretizadas por atos da Administração” (VITTA, Heraldo Garcia. Poder de
Polícia. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 45). 227
PAULSEN, Leandro. Capacidade Colaborativa: Princípio de Direito Tributário para
obrigações acessórias e de terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 40.
116
utilidade das informações que podem ser fornecidas228
: no âmbito do nosso
estudo, a escolha dos sujeitos passivos deve ser justificada na adequação da
medida, ou seja, a fiscalização em face de específico membro da sociedade
deve promover o fim, que é o conhecimento de fatos relevantes para o Direito
Tributário.
3.2.1 Discricionariedade na escolha dos fiscalizados
O procedimento fiscalizatório do cumprimento das obrigações tributárias e dos
deveres instrumentais parte da premissa de que todos os administrados devem
submeter-se à fiscalização de suas atividades, noutro discurso, é sujeito passivo
da fiscalização a universalidade dos particulares que compõe o corpo social.
O expressivo número de sujeitos que integram o polo passivo da relação
fiscalizatória ampla impõe a adoção de medidas que restringem a instauração
de procedimentos fiscalizatórios, isto é, o afunilamento da concretização da
fiscalização em sentido estrito a determinados grupos, sob pena de tornar
ineficiente e inviável a prática da Administração. Via de regra, a apuração de
indícios é o estopim para a instauração de particulares procedimentos para a
apuração de informações, contudo também são empregadas técnicas, tais como
o
[…] “profiling”, na qual são elaborados perfis de
comportamento de uma pessoa ou de um grupo a partir dos
dados disponibilizados ou coletados, submetidos ao emprego
de métodos estatísticos, técnicas de inteligência artificial,
228
“Esse auxílio à tributação dá-se na medida da capacidade de colaboração de cada pessoa
que, conforma já se destacou, pressupõe a sua possibilidade de participar de modo útil
desse processo. Tem capacidade de colaboração em matéria tributária quem está em
condições de colaborar efetivamente para tal fim. (PAULSEN, Leandro. Capacidade
Colaborativa: Princípio de Direito Tributário para obrigações acessórias e de
terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 43).
117
dentre outros, com o escopo de delinear as tendências de
futuras decisões e comportamentos dos investigados229
.
Exemplo típico da adoção desse mecanismo é a criação das Delegacias
Especiais de Maiores Contribuintes230
que, explicitamente, circunscreve as
suas atividades à fiscalização das atividades desempenhadas por sujeitos que
arrecadam grandes cifras ao Erário. Em que pesem as críticas à
discricionariedade afeta às providências de seleção de contribuintes sujeitos à
fiscalização em sentido estrito, especialmente no que tange à suposta
inobservância dos princípios da isonomia e da presunção de inocência, é muito
importante apontar que a movimentação cambiante do cotidiano, com o
crescimento exponencial de administrados, exige o desenvolvimento de
técnicas que viabilizem o exercício da atividade fiscalizatória.
3.2.2 Não incidência, isenção, imunidade e fiscalização
Conforme apontamos no item 3.2. O critério pessoal – Sujeito passivo da
relação de competência fiscalizatória, apenas pode ser eleito sujeito passivo da
relação fiscalizatória aquele que detém documentos veiculadores de linguagem
útil aos sujeitos políticos tributantes. Este deve ser o norte para a legítima
submissão dos contribuintes, responsáveis e terceiros indicados na lei à
atividade fiscalizatória.
Relativamente aos sujeitos isentos e imunes, a sua submissão ao dever de
suportar a fiscalização justifica-se na imprescindibilidade da demonstração do
preenchimento dos requisitos legais necessários ao gozo das referidas benesses
229
WASSERMAN, Rafhael. A obtenção e o emprego de informações pela Administração
Tributária em face das normas de sigilo. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 29. 230
Conforme prescreve a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 547/2010.
118
fiscais, com o consequente não surgimento do crédito tributário, nos termos do
que prescreve o artigo 175, parágrafo único, do Código Tributário Nacional231
.
À parte das diferenças entre os institutos da imunidade e da isenção, temos que
devem ser preenchidos os critérios informadores da hipótese, por meio da
comprovação da adequação do fato à norma, para que seja reconhecida a
imunidade ou a isenção e, consequentemente, juridicamente considerado o
acontecimento factual fora do âmbito da tributação.
Sendo assim, é imprescindível o cumprimento dos deveres instrumentais,
mormente a sujeição à fiscalização, pelos sujeitos que gozam das imunidades
ou isenções, pois que, mediante a análise documental, torna viável a criação de
um juízo sobre o dado factual para a incidência e aplicação das normas
reconhecedoras da imunidade ou da isenção.
No tocante às imunidades, mas também com aplicação no âmbito das isenções,
Rubens Gomes de Sousa, em oportuno comentário ao artigo 9º, § 1º, do Código
Tributário Nacional232
, firma a ideia de que a imunidade refere-se à exação
fiscal, mas jamais à legislação, especialmente àquelas que prescrevem deveres
instrumentais. São as suas palavras:
[…] o que o § 1º quis esclarecer foi que esta exclusão não é
total, mas é apenas a exclusão do campo de aplicação da lei
tributária, naquilo em que esta lei estabeleça obrigação de
pagar tributos; mas, o conteúdo da lei tributária não se limita a
231
“A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias
dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela consequente.” 232
“Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] IV -
cobrar imposto sobre: a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros; b) templos
de qualquer culto; c) o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos e de
instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados na
Seção II dêste Capítulo; c) o patrimônio, a renda ou serviços dos partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, observados os requisitos fixados na
Seção II deste Capítulo; d) papel destinado exclusivamente à impressão de jornais,
periódicos e livros. § 1º O disposto no inciso IV não exclui a atribuição, por lei, às
entidades nele referidas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na
fonte, e não as dispensa da prática de atos, previstos em lei, assecuratórios do
cumprimento de obrigações tributárias por terceiros.”
119
isso, compreende a exigência da prática de atos assecuratórios
da cobrança do tributo devido por quem de direito, que não
será o imune, porque é imune, mas, entendido da forma por
que vinha sendo entendido, o conceito de imunidade acabaria
por se transformar numa válvula de escape, numa fórmula
pela qual um particular, ou seja, uma entidade ou outra pessoa
que aquelas a quem a Constituição quis atribuir o benefício da
imunidade, pudesse, à sombra desse benefício, escapar-se do
cumprimento de obrigações tributária, que de direito lhe
competiam233
.
Com efeito, nesses casos é de rigor a caracterização jurídica de um fato para
que seja constatada a sua subsunção às normas imunizantes ou isentivas234
,
justificando-se nesse aspecto a submissão dos sujeitos imunes e isentos ao
cumprimento de deveres instrumentais, inclusive à fiscalização.
Já no que se refere à não incidência, a dificuldade em defender a legitimidade
do exercício da fiscalização esbarra no fato de que nessas hipóteses inexiste a
potencial subsunção do fato social a qualquer conceito contido nas hipóteses
normativas válidas num dado sistema jurídico.
Nesse sentido é, por exemplo, o caso das instituições financeiras que remetem
bens do ativo imobilizado de sua matriz para filiais. Nessas operações, sem
transferência de titularidade, tampouco de conteúdo econômico, alega-se que
jamais deveria ser exigido o cumprimento de deveres instrumentais correlatos
ao ICMS, mormente o de se sujeitar à fiscalização da obrigação decorrente da
incidência do tributo. Isso porque, inexistente a concretização de quaisquer dos
critérios materiais da exação em comento, por se caracterizar evidente caso de
233
SOUSA, Rubens Gomes; ATALIBA, Geraldo; CARVALHO, Paulo de Barros.
Comentários ao Código Tributário Nacional – parte geral. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975, p. 119. 234
Sobre a inadequada nomenclatura da imunidade como hipótese de não incidência
constitucionalmente qualificada, são as palavras de Bernardo Ribeiro de Moraes: “Não
aceitamos a expressão ‘não incidência constitucionalmente qualificada’ para exprimir a
imunidade, porque entendemos que a regra jurídica constitucional de imunidade incide
sempre, como qualquer outra regra jurídica. É uma regra como qualquer outra regra
positiva. Incide sobre os fatos imunes, para vedar a sua tributação. Daí ser imprópria a
denominação ‘hipótese de não incidência’” (apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito
Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2008, p. 317).
120
não incidência, impossível a subsunção do fato à norma tributante, caindo por
terra a tentativa de instituição de deveres instrumentais. Justifica-se, ainda, que
o relato de operações que não se subsomem à hipótese tributária causaria ônus
desnecessários tanto para o particular quanto para a Administração, visto que
ambos dispendem recursos e tempo na confecção e análise de documentos
irrelevantes para fins de incidência tributária.
Outro exemplo em que há a imposição de dever instrumental e,
consequentemente, do dever de se submeter à fiscalização, em caso de não
incidência, é o instituído pela Lei do Município de São Paulo nº 14.042/2005,
que prevê o cadastramento de prestadores de serviço que emitem nota fiscal por
outro Município (porque lá sediados e tributados) para tomador estabelecido no
Município de São Paulo. Sob o pretexto de uma eficiente administração
tributária, é o dever de, por meio do cumprimento de um dever instrumental,
comprovar previamente o não preenchimento dos requisitos autorizadores da
incidência do ISSQN de titularidade da Municipalidade de São Paulo, sob pena
de retenção do imposto na fonte.
Em análise do citado caso da transferência do ativo imobilizado entre matriz e
filiais, o Superior Tribunal de Justiça235
firmou entendimento não só pela
235
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. OPERAÇÃO
INTERESTADUAL DE DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO PERMANENTE OU
DE USO E CONSUMO ENTRE ESTABELECIMENTOS DA MESMA INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA. HIGIDEZ DA OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA CONSISTENTE NA
EXIGÊNCIA DE NOTA FISCAL DOS BENS. IRRELEVÂNCIA INEXISTÊNCIA, EM
TESE, DE OBRIGAÇÃO PRINCIPAL (NÃO INCIDÊNCIA DE ICMS). FATOR
VIABILIZADOR DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. ARTIGOS 175, PARÁGRAFO
ÚNICO, E 194, DO CTN. ACÓRDÃO FUNDADO EM LEI LOCAL. CONHECIMENTO
PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL. 1. O ente federado legiferante pode instituir dever
instrumental a ser observado pelas pessoas físicas ou jurídicas, a fim de viabilizar o
exercício do poder-dever fiscalizador da Administração Tributária, ainda que o sujeito
passivo da aludida “obrigação acessória” não seja contribuinte do tributo ou que
inexistente, em tese, hipótese de incidência tributária, desde que observados os princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade ínsitos no ordenamento jurídico. 2. A relação
jurídica tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu (obrigação tributária
principal), como ao conjunto de deveres instrumentais (desprovidos do timbre da
patrimonialidade), que a viabilizam. 3. Com efeito, é cediço que, em prol do interesse
público da arrecadação e da fiscalização tributária, ao ente federado legiferante atribui-se o
121
sujeição passiva fiscalizatória nos casos de não incidência como, ainda,
legitima a instituição de deveres instrumentais, desde que respeitada a
proporcionalidade. Igualmente, no que se refere ao cadastramento dos
prestadores de serviços estabelecidos noutros Municípios, o Tribunal de Justiça
direito de instituir obrigações que tenham por objeto prestações, positivas ou negativas,
que visem guarnecer o fisco do maior número de informações possíveis acerca do universo
das atividades desenvolvidas pelos administrados, o que se depreende da leitura do artigo
113, do CTN […] 6. Destarte, o ente federado competente para instituição de determinado
tributo pode estabelecer deveres instrumentais a serem cumpridos até mesmo por não
contribuintes, desde que constituam instrumento relevante para o pleno exercício do
poder-dever fiscalizador da Administração Pública Tributária, assecuratório do interesse
público na arrecadação. 7. In casu: (i) releva-se incontroverso nos autos que o Estado da
Paraíba, mediante norma inserta no RICMS, instituiu o dever instrumental consistente na
exigência de nota fiscal para circulação de bens do ativo imobilizado e de material de uso
e consumo entre estabelecimentos de uma mesma instituição financeira; e (ii) o Fisco
Estadual lavrou autos de infração em face da instituição financeira, sob o fundamento de
que os bens do ativo imobilizado e de uso e consumo (deslocados da matriz localizada em
São Paulo para a filial localizada na Paraíba) encontravam-se acompanhados apenas de
simples notas de remessa, elaboradas unilateralmente pela pessoa jurídica. 8. Deveras, é
certo que: (i) “o deslocamento de bens ou mercadorias entre estabelecimentos de uma
mesma empresa, por si, não se subsume à hipótese de incidência do ICMS”, máxime em se
tratando de remessa de bens de ativo imobilizado, “porquanto, para a ocorrência do fato
imponível é imprescindível a circulação jurídica da mercadoria com a transferência da
propriedade” (Precedente da Primeira Seção submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC:
REsp 1.125.133/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 25.08.2010, DJe 10.09.2010),
ratio igualmente aplicável ao deslocamento de bens de uso e consumo; e (ii) o artigo 122,
do CTN, determina que “sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às
prestações que constituam o seu objeto.” 9. Nada obstante, subsiste o dever instrumental
imposto pelo Fisco Estadual com o intuito de “levar ao conhecimento da Administração
(curadora do interesse público) informações que lhe permitam apurar o surgimento (no
passado e no presente) de fatos jurídicos tributários, a ocorrência de eventos que tenham o
condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, além da extinção da obrigação
tributária” (Maurício Zockun, in “Regime Jurídico da Obrigação Tributária Acessória”,
Ed. Malheiros, São Paulo, 2005, pág. 134). 10. Isto porque, ainda que, em tese, o
deslocamento de bens do ativo imobilizado e de material de uso e consumo entre
estabelecimentos de uma mesma instituição financeira não configure hipótese de
incidência do ICMS, compete ao Fisco Estadual averiguar a veracidade da aludida
operação, sobressaindo a razoabilidade e proporcionalidade da norma jurídica que tão-
somente exige que os bens da pessoa jurídica sejam acompanhados das respectivas notas
fiscais. […] 13. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008”
(REsp 1116792/PB, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
24/11/2010, DJe 14/12/2010).
122
do Estado de São Paulo já se manifestou pela legitimidade da instituição de
deveres instrumentais em razão da necessária fiscalização236
.
Observe-se que a questão relacionada à legitimidade da instituição de deveres
instrumentais é ponto ainda bastante controvertido237
. Exemplificativamente,
algumas soluções de consulta proferidas no âmbito do Município de São Paulo,
especificamente no que se refere aos casos em que o serviço prestado destoa
dos serviços elencados na Lei Complementar nº 116/2003, em sentido
diametralmente oposto ao julgado pelo Superior Tribunal de Justiça e do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, já decidiu pela desnecessidade do
preenchimento de documentos fiscais afetos à tributação238
.
Ao nosso ver, argumentação construída com fundamento na afirmativa ausente
o interesse arrecadatório, porque evidente caso de não incidência, é faltoso
também o interesse investigativo não merece guarida. Partindo das nossas
premissas, a construção de um juízo que atesta a não incidência deve partir de
236
Sobre a questão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se manifestou pela
legitimidade da exigência cadastral em razão da necessária fiscalização. Vide Recurso de
Apelação nº 9124477-98.2007.8.26.0000, julgada em 13.09.2011. 237
“Melhor dizendo, se a pessoa, física ou jurídica, não estiver, efetiva ou potencialmente,
sujeita ao pagamento deste tributo (obrigação tributária principal), não pode ser compelida
a cumprir deveres instrumentais tributários (obrigações tributárias acessórias) a ele
concernentes. Assim, por exemplo, se a atividade que desempenha estiver fora do âmbito
de incidência do ICMS, isto é, for totalmente desvinculada do fato imponível desta exação,
não pode ser constrangida pela Fazenda Pública estadual (ou distrital), a emitir notas
fiscais. Nem muito menos, sancionada, por não as ter emitido” (CARRAZZA, Roque
Antonio. ICMS na Constituição. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 516). 238
“SOLUÇÃO DE CONSULTA SF/DEJUG Nº 79, DE 04 DE SETEMBRO DE 2007 [...]
Os serviços de frete internacional estão fora do campo de incidência do ISS, uma vez que
não constam da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003. 6.1. Assim
sendo, [...] não se pode falar em cumprimento de obrigação acessória para documentar
atividade que não é serviço. [...]; SOLUÇÃO DE CONSULTA SF/DEJUG Nº 2, DE 1 DE
FEVEREIRO DE 2012 [...] não se pode falar em cumprimento de obrigação acessória para
documentar atividade que não consta da Lista de Serviços vigente. [...]; SOLUÇÃO DE
CONSULTA SF/DEJUG Nº 10, DE 14 DE MARÇO DE 2012 [...], a atividade de
veiculação de anúncios está fora do campo de incidência do ISS. [...] Assim sendo, a
consulente não está obrigada a recolher o ISS em relação aos serviços de veiculação de
anúncios, bem como não pode documentar tais atividades mediante emissão de qualquer
tipo de Nota Fiscal de Serviços, já que as disposições da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro
de 2003 e do Decreto nº 50.896, de 1º de outubro de 2009, aplicam-se única e
exclusivamente a atividades que constam da Lista de Serviços vigente.”
123
subsídios colhidos pela fiscalização, sendo esse o meio pelo qual se torna
possível o reconhecimento da não incidência tributária.
3.3 O critério espacial – âmbito territorial da competência fiscalizatória
Antes de adentrarmos no mérito do critério espacial da norma de competência
fiscalizatória, é muito importante ter em mente que em relação à esfera Federal,
bem como à Estadual e a dos grandes Municípios, há uma divisão
administrativa do órgão competente para fiscalizar e arrecadar os tributos para
facilitar o atendimento ao contribuinte239
. Todas as unidades que compõem o
mesmo corpo institucional são competentes para expedir atos administrativos
sobre a mesma matéria, de modo que a regra estipulada para a melhor gerência
da res publica não pode ser alegada como limite à competência
fiscalizatória240
.
Fixada a possibilidade de repartição dos órgãos Fazendários da mesma pessoa
política, surge a questão relacionada ao âmbito espacial da competência
fiscalizatória de cada unidade da Federação e dos Municípios.
Sobre o assunto, em princípio, temos que o critério espacial da norma de
competência fiscalizatória deveria ser dotado da mesma extensão da legislação
impositivo-tributária do ente federativo. Conforme já deduzimos outrora, deve
ser competente para fiscalizar quem tem competência para tributar. Ocorre que
a identificação do sujeito competente para tributar e, portanto, fiscalizar, não é
239
Na esfera Federal, por exemplo, a lei outorgou competência fiscalizatória administrativa
aos agentes fiscais do domicílio fiscal do contribuinte: Vide Decreto-Lei nº 5.844/43,
artigo 175; Regulamento do Imposto sobre a Renda, artigo 985. 240
Neste sentido, a legislação Federal prevê a extensão da competência do agente fiscal
lotado em unidade diferente daquela relacionada ao domicílio fiscal do contribuinte:
“Decreto nº 70.235/72 Art. 9º A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade
isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos
para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos,
depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do
ilícito. […] § 2º Os procedimentos de que tratam este artigo e o art. 7º, serão válidos,
mesmo que formalizados por servidor competente de jurisdição diversa da do domicílio
tributário do sujeito passivo.”
124
tarefa simples. Isso porque a extensão das leis, isto é, do seu âmbito de
vigência e aplicação, se identifica com a ideia de territorialidade, que é
conceito estritamente jurídico, não necessariamente coincidente com os limites
geográficos dos entes competentes.241
Essa circunstância de haver uma noção de território diferente dos lindes físicos
das unidades da Federação e dos Municípios, mas com eles relacionada,
dificulta a identificação da esfera de vigência e eficácia das normas tributárias.
Exemplo típico da ausência de identidade entre o território e o espaço
geográfico dos sujeitos políticos é o caso do Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISS), que tem como fato gerador a prestação de serviço
previsto na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003 e como critério
espacial da incidência do tributo, via de regra, o estabelecimento ou o domicílio
do prestador.
Nos casos de tributação no estabelecimento ou domicílio do prestador, surge a
questão de que a alteração da sede dos sujeitos passivos da exação em comento
enseja a legitimidade de determinado Município fiscalizar pessoas
anteriormente sediadas no seu espaço geográfico e outrora fixadas em território
alheio. Nessas hipóteses, o âmbito de vigência da legislação Municipal
extravasa os limites físicos do sujeito fiscalizador, contudo é flagrante que os
relatos dos fatos ocorridos até a alteração do domicílio ou sede do prestador
estão abrangidos na ideia de território do Município em que sediado o prestador
de serviço à época dos fatos jurídicos tributários.
Identicamente, os serviços que têm como critério espacial o local da prestação
tornam legítima a tributação e fiscalização pelo ente político em que se
241
A ideia de território traça “as linhas definidoras do âmbito espacial de vigência, isto é, do
domínio que há de encerrar os lugares das condutas juridicamente apreciáveis num certo
ordenamento” (BRITTO, Lucas Galvão de. O Lugar e o Tributo: Estudo sobre o critério
espacial da Regra-Matriz de Incidência Tributária no exercício da competência tributária
para instituir e arrecadar tributos. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 125-126).
125
concretiza o fato jurídico tributário, não havendo falar-se em pretensão
impositiva e fiscalizatória do Município em que sediado o prestador.
Esses exemplos demonstram hipótese em que o âmbito de vigência e aplicação
da lei tributária não é fiel ao espaço geográfico do ente tributante, senão com o
seu território. Nesses casos, contudo, a pretensão fiscalizatória é claramente
demarcada.
Questão diferente e complexa refere-se às situações de dúvidas quanto à
espécie do serviço prestado (determinante para a incidência da tributação no
local da prestação ou na sede do estabelecimento prestador), ao local do
estabelecimento prestador ou, ainda, ao local da efetiva prestação do serviço. A
incerteza acerca desses pontos pode ensejar uma espécie de “guerra
fiscalizatória”, na qual mais um ente político realiza atos investigativos acerca
dos mesmos acontecimentos. Para solucionar esse conflito de interesses, o
Judiciário restringe a fiscalização ao território dos sujeitos políticos242
.
Ora, mas é justamente mediante a fiscalização que se torna possível a exata
delimitação do território, isto é, do âmbito de vigência e aplicação da legislação
fiscal, sendo que são diversos os casos em que a premissa da espécie do
serviço, da sede do prestador ou do local da efetiva prestação do serviço é
abalada pela fiscalização. Por um lado, o Judiciário impede que sejam exigidos
documentos emitidos em favor de outro ente político, a fim de evitar possível
choque de prol da sua análise. Por outro lado, contudo, caso o particular seja
possivelmente contribuinte perante Município distinto daquele que no presente
242
Exemplo dessas manifestações é:
“TRIBUTÁRIO. FISCALIZAÇÃO MUNICIPAL. APRESENTAÇÃO DE LIVROS E
DOCUMENTOS FISCAIS. ESTABELECIMENTOS SITUADOS EM OUTROS
MUNICÍPIOS. 1. A fiscalização municipal deve restringir-se à sua área de competência e
jurisdição. 2. Ao permitir que o Município de São Paulo exija a apresentação de livros
fiscais e documentos de estabelecimentos situados em outros municípios, estar-se-ia
concedendo poderes à municipalidade de fiscalizar fatos ocorridos no território de outros
entes federados, inviabilizando, inclusive, que estes exerçam o seu direito de examinar
referida documentação de seus próprios contribuintes. 3. Recurso parcialmente conhecido
e não provido” (Recurso Especial n. 73.086; Ministro João Otávio de Noronha; julgado em
17.06.2003).
126
o fiscaliza, é patente a injustiça perpetrada pelo desvencilhamento ilegítimo da
obrigação de pagar tributo.
Ao nosso ver, a sistemática da permuta de informações entre os órgãos
fazendários243
funcionaria como um importante instrumento para coordenar a
atividade fiscal: mediante a partilhada troca de informações fiscais, tornar-se-ia
possível a adequada tributação, sem que qualquer sujeito político tivesse
tolhido o seu direito de análise dos documentos instituídos pela sua própria
legislação tributária, outorgando, ainda, àqueles que possuem dúvida acerca da
caracterização do fato jurídico tributário, um eficaz meio para colher indícios,
fundamentadores da instauração de procedimento fiscalizatório próprio. A
abrangente concretização da fiscalização em sentido amplo viabilizaria o
conhecimento de situações que ensejam a fiscalização estrita, cujo critério
espacial se aproxima mais da ideia de vigência das normas impositivas.
3.4 O critério temporal – limites temporais do exercício da competência
fiscalizatória
O critério temporal da norma de competência fiscalizatória do agente fiscal diz
respeito a vários tempos dos fatos, isto é, a um conjunto de momentos
compreendidos num período em que os enunciados da fiscalização podem
ingressar no sistema jurídico. Nos termos das lições do professor Paulo de
Barros Carvalho, a enunciação pelo agente competente define o tempo do fato,
que se reporta a uma ocorrência concreta de um evento (tempo no fato)244
. O
momento da legítima enunciação do Fisco pode ser qualquer átimo
compreendido dentro do critério temporal que passamos a analisar.
Em princípio, são duas as condicionantes temporais do exercício da
competência fiscalizatória que estudamos: uma relacionada à capacidade
243
Vide item 3.1.3. Permuta de informações. 244
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidência.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 172.
127
funcional do servidor público e outra afeta ao prazo decadencial para a
constituição da obrigação que se pretende averiguar.
O legítimo exercício da competência fiscalizatória deflagra-se, num de seus
aspectos, no tempo em que vigente a competência funcional do agente.
Primeiramente, é fundamental a aprovação em concurso público para a
nomeação por meio de portaria; investido no cargo, para a realização da
fiscalização em sentido estrito, ainda é imprescindível a indicação pessoal do
sujeito por meio de ordem específica de fiscalização245
para a concretização de
quaisquer atos fiscalizatórios. A inobservância da competência do agente fiscal
no tempo, inclusive, dá razão à nulidade do ato praticado246
.
Observada a legitimidade do agente fiscal, temos a condicionante temporal que
se identifica com o período em que existente a pretensão arrecadatória do
Estado247
. Afirma-se que, enquanto não extinto o prazo decadencial para o
Fisco constituir o crédito tributário, previsto no artigo 173 do Código
Tributário Nacional248
, é plenamente legítimo o exercício da atividade
fiscalizatória. Sobre o critério temporal da norma de competência fiscalizatória,
especificamente apontando o prazo decadencial como um limite ao seu
exercício, são as palavras de Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez
López:
245
Para considerações acerca do Mandado de Procedimento Fiscal, vide item 3.5. O critério
procedimental. 246
“Decreto 70.235/72: Art. 59. São nulos: I - os atos e termos lavrados por pessoa
incompetente; […]”. 247
“O tempo em que a fiscalização pode ocorrer se dá na exata medida da existência da
pretensão arrecadatória do Estado” (MARINS, James. Direito Processual Tributário
Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 234). 248
“O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco)
anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento
poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver
anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O
direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele
previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário
pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao
lançamento.”
128
Na busca de provas, porém, o agente fiscal não pode ir além
do permitido legalmente, sob pena de caracterizar crime
pessoal – excesso de exação. Não é raro, por exemplo, o
agente fiscal solicitar documentos comprobatórios de
determinado pagamento de imposto/contribuição relativo a
período em que o contribuinte alega já ter ocorrido a extinção
do crédito tributário pela figura da decadência. […] A recusa
do particular em colaborar, nessa situação, é legítima, eis que
a exigência de informações tem de ser necessária e razoável
para esclarecer os fatos. Em se tratando de exigência ilegal,
deve o contribuinte responder, negativamente à
solicitação/intimação, de modo a que não configure embaraço
à fiscalização. Em sua resposta devem ser esclarecido os
motivos da impossibilidade de prestar as informações
solicitadas249
.
Ocorre que, com fundamento nas premissas metodológicas por nós adotadas, a
linguagem competente, combinada com o procedimento legal, é instrumento
imprescindível para a constituição da realidade jurídica250
. Por isso, não é
legítima a imposição do evento decadencial como um fator que condiciona o
tempo para a concretização da atividade fiscalizatória. A fiscalização pode ser
realizada em face de tributos atingidos pelo evento decadencial, sendo meio
apto para construir o fato jurídico da consumação da decadência no caso
concreto.
Observe-se que a conduta do agente fiscal que instaura procedimento fiscal em
face de obrigação já atingida pelo evento decadencial vai de encontro com o
princípio da eficiência Administrativa, contudo questão que justifica esse
posicionamento e que vem provocando debates nos Tribunais Administrativos
249
NEDER, Marcos Vinicius; LOPEZ, Maria Teresa Martínez López. Processo
Administrativo Fiscal Federal Comentado. São Paulo: Dialética, 2002, p. 99-100. 250
“Norma alguma tem o poder de irradiar efeitos sem que seja aplicada, ou seja, não há
possibilidade de incidência (juridicização de fatos) da norma sobre o mero acontecimento
social sem enunciação por agente credenciado.” Em posterior passagem, explicando o
fenômeno da denúncia espontânea e deixando clara a distinção entre o evento e fato
jurídico moratório: “A denúncia espontânea no direito tributário do Brasil é mecanismo
normativo que permite ao sujeito passivo tributário, mesmo diante de um evento
moratório, evitar que o fato moratório seja constituído pelo sujeito competente, e, portanto,
impedir que a constituição do descumprimento de um dever seja concretizada em nível
individual e concreto” (LINS, Robson Maia. A mora no direito tributário. 2008. Tese
(Doutoramento em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 103, 234).
129
é a possibilidade de serem analisados documentos relacionados a tributos já
atingidos pelo evento decadencial para a configuração de operações societárias
realizadas com o intuito de fraudar o Fisco251
.
3.5 O critério procedimental – forma do exercício da competência
fiscalizatória
Neste tópico, trataremos do modo como o administrador público deve realizar a
enunciação no procedimento fiscalizatório. O artigo 196 do Código Tributário
Nacional252
instrumentaliza o procedimento fiscalizatório, apontando a
imprescindibilidade de sua documentação253
. Com fundamento no mencionado
dispositivo legal, foi publicada a Portaria da Secretaria da Receita Federal nº
1.265/99254
, passando a constar no ordenamento jurídico regras específicas a
respeito do ato de enunciar de competência dos agentes fiscais da esfera
federal255
: trata-se do particular documento nomeado Termo de Distribuição do
Procedimento Fiscal (TDPF) de fiscalização, de diligência ou especial, recente
251
“AUDITORIA FISCAL. PERÍODO DE APURAÇÃO ATINGIDO PELA
DECADÊNCIA PARA CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIO.
VERIFICAÇÃI DE FATOS, OPERAÇÕES, REGISTROS E ELEMENTOS
PATRIMONIAIS COM REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA FUTURA. POSSIBILIDADE,
LIMITAÇÕES. O fisco pode verificar fatos, operações e documentos, passíveis de registro
contábeis e fiscais, devidamente escriturados ou não, em períodos de apuração atingidos
pela decadência, em face de comprovada repercussão no futuro, qual seja: apuração de
lucro líquido ou real de períodos não atingidos pela decadência. Essa possibilidade
delimita-se pelos seus próprios fins, pois, os ajustes decorrentes desse procedimento não
podem implicar em alterações nos resultados tributáveis daqueles períodos decaídos, mas
sim nos posteriores. […]” (CARF; Processo nº 10469.721945/2010-03; Acórdão nº 1101-
000.841; Relator Edeli Pereira Bessa; publicado em 10.12.2013). 252
“A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de
fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do
procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão
daquelas. Parágrafo único. Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que
possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se
entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere
este artigo.” 253
Também neste sentido, dispõe o Decreto nº 70.235/1972. 254
Já revogada e cujo teor prescritivo atualmente é enunciado pela Portaria RFB nº 1.687, de
17 de setembro de 2014. 255
Posteriormente, no âmbito estadual de São Paulo, por exemplo, foi publicada a Lei
Complementar nº 939/03, que também rege a mesma atividade.
130
substituto do Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), emitido por autoridade
que exerce as funções de distribuição dos trabalhos aos seus subordinados,
discriminando as obrigações tributárias, os deveres instrumentais e os seus
respectivos exercícios financeiros submetidos à análise, indicando o auditor
fiscal designado256
. Ato contínuo, em 2001, a relevância do Mandado de
Procedimento Fiscal ganhou novo status hierárquico, com a publicação do
Decreto nº 3.724257
, que estabeleceu a exclusividade do início dos atos
fiscalizatórios com a ordem específica denominada TDPF258
.
Registre-se que essas regras procedimentais em muito se identificam com a
antiga Ficha Funcional (FM), que, porém, era documento de conhecimento
exclusivamente interno da Administração. Sobre as características do
procedimento fiscalizatório anteriormente previsto, em cotejo com o então
MPF e atual TDPF, são as observações de José Antonio Minatel:
Como instrumento de controle interno das atividades do
próprio Fisco, é possível afirmar que (o MPF) não traz muita
novidade, pois já existia no âmbito da administração tributária
federal disciplina equivalente, executada por meio da não tão
conhecida “FM” (Ficha Multifuncional), documento interno
gerado pelas autoridades que comandavam a chefia das
atividades da fiscalização federal de cada unidade
administrativa regionalizada, para registrar o planejamento
256
Já indicando a imprescindibilidade do Mandado de Procedimento Fiscal, em interessante
esforço comparativo, Mary Elbe Gomes de Queiroz equipara o MPF ao mandado de
procuração, outorgado a outrem para atuar em caso específico, representando determinada
pessoa (QUEIROZ, Mary Elbe Gomes. O mandado de procedimento fiscal, Formalidade
essencial, vinculante e obrigatória. Revista da FESDT, Porto Alegre: FESDT, n. 6, p. 133-
170, 2010, p. 142). 257
Artigo 2º, com redação dada pelo Decreto nº 8.303, de 04 de setembro de 2014: “Os
procedimentos fiscais relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da
Receita Federal do Brasil - RFB serão executados por ocupante do cargo efetivo de
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e terão início mediante expedição prévia de
Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal - TDPF, conforme procedimento a ser
estabelecido em ato do Secretário da Receita Federal do Brasil.” 258
Observe-se que mencionado diploma legal tem como objetivo regular o artigo 6º da Lei
Complementar nº 105/01, que prevê a quebra do sigilo bancário pela Administração.
Relativamente a este tema, vide item 3.6.2. Quebra de sigilo bancário, e frise-se: ao nosso
ver, porque o Decreto nº 3.724/01 é extensão da Lei Complementar nº 105/01, a rigor,
também é eivado de inconstitucionalidades. Porém, enquanto não retirado do sistema
jurídico, mencionada previsão legal cumpre importante papel no tocante à documentação
do procedimento fiscalizatório.
131
dos trabalhos a serem desenvolvidos em determinado período,
identificar os sujeitos passivos selecionados em função de
critérios objetivos previamente elencados, assim como
determinar a amplitude dos trabalhos que deveriam ser
desenvolvidos em cada caso, em função das peculiaridades de
cada programação. A ficha de registro interno era denominada
“multifuncional” porque servia, simultaneamente, para
cadastrar a seleção de contribuintes submetidos à inspeção,
determinar os agentes do Fisco encarregados da execução de
cada trabalho, identificados os períodos de tributos objeto da
investigação em cada sujeito passivo, assim como discriminar
e controlar o resultado das atividades de cada agente do Fisco
em relação aos contribuintes fiscalizados. Mediante aferição e
registro do tempo despendido em cada trabalho, como também
eventual crédito tributário constituído quando do
encerramento da auditoria-fiscal que estava a seu cargo.259
A evidente similitude entre o atual e público Termo de Distribuição do
Procedimento Fiscal e a então interna Ficha Multifuncional autoriza a
interpretação pelo avanço das regras que norteiam a Administração Pública:
uma vez publicados os enunciados prescritivos de procedibilidade da
fiscalização, resta homenageada a possibilidade de o contribuinte exercer
controle sobre a atividade fiscalizatória, tornando-se capaz de coibir a prática
de atos abusivos. Por exemplo, considerando o conhecimento sobre a data
inicial do procedimento fiscalizatório, torna-se possível ao sujeito fiscalizado o
socorro ao Judiciário em face da extensa continuidade da fiscalização, em
afronta ao princípio da proporcionalidade, que eventualmente lhe acarreta
prejuízos aos negócios e à sua imagem260
, sendo também, legítima a busca por
259
MINATEL, José Antonio. Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) como condição de
validade do lançamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Org.). Processo
Administrativo Fiscal. v. VI. São Paulo: Dialética, 2002, p. 40. 260
“Pois a realização de diligências em seus livros e documentos deve levar o tempo
estritamente necessário, de forma a não estorvar o desenvolvimento das atividades
negociais da empresa, nem ensejar atraso em sua escrituração” (OLIVEIRA, José Jayme
de Macêdo. Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva 1998, p. 557).
Vale ponderar neste ponto que a atual informatização dos deveres instrumentais diminui a
força do argumento pela ilegítima prolongação do procedimento fiscalizatório em razão de
atrapalhar a escrituração da empresa fiscalizada, remanescendo a discussão acerca da
insegurança do sujeito fiscalizado em relação àqueles que se relaciona comercialmente e,
ainda, à impossibilidade do fiscalizando submeter dúvida interpretativa da legislação à
consulta perante o órgão Fazendário e, possivelmente, perpetuando prática em
desconformidade com o entendimento do Fisco (conforme prescreve o artigo 52 do
132
pronúncia jurisdicional a respeito da solicitação de documentos que não
mantêm relação com o objeto da fiscalização instaurada.
Ademais, a obrigatoriedade do respeito a esta norma que regula a enunciação
do agente fiscal261
, deve-se à necessária observância de um contraditório
mitigado durante todo o procedimento fiscalizatório. Para a apresentação de
documentos pelo fiscalizado, por exemplo, é fundamental a observância às
regras procedimentais, que expressam o princípio do devido processo legal. A
construção dos fatos pelo agente fiscal pressupõe a participação do sujeito
fiscalizado; tal participação é viabilizada pela observância a um procedimento
específico, que são as regras do TDPF. Assim, os atos que compõem o
procedimento fiscalizatório apenas são válidos se realizados com fundamento
em específico Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal previamente
expedido.
Neste sentido, os precedentes administrativos262
mais pretéritos condenavam a
inobservância do requisito procedimental vigente para a aplicação das normas
Decreto nº 70.235/72, in verbis: “Não produzirá efeito a consulta formulada: […] III - por
quem estiver sob procedimento fiscal iniciado para apurar fatos que se relacionem com a
matéria consultada; […]”. 261
“As portarias em foco, na mediada em que mapearam, passo a passo, o procedimento
fiscalizatório, a cargo dos Auditores Fiscais da Receita Federal, criaram direitos subjetivos
em favor dos contribuinte, que nenhum interesse arrecadatório, por mais relevante, pode
atropelar” (CARRAZZA, Roque Antônio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Mandado de
Procedimento Fiscal e Espontaneidade. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 80,
maio 2002, p. 103). 262
“PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. NORMAS PROCESSUAIS – NULIDADE
– Afora as hipóteses de expressa dispensa do MPF, é inválido o lançamento de crédito
tributário formalizado por agente do Fisco relativo a tributo não indicado no MPF-F, bem
assim cujas irregularidades apuradas não repousam nos mesmos elementos de prova que
serviram de base a lançamentos de tributo expressamente indicado no mandado” (CARF;
Relator Sebastião Rodrigues Cabral; Processo nº 13982.001172/2001-25; Acórdão nº 101-
94497; publicado em 30/01/2004).
“PROCEDIMENTO FISCAL - MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL –
IMPRESCINDIBILIDADE – A inclusão, no mesmo processo, de exigência de tributo que
não decorra dos mesmos elementos de prova das demais exigências, e que não esteja
incluso nas verificações obrigatórias, é nula por estar ao desabrigo de Mandado de
Procedimento Fiscal. […]” (CARF; Relator Valmi Sandri; Processo nº
10920.001354/2005-66; Acórdão nº 101-96368; publicado em 18.10.2007).
“Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ Ano-calendário: 2003 Ementa:
NULIDADE — LANÇAMENTOS — MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL-C
133
primárias no plano individual e concreto pela Administração. A título
exemplificativo, não são raros os procedimentos fiscalizatórios julgados
viciados pelo fato de o Mandado de Procedimento Fiscal que supostamente lhe
outorgava fundamento de validade ter indicado, por exemplo, apenas um
tributo e apurar outros. No mesmo sentido da então jurisprudência dominante,
também militaram e ainda militam pela obrigatoriedade do então Mandado de
Procedimento Fiscal e atual Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal,
Roque Antonio Carrazza e Eduardo D. Botallo:
A partir da criação da figura do MPF, em suas várias
modalidades, o agir fazendário, na esfera federal, sofreu
expressiva limitação, já que este documento tornou-se
juridicamente imprescindível à validade dos “procedimentos
fiscais relativos aos tributos e contribuições administrados
pela SRF”.
Vem daí que procedimentos relativos a tributos e
contribuições administrados pela SRF, que sejam instaurados
a descoberto do competente MPF, são inválidos e, nessa
medida, tisnam de irremediável nulidade as providências
fiscais eventualmente adotadas contra os contribuintes263,264
.
— VÍCIO FORMAL, Os comandos do decreto que impõem o MPF são preceptivos e
vinculantes para os procedimentos fiscais que culminam no ato de lançamento. A portaria
que regula os MPF lança suporte no decreto e no art. 196 do CTN. Tanto o decreto como a
portaria prescrevem a emissão de MPF antes ou no início do procedimento fiscal, e não no
fim ou com seu encerramento, e até mesmo nos casos que os diplomas permitem o início
do procedimento fiscal sem MPF, eles determinam que o MPF deva ser emitido no prazo
de cinco dias do início do procedimento fiscal. Emissão de MPF-F para apuração de
infrações à legislação de IPI, em que os elementos de prova que serviram de base àquela
são diversos dos empregados para apuração de irregularidades de tributo distinto — o que
impõe a emissão de MPF-C para iniciar novos procedimentos fiscais. Emissão de MPF-C,
no fim dos procedimentos fiscais de apuração de IRPJ, IRRF, CSLL, e COFINS, constitui
descumprimento dos preceptivos do decreto e da portaria que inquinam os atos de
lançamento de nulidade por vício formal” (CARF; Relator Albertina Silva Santos de Lima;
Processo nº 11020.001108/2006-00; Acórdão nº 1103-00.029; publicado em 26.08.2009). 263
CARRAZZA, Roque Antônio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Mandado de
Procedimento Fiscal e Espontaneidade. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 80,
maio 2002, p. 103. 264
E, ainda, pela obrigatoriedade do “Mandado de Procedimento Fiscal: o MPF, por
conseguinte, adquiriu a qualidade e o “status” de um instrumento e uma formalidade
essencial, indispensável para que lançamento, como o produto final do procedimento
fiscal, seja executado e considerado válido” (QUEIROZ, Mary Elbe Gomes. O mandado
de procedimento fiscal, Formalidade essencial, vinculante e obrigatória. Revista da
FESDT, Porto Alegre: FESDT, n. 6, p. 133-170, 2010, p. 142).
134
Note-se, contudo, que, em sentido diametralmente oposto, são atuais e não
meramente ocasionais as decisões administrativas que atribuem ao Mandado de
Procedimento Fiscal o singelo caráter de instrumento de controle interno da
Secretaria da Receita Federal, julgando reiteradamente pela validade do
lançamento tributário realizado com amparo no mencionado documento
especificador da atividade fiscalizatória, mesmo quando o seu conteúdo é
viciado pela ausência de requisitos (notificação do início das atividades fiscais,
especificação da obrigação tributária e dos deveres instrumentais, dos
respectivos períodos analisados, do Auditor Fiscal designado) 265
.
Ao nosso ver, enfim, o atendimento às regras do TDPF é fundamental para
legitimar a atividade dos agentes fiscais, pois viabiliza o controle da atividade
da Administração e garante a participação do particular no procedimento
fiscalizatório, por exemplo, por meio da apresentação de documentos.
3.5.1 Espontaneidade no Direito Tributário
Dando continuidade ao estudo acerca da enunciação do agente fiscal, temos
que a intimação ao sujeito fiscalizado acerca da investigação do seu
265
“NULIDADE. LANÇAMENTO. IRREGULARIDADES NA PRORROGAÇÃO DO
MPF. O Mandado de Procedimento Fiscal é instrumento de controle administrativo e de
informação ao contribuinte. Eventuais omissões ou incorreções do MPF não são causa de
nulidade do auto de infração” (CARF; Processo nº 10865.721233/2012-75; Acórdão nº
1101-001.114; Relator Edeli Pereria Bessa; julgado em 03.06.2014).
“Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou relativas a Títulos ou Valores
Mobiliários - IOF Período de apuração: 31/01/2001 a 30/06/2004 NULIDADE. MPF.
INEXISTENCIA. Constituindo-se o Mandado de Procedimento Fiscal em mero elemento
de controle da administração tributária, disciplinado por ato administrativo, eventual
irregularidade formal nele detectada não enseja a nulidade do auto de infração, nem de
quaisquer Termos Fiscais lavrados por agente fiscal competente para proceder ao
lançamento, atividade vinculada e obrigatória nos termos da lei.” (CARF; Processo nº
10675.002273/2005-22; Acórdão nº 3401-002.490; Relator Fernando Marques Cleto
Duarte; publicado em 29.01.2014).
“O Mandado de Procedimento fiscal - MPF não é requisito de validade do auto de
infração, funcionando como simples instrumento de controle administrativo, de modo que
sua ausência ou defeito em sua emissão/prorrogação não importa em nulidade do ato
administrativo de lançamento correspondente” (CARF; Processo nº 10380.723657/2013-
06; Acórdão nº 3401-002.692; Relator Robson Jose Bayerl; julgado em 18.08.2014).
135
comportamento é medida essencial, fundamentalmente em razão dos reflexos
que gera no campo da espontaneidade no Direito Tributário.
Como é de sabença, o instituto da denúncia espontânea está anunciado no
artigo 138 do Código Tributário Nacional, in verbis:
Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia
espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do
pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do
depósito da importância arbitrada pela autoridade
administrativa, quando o montante do tributo dependa de
apuração.
Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia
apresentada após o início de qualquer procedimento
administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a
infração.
De uma breve leitura deste enunciado prescritivo é possível perceber que a
denúncia espontânea da conduta ilícita realizada pelo contribuinte libera-o das
consequências punitivas, mormente das sanções decorrentes da infração266
.
Essa ideia traduz para o âmbito tributário a figura do arrependimento eficaz,
previsto no artigo 15 do Código Penal267
, com o intuito não apenas de
beneficiar o sujeito passivo da obrigação fiscal, mas, também, a Fazenda
Pública, que aumenta a arrecadação em razão do estímulo ao adimplemento dos
tributos.
No contexto do presente estudo, convém apontarmos que a circunstância de
que o início de qualquer medida de fiscalização afasta a espontaneidade do
sujeito na denúncia de comportamentos contrários à legislação torna crucial a
266
“Isso porque a denúncia espontânea atua como instrumento impeditivo da tradução em
linguagem competente do evento moratório para constituir o fato jurídico moratório e,
consequentemente, instaurar as consequências jurídicas que lhe são ínsitas” (LINS,
Robson Maia. Mora e a denúncia espontânea no Direito Tributário. Revista de Direito
Tributário, São Paulo: Malheiros, n. 103, p. 91-104, 2009, p. 93). 267
“Desistência voluntária e arrependimento eficaz Art. 15 - O agente que, voluntariamente,
desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde
pelos atos já praticados. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).”
136
ciência deste acerca do início da investigação tributária268
. Neste sentido, a Lei
nº 9.784/99 indica ser um direito dos particulares a “ciência da tramitação dos
Processos Administrativos em que tenha a condição de interessado”. Também
sobre o assunto, o Decreto nº 70.235/72 enuncia que o início do procedimento
fiscal concretiza-se com “o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por
servidor competente, cientificando o sujeito passivo da obrigação tributária ou
seu preposto”269 , 270
, evidenciando que a intimação daquele submetido à
fiscalização é imperativo para a configuração do início da fiscalização.
Inclusive, diferente não poderia ser a conclusão, visto que a publicidade dos
atos administrativos é princípio inerente ao sistema jurídico. Somente em
atenção ao amplo conhecimento das ações da Administração torna-se possível a
adequação da conduta dos indivíduos, bem como legítimo o exercício de defesa
contra arbitrariedades e abusos eventualmente cometidos. Também em favor do
Fisco milita a importância da documentação com a notificação do sujeito
fiscalizado sobre o início do procedimento fiscal: é o marco final estabelecido
pelo parágrafo único do artigo 173, do Código Tributário Nacional271
, para o
268
“O contribuinte não perde a espontaneidade, senão a partir do momento em que toma
formal conhecimento da existência das providências fiscalizatórias a que alude o art. 138
do CTN” (CARRAZZA, Roque Antônio; BOTTALLO, Eduardo Domingos. Mandado de
Procedimento Fiscal e Espontaneidade. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 80,
maio 2002, p. 102). 269
Conforme artigo 7º, inciso I. 270
Observe-se que a ênfase conferida à forma do ato e a competência do agente fiscal tornam
inverossímil a distinção entre a mencionada caracterização do início da fiscalização em
relação às demais situações elencadas no mesmo dispositivo legal, quais sejam: “a
apreensão de mercadoras, documentos ou livros e o começo de despacho aduaneiro de
mercadorias aduaneiras”, de modo que, ao nosso ver, os acontecimentos descritos nos
incisos II e III do artigo 7º do Decreto nº 70.235/72 são espécies que se enquadram dentro
do amplo conceito definido no inciso I. 271
“O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco)
anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento
poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver
anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito
a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele
previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário
pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao
lançamento.”
137
cômputo do prazo decadencial da Administração constituir as exações
fiscais272
.
Corroborando ainda a tese da imprescindibilidade da notificação do fiscalizado,
contudo cometendo um grave equívoco, o parágrafo 1º do mencionado artigo
7º do Decreto nº 70.235/72 aponta que “o início do procedimento exclui a
espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e
independentemente de intimação dos demais envolvidos nas infrações
verificadas”. Ao excetuar a intimação dos demais envolvidos nas infrações
verificadas como causa excludente da espontaneidade, reforça, num primeiro
passo, o nosso argumento. Porém, enuncia mandamento que não se coaduna
com o contexto jurídico, pelas razões dantes aduzidas (a intimação de todos os
particulares submetidos a procedimento fiscalizatório é fundamental para
obstar o gozo da denúncia espontânea).
Enfim, temos que, exclusivamente pela regular intimação do sujeito
fiscalizado, é iniciada a fiscalização e, via de consequência, é excluída da sua
esfera de direitos a oportunidade de se aproveitar da denúncia espontânea.
Diferentemente, contudo, é o nosso entendimento acerca do término do
procedimento fiscalizatório. Em que pese a existência dos chamados Termos de
Encerramento da Fiscalização (TEAF)273
, que atendem à sistemática da
imprescindível notificação do fiscalizado, outra causa extintiva da atividade
272
“É de grande importância a lavratura do termo de início da fiscalização, não apenas para
que seja regular a diligência como e especialmente para comprovar o termo inicial do
prazo de decadência, de que trata o artigo 173 do CTN” (MACHADO, Hugo de Brito.
Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 161). 273
Explicando a documentação do procedimento fiscalizatório instaurado por TDPF: “A ação
fiscal tem início com a notificação ao sujeito passivo do início da ação fiscal através do
Termo de Início de Ação Fiscal (TIAF), subscrito pelos auditores-fiscais em cumprimento
ao mandado expedido pelo Delegado da Receita Federal. A ação fiscal é encerrada com a
lavratura de Termo de Encerramento da Ação Fiscal (TEAF), normalmente acompanhado
de Relatório Fiscal e, se for o caso, de Auto de Infração (AI). No âmbito da SRP/INSS, era
lavrado o Termo de Intimação para Apresentação de Documentos (TIAD) e o
encerramento se dava mediante lavratura de Termo de Encerramento de Auditoria-Fiscal
(TEAF), acompanhado de Relatório Fiscal” (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário:
Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2014, p. 1380).
138
fiscalizatória é o decurso do prazo de validade do Termo de Distribuição do
Procedimento Fiscal.
A Portaria da Receita Federal do Brasil nº 1.687/14, que anuncia o TDPF,
aponta o prazo dos procedimentos fiscais274
, prevê a possibilidade da sua
prorrogação275
, porém indica a sua extinção pela conclusão, com a ciência do
sujeito passivo276
. Ora, se o TDPF tem prazo, como não falar em extinção pelo
transcurso temporal, mas apenas pela sua conclusão? As ordens de fiscalização
não se perpetuam no tempo, assim, mesmo que não realizada a intimação
acerca do encerramento do procedimento, caso transcorrido o prazo do TDPF,
é imperativo lógico a conclusão pela extinção da atividade fiscalizatória.
Uma vez extinta a ação fiscal, sem a inserção de norma jurídica conclusiva
acerca da atividade do particular, é restaurado o status quo ante, de modo que o
administrado readquire o seu direito de se aproveitar da denúncia espontânea.
Assim, podemos afirmar que o início de qualquer procedimento fiscalizatório
não significa que o administrado ad eternum não pode fazer jus ao instituto
jurídico que exclui as sanções em favor do pagamento do montante decorrente
da incidência tributária.
3.5.2 Refiscalização
Ao término do procedimento fiscalizatório regularmente encerrado sempre é
inserida uma norma no sistema jurídico, a qual pode: (i) atestar de maneira
originária a ocorrência do fato jurídico tributário ou sancionatório,
caracterizado pela incidência de normas primárias precedentes ou derivadas;
274
“Art. 11. Os procedimentos fiscais deverão ser executados nos seguintes prazos de
duração: I - cento e vinte dias, no caso de procedimento de fiscalização; II - sessenta dias,
no caso de procedimento fiscal de diligência.” 275
“§ 1º Os prazos de que trata o caput poderão ser prorrogados até a efetiva conclusão do
procedimento fiscal e serão contínuos, excluindo-se na sua contagem o dia do início e
incluindo-se o do vencimento, nos termos do art. 5º do Decreto nº 70.235, de 1972.” 276
“Art. 12. O procedimento fiscal se extingue pela sua conclusão, registrado em termo
próprio, com a ciência do sujeito passivo.”
139
(ii) infirmar a atividade do sujeito fiscalizado, atestando de maneira
suplementar a ocorrência do fato jurídico tributário caracterizado
exclusivamente pela incidência de normas primárias precedentes; ou (iii)
confirmar a atividade do fiscalizando, de maneira a homologar o seu
comportamento (de ter constituído exatamente o crédito tributário ou de não tê-
lo constituído por não ter praticado qualquer conduta tributável277
), positivando
normas primárias derivadas.
Ao meu ver, no regular encerramento da fiscalização, não há falar-se em
refiscalização, visto que uma nova análise do período fiscalizado somente pode
ser realizada se presentes as hipóteses previstas no artigo 149, incisos VIII e
IX, do Código Tributário Nacional278
, que tratam da revisão do “lançamento”
(leia-se lançamento, Auto de Infração e homologação). A demonstração da
inadequação do conteúdo normativo produzido por culpa do fiscalizado, ou da
falha do agente fiscal, é realizada em sede de procedimento administrativo279
ou de processo administrativo e se justifica na segurança das relações jurídicas.
A constituição do crédito tributário e/ou sanção administrativa ou a
homologação da atividade do sujeito passivo é consequência do juízo
construído pelo agente fiscal. Especificamente no tocante à atividade
homologatória,
277
“Objeto da homologação é a atividade de apuração, e não o pagamento do tributo. É a
atividade que, diante de determinada situação de fato, afirma existente o tributo e apura o
montante devido, ou afirma inexistente o tributo e assim ausente a possibilidade de
constituição de crédito tributário” (MACHADO, Hugo de Brito. Decadência e
Lançamento por homologação tácita no art. 150 do CTN. Revista Dialética de Direito
Tributário, São Paulo: Dialética, n. 104, p. 47-54, maio 2004, p. 49). 278
“Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos
seguintes casos: VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por
ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior,
ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma
autoridade, de ato ou formalidade especial.”
Sobre a revisão de ofício do lançamento: “podemos concluir que apenas as hipóteses
previstas nos incisos VIII e IX correspondem a uma revisão do lançamento. Afinal, em
todas as demais situações, não se pressupõe um lançamento anterior, mas sim uma
declaração do contribuinte, que se supõe eivada de vício” (FIGUEIREDO, Marina Vieira.
Lançamento Tributário: Revisão e seus efeitos. São Paulo: Noeses, 2014, p. 234). 279
Como nos casos em que não há impugnação, brevemente mencionados no item 2.3. A
fiscalização tributária: processo ou procedimento?
140
Quando se encerra o procedimento fiscalizatório, emite o
agente fiscal um ato administrativo que cientifica, na hipótese
em estudo, que não encontrou irregularidades nos elementos
objetos de exame.280
Detendo teor econômico ou não, o regular encerramento do procedimento
fiscalizatório põe no sistema uma norma que apenas pode ser alterada
justificadamente, se verificada alguma das hipóteses previstas em lei.
Já no caso da extinção da atividade fiscalizatória pelo transcurso do prazo
assinalado, fica a questão carente de conclusão porque não inserida no sistema
jurídico uma norma individual e concreta que encerra formalmente a
fiscalização e reflete a interpretação do agente fiscal acerca dos relatos de fatos
analisados, sendo legítima a instauração de novo procedimento. Assim, ao
nosso ver, apenas nessas hipóteses existe campo para a “refiscalização”,
mediante a expedição de novo Termo de Distribuição dos Trabalhos Fiscais,
para a retomada da atividade fiscalizatória acerca do mesmo período.
3.6 O critério prestacional – matérias em torno das quais podem ser
instaurados procedimentos fiscalizatórios
O objeto em torno do qual pode ser instaurada a relação fiscalizatória são os
documentos que contêm informações que servem como prova para a
constituição do crédito tributário (de maneira originária ou suplementar) e/ou
das sanções administrativas, ou para a confirmação do devido cumprimento das
obrigações tributárias e dos deveres instrumentais.
3.6.1 Direito ao silêncio e fiscalização
Como já mencionamos, para viabilizar a atividade fiscalizatória, o sistema
jurídico confere amplos poderes investigativos aos agentes fiscais, impondo aos
280
EMERENCIANO, Adelmo da Silva. Procedimentos Fiscalizatórios e a Defesa do
Contribuinte. Campinas: Copola, 2000, p. 200.
141
administrados em geral o dever de colaborar com a atividade fiscalizatória.
Ocorre que a Lei nº 8.137/1990 elevou à categoria de crimes contra a ordem
tributária determinadas condutas que podem ser desveladas pelo procedimento
fiscalizatório, surgindo, neste contexto, a questão relativa à aplicação do direito
ao silêncio na seara tributária. Neste tópico, enfrentaremos essa problemática,
pretendendo fixar uma regra segura quanto ao tema do silêncio no
procedimento fiscalizatório.
No altiplano Constitucional, o silêncio está insculpido no artigo 5º, inciso
LXIII, ipsis litteris:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a /inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes: […]
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais
o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da
família e de advogado; […]
Esse enunciado prescritivo anuncia a recepção, pelo nosso ordenamento
jurídico, do princípio contra a autoincriminação, segundo o qual os réus têm o
direito de não se manifestarem durante o processo penal, a fim de evitar que
qualquer declaração própria seja usada contra si mesmo281
. A interpretação
conferida ao dispositivo legal em comento é no sentido de que merecem ser
281
Neste sentido, em razão do avento da Constituição da República de 1988, os diplomas
legislativos anteriores à sua existência passaram a ser interpretados em conformidade com
os direitos e garantias que passaram a ser tutelados pelo Estado. Manifestação disso é a
construção de sentido arquitetada hodiernamente com suporte nos artigos 186 e 198, do
Código Penal, in verbis:
“Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja
obrigado a responder às perguntas que lhe foram formuladas, o seu silêncio poderá ser
interpretado em prejuízo da própria defesa.
Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento
para a formação do convencimento do juiz.”
É entendimento assente entre os estudiosos do assunto, que a parte final de ambos os
enunciados prescritivos citados não pode prevalecer, porque traduzem o silêncio do
acusado em gravame para a esfera penal, num silogismo de que ‘o réu calou-se, logo, é
culpado’, flagrantemente superado pelas prescrições vigentes postas no sistema pelo
Constituinte.
142
contemplados com o direito ao silêncio não apenas os sujeitos presos, como
propõe a literalidade da lei, mas todos aqueles que são acusados em geral. O
argumento que justifica essa tomada de posição é a circunstância de que, a
depender do contexto, o réu pode estar preso desde a fase inicial da persecução
penal, ou não, de modo que a extensão do direito ao silêncio a todo acusado
outorga tratamento isonômico aos indivíduos perante o juízo282
.
A fim de solucionar a contraposição entre o direito ao silêncio e o dever de o
contribuinte colaborar com a fiscalização, Helenilson Cunha Pontes283
advoga
pela tese de que o administrado está protegido pelo manto do direito ao silêncio
quando o cumprimento da obrigação de prestar informações gera reflexos na
esfera penal. Numa manobra de ponderação alegadamente justificada no
princípio da proporcionalidade, é retirado o atributo de eficácia técnico-
sintática284
da norma que prescreve o dever de apresentar documentos quando,
282
Corroborando a orientação dos tribunais, é a doutrina de Guilherme de Sousa Nucci, que
anuncia ser “preciso dar ao termo ‘preso’ uma interpretação extensiva para abranger toda
pessoa indiciada ou acusada da prática de um crime, pois se o preso possui o direito, é
evidente que o réu também o tenha” (NUCCI, Guilherme de Sousa. Código de Processo
Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 198). 283
“Se no caso concreto, o direito do Estado de exigir do indivíduo o cumprimento do dever
de colaboração puder gerar a esta consequências de ordem criminal, com reflexos na sua
liberdade individual, poderá o indivíduo afastar aquela pretensão estatal exercendo o
direito ao silêncio, direito fundamental que por dirigir-se exatamente a estas situações,
assume ‘en situation’ peso específico reforçado” (PONTES, Helenilson Cunha. O direito
ao silêncio no Direito Tributário. In: FISCHER, Octavio Campos (Coord.). Tributos e
Direitos Fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 91). 284
Observe-se que o autor falar em exclusão da validade da norma. Temos que, pelo rigor
terminológico que os estudos com pretensões científicas requerem, é necessária a
adequada nomenclatura ao fenômeno que Helenilson Cunha Pontes explica, qual seja, a
impossibilidade da norma jurídica surtir efeitos em virtude de outra norma jurídica.
Explicando as categorias da validade e da eficácia:
O termo validade equivale à existência, isto é, uma norma é válida/existe na medida em
que pertence a determinado sistema, não devendo ser o termo validade empregado como
predicado, mas como status de relação entre a norma e o sistema jurídico.
A eficácia, nas lições dos professores Tércio Sampaio Feraz Jr. e Paulo de Barros
Carvalho, pode ser analisada sob três diferentes ângulos: técnica, jurídica e social. A
primeira é qualidade da norma, no sentido de descrever fatos que, uma vez ocorridos
tenham aptidão para irradiar efeitos, podendo ocorrer causas impeditivas de ordem
sintática, decorrentes de uma relação entre normas (existência de outra norma inibidora de
sua incidência ou pela ausência de norma regulamentadora, de igual ou inferior
hierarquia), ou de ordem semântica, relacionadas com o conteúdo da norma (descrição de
fatos ou comportamentos impossíveis). A eficácia jurídica, por sua vez, é predicado dos
fatos jurídicos, dizendo respeito à sua aptidão para propagar os efeitos que lhe são próprios
143
in concreto, essa exigência puder dar razão a consequências criminais.
Arremata o raciocínio com suporte na alegação de que o dever de colaboração
nasce com o exercício da potestade do Estado de investigar a ocorrência do fato
jurídico tributário, enquanto que o direito ao silêncio antecede a própria
máquina pública estatal, consistindo em prerrogativa inalienável do indivíduo.
Com a devida vênia, não compartilhamos o mesmo entendimento pela
aplicação do direito ao silêncio em sede de procedimento administrativo
tributário, inclusive naquelas situações em que a conclusão do trabalho fiscal
pode redundar em consequências deletérias na esfera penal, por três motivos,
quais sejam: (i) a desobrigatoriedade do atendimento às intimações para apurar
um ilícito fiscal ensejaria a arbitrariedade de os contribuintes escolherem os
tributos que pagam; (ii) o atendimento às intimações fiscais não causa
automática e infalivelmente a aplicação das normas que constituem o crédito
tributário e/ou as sanções administrativas, ou a homologação da atividade do
sujeito administrado, mas provoca, única e exclusivamente, uma expectativa a
respeito da subsunção do fato às referidas normas, que eventualmente podem
provocar o início da persecução penal; (iii) até no âmbito penal, esfera da qual
tem origem o direito ao silêncio, a sua aplicação é restrita à fase acusatória.
Explicamos:
na ordem jurídica, em decorrência da causalidade jurídica. Por fim, a eficácia social é
direcionada ao plano das condutas intersubjetivas e está relacionada à produção dos
resultados das normas na ordem dos fatos sociais.
Partindo dessas premissas, não há como um enunciado ser válido e inválido, a depender da
situação verificada na experiência social. Ou ele pertence ou não ao sistema jurídico. A
possibilidade da norma construída com fundamento na lei ser tolhida nos seus efeitos, a
depender de aspectos factuais, é questão afeta à eficácia técnico-sintática da mesma: a
regra é pela sua aplicação, contudo, em virtude de outras normas também aplicáveis ao
caso concreto, os efeitos da primeira são cassados. (Explicando sobre a ineficácia técnico-
sintática, particularmente no caso de pertencerem ao sistema jurídico normas tributante e
suspensiva da tributação no caso concreto, Robson Maia Lins afirma que a suspensão não
é da validade, tampouco da vigência ou da eficácia técnico-semântica da norma
impositiva, mas da sua eficácia técnico-sintática, visto que “a norma introduzida pela
cautelar, ainda que provisória, impede o agente competente de realizar a incidência da
RMIT. Prescreve, portanto, a ineficácia técnico-sintática da RMIT” (LINS, Robson Maia.
Controle de Constitucionalidade da norma tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p.
163).
144
Primeiramente, inexiste lógica no raciocínio que defende a cessação da
obrigatoriedade de apresentar documentos em observância a dever instrumental
em defluência do cometimento ilícito, facultando o que antes era uma
obrigação. Admitir a aplicação do direito ao silêncio no Direito Tributário
implicaria na arbitrariedade de os contribuintes escolherem as exações fiscais
que pretendessem adimplir, pois poderiam negar o acesso do Fisco aos
documentos motivadores do nascimento do fato jurídico tributário mediante a
alegação de que as informações solicitadas poderiam vir a incriminá-los285
.
O sistema tributário funda-se, precipuamente, na colaboração dos particulares,
sob o pretexto de fornecer substrato fáctico aos agentes fiscais, responsáveis
pela arrecadação de recursos para o financiamento do Estado, bem como pela
homologação da atividade dos administrados. A alteração desta sistemática, em
virtude da possível criminalização de condutas que podem ser aferidas em
procedimento fiscalizatório, tornaria impraticável a fiscalização tributária.
Ademais, nos termos das premissas adotadas nesta dissertação, as normas não
incidem sem a participação de um sujeito competente: assim, como seria
possível afirmar, a priori, de eventual processo de positivação do direito penal,
que determinada conduta subsome-se à figura delituosa, conferindo, então,
aplicabilidade ao direito ao silêncio? Ora, para a criminalização de uma
conduta é imprescindível a condenação em processo judicial, visto que essa
pronúncia jurisdicional é a linguagem competente para a constituição do crime,
inclusive daqueles classificados como contra a ordem tributária. Assim, resta
inviável a defesa pela aplicabilidade do silêncio em procedimento
285
“Por tanto, ¿puede el contribuyente negarse desde un principio a brindar la información o
documentación requerida por el fisco nacional de conformidad con el art. 35 de la LPT
antes analizado? Claro está que si la respuesta es afirmativa se podría sostener que ello
conduciría a la “quiebra” del sistema sobre el cual se asienta la recaudación de tributos,
por cuanto ningún contribuyente prestaría documentación al fisco y ello haría imposible a
dicho organismo determinar los ingresos de los contribuyentes o terceros e, por ende, los
tributos a ingresar” (LALANNE, Guillermo A. Las facultades de la administración
tributaria – las actuaciones de los inspectores y deberes de colaboración. In: El
procedimiento tributario. Buenos Aires: Editorial Abaco de Rodolfo Depalma, 2003, p.
141).
145
fiscalizatório, por impossibilidade lógica de falar-se em crime em momento
anterior a qualquer providência persecutória no campo do Direito Penal286
.
Observe-se que, pragmaticamente, a consequência imposta pelo sistema
normativo, no caso de configuração, em tese, de crime contra a ordem
tributária, é a formulação, pelo auditor fiscal, de representação para fins
penais287
. Somente depois de encerrado o procedimento fiscalizatório
tributário, com a constituição do crédito tributário ou a lavratura do Auto de
Infração, podem passar a incidir sobre o caso normas jurídicas de duas esferas
distintas do Direito: tributária e penal, de modo que, dando continuidade ao
procedimento de constituição do crédito tributário, é concedida a oportunidade
de o contribuinte se defender em sede administrativa ou judicial; e, tendo início
o curso de positivação da norma penal, o Ministério Público já oferece a
denúncia ao juiz de Direito ou, ainda, caso necessário, instaura o inquérito
policial para a investigação dos elementos do tipo penal. A comprovação da
ocorrência do fato jurídico tributário que eventualmente se subsome ao fato
jurídico penal, nos termos da legislação que define os crimes contra a ordem
tributária, é apenas um impulso inicial para as providências penais.
Por fim, até na esfera penal, da qual se origina o direito ao silêncio, há
restrições quanto à sua aplicação, justamente no tocante a um momento que
muito se assemelha à fase procedimental fiscalizatória.
O percurso de positivação das normas penais é formado por uma fase
inquisitiva e outra acusatória. A primeira é comumente revelada no inquérito
policial, que investiga pelos relatos de fatos que constituem o crime. Esse iter
inquisitivo se encerra com o oferecimento da denúncia, que pode instaurar a
286
Sobre o assunto, também Hugo de Brito Machado: “o dever de informar precede a
configuração do crime contra a ordem tributária” (MACHADO, Hugo de Brito. Algumas
questões relativas aos crimes contra a ordem tributária. In: PINTO, Ernestina Rodrigues;
TRONCOSO, João Troncoso y; CORRÊA, Viviane (Coords.). Coletânea de Estudos
Jurídicos – homenagem ao advogado José Oswaldo Correa. Rio de Janeiro: Grafline,
1999, p. 121). 287
Conforme prescrevem, no âmbito federal, o artigo 83 da Lei nº 9.430/1996 e as Portarias
da Secretaria da Receita Federal do Brasil nºs 2.439/10 e 3.182/11.
146
fase acusatória, caracterizada por um processo regido pelos princípios da
imparcialidade do órgão julgador e da ampla defesa e contraditório. É apenas a
partir dessa segunda fase de realização do Direito Penal que surge a figura do
acusado e, via de consequência, o direito ao silêncio.
Conforme abalizadas vozes da doutrina penal, a inexistência de um direito ao
silêncio na fase inquisitiva penal se justifica no seu caráter meramente
procedimental, que busca por informações relevantes para o início do processo
penal288
. O direito à autodefesa, que tem como desdobramento o direito a não
se autoincriminar, mediante uma postura silenciosa, apenas incide em fases
póstumas à averiguação dos relatos dos fatos e oferecimento da denúncia.
Como se pode ver, o procedimento fiscalizatório identifica-se com a fase
inquisitória do Direito Penal, na medida em que em ambos são realizados atos
no intuito de colher elementos formadores de um juízo acerca dos fatos para
subsumi-los ao antecedente normativo de uma norma primária (no caso da
esfera tributária) e de uma norma secundária (referente à esfera penal). Em
ambos os casos não é legítima a invocação do direito ao silêncio.
Por essas razões, não há como negarmos a premente necessidade de os
administrados sempre atenderem às intimações da fiscalização para a
apresentação de documentos que relatam fatos eventualmente relevantes para o
mundo jurídico. Ao nosso ver, a utilização de elementos produzidos em sede de
procedimento fiscalizatório tributário pelo Ministério Público, provocado pela
representação para fins penais, é um ônus que não pode ser revertido em favor
daquele que pratica condutas reprovadas pelo sistema jurídico.
Inclusive, reforçando o raciocínio pela inaplicabilidade do direito ao silêncio
no procedimento fiscalizatório, a súmula nº 439 do Supremo Tribunal Federal
anuncia que “está sujeito à fiscalização tributária ou previdenciária quaisquer
288
Vide: MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo penal interpretado. São Paulo:
Atlas, 1994, p. 31; MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.
Rio de Janeiro: Forense, 1961, p. 145.
147
livros comerciais, limitando o exame aos pontos objeto da investigação” e, a
Lei nº 8.137/1990 devidamente criminaliza, no inciso V, do seu artigo 1º289
, a
conduta consubstanciada no desatendimento de intimação fiscal para a
apresentação de documentos. De fato, a ausência de cooperação do
administrado com a fiscalização deve ser fato apto a acarretar consequências
penais, sob pena de inviabilizar a atividade fiscalizatória e, via de
consequência, comprometer a gestão do Estado.
Frise-se, ainda, que a exata definição de um direito fundamental apenas pode
ser aferida mediante a definição do seu conteúdo cotejado com demais
enunciados prescritivos válidos e vigentes290
. Neste caso, o enunciado
prescritivo contido no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, deve ser
interpretado conjuntamente com o artigo 145, § 1º, do mesmo diploma
normativo, que impõe à Administração Tributária a identificação do
patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte para
conferir efetividade ao princípio da capacidade contributiva. Assim, a aparente
limitação de aplicabilidade do direito ao silêncio “não implica em sacrificar-se
direitos, pois os direitos albergados no sistema são tais como o sistema os
concebe”291
: as restrições estabelecidas pelo Constituinte não são restrições,
mas descrições dos exatos contornos daquilo que é protegido juridicamente.
Pelos motivos expostos, via de regra, o silêncio não pode ser arguido em favor
do sujeito passivo de procedimento fiscalizatório, subsistindo o dever de
colaborar e informar. Ocorre que, nos termos das ponderações deduzidas no
289
“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou
contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: […] V - negar
ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a
venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em
desacordo com a legislação. Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” 290
A respeito de outro aparente conflito entre normas Constitucionais, James Marins
envereda a seguinte solução: “Para tanto, basta que se refira a um dos mais elementares
cânones da intepretação constitucional que preceitua que dois comandos de ordem
constitucional não podem em sua aplicação concreta anular-se, devendo se propugnar por
um ponto de equilíbrio entre eles” (MARINS, James. Direito Processual Tributário
Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética, 2014, p. 243). 291
BEZNOS, Clóvis. Poder de polícia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 68.
148
específico item 2.2. A fiscalização tributária e o dever de colaborar, existem
solicitações documentais que exigem uma análise mais parcimoniosa, por
afrontarem outros direitos fundamentais, mormente a inviolabilidade da
privacidade. Exemplo que ainda merece a atenção do Judiciário, no que diz
respeito à análise da sua constitucionalidade, é a questão afeta à quebra do
sigilo bancário pela autoridade administrativa, de que trataremos no tópico
seguinte.
3.6.2 Quebra de sigilo bancário
Relembrando, é regra no procedimento fiscalizatório a obrigatoriedade do
sujeito passivo fornecer à administração os documentos que lhe são solicitados.
Este enunciado, contudo, alberga exceções desveladas nas situações em que as
informações são pertinentes a garantias fundamentais. Aqui, trabalharemos
uma hipótese deste tratamento diferenciado: a questão do sigilo bancário que,
por suas particulares características, suscita, em algumas ocorrências, a
mitigação da regra do dever de colaborar não só do contribuinte, mas também
das instituições financeiras.
No mais das vezes, os dados bancários revelam detalhes íntimos daqueles que
se utilizam dos incontáveis serviços prestados pelas instituições elencadas no
inciso II do artigo 197292
do Código Tributário Nacional, pois viabilizam o
conhecimento da situação econômico-financeira, a assoalhar, inclusive,
diversos aspectos do indivíduo, entre os quais se destacam os hábitos pessoais,
os projetos de vida e as opções religiosas. Em virtude dessas peculiaridades,
essas específicas informações são protegidas pela ordem Constitucional, com
292
“Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as
informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros:
[…] II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;
[…]”
149
supedâneo no artigo 5º, incisos X e XII293
, que prescrevem a inviolabilidade da
intimidade e dos dados, bem como pelo Código Tributário Nacional, o qual
excetuou do dever de colaboração aqueles que detêm essa espécie de
informações, nos termos do parágrafo único do artigo 197294
.
Em razão dos mencionados enunciados prescritivos, que na verdade refletem os
interesses de toda a sociedade295
, já podemos adiantar que seria um
contrassenso defender o acesso irrestrito de terceiros às informações bancárias
em nome do interesse público. Sobre o assunto:
A rigor, inclusive, se faz equivocado enunciar sobre a rubrica
“interesse público” pretensão que não encontre amparo
constitucional. O interesse público não é o dos governantes de
plantão, e sim o de toda a sociedade, cuja manifestação mais
concreta se dá justamente no Texto Magno296
.
Vige, então, o princípio pelo sigilo bancário, que, contudo, não é absoluto. Em
que pese a defesa da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional pela
inviolabilidade da intimidade e de dados pessoais, há situações concretas em
que a conclusão de procedimento fiscalizatório depende vigorosamente de
dados bancários. Nestas situações, é imprescindível a ponderação a respeito da
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito297
da quebra do
sigilo bancário em favor da atividade fiscalizatória.
293
“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
[…] XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas
hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal; […]” 294
“A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto a fatos
sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de
cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.” 295
Vide item 2.5.2. Legalidade. 296
MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial).
São Paulo: Dialética, 2014, p. 245. 297
Vide item 2.5.5. Proporcionalidade.
150
Neste sentido, o artigo 38 da Lei nº 4.595/64298
, recepcionado pela Constituição
Federal de 1988 com status de Lei Complementar, expressamente consagrava a
proteção das informações bancárias. Com o advento da Lei nº 9.311/96299
, que
instituiu a CPMF, passou a ser exigível o fornecimento de informações
bancárias para a constituição do mencionado tributo, posteriormente
estendendo este dever para a constatação de demais créditos tributários, nos
termos da Lei nº 10.174/01300
. No mesmo diapasão, hodiernamente, a Lei
Complementar nº 105/2001301
outorgou poderes ao Fisco para analisar a
298
“As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e
serviços prestados. § 1º As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder
Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições
financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo
caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não
poderão servir-se para fins estranhos à mesma. § 2º O Banco Central da República do
Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão informações ao Poder Legislativo,
podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo. § 3º
As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e
legal de ampla investigação (art. 53 da Constituição Federal e Lei nº 1579, de 18 de março
de 1952), obterão as informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive
através do Banco Central da República do Brasil. § 4º Os pedidos de informações a que se
referem os §§ 2º e 3º, deste artigo, deverão ser aprovados pelo Plenário da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de
Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros. § 5º Os agentes fiscais tributários do
Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a exames de documentos,
livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos
forem considerados indispensáveis pela autoridade competente. § 6º O disposto no
parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e informes pelas
instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem
conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente. § 7º A quebra do
sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão,
de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo
Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.” 299
“Art. 11. […] § 3° A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação
aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para
constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos.” 300
“Art. 11 […] § 3o A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação
aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para
instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário
relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal,
do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430,
de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.” (NR). 301
“Art. 6 As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de
instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações
financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em
curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa
competente.”
151
necessidade dos dados bancários para a conclusão do procedimento
fiscalizatório e, ato contínuo, solicitar informações originariamente acobertadas
pelo sigilo bancário e profissional. Com fundamento nessa disposição legal,
desde que instaurado procedimento fiscalizatório e justificada a
indispensabilidade dos documentos bancários, intentou-se tornar legítima a
quebra do sigilo bancário pela autoridade administrativa.
Contudo, o juízo acerca da imprescindibilidade dessas informações está restrito
ao Judiciário. É exclusivamente o Estado-Juiz, que atua de maneira imparcial,
capaz de tomar conhecimento da situação concreta e escolher a solução que
homenageia o tão prezado princípio da proporcionalidade302
. No Estado
Democrático do Direito, é o Judiciário o órgão apto a qualificar a medida da
quebra do sigilo como essencial e indispensável para a consecução da
fiscalização tributária, sendo que a Administração não guarda, em relação ao
fiscalizado, posição equidistante, já que é parte diretamente interessada na
constituição do crédito tributário303
.
302
Ressalvando as situações submetidas ao crivo do Judiciário, são as palavras de James
Marins pela proteção aos dados bancários: “O dever de colaborar vai até o limite legal
concernente às mesmas garantias que limitam os poderes de investigação da
Administração tributária. Não estão os particulares, empresas ou instituições, obrigados a
colaborar quando estiver em jogo a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, da
residência, da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas. Exceto em obediência à ordem judicial” (MARINS, James.
Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). São Paulo: Dialética,
2014, p. 177). 303
Acerca da atuação do Estado em suas três esferas Legislativa, Judiciária e Executiva, são
as lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello: “Naquelas ações, legislativa e executiva,
na função que se denomina administrativa, o Estado-poder pratica atos jurídicos como
‘parte’, isto é, em obra própria, espontânea, através da função pública que lhe compete, ao
passo que nesta ação judicial, na função que se denomina jurisdicional, como ‘terceiro’,
substituindo de maneira eminente, através da função pública, a atividade das próprias
partes, que não conseguiram, por si mesmas, harmonizar os respectivos interesses.”
(MELO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais do Direito Administrativo. Rio
de Janeiro: Forense, 1979, p. 25).
E, especificamente sobre o papel desempenhado pela Administração: “Atente-se que, se
caso fosse permitido à Administração tributária a possibilidade de quebrar o sigilo dos
cidadãos estar-se-ia a centrar na mesma figura os papéis de parte e de juiz, o que não se
admite em se tratando de respeito a direitos fundamentais da pessoa humana” (MARINS,
James, op. cit., p. 251).
152
Assim, não é demais reforçar: nas relações entre os fiscalizados e a
Administração rege a regra do dever de colaborar e informar. Contudo,
específicas informações, mormente as bancárias, são protegidas
constitucionalmente, sendo legítima a recusa no fornecimento de tais dados.
Excepcionalmente, em virtude da essencialidade da referida documentação à
fiscalização, é necessária a delimitação concreta da extensão das garantias
individuais, eventualmente fazendo voltar a valer a regra pela obrigatoriedade
do dever de colaborar e informar. Essas situações extraordinárias apenas
podem ser concretizadas por meio de pronúncia jurisdicional, visto que apenas
o Estado-Juiz é órgão capaz de ponderar imparcialmente os interesses das
partes e aplicar, ao caso individualizado, a solução que melhor atenda aos
interesses gerais.
No mesmo sentido do raciocínio exposto é a solução conferida pelo Supremo
Tribunal Federal, em 15 de dezembro de 2010, nos autos do Recurso
Extraordinário nº 398.808304
. Observe-se, entretanto, que há decisões judiciais
em sentido contrário305
e que a questão teve a repercussão geral reconhecida,
304
“SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º
da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às
comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do
sigilo – submetida ao crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para
efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS
BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal
atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo
de dados relativos ao contribuinte” (RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-
2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218 RTJ VOL-00220- PP-00540) Em agosto de
2014, o recurso ainda se encontrava pendente de julgamento de Embargos de Declaração. 305
Inclusive submetida ao rito dos recursos repetitivos, em sede do qual a legalidade do
preceito legal restou implícita, uma vez que a análise se restringiu à aplicação das normas
no tempo: REsp nº 1134665/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 25/11/2009, DJe 18/12/2009.
Considerando julgada a questão pelo Superior Tribunal de Justiça, é a recente ementa:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. IRPF. EXTRATOS BANCÁRIOS.
RENDIMENTOS NÃO JUSTIFICADOS. ARBITRAMENTO. APLICAÇÃO
RETROATIVA DO ART. 42 DA LEI N. 9.430/96. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO
IMEDIATA DA LEI N. 8.021/90. PRECEDENTES. REEXAME DE PROVAS.
SÚMULA 7/STJ. SIGILO BANCÁRIO. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LC N. 105/01
E DA LEI N. 10.174/01. POSSIBILIDADE. […] 5. O Tribunal de origem firmou
153
em 22 de outubro de 2009, afetando o Recurso Extraordinário nº 601.314,
pendente de qualquer manifestação. E, ainda, que são cinco as Ações Diretas
de Inconstitucionalidade propostas contra o artigo 6º da Lei Complementar nº
105/2001306
, todas pendentes de julgamento.
entendimento no sentido de que a quebra do sigilo bancário, prevista na Lei Complementar
n. 105/01 e na Lei n. 10.174/01, não depende de prévia autorização judicial e que é
possível sua aplicação, inclusive retroativa. 6. O entendimento está em harmonia com a
jurisprudência do STJ, firmada em recurso repetitivo, no julgamento do REsp
1.134.665/SP (DJe 16.3.2011), relatoria do Min. Luiz Fux, no sentido de que “as leis
tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não
alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90
e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação
fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a
serem apurados lhes sejam anteriores.” Agravo regimental improvido” (AgRg no AREsp
473.896/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
27/03/2014, DJe 02/04/2014). 306
ADI nº 2390, ADI nº 2859, ADI nº 2386, ADI nº 2397 e ADI nº 4010.
154
155
CONCLUSÕES
Os estudos desenvolvidos nesta dissertação não esgotam os questionamentos
que o tema afeto ao regime jurídico da fiscalização tributária propicia,
tampouco pretendem acenar para a definitividade dos raciocínios
desenvolvidos. Com arrimo nessas ponderações, é a síntese conclusiva:
Capítulo 1 – Premissas Metodológicas e Delimitação do Objeto
01. Para o desenvolvimento de uma pesquisa que se pretende científica são
fundamentais a indicação do método adotado para a aproximação do objeto de
estudo e a demarcação do assunto que será analisado. A fixação das premissas
metodológicas confere uniformidade ao pensamento e possibilita o controle da
coerência do raciocínio construído, e a delimitação do objeto marca de maneira
acurada os limites da experiência sobre a qual incide a proposta cognoscitiva.
(O conhecimento e o constructivismo lógico-semântico)
02. O método proclamado neste trabalho é o constructivismo lógico-
semântico, cujo primeiro fundamento é a filosofia da linguagem, à qual se
acrescenta o estudo da sintaxe e semântica dos elementos que compõem o
discurso, imprescindivelmente perpassando pelo aspecto pragmático da língua,
para a construção de sentido da realidade.
(O estudo do Direito a partir das premissas metodológicas do constructivismo
lógico-semântico)
03. Na senda do constructivismo lógico-semântico podemos diferençar
quatro planos que podem ser objeto de estudo: do evento, do fato, do direito
positivo e da ciência do direito. É objeto do nosso estudo o âmbito do direito
positivo, composto por um conjunto de enunciados prescritivos, mais
especificamente dos dispositivos legais que tratam da fiscalização tributária.
156
04. As disposições prescritivas carecem da atuação de um intérprete, o qual,
percorrendo o percurso gerador de sentido proposto por Paulo de Barros
Carvalho, entra em contato com as marcas de tinta no papel (S1), construindo
proposições isoladas (S2), estruturadas na fórmula lógica hipotético-
condicional (S3) e organizadas em relações de coordenação e subordinação
(S4).
05. Numa acepção ampla, a expressão norma jurídica pode designar as três
diferentes unidades do sistema jurídico em seus domínios S1, S2, S3 e S4:
enunciados do direito positivo, significação deles construída e significação
deonticamente estruturada. Já sob um viés estrito, as normas jurídicas são as
significações de sentido deôntico completo, estruturadas na forma lógica
hipotético-condicional, construídas a partir da linguagem prescritiva do direito,
verificadas nos estágios S3 e S4 do percurso gerador de sentido.
06. A norma jurídica completa é formada por duas normas em sentido
estrito: uma norma primária, que estatui direitos e deveres materiais, e outra
secundária, que sanciona o inadimplemento da primeira.
07. A norma primária contém, no seu antecedente, a descrição de um fato e,
no seu consequente, uma relação diádica entre sujeitos com direitos e deveres
materiais correlatos.
08. Adotando o esforço classificatório de Aurora Tomazini de Carvalho,
podemos fracionar as normas primárias em: precedente, derivada punitiva e
derivada não punitiva. A norma primária precedente prescreve na sua hipótese
um fato lícito e na sua consequência uma relação entre sujeitos com direitos e
deveres. As normas primárias derivadas pressupõem a existência de uma norma
primária precedente e vinculam as mesmas partes envolvidas na relação
adjacente à incidência e aplicação da norma primária precedente, sendo que a
punitiva descreve um ilícito decorrente do inadimplemento da obrigação
constituída pela incidência e aplicação da norma primária precedente e
prescreve uma relação sancionatória, e a norma primária derivada não punitiva
157
descreve o cumprimento da obrigação constituída pela norma primária
precedente e instaura uma relação sem as notas da punibilidade.
09. A norma secundária, por sua vez, prescreve uma providência coercitivo-
sancionatória aplicável pelo Estado-juiz na hipótese de descumprimento das
normas primárias. No antecedente da norma secundária é descrito um fato
ilícito, representado pela inobservância de um dever constituído pela incidência
de uma norma primária, instituindo uma relação entre o sujeito ativo da relação
jurídica não adimplida e o órgão judicial, que atuará coercitivamente forçando
o sujeito passivo da relação jurídica surgida com a aplicação da norma primária
a satisfazê-la.
10. Partindo do referencial teórico que adotamos, podemos afirmar que as
normas jurídicas não produzem os seus efeitos de maneira automática e
infalível, como propunha Pontes de Miranda. O processo de positivação do
direito positivo pressupõe a existência e atuação de um sujeito, que interpreta
os enunciados prescritivos, construindo e escolhendo a norma aplicável ao caso
concreto, segundo a versão que ele próprio desenha do fato social, com base
nos enunciados que o relatam.
(A delimitação do objeto)
11. O signo é uma relação triádica entre um suporte físico (parte material do
signo), um significado (representação individualizada do signo) e uma
significação (ideia suscitada na mente daquele que entra em contato com o
signo). As palavras são signos da espécie simbólica, arbitrariamente
construídas: daí a relevância da explicitação do sentido que se lhes atribui.
12. O conceito de um termo é a significação suscitada na mente do
intérprete, e a definição é o conceito demarcado linguisticamente.
13. Para a definição do conceito da expressão fiscalização tributária são
imprescindíveis algumas anotações a respeito das relações jurídico-tributárias.
Da incidência e aplicação da legislação tributária nascem duas espécies de
158
relações jurídicas: obrigação tributária e dever instrumental. Sob um ponto de
vista, ambas têm a mesma finalidade, qual seja, constituir o tributo. As normas
prescritivas de deveres instrumentais são aplicadas para inserir na realidade
jurídica linguagem que viabiliza o conhecimento acerca dos acontecimentos
factuais e o controle do fiel cumprimento da prestação tributária; e as normas
que enunciam obrigações principais, que pressupõem o tecido de linguagem
produzido pelo cumprimento dos deveres instrumentais, são positivadas,
constituindo o crédito tributário.
14. São exemplos de espécies de obrigações tributárias aquelas decorrentes
da incidência e aplicação das regras-matrizes de incidência do ISS e do ICMS,
e, de deveres instrumentais, a escrituração de livros, inscrição em cadastro de
contribuintes, apresentação de declarações, promoção de levantamentos físicos,
econômicos ou financeiros, não recebimento de mercadorias desacompanhadas
de nota fiscal, manutenção de dados e documentos fiscais e, inclusive, a
sujeição à fiscalização realizada pela Administração, que é o objeto de estudo
do presente trabalho.
15. A fiscalização tributária pode acontecer em dois momentos distintos:
antes da constituição inaugural do crédito tributário, pretendendo afirmar a
ocorrência do fato jurídico tributário, ou posteriormente à constituição da
relação obrigacional pelo próprio contribuinte, daí com o objetivo de infirmar a
atividade do fiscalizado (e aplicar sanções administrativas) ou confirmá-la (e
homologar a conduta do particular).
16. Numa acepção estrita, a fiscalização tributária é o conjunto de atos
investigativos concretizados pela Administração, necessariamente vinculados a
uma forma prevista na lei, que, no mais das vezes, culmina com a produção de
uma norma individual e concreta que constrói fatos jurídicos (tributários ou
sancionatórios) ou homologa a atividade desempenhada pelo particular, pois
subsome o relato do fato social à descrição normativa presente na hipótese de
uma norma primária tributária. Sob uma perspectiva ampla, a fiscalização
159
compreende todos os atos realizados a pretexto de afirmar o fato jurídico
tributário e os seus exatos contornos, ou infirmar ou confirmar a atividade do
particular, sem a imprescindibilidade de vinculação do ato investigativo a um
procedimento específico, tampouco a uma finalização conclusiva acerca dos
fatos fiscalizados. O discrímen escolhido para a diferenciação entre a
fiscalização tributária em sentido amplo e em sentido estrito repousa na
vinculação da atividade administrativa a um procedimento específico, que
geralmente se encerra com a introdução no sistema jurídico de uma norma
individual e concreta que afirma o fato jurídico tributário, ou infirma ou
confirma a conduta do particular. Observe-se que, na atualidade, em virtude da
crescente evolução tecnológica, combinada com a permuta de informações, a
fiscalização em sentido amplo passou a tomar maiores proporções.
17. É foco central das nossas atenções a fiscalização tributária em sentido
estrito, cuja norma competencial será estudada na minudência de seus critérios
informadores. Contudo, sempre que necessário, recorreremos à fiscalização em
sentido amplo para ponderarmos questões afetas ao delineamento do regime
jurídico daquela.
Capítulo 2 – Noções Fundamentais
(A organização do Estado Brasileiro e a competência tributária)
18. A organização do Estado Brasileiro é realizada pela outorga de
competência para determinados indivíduos administrarem a res publica,
distribuídos em três funções: Legislativa, Executiva e Judiciária. Ainda, como
forma de realização da República, optou-se, entre nós, pela Federação
combinada com a autonomia dos Municípios.
19. Para a gestão da “coisa do povo”, são outorgados diversos instrumentos
aos sujeitos de direito público interno, dentre os quais se destacam aqueles
relacionados à obtenção de recursos financeiros, por meio da tributação, para o
custeio de ações públicas.
160
20. O expediente qualificado para a instituição, arrecadação e fiscalização
do cumprimento das obrigações tributárias e dos deveres instrumentais é o
exercício da competência tributária, minuciosamente demarcada no
ordenamento jurídico.
21. Numa acepção estrita, a competência tributária é parcela da prerrogativa
legiferante dos sujeitos políticos, titularizada pelo Legislativo, no exercício de
sua função típica: mediante a observância do procedimento legislativo, introduz
de maneira inaugural enunciados prescritivos no sistema jurídico tributário. Já
sob um viés amplo, a competência tributária é a vocação de produzir
enunciados prescritivos titularizada não apenas pelo Legislativo, mas, também,
pelo Executivo e Judiciário, cumprindo e fazendo cumprir a lei.
Especificamente, importa-nos a atividade desenvolvida pelos órgãos que
compõem o Executivo, fundada numa competência tributária administrativa
para promover a incidência das normas primárias tributárias.
22. A competência fiscalizatória é uma das parcelas da extensa competência
tributária e consiste no específico labor de inserir no ordenamento jurídico
normas relacionadas à atividade fiscalizatória. Essa competência fiscalizatória
é realizada por agentes públicos integrantes da categoria dos servidores
estatais, comumente chamados de agentes fiscais ou auditores fiscais, e é uma
vertente prática da polícia administrativa, pois o agente público estabelece os
lindes jurídicos da propriedade e da liberdade das pessoas, na medida em que,
em contato com os documentos que relatam as atividades dos particulares,
emite juízo valorativo acerca dos fatos, efetuando a subsunção da ideia do fato
à hipótese contida na regra-matriz de incidência tributária ou nas normas
primárias derivadas punitivas ou não punitivas. A finalidade última da
consecução desses atos é evidenciada numa obrigação de não fazer: não
perturbar os valores acolhidos pelo sistema normativo, mormente aquele
relacionado à provisão de recursos ao Estado para a gestão da res publica.
161
23. Sob a ótica da atividade fiscalizatória, enquanto procedimento que
precede a expedição de uma norma individual e concreta que constitui o crédito
tributário ou a sanção administrativa, ou homologa a atividade do particular,
não há falar-se em discricionariedade da Administração: construído o juízo do
fato, é obrigatória a incidência e aplicação da norma tributária. Isso porque os
sujeitos que realizam a fiscalização não podem dispor do interesse público e
estão adstritos à observância do princípio da legalidade.
24. Em contraposição, é de se reconhecer certa discricionariedade nos atos
fiscalizatórios. Pela análise de critérios de conveniência e oportunidade são
selecionados específicos sujeitos para figurarem no polo passivo da relação
fiscalizatória e são analisados quaisquer documentos pertinentes ao tributo que
se pretende averiguar.
(A fiscalização tributária e o deve de colaborar)
25. O dever de colaboração do administrado se resume em posturas
facilitadoras do acesso do agente fiscal aos relatos dos fatos, que lhes atribuirá
sentido, por um ato de valoração. O atendimento à intimação para a
apresentação de documentos gera uma expectativa acerca das normas que
podem ser aplicadas ao caso concreto, pois é o sujeito competente para
interpretar os elementos probatórios quem emite um juízo juridicamente
relevante a respeito do Direito aplicável. Ressalte-se, ainda, que o dever de
colaborar, assim como todos os direitos e deveres, não é absoluto, exigindo a
delimitação do seu âmbito de proteção em cada caso concreto.
(A fiscalização tributária: processo ou procedimento?)
26. Seguimos a sorte dos estudiosos que apontam repousar na litigiosidade a
diferença fundamental entre o procedimento e o processo. Esse dualismo
processo/procedimento é encontrado em três diferentes momentos do percurso
de positivação das normas tributárias: procedimento preparatório do ato de
lançamento tributário, processo administrativo instaurado em razão da
162
impugnação do contribuinte e processo judicial em sede do qual atua um
terceiro imparcial para a solução da controvérsia. Focando as nossas atenções
na fase procedimental administrativa, a ausência da litigiosidade se confirma
pela circunstância de que é a sua consecução que enseja o nascimento das
relações jurídico-tributárias: somente depois de constituído o crédito tributário
e/ou as sanções administrativas, ou homologada a atividade do contribuinte é
que podem ser suscitadas inconformidades a respeito de seus termos.
27. Decorrência lógica da conclusão pelo caráter procedimental da atividade
fiscalizatória é a inaplicabilidade do princípio da ampla defesa e a existência de
um contraditório mitigado durante a concretização desses atos que perquirem
pelos dados factuais: inexistente obrigação constituída, não há motivo para a
salvaguarda de uma participação ativa do fiscalizado. Ademais, sob a expressão
vinculada da atividade fiscalizatória, é irrelevante a averiguação dos interesses
dos particulares, já que, uma vez caracterizados os elementos contidos no
antecedente de uma norma primária, é obrigatória a positivação da norma pelo
agente fiscal. E, ainda, o extenso número de particulares sujeitos à fiscalização
tornaria impraticável o exercício da fiscalização com uma robusta participação
dos envolvidos.
(Os princípios que regem a atividade fiscalizatória)
28. Os princípios, enquanto normas jurídicas de significação prescritiva com
elevada relevância valorativa, influenciam vigorosamente a construção de
outras normas jurídicas. Assim, com o intuito de agregar mais elementos para o
estudo dos contornos jurídicos de qualquer instituto do Direito, é de grande
importância a análise das específicas diretrizes magnas que regem a
fiscalização tributária. Do ordenamento jurídico válido, selecionamos:
supremacia do interesse público sobre o interesse privado, legalidade,
eficiência, publicidade, proporcionalidade e verdade jurídica.
29. A gestão da res publica tem como alicerce o interesse público, como
meio de realização dos interesses individuais de determinada sociedade.
163
Corolário lógico da priorização do público em detrimento do particular é a
indisponibilidade do interesse perseguido pela Administração: uma vez
constatados elementos caracterizadores da concretização do conceito descrito
no antecedente das normas primárias, é obrigatória a subsunção da ideia do fato
à norma, instaurando uma relação jurídica. Na fiscalização, não há espaço para
qualquer espécie de ponderação de interesses, tampouco de acordos.
30. Em atenção ao caro princípio da legalidade, toda a atuação dos agentes
fiscais deve estar pautada em lei autorizativa. A razão de ser desse princípio
justifica-se na homenagem do ordenamento jurídico a um ideal de participação
política dos administrados, que expressam, pela ponência de enunciados
prescritivos no sistema, os parâmetros de quanto e de que modo consentem em
concorrer com os gastos públicos. Importantes desdobramentos da legalidade
são os princípios da motivação, revelados no dever de o agente fiscal expor e
provar os motivos de fato e de direito que motivaram a produção de norma
individual e concreta, bem como da moralidade e da impessoalidade, que
prezam pela adstrita observância da legislação em detrimento de quaisquer
condutas ensejadoras de benefícios pessoais.
31. O princípio da eficiência objetiva o alcance das finalidades públicas da
melhor forma possível, isto é, com o menor dispêndio de tempo e de recursos
financeiros, já que o Estado tem como objeto a tutela dos direitos da mais
ampla gama de administrados. Em nome do princípio da eficiência é a
celeridade combinada com a maior prática possível do interesse coletivo, que
não significa a exclusiva maximização da arrecadação por meio da constituição
desenfreada do crédito tributário.
32. Todos os procedimentos administrativos devem obedecer ao princípio
da publicidade, sendo regidos por um ideal de transparência desde o seu início
e, fundamentalmente, ao seu término. Isso porque revelam a possibilidade de
conferência a respeito do atendimento da Administração ao princípio da
164
legalidade e, também, porque garantem o livre arbítrio de os particulares
firmarem negócios com outros tendo ciência da sua situação perante o Estado.
33. A proporcionalidade na fiscalização enseja a análise de três pontos,
quais sejam, a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito:
os meios escolhidos para a consecução da atividade fiscalizatória devem ser
compatíveis com a finalidade buscada, isto é, o desígnio de afirmar o fato
jurídico tributário ou infirmar ou confirmar a atividade do particular; não
devem existir outros meios tão eficazes e menos limitadores dos direitos
fundamentais atingidos para promover o objetivo perseguido; e,
derradeiramente, a medida deve representar o justo alcance do exercício da
competência fiscalizatória, avaliada pela ponderação entre as desvantagens dos
meios e as vantagens dos fins, tal qual os direitos afetados e a produção
normativa individual e concreta.
34. Mediante um ato valorativo, o agente fiscal constrói a sua versão dos
fatos, com fundamento nos elementos probatórios que objetivam o
reconhecimento do fato. Em respeito à verdade jurídica, a convicção do fiscal
positivador do Direito é traduzida para a linguagem competente, com a
observância de um código e um procedimento específico previsto em lei, sob
pena de violação ao princípio da proibição da prova ilícita.
Capítulo 3 – Elementos da Norma de Competência Fiscalizatória
35. O processo de enunciação no Direito, especificamente no campo da
atividade fiscalizatória, é regulado por uma norma de estrutura: a norma de
competência do agente fiscal, descritora de um fato, que é o processo de
enunciação necessário para a realização dos atos fiscalizatórios, e imputativa de
uma relação jurídica fiscalizatória. São renomados estudiosos do assunto
Cristiane Mendonça e Tácio Lacerda Gama, cujas propostas de modelo lógico-
sintático da norma competencial contêm sete elementos essenciais: o sujeito
competente, em determinadas coordenadas espaçotemporais, adotando o
procedimento previsto em lei, emite norma jurídica, que vincula um sujeito
165
ativo a um sujeito passivo numa relação abrangente de determinada matéria.
Comprometemo-nos a uma análise minuciosa desses critérios informadores da
norma da qual deriva a fiscalização.
(O critério pessoal – Sujeito competente para aplicar as normas de
fiscalização tributária e para figurar no polo ativo da relação jurídica
fiscalizatória)
36. Em comparação ao que se verifica na competência exercida pelo
Legislador, na sua função típica, no que tange à competência fiscalizatória dos
agentes fiscais, inexiste a diferenciação entre o sujeito produtor do ato de
enunciação e aquele que figura na relação jurídica posta no sistema. Aqui, o
sujeito competente e o detentor da capacidade fiscalizatória ativa se confundem
na mesma pessoa, pois a atividade desempenhada pelos sujeitos vinculados à
Administração tributária já se circunscreve à aplicação de normas pelo detentor
da capacidade tributária ativa, inexistindo a possibilidade de delegação da
atividade fiscalizatória.
37. A atividade de fiscalização das obrigações tributárias e dos deveres
instrumentais é formada por um conjunto de atos que buscam por elementos
para a construção da convicção do Fisco acerca dos acontecimentos factuais, a
fim de enquadrá-los no antecedente de normas tributárias primárias precedente
ou derivadas e regular a concretude da vida social: seja homologando,
retificando ou complementando a atividade do administrado e/ou constituindo
originariamente obrigações tributárias. Partindo desse pressuposto, o sujeito
que detém legitimidade para inserir no sistema jurídico um expediente
normativo enunciador de um fato jurídico em sentido estrito e constitutivo de
um vínculo obrigacional tributário é quem pode figurar no polo ativo da norma
de fiscalização. Caso a fiscalização fosse outorgada aos particulares, tratar-se-
ia de uma relação recíproca, em que um indivíduo tivesse o dever de fiscalizar
a atividade de outro. Ocorre que tal situação não se coaduna com o
ordenamento vigente, fundamentalmente em razão da diferença de regimes
166
jurídicos a que estão submetidos os membros da sociedade em geral e os
agentes fiscais. Observe-se que a proibição da privatização da atividade
fiscalizatória não se confunde com a instituição de deveres instrumentais,
obrigando a sociedade ao fornecimento de meios fáticos, que servem de
substrato linguístico para a produção normativa individual e concreta de
competência dos agentes fiscais.
38. A atividade fiscalizatória mantém uma relação de meio e fim com a
tributação, de modo que o exercício da competência fiscalizatória se torna
legítima quando guarda um mínimo de correlação com a obrigação tributária
que pretende averiguar. Porque a fiscalização tributária busca por elementos
que relatam a ocorrência de fatos eventualmente relevantes para a realidade
jurídico-tributária, a legitimidade do seu exercício está atrelada ao interesse de
o ente tributante tomar ciência da situação em que se encontra o administrado.
Paralelamente, em nível geral e abstrato, a instituição de quaisquer deveres
instrumentais está diretamente condicionada à sua função de auxiliar a
fiscalização e arrecadação concreta de tributos.
39. As informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito
passivo ou de terceiros, obtidas por meio dos procedimentos fiscalizatórios, são
protegidas pela máxima do sigilo fiscal, insculpido no artigo 198 do Código
Tributário Nacional. Específica exceção a essa regra é aquela fundamentada no
artigo 199, do Código Tributário Nacional, combinado com o artigo 37, inciso
XII, da Constituição Federal, que cria uma ideia de soberania expandida,
propiciando às autoridades administrativas fazendárias Federal, Estaduais,
Municipais e, inclusive, estrangeiras, a mútua assistência para a fiscalização de
tributos por meio da “permuta de informações”. Mediante a utilização deste
instituto, há um aumento da gama dos entes políticos que podem analisar
documentos fiscais submetidos ao crivo daqueles em favor dos quais foram
originariamente instituídos, autorizando-nos a afirmar que o sujeito ativo
competente para constituir o crédito tributário tem o direito de averiguar os
correlatos deveres instrumentais instituídos em lei, sendo que os documentos
167
decorrentes do atendimento à legislação de outros entes políticos estão
excluídos da sua competência fiscalizatória, salvo nos casos de “permuta de
informações”.
40. Em que pese o entendimento de que, em homenagem ao princípio da
eficiência, é legítima a autuação fiscal com base exclusiva nas “provas
emprestadas”, temos que os indícios da ocorrência do fato jurídico tributário,
construídos com esteio nessa espécie probatória podem, no máximo, ensejar a
instauração de procedimento fiscalizatório próprio, em sede do qual deverão
ser colhidos outros elementos para a construção do juízo do agente fiscal acerca
do acontecimento factual: a consideração isolada da “prova emprestada” não é
suficiente para subsidiar a aplicação do Direito, porque produzida
originariamente para relatar outros aspectos do signo presuntivo de riqueza.
(O critério pessoal – Sujeito passivo da relação de competência fiscalizatória)
41. No tocante ao estudo da norma de competência fiscalizatória são
possíveis sujeitos passivos o contribuinte, os responsáveis e os terceiros não
necessariamente relacionados com a obrigação tributária. A específica seleção
do sujeito passivo da relação fiscalizatória deve ter como orientação a sua
capacidade colaborativa, isto é, a sua aptidão para fornecer elementos que
respaldem o conhecimento de fatos relevantes para o Direito Tributário.
42. O expressivo número de sujeitos que podem integrar o polo passivo da
relação fiscalizatória impõe, com fundamento num poder discricionário dos
agentes fiscais, a adoção de medidas que restrinjam a instauração de
procedimentos fiscalizatórios a determinados grupos, sob pena de tornar
ineficiente e inviável a prática da Administração.
43. É sujeito passivo da relação fiscalizatória aquele que detém documentos
veiculadores de linguagem útil aos sujeitos políticos tributantes. Relativamente
àqueles isentos e imunes, a sua submissão ao dever de suportar a fiscalização
justifica-se na imprescindibilidade da demonstração do preenchimento dos
168
requisitos legais necessários ao gozo das referidas benesses fiscais. Já no que se
refere à não incidência, a dificuldade em defender a legitimidade do exercício
da fiscalização esbarra no fato de que nessas hipóteses inexiste a potencial
subsunção do fato social a qualquer conceito contido nas hipóteses normativas
válidas num dado sistema jurídico. Ocorre que, em observância às nossas
premissas, a incidência e aplicação do Direito não é automática e infalível, de
modo que é imprescindível a construção de um juízo que reconhece
juridicamente a não incidência: isso apenas é possível mediante a concretização
da atividade fiscalizatória.
(O critério espacial – Âmbito territorial da competência fiscalizatória)
44. Em princípio, o critério espacial da norma de competência fiscalizatória
deveria identificar-se com a extensão da legislação impositivo-tributária do
ente federativo: deveria ser competente para fiscalizar quem tem competência
para tributar. Contudo, o critério espacial da norma de competência
fiscalizatória é mais amplo, pois a certeza a respeito da extensão das leis
impositivas, isto é, do seu âmbito de vigência e aplicação, não é facilmente
identificado, já que se identifica com a ideia de territorialidade, que é conceito
estritamente jurídico, não necessariamente coincidente com os limites
geográficos dos entes competentes e que prescinde da análise casuística para a
sua exata conformação.
(O critério temporal – limites temporais do exercício da competência
fiscalizatória)
45. A capacidade funcional do servidor público é uma condicionante
temporal do exercício da competência fiscalizatória: é fundamental a
consecução de atos fiscalizatórios enquanto investido no cargo, e, ainda, na
fiscalização em sentido estrito, é necessária a indicação pessoal do sujeito, por
meio de ordem específica de fiscalização. O evento decadencial não é um fator
que condiciona o tempo para a concretização da atividade fiscalizatória: a
fiscalização pode ser realizada em face de tributos atingidos pelo evento
169
decadencial, sendo o meio apto para construir o fato jurídico da consumação da
decadência no caso concreto. Observe-se que a conduta do agente fiscal que
instaura procedimento fiscal em face de obrigação já atingida pelo evento
decadencial vai de encontro com o princípio da eficiência Administrativa,
contudo questão que justifica este posicionamento e que vem provocando
debates nos Tribunais Administrativos é a possibilidade de serem analisados
documentos relacionados a tributos já atingidos pelo evento decadencial para a
configuração de operações societárias realizadas com o intuito de fraudar o
Fisco.
(O critério procedimental – forma do exercício da competência fiscalizatória)
46. O artigo 196 do Código Tributário Nacional instrumentaliza o
procedimento fiscalizatório, apontando a imprescindibilidade de sua
documentação: no âmbito federal, figura o Termo de Distribuição dos
Trabalhos Fiscais (TDPF) de fiscalização, de diligência ou especial, recente
substituto do Mandado de Procedimento Fiscal (MPF), emitido por autoridade
que exerce as funções de distribuição dos trabalhos aos seus subordinados,
discriminando as obrigações tributárias, os deveres instrumentais e os seus
respectivos exercícios financeiros submetidos à análise, indicando o auditor
fiscal designado. Por meio da documentação do agir fazendário é garantida a
possibilidade de o administrado exercer controle sobre a atividade
fiscalizatória, tornando-se capaz de coibir a prática de atos abusivos, bem como
é regrada a sua participação.
47. Pela regular intimação do sujeito fiscalizado é iniciada a fiscalização em
sentido estrito e, via de consequência, é excluída da sua esfera de direitos a
oportunidade de se aproveitar da denúncia espontânea. Por outro lado, o
término do procedimento fiscalizatório, além de poder ocorrer mediante os
chamados Termos de Encerramento de Fiscalização (TEAF), que atendem à
sistemática da indispensável notificação do fiscalizado, pode, ainda, ser
verificado pelo decurso do prazo de validade do TDPF. Uma vez extinta a ação
170
fiscal, pelo irregular encerramento do procedimento fiscalizatório (decurso do
prazo do TDPF), não é produzida norma jurídica conclusiva acerca da atividade
do particular, sendo restaurado o status quo ante, readquirindo o administrado
o seu direito de se aproveitar da denúncia espontânea.
48. O regular encerramento do procedimento fiscalizatório, com a
notificação do sujeito passivo, põe no sistema uma norma que externa o juízo
do agente fiscal (constituindo crédito tributário e/ou sanção administrativa ou
homologando as atividades examinadas), que apenas pode ser alterado
justificadamente, se comprovada a inadequação do conteúdo normativo
produzido por culpa do fiscalizado ou a falha do agente fiscal. Já no caso da
extinção da atividade fiscalizatória pelo transcurso do prazo do TDPF, fica a
questão carente de conclusão porque não inserida no sistema jurídico uma
norma individual e concreta que encerra formalmente a fiscalização e reflete a
interpretação do agente fiscal acerca dos relatos de fatos analisados, sendo
legítima a refiscalização, isto é, a instauração de novo procedimento
fiscalizatório acerca do mesmo período.
(O critério prestacional – matéria em torno da qual podem ser instaurados
procedimentos fiscalizatórios)
49. O objeto em torno do qual pode ser instaurada a relação fiscalizatória
são os documentos que contêm informações que servem como prova para a
constituição do crédito tributário (de maneira originária ou suplementar) e/ou
das sanções administrativas, ou para a confirmação do devido cumprimento das
obrigações tributárias e dos deveres instrumentais.
50. O direito ao silêncio não tem aplicabilidade em sede de procedimento
administrativo tributário, inclusive naquelas situações em que a conclusão do
trabalho fiscal pode redundar em consequências deletérias na esfera penal, por
três motivos, quais sejam: (i) a desobrigatoriedade do atendimento às
intimações para apurar um ilícito fiscal ensejaria a arbitrariedade de os
contribuintes escolherem os tributos que pagam; (ii) o atendimento às
171
intimações fiscais não causa automática e infalivelmente a incidência e
aplicação das normas tributárias, mas provoca, única e exclusivamente, uma
expectativa a respeito da subsunção do fato às referidas normas, que
eventualmente podem provocar o início da persecução penal; (iii) até no âmbito
penal, esfera da qual tem origem o direito ao silêncio, a sua aplicação é restrita
à fase acusatória.
51. Nas relações entre os fiscalizados e a Administração rege a regra do
dever de colaborar e informar. Contudo, específicas informações, mormente as
bancárias, são protegidas pela Constituição Federal, sendo legítima a recusa no
fornecimento de tais dados. Excepcionalmente, em virtude da essencialidade da
referida documentação à fiscalização, é necessária a delimitação concreta da
extensão das garantias individuais, eventualmente, fazendo voltar a valer a
regra pela obrigatoriedade do dever de colaborar e informar. Essas situações
extraordinárias apenas podem ser concretizadas por meio de pronúncia
jurisdicional, visto que o Estado-Juiz é o órgão capaz de ponderar
imparcialmente os interesses das partes, analisando a proporcionalidade da
medida, e aplicar, ao caso individualizado, a solução que melhor atenda aos
interesses gerais.
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