revista brasileira de ciências policias vol. 1 n. 1

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REVISTA BRASILEIRA DECIÊNCIAS POLICIAIS

VOL. 1, N. 1, JAN-JUN/2010

ISSN 2178-0013

Publicação da Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública Academia Nacional de Polícia / Polícia Federal

Page 3: Revista Brasileira de Ciências Policias VOL. 1 N. 1

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Revista Brasileira de Ciências PoliciaisRevista da Academia Nacional de Polícia (ANP)

Brasília, v. 1, n. 1, p. 1 - 243, jan./jun. 2010.ISSN 2178-0013

Copyright © 2010 - ANP

Editor ResponsávelCélio Jacinto dos Santos

Comissão EditorialCélio Jacinto dos Santos (Presidente); Adriano Mendes Barbosa; Eliomar da Silva Pereira; Emerson

Silva Barbosa; Gilson Matilde Diana

Conselho EditorialAlexandre Bernardino (UnB - Brasil); Aili Malm (California State University - EUA); Carlos Roberto

Bacila (UFPR e DPF - Brasil); Denilson Feitoza (MPMG - Brasil); Elenice de Souza (Rutgers University - EUA); Guilherme Cunha Werner (DPF - Brasil); Jairo Enrique Suárez Alvarez

(CEPEP - Colômbia); José Pedro Zaccariotto (PCSP - Brasil); Luiz Henrique de A. Dutra (UFSC - Brasil); Manuel Monteiro Guedes Valente (ISCPSI e UAL - Portugal); Michael Towsley (Griffith

University - Autrália); Patrício Tudela Poblete (ASEPIC e Universidade do Chile - Chile); Paulo Rangel (TJRJ e UERJ - Brasil), Spencer Chainey (UCL - Inglaterra).

Ministério da JustiçaMinistro: Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

Departamento de Polícia FederalDiretor-Geral: Luiz Fernando Corrêa

Diretoria de Gestão de PessoalDiretor: Joaquim Cláudio Figueiredo Mesquita

Academia Nacional de PolíciaDiretor: Disney Rosseti

Coordenação de Altos Estudos de Segurança PúblicaCoordenador: Célio Jacinto dos Santos

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Revista Brasileira de Ciências Policiais, v. 1, n. 1, jan./jun. 2010.

ISSN 2178-0013

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Revista Brasileira de Ciências PoliciaisPublicação semestral de doutrina em assuntos policiais, visando a difundir a produção acadêmica dos cursos de pós-graduação da Academia Nacional de Polícia (ANP), a cargo da Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública (CAESP), bem como do programa de pesquisa e outras produções congêneres de origem nacional e estrangeira.

Os conceitos e idéias emitidos em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores, não representando, necessariamente, a opinião da revista ou da Academia Nacional de Polícia.

Todos os direitos reservadosNos termos da Lei que resguarda os direitos autorais (de acordo com a Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 - Lei dos Direitos Autorais), será permitida a reprodução parcial dos artigos da revista, sempre que for citada a fonte.

Correspondência EditorialRevista Brasileira de Ciência Policial

Rodovia DF 001 - Estrada Parque do Contorno, Km 2 - Setor Habitacional Taquari, Lago Norte-DFCEP - 71559-900 - Brasília-DF

E-mail: [email protected]

Publicação SemestralTiragem: 1.000 exemplares

Projeto Gráfico e Capa: Eliomar da Silva Pereira, Gilson Matilde Diana e Gleydiston RochaEditoração: Eliomar da Silva Pereira, Gilson Maltilde Diana e Gleydiston Rocha

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Biblioteca da Academia Nacional de Polícia

Revista Brasileira de Ciências Policiais / Academia Nacional de Polícia. – v. 1, n.1 (jan./jun. 2010 - ) – Brasília: Academia Nacional de Polícia, 2010. 243p. ISSN 2178-0013 Semestral1. Ciência policial – Periódico. 2. Investigação criminal. 3. Investigação policial. Polícia Federal. I. Brasil. Ministério da Justiça. Departamento de Polícia Federal. Academia Nacional de Polícia.

351.741

R 454

Patrocínio: Fundação Polícia Federal de Apoio ao Ensino e à Pesquisa. Tel.: (61) 3346-0604/2024-9471. E-mail: [email protected]. Site: www.funpf.org.br

Artigos para análise e publicação: Normas ABNT (NBR 6022)

���Copyright © 2010 - ANP

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Sumário

ARTIGOS

A Cientificidade da Actuação Policial como Garante dos Direitos Humanos ............................13

Manuel Monteiro Guedes Valente

Avanços da Ciência Policial na América Latina ........................................................................21

Jairo Enrique Suárez Alvarez

Contribuições e Desafios das Ciências Sociais na Organização e na Atividade Policial .............81

Patricio Tudela Poblete

Pragmática da Investigação: modelos intencionais na investigação policial ............................ 137

Luiz Henrique de Araújo Dutra

Ciclo do Esforço Investigativo Criminal .................................................................................. 153

Adriano Mendes Barbosa

Funções de Polícia: o que faz a Polícia Federal Brasileira? ....................................................... 181

Emerson Silva Barbosa

PESQUISAS

Investigação Criminal: uma abordagem jurídico-científica .................................................... 213

Eliomar da Silva Pereira

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Sumario

ARTÍCULOS

El cientificismo de la actividad policial como Garantías Derechos Humanos .............................13

Manuel Monteiro Guedes Valente

Avances de la Ciencia de la Policía en América Latina ..............................................................21

Jairo Enrique Suárez Alvarez

Aportes y desafíos de las Ciencias y la Sociales a la Organización y la Actividad Policial ..........81

Patricio Tudela Poblete

Pragmática de investigación: modelos intencionales en la investigación policial ..................... 137

Luiz Henrique de Araújo Dutra

Ciclo del Esfuerzo de Investigación Penal ................................................................................ 153

Adriano Mendes Barbosa

Funciones de la Policía: ¿Qué hace la Policía Federal de Brasil? .............................................. 181

Emerson Silva Barbosa

PESQUISAS

Investigación Criminal: un enfoque jurídico-científica ........................................................... 213

Eliomar da Silva Pereira

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ContentsARTICLESThe Scientific Methods of police activity as Human Rights Guarantees .....................................13

Manuel Monteiro Guedes Valente

Advances in Police Science in Latin America ..............................................................................21

Jairo Enrique Suárez Alvarez

Contributions and Challenges of Social Sciences in the Organization and Police Activity.........81

Patricio Tudela Poblete

Pragmatic of Investigation: intentional models in the police investigation ............................. 137

Luiz Henrique de Araújo Dutra

Criminal Investigative Effort Cycle ......................................................................................... 153

Adriano Mendes Barbosa

Police Functions: what makes the Brazilian Federal Police? .................................................... 181

Emerson Silva Barbosa

RESEARCHESCriminal Investigation: a legal-scientific approach ................................................................. 213

Eliomar da Silva Pereira

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9Revista Brasileira de Ciências Policiais

Editorial - O Estudo da Polícia

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Egon Bittner (2002, p. 219), referindo-se à polícia e ao conhecimen-to que se tem dela, adverte-nos sobre o fato de que, “entre as instituições do governo moderno, a polícia ocupa uma posição que desperta interesse es-pecial: ela é, ao mesmo tempo, a mais conhecida e a menos compreendida de todas elas. A mais conhecida porque, mesmo os membros minimamente competentes da sociedade sabem de sua existência, são capazes de pedir pe-los serviços que ela proporciona com notável competência, e sabem como se conduzir na presença dela. (...) Ao mesmo tempo ela é a menosr compreen-dida porque, ao serem convocadas para explicar em que termos e para que fins o serviço policial é estabelecido, as pessoas são incapazes de ir além do lugar comum mais superficial e equivocado que, além disso, está totalmente fora da habilidade de interação que manifestaria suas experiências com os policiais. O que é verdade acerca das pessoas, é também verdade no que toca à polícia”1.

Essa advertência nos chama a atenção para a necessidade de pensar a polícia, sob todos os aspectos teóricos e práticos; daí a relevância de uma Re-vista de Ciências Policiais, como veículo de divulgação de estudos da polícia pelos próprios policiais, a quem compete preliminarmente dizer sobre si mes-mo e seus problemas cotidianos. É possível dizer isso, segundo Egon Bittner (ibid., p. 293), “...justamente por estar convencido de que a pesquisa sobre a polícia é um trabalho da polícia, pelo menos na medida em que a pesquisa médica é um trabalho dos médicos e a pesquisa educacional é um trabalho de educadores”. Esse é o desiderato do estudo da polícia.

A respeito dessa questão, considerando “as relações do trabalho po-licial com o conhecimento científico”, ainda Egon Bittner (ibid., p. 170) ob-serva que “a mudança da concepção do policiamento do modelo do homem de armas para o modelo do profissional treinado, cujo treinamento apresenta algum relacionamento com o conhecimento científico, naturalmente envol-ve a mobilização e delineamento de programas científicos de estudo e ins-trução. O desenvolvimento de tais programas requer decisões a respeito do

1 No mesmo sentido, cf. Cathala, 1975, p. 2 e ss.

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que poderia ser estudado e do que deveria ser ensinado. Mas a consideração dessas questões pode durar indefinidamente. O único meio para se sair dessa situação é formar algumas instituições que possam assumir, pelo menos, a ju-risdição provisional para a solução desses problemas. Utilizando as analogias com as profissões existentes, tais instituições são as escolas profissionais de pós-graduação” (p. 172)2.

No entanto, podemos distinguir nos estudos da polícia duas ordens de questões – uma que concerne ao estudo sobre a polícia, esta como objeto de estudo; outra que decorre do estudo pela polícia, esta como sujeito do estudo. Com essa distinção, cremos ser possível estabelecer os limites entre policiologia e ciência policial, embora não seja comum encontra-se tal distin-ção na doutrina policial3.

Na policiologia, a polícia é o objeto de estudo, sob todos e variados aspectos que possam interessar à compreensão da instituição, organização e profissão policial. Nesse âmbito, cremos ser possível falar em uma teoria geral da polícia que congregue o saber de ciências sociais – como história, sociolo-gia, política e direito –, dirigido ao conhecimento da polícia em geral; bem como falar de uma teoria especial, destinada a analisar os sistemas policiais de determinado país, sobretudo em sua relação com o Estado e a sociedade civil. Nesse âmbito, ainda, podemos situar o estudo do regime jurídico de certas e determinadas polícias de algum sistema policial – v.g. um estudo sobre a Polícia Federal, sobre a Polícia Civil de algum Estado-membro, a Polícia de algum Estado estrangeiro etc.

A Ciência Policial4, por sua vez, refere-se a outra ordem de questões relativa ao estudo da polícia, em um âmbito no qual ela aparece como sujei-to de um conhecimento que lhe é peculiar, decorrente das suas atividades

2 Atualmente, a Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública, da Academia Nacional de Polícia (e no futuro a Escola Superior de Polícia), cumpre esse mister.

3 Essa distinção, de fato, não é comumente feira no campo do saber relativo à polícia. Assim, pode-se observar que, no “I Congreso Internacional de Ciência de Policía” (Bogotá D.C, 28, 29 y 30 de Octubre), as questões debatidas abarcam tanto o campo da Policiologia quanto da das Ciências Policiais, sendo razoável admitir uma Ciência Policial em sentido amplo, que abranja uma Ciência Policial em sentido estrito, como aqui suscitada.

4 A expressão “ciência policial”, no singular, vem comumente associada ao saber da boa ordem das coisas. Nesse sentido von Justi (apud Hassemer, 2007, p. 158) refere-se à polícia, em si mesma, como “uma ciência que institui, em tal figura, as constituições internas do Estado, em que o bem-estar de cada família se encontra em uma justa ligação e relação com o melhor geral existente”. Trata-se de um uso da expressão que ocorre no contexto amplo da idéia de polícia como boa ordem da sociedade, garantida pelo Estado.

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típicas e dos problemas que estão fora da discussão das ciências em geral – nesse caso, melhor falarmos em ciências policiais, no plural, como conjun-to de conhecimento gerado pela polícia. Dois pontos, contudo, interessam aqui – primeiro, admitir que nem todo conhecimento policial representa uma ciência, estando mais no campo da técnica e do saber empírico, ainda a exigir grande empenho na formação de uma ciência policial; segundo, re-conhecer que, mesmo ao construir ciência a respeito de seu saber, a polícia tende a colher de outras ciências fundamentos e princípios aplicáveis aos seus problemas5. Dessa forma, devemos estar cientes de que, ao falar em ciências policiais, estamos mais a propugnar a construção de um saber em fundamen-tos mais rigorosos, que propriamente a constatar a existência de um saber consolidado em termos científicos6.

Ora, considerando essa distinção, podemos dizer que uma introdu-ção ao estudo da polícia, como matéria propedêutica de cursos de formação policial, a exemplo do que temos atualmente na Academia Nacional de Polí-cia, situa-se melhor no campo da policiologia, ao passo que o curso de forma-ção em si, com o conhecimento necessário ao desenvolvimento da atividade policial, situa-se no campo das ciências policiais, desde que construído sob bases científicas. Os cursos de pós-graduação da polícia, por sua vez, a exem-plo da Especialização em Ciências Policiais e Investigação Criminal, devem aprofundar-se nas discussões científicas que concernem às duas ordens de questão, visando a obter maior conhecimento que possa ser ministrado na formação e prática policial, sempre tendo por objetivo responder aos proble-mas típicos da atividade policial, sem se afastar da abordagem crítica necessá-ria à construção do saber científico fundamentado.

Nesse contexto, sobreleva a importância de instituições de fomento à pesquisa, a exemplo do que temos na Fundação Polícia Federal de Apoio ao Ensino e à Pesquisa, cuja função exerce fundamental papel no desenvolvimen-to das Ciências Policiais, subdidiando ações de divulgação do conhecimento por revista especializada.

5 Isso é mais comum e facilmente visualizado no âmbito do conhecimento pericial (uma ciência policial, sem dúvida), que geralmente colhe das ciências naturais o conhecimento fundamental que aplica na solução de problemas práticos da atividade policial. No entanto, a atitude científica deve se estender por todas as atividades policiais, de todos os agentes da autoridade policial, sobretudo no âmbito da investigação criminal.

6 Nesse caso, antes, ser-nos-á necessário definirmos com qual conceito de ciência podemos lidar na atividade policial. Há várias concepções acerca da ciência (cf. nesse sentido, Abbagnano, 2003, 136 e ss, bem como “Introdução à Teoria da Ciência”, de Luiz Henrique de Araújo Dutra, UFSC, 2009), mas uma que nos parece adequada à atividade policial é a que se refere à ciência como solução de problemas (tal como proposta por L. Laudan, na obra “O progresso e seus problemas”).

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Com tais considerações, sem descartar qualquer uma das perspecti-vas de estudo, portanto, essa Revista é uma contribuição para o desenvolvi-mento das Ciências Policiais no Brasil, pela Polícia Federal, visando a fomen-tar o estudo científico e o intercâmbio de conhecimento com instituições congêneres, nacionais e estrangeiras, bem como o diálogo com a comunidade acadêmica em geral, abrindo um espaço para discussão de questões que con-cernem à polícia e à atividade policial.

Eliomar da Silva Pereira

Membro da comissão editorial

Referências

BITTNER, Egon. Aspectos do Trabalho Policial. Série Polícia e Sociedade, n. 8. – São Paulo: Edusp, 2003.

CATHALA, Fernand. Polícia: Mito e Realidade. – São Paulo: Mestre Jou, 1975.

HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertário. Capítulo 12. A polícia no Estado Democrático de Direito. – Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 155-173.

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Brasília, v. 1, n. 1, p. 13-20, jan./jun. 2010.

A Cientificidade da Actuação Policial como Garante dos Direitos Humanos1

Manuel Monteiro Guedes ValenteInstituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna

& Universidade Autónoma de Lisboa - Portugal

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RESUMO

O presente artigo trata de um pensar sobre uma nova concepção de Polícia em um Estado de di-reito e democrático e em uma sociedade mutável. As exigências da vida pós-moderna obrigam a uma actuação da polícia centrada em uma lógica de cientificidade ampla de modo que a dignida-de da pessoa humana seja a razão e o limite. A cientificada da actuação policial só se materializa se centrar os eixos nevrálgicos em uma doutrina, filosofia, ideologia e identidade dotada dos valores e princípios da ciência policial na defesa e na garantia dos direitos humanos.

Palavras-chave: Ciência policial. Cientificidade. Direitos Humanos.

1. Em primeiro lugar gostaria de agradecer o amável convite, que a Direcção da Academia Nacional nos endereçou, para proferir uma conferên-cia que abordasse o tema da ciência como fonte do saber, do conhecimento e da cimentação de uma das áreas mais importantes na designada Sociedade de Risco ou Sociedade moderna dos novos e velhos Riscos.

Desde já, apraz-nos frisar que o Departamento da Polícia Federal de-tém como uma das missões a formulação e difusão da «doutrina policial em defesa da sociedade» e que a Academia Nacional de Polícia assumiu como visão ser o «centro de excelência no desenvolvimento humano dos profis-sionais de segurança pública e referencial da doutrina policial em defesa da sociedade». Quer nas missões do DPF quer na visão da ANP, a criação e

1 Conferência proferida na Academia Nacional de Polícia-Departamento de Polícia Federal, em Brasília, no dia 5 de agosto de 2009.

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A cientificidade da actuação policial como garante dos direitos humanos

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difusão da doutrina são objectivos fulcrais a alcançar e essa mesma doutrina deve estar centrada na «defesa da sociedade», ou seja, em defesa do der hu-mano e dos direitos inerentes á sua natureza humana: direitos humanos.

Esta asserção não afasta nem diminui a obrigatoriedade das Polícias em defender e garantir a cada dia que passa os direitos e liberdades funda-mentais do cidadãos: sejam pessoais, sejam sociais, sejam culturais, sejam económicas. A «defesa da sociedade» é o escopo fulcral do Departamento da Polícia Federal e da Academia Nacional de Polícia e, para alcançá-lo, en-gancha a necessidade da sua actuação e da sua formação ab initio se arreigar em uma doutrina referencial. Essa doutrina será um porto de uma navegação difícil, tormentosa e profícua em dificuldades, mas será, no final, uma vitória de todos os que nela participarem.

2. O tema da nossa conferência «A Cientificidade da Actuação Poli-cial como Garante dos Direitos Humanos» não significa que hoje as Polícias – neste caso do Departamento de Polícia Federal e a nossa instituição poli-cial, Polícia de Segurança Pública – não actue com cientificidade, assim como não é nosso intento frisar a importância de uma ou outra área operacional da Polícia Federal ou da minha instituição, Polícia de Segurança Pública.

Ao falarmos de cientificidade não nos estamos a prender à designada Polícia científica, ao CSI (Crime Sob Investigação), mas a outro quadran-te e outro vector da cientificidade que não se esgota ou esgrime no quadro da designada Polícia científica, que desempenha o seu elevadíssimo papel e contributo na prossecução do Direito penal e, consequentemente, na reafir-mação da norma jurídica criminal agredida pela conduta humana e na tutela dos bens jurídicos que são direitos humanos. Esta cientificidade da actuação policial implica uma Polícia que actue na construção de um equilíbrio entre a tutela de bens jurídicos e a defesa do delinquente face à força punitiva do Estado, cujo rosto visível se concretiza em cada elemento policial.

3. Pretendemos tão só e em breves minutos, abordar o trabalho de prevenção e de repressão do crime. Trabalho este protagonizado pela Polícia numa lógica de ciência universitária com o intuito de criar doutrina sob a égide do princípio da legalidade, da tipicidade, da prova não proibida, da presunção de inocência, da humanidade e do respeito pelos direitos humanos das pessoas: sejam vítimas, sejam delinquentes, sejam testemunhas.

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Manuel Monteiro Guedes Valente

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Hoje, os Códigos de Processo Penal, por força da Declaração Uni-versal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos ou Pacto de S. José de Costa Rica, encastram finalidades que vão para além da finalidade rainha de outrora: a descoberta da verdade real. Hic opus labor est2.

Pois, muitos de vós devem estar a interrogar-se como é possível se essa finalidade – a descoberta da verdade real – foi e é dogma da investigação crimi-nal levada a cabo pela Polícia. Dogma este trauteado desde há muito tempo.

Hoje, a criminalidade dos nossos dias deve fazer-nos reflectir numa tripla vertente: em primeiro lugar, aprofundar os conhecimentos teóricos e teórico-práticos das técnicas e tácticas de investigação criminal, conhecimen-tos esses que devem ser cientificamente sufragados e testados; em segundo lugar, esses conhecimentos vão-nos actualizar quanto à especificidade e à altíssima complexidade das organizações criminosas que trabalham como autênticas empresas do crime – com apoio jurídico, com apoio técnico, com apoio logístico, com apoio financeiro, com os apoios institucionais governa-mentais [vejam-se os designados narcoestados] e não governamentais [como as narcoguerrilhas ou Organização Não Governamentais que servem de li-nha de montagem da desenvoltura da criminalidade]; e em terceiro lugar, o aprofundamento dos conhecimentos obrigar-nos-ão a olhar para o crime de forma mais ampla, ou seja, obrigar-nos-ão a ver a floresta toda e não apenas a árvore que está plantada à frente dos nossos olhos e, face a esta espectacula-ridade criminógena, consciencializar-nos-á de que o trabalho de Polícia deve ser cada vez mais científico – jurídico, técnico, táctico, laboratorial – para evitar que a descrença do cidadão no Direito penal seja refraccionada sobre a deficiente actuação policial.

Este conhecimento vai-nos ajudar a perceber e a elucidar de imediato que na floresta existem muitos criminosos que jamais serão descobertos. Mas, ajudar-nos-á a compreender e a actuar sobre a árvore que causa maior lesividade social e não sobre a árvore que, culpada ou não, se nos atravessa ao caminho.

Esta consciência da falibilidade do sistema penal – a iniciar pelo trabalho de Polícia – remete-nos para um apuramento das finalidades do processo crime e em especial da investigação criminal que deve ser encarada como o motor de todo o processo.

2 Tradução: “Aqui é que a porca torce o rabo”.

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A cientificidade da actuação policial como garante dos direitos humanos

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Aqueles diplomas supraconstitucionais de que vos falei há pouco, coadjuvados pelas resoluções das Nações Unidas sobre a criminalidade or-ganizada transnacional e a prospecção de uma teoria e prática da defesa da dignidade da pessoa como ser humano dotado de direitos e deveres, impõem à Polícia que actue sob os métodos científicos de modo a que, no fim do pro-cesso crime, se alcancem as quatro grandes finalidades do processo penal3:

a verdade material, prática e judicialmente válida, cujas provas ja-• mais possam ser atacadas por serem nulas ou por serem proibidas;

a realização da justiça penal com a responsabilização dos culpados • e não de uns culpados, assim como permita a reintegração do de-linquente na sociedade;

a defesa e garantia dos direitos fundamentais, muito em especial, • dos direitos humanos, de todos os cidadãos – vítima directa, víti-ma indirecta, a comunidade em geral e o suspeito da prática de um crime –, evitando-se a rotulagem, a etiquetagem, a estigmatização da vítima, da testemunha e do indiciado ou imputado;

a materialização da paz jurídica e, consequentemente, o restabele-• cimento da paz social no local do crime e em todo o espaço em que os efeitos negativos do crime se projectaram.

Contudo, dir-nos-ão que é impossível completar este ciclo adequado a proteger e a garantir os direitos humanos. Sem dúvida que na vida nada é fácil e muito menos o trabalho de Polícia. Entra, neste momento, o toque da cientificidade jurídica universitária: se num caso concreto a Polícia detém di-ficuldade em protagonizar com efectividade aquelas quatro finalidades, deve subordinar a sua acção ao princípio da concordância prática e promover um trabalho probatório sem que mancha o processo, evitando qualquer nulidade probatória ou proibição de prova.

A Polícia deve actuar de forma que concretize o máximo de cada finalidade sem que desnude ou descapitalize as outras finalidades. Desta fei-ta, o elemento policial encontra-se a materializar e a criar doutrina constitu-cional e processual penal, assim como da psicologia judiciária: que impende sobre o investigador a obrigação de agir mais com a massa encefálica e menos com a massa muscular.

3 Quanto a este assunto, o nosso Processo Penal – Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2009, pp. 21-24.

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4. A este esquema de acção da Polícia se enquadra na linha da desig-nada de prevenção criminal stricto sensu. Para a doutrina dominante, a pre-venção criminal stricto sensu – vulgo, investigação criminal – está integrada na prevenção criminal lato sensu: que compreende todos os actos materiais e jurídicos de Polícia destinados a prevenir o perigo e, quando este se verificar, a prevenir o dano e evitar que o mesmo provoque elevada lesividade social.

A nova ordem jurídica internacional e humanitária implica que os cidadãos sejam sujeitos de direito interno e de direito internacional. Esta as-sertiva leva-nos a afirmar que os cidadãos detêm, hoje, tutela jus nacional e jus internacional. Desta feita, mesmo que a jurisdição nacional não condene a acção ou omissão do Estado – maxime Polícia – pode uma jurisdição inter-nacional condenar essa acção ou omissão do Estado.

Os diplomas internacionais – DUDH, PIDCP, CIADH – têm vi-gência constitucional no Brasil, por força do §3.º do art. 5.º da CRFB, assim como impõem um comportamento activo do Estado – Polícia – de protec-ção, de garante e de respeito pelos direitos humanos aí proclamados e progra-maticamente ( e não perceptivamente) consagrados na Constituição.

A Polícia aparece no século XXI não como o braço do senhor, nem como as mãos da organização da cidade – politeia –, nem como as mãos e bra-ços do rei ou do imperador, nem como instrumento mecanizado de opressão política – típica dos estados autoritários, totalitários como denota o filme o Corcunda de Notre Dame – mas como o braço e os olhos de salvaguarda do cidadãos mesmo contra o poder instituído. A Polícia do séc. XXI não pode ser a Polícia do FROGO dessa maravilhosa película, mas seguir as pisadas do Capitão FEBUS que afirmou a FROGO que ele estava ao serviço do povo para garantir a segurança e a liberdade dos oprimidos.

Esta atitude só ganha força e só se sedimenta e se respeita e se impõe aos poderes formais – político, legislativo e judicial – se ela emergir de uma doutrina que gera uma filosofia de actuação policial.

Exige-se que a actuação policial assente em doutrina que deve ser produzida quer por estudiosos policiais quer não policiais sob a orientação e coordenação daqueles – como acontece no nosso Centro de Investigação, em Lisboa –, ou seja, a doutrina, como pensamento sistematizado sobre a actuação da Polícia, como objectivo de ensinar e melhorar a actuação poli-

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cial, fomentará uma filosofia da actuação policial – saber policial totalmente unificado, compreendendo “um sistema ou um conjunto de ideias sobre as leis gerais do ser e do conhecimento”4 desenvolvido pela investigação cientí-fica universitária policial –, que funcionará como “um conhecimento global do universo, da vida, da consciência”5 policial de um determinado espaço e tempo.

Esta cientificidade germinará a ideia de liberdade de decisão e liber-dade de acção da Polícia dentro de um determinado conjunto de cânones e de dogmas inerentes a uma filosofia germinadora de uma ideologia – porque esta é o reflexo da consciência social, é a forma de consciência social entrin-cheirada na história e nas classes sociais. Esta consciência social impende so-bre a Polícia a ideia de que os direitos humanos são a fonte legitimadora e o limite da sua actuação.

Se o elemento policial evita que entrem no país toneladas de cocaína, este elemento está a proteger um bem vital da comunidade: a saúde pública sem menosprezar a economia lícita do Estado. Se um elemento policial evita que uma cidadã seja sequestrada e molestada sexualmente, ele salvaguarda o direito humano da liberdade e da integridade física e da autodeterminação sexual daquela pessoa. Se de um lado se exige ao Estado – Polícia – a tutela de direitos humanos [de primeira geração e de terceira geração], do outro impõe-se que o elemento policial actue com respeito pelos princípios norte-adores da actuação policial restritiva de direitos e com rigor na produção da prova.

Esta actuação policial segue uma doutrina, segue uma filosofia e uma ideologia arreigada à tutela dos direitos humanos. Esta trilogia formará o quarto elemento material da ciência ao serviço da produção de segurança pública pela Polícia: a identidade.

A identidade policial deve ser uma consequência e não uma causa da trilogia, porque aqueles três vectores constroem, para o bem e para o mal, uma cultura organizacional de Polícia material – Polícia como actividade e funcionalidade ao serviço do «outro» e do «nós» e nunca ao serviço do «eu» – que será submetida às leis da solidificação dessa identidade. Se culti-

4 Cfr. FERREIRA, Pinto, “Filosofia”, in Enciclopédia Saraiva de Direito, S. Paulo: Saraiva, 1997, Vol. 37, p. 347.

5 Cfr. FERREIRA, Pinto, “Filosofia”, in Enciclopédia…, Vol. 37, p. 347.

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Manuel Monteiro Guedes Valente

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va os princípios, os valores inerentes à dignidade da pessoa humana – emer-gente da cultura do respeito e da garantia efectiva dos direitos humanos –, se o comportamento dos seus pares não é contraditório com esses valores, se aquele comportamento for contraditório e, por essa razão, for responsabili-zado, e se a conduta de todos se regerem sob a suficiência do respeito dos di-reitos humanos, então podemos afirmar que existe uma identidade operativa centrada numa ideologia, nos pilares filosóficos e nos alicerces da doutrina.

A doutrina, a filosofia, a ideologia e a identidade irão gerar inevita-velmente uma ciência – não dogmática, mas que põe em causa os dogmas da doutrina – que dará rigor às definições e às metodologias da actuação policial e promoverá a evolução doutrinal policial.

A doutrina será a prevenção do perigo e dos danos sociais, a filosofia será os pressupostos legais da actuação policial, a ideologia será o fundamen-to e o limite da acção policial e a identidade será o resultado como cultura de aprofundamento e de incrementação dos direitos fundamentais de todos os cidadãos.

Este ciclo tem como estrutura arquitectural a ciência universitária que existirá para colocar em causa os dogmas não coerentes com a dogmática constitucional dos direitos humanos ou para reforçar os dogmas que fazem do cidadão um ser mais livre, mais justo e mais solidário. Esta atitude quo-tidiana da Polícia evitará a subjugação do homem à robótica, à técnica e à ciência exacta ou presumivelmente exacta, e, desta forma, não deixará que os vindouros transformem o ser humano num objecto descartável, numa coisa ou não-pessoa.

Esta atitude da Polícia de submeter a actuação a uma cientificidade universitária – que lhe dá a doutrina, que lhe estimula a filosofia, que lhe incute a ideologia e que lhe afere a identidade – afastará o processo de que JÜRGEN HABERMAS6 nos fala: a coisificação do ser humano (inclusive dos próprios elementos policiais).

Essa Polícia, melhor, a Polícia que incutir este espírito, será sem mar-gem para dúvidas uma referência de segurança, de liberdade e de igualdade em todo o universo terrestre.

6 Cfr. HABERMAS, JÜRGEN, Técnica e Ciência como “Ideologia”, (Tradução do Technik und Wissenschaft als «Ideologie» de Artur Morão), Edições 70, Coimbra, p. 74.

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A cientificidade da actuação policial como garante dos direitos humanos

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Não é um caminho fácil, mas é o desafio que a comunidade nacional e internacional impõe a todas as Polícias do mundo como último reduto da liberdade.

Manuel Monteiro Guedes Valente

Director do Centro de Investigação E Professor Do Iscpsi, Professor Convidado Da Universidade Autónoma De Lisboa.

E-mail: [email protected]

ABSTRACT

This article is all about a new vision over a new conception of a Police on a Democratic State in a changeable society. The demands of the post-modern life require a police action centered on a logic of wide scientificity so that the human dignity is the reason as well as the limit. This idea can only be materialized if the main axels are centered on a doctrine, philosophy, ideology and identity endowed of values and principles of the police science towards the guarantee and the defense of the human rights.

Keywords: Police Science. Scientism. Human Rights.

Referências

VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Processo Penal – Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2009.

FERREIRA, Pinto, “Filosofia”, in Enciclopédia Saraiva de Direito, S. Paulo: Saraiva, 1997.

HABERMAS, Jüergen. Técnica e Ciência como “Ideologia”. (Tradução do Technik und Wissenschaft als «Ideologie» de Artur Morão), Edições 70, Coimbra.

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21ISSN 2178-0013

Revista Brasileira de Ciências Policiais

Brasília, v. 1, n. 1, p. 21-80, jan./jun. 2010.

Avances de la Ciencia de Policía en América Latina

Jairo Enrique Suárez AlvarezInvestigador Centro de Pensamiento Policial – Colombia.

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RESUMEN

El objetivo del artículo es hacer una descripción sobre la ciencia de policía en América Latina. Para este propósito el texto se estructura en seis puntos. En los dos primeros se expone el concep-to de “ente policía” –transversal a todo el documento- entendido como un fenómeno histórico-político de naturaleza cívico-estatal, con sentidos y dimensiones, y en principio, concebido como objeto de la ciencia policial. En el punto 3 se esboza el origen de la ciencia de policía en el mundo español y latinoamericano dentro del contexto cambiante de los siglos XVII y XIX. El punto 4 alude a los estudios sobre policía en la región, los cuales se diferencian de los estudios explícitos de ciencia policial (punto 5). El artículo culmina con la posición del autor, la cual plantea y sinteti-za la relación entre filosofía política y ciencia de policía, eje fundamental para el futuro desarrollo de una ontología y gnoseología policiales. Al respecto, deja abierto el debate sobre las posibilida-des y los alcances prácticos del nuevo saber científico para resolver los problemas humanos que afectan la convivencia. ¿Es acaso posible una nueva ciencia política y social comprometida con las transformaciones necesarias y suficientes que requieren las sociedades actuales y futuras? Este el interrogante que articula los diferentes tópicos a continuación expuestos.

1. Origen del Fenómeno ente Policía

Como punto de partida este artículo plantea qué se entiende por “ente policía”, su naturaleza, los sentidos que implica y su origen a través de referentes históricos enmarcados en las culturas griega y romana, nichos de la civilización occidental1. La descripción facilita comprender las razones por las cuales el ente se sustenta como objeto de la ciencia de policía, cuyo con-texto ineludible es el denominado Sacro Imperio Romano-Germánico, o de

1 Este estudio se limita al fenómeno policial de las sociedades del mundo occidental (Europa, América...). El mundo oriental y otras regiones planetarias como Asia, África, Oceanía pueden ser objeto de otra investigación.

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modo simple, la región de Alemania de los siglos XVI, XVII y XVIII. La ra-zón de elegir este referente es porque sólo en la Alemania del siglo XVIII, se planteó explícitamente por primera vez y de modo sistemático, la pretensión de una “ciencia de la policía” (Polizeiwissenschaft), también conocida como “ciencia del Estado” y desarrollada por el movimiento Cameralista en cabeza de Jhohann Heinrich Gottlob von Justi, autor de “Elementos generales de po-licía” publicación de 1756 (Grundsätze der Policeywissenschaft).

Sin esquivar las críticas y polémicas de centrar exclusivamente el origen de la ciencia policial en la región Germana, la tesis inicial del presente trabajo sostiene que, aunque el concepto de policía es anterior al siglo XVIII, es la con-figuración del Estado moderno liberal en el siglo XIX la que imprime la natu-raleza de aquello que se llama “policía” en el mundo actual. En otras palabras, el origen del fenómeno policial es simultáneo al origen del Estado: existe policía en la medida que existe Estado, aunque pueda existir cierto tipo de Estado sin policía. Ahora bien, ¿a qué tipo de Estado y a qué tipo de policía se hace refe-rencia? Para responder esta pregunta es necesario precisar qué es cada cosa.

En primer lugar, respecto a qué se entiende por Estado hay dos caminos: primero, entender cómo era la organización social de la especie humana antes de la existencia de la forma “Estado”, y segundo, cómo el aumento de la complejidad civilizatoria estructuró aquello que se denomina “Estado”2. En este sentido el pro-fesor Bernd Marquardt (2007: 6) plantea las etapas de la organización política de las sociedades humanas desde dos grandes tipos de complejidad: la preestatal3 y la estatal, como se aprecia en el siguiente Cuadro. La columna “Génesis del fenómeno Ente policía” (no es de Marquardt) se adiciona para inferir tal origen.

Marquardt retoma cuidadosamente el concepto clásico de George Jelli-nek (1851 – 1911), quien entiende por Estado “el cuerpo equipado con el poder soberano originario de un pueblo sedentario”, es decir, el dominio sobre el territo-rio y la gente, en el que tres elementos, concretamente (1) el territorio estatal deli-mitado, (2) el pueblo de la sociedad individualizada y (3) el poder estatal soberano, forman un sistema político denso. Jellinek –sostiene Marquardt – describe acerta-

2 “A favor de los orígenes del Estado en el siglo XVI se puede argumentar que las raíces del término “Estado” para la denominación de Reinos y repúblicas, aparecen en esta época en las lenguas romances en el sur de Europa. En los siglos precedentes habían sido usuales expresiones como dominio, Imperio o Reino, y también después seguirían siendo utilizadas paralelamente al término “Estado” por mucho tiempo” (Marquardt 2007: 4).

3 “La preestatalidad no debe confundirse con la ausencia de una organización social, pues ya en la época preestatal el grado de organización social tenía desarrollos marcados. Lo que sucede es que no existía ningún liberalismo originario de individuos dispersos, como el que afirmó la teoría del derecho natural de la ilustración” (Marquardt 2007: 9).

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damente un tipo particular de Estado, el de la sociedad de masas individualizada, basado en el pensamiento de la ilustración europea, que se ha expandido por todo el mundo desde la transición del siglo XVIII al XIX” (Marquardt 2007: 3).

No obstante, Marquardt por su parte, plantea un interesante con-cepto de Estado bastante identificado con el fin de la ciencia policial: “Como común denominador se puede entender por Estado una organización jurídi-co-política supralocal que coordina la convivencia en el interior y brinda protección contra el exterior. En consecuencia –continúa-, el antónimo de Estado en sus diferentes formas de aparición es solamente la “sociedad pre-estatal”, es decir, aquella forma social que aún no ha conocido ninguna orga-nización política compleja” (Marquardt 2007: 5 – negrilla no del original). Con relación al objeto de la ciencia mencionada, este concepto de Estado es el más aproximado y relacionado con el fenómeno ente policía, según su naturaleza racional y administrativa propia de la acción estatal.

Cuadro: Aumento de la complejidad civilizatoria y etapas de la organización política

TIPO ETAPAS HISTORIA DEL ESTADO

FASES Y TRANSICIONES “GÉNESIS DEL FENÓ-MENO ENTE POLICÍA”

PR

E-E

STA

TA

L

1. Cazadores Y Recolectores• Sistema de energía solar no mo-delado. • Al menos dos millones de años

Grupos móviles pequeños Regulación primitiva de

la convivencia: resolución

informal de conflictos, me-

diante el “Consejo de los an-

cianos”= primera institución

política de la historia univer-

sal (según Marquardt)

2. Sociedades Agrarias Sim-ples• Sistema de energía solar modelado con leña como transmisor primario de energía (renovable). • Desde aprox. 10.000 a. C.

1ª Fase: Comunidades Locales

(“Tribus”)

2ª Fase: Jefaturas Tribales Lo-

cales

EST

AT

AL

3. Civilizaciones Agrarias

Complejas

• Sistema de energía solar modelado

con leña como transmisor primario

de energía (renovable).

• Grado elevado de complejidad.

• Desde aprox. 3.000 a. C.

1ª Fase: Reinos Dinásticos(1ª Transición básica hasta el Estado)Subfases:a) Principados regionales sin ciudad.b) Principados regionales con ciudad.c) Reinos supra-regionales.2ª Fase: Estados De La Paz Inter-na(2ª Transición básica hasta el Estado)

Regulación formal de la con-vivencia sin Ente policía

Regulación formal y siste-mática de la convivencia con Ente policía: ciencia de la policía en Alemania, Francia y España siglo XVIII

4. Culturas Industriales• Sistema de energía fósil (cantidad creciente, pero no renovable).• Desde aprox. 1.800 d. C.

3ª Transición básica de la historia del Estado.a) Revolución de la soberaníab) Estado constitucional republica-no-democrático

Regulación formal de la convivencia a través de Ente policía: derecho público – administrativo siglo XIX

Fuente: a partir de Bernd Marquardt (2007: 6). La columna “génesis del fenómeno ente policía” no es del original

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En segundo lugar, en cuanto a qué se entiende con la palabra policía, también hay dos alternativas, una amplia y otra delimitada. En la primera “poli-cía” es un concepto jurídico-político cuyo significado se refiere a la regulación del comportamiento humano mediante la reglamentación de las costum-bres por medio de sistemas normativos, la concepción administrativa de la vida social y el manejo de los asuntos públicos. En la segunda, “policía” se relaciona con los cuerpos, instituciones u organizaciones policiales que cotidia-namente trabajan en las calles de cualquier ciudad civilizada.

En consecuencia, para la definición del “ente policía” como objeto de la ciencia policial y punto de partida de este trabajo, inicialmente se abor-da el primer concepto jurídico-político, y de esta forma se describe la génesis y metamorfosis del fenómeno ente policía. En el Cuadro a partir del plan-teamiento de Marquardt, es posible afirmar luego, que el “ente policía” -en su versión formal y sistemática- aparece en la segunda 2ª Fase: Estados de la paz interna. En particular, en Alemania, Francia y España desde el siglo XV aproximadamente, hasta el siglo XVIII, se ubica tal génesis.

Sin embargo, al respecto, Marquardt advierte lo siguiente: “En los siglos XVI hasta el XVIII permaneció completamente ausente la subdiscipli-na clave de la administración moderna, es decir, la administración policial. Aunque existieron abundantes leyes de la “buena policía” en todos los nive-les de poder para la regulación del comportamiento cristiano-moral de la po-blación, que fue visto como altamente relevante para la salvación eterna, no existió ninguna policía en el sentido institucional. El deber de ejecutar las leyes de la “buena policía” fue delegado a los poderes tradicionales del seg-mentarismo, que también continuaron autónomamente en la lucha contra el crimen con su propia milicia de campesinos, sus mecanismos de autorre-gulación en sistemas sociales pequeños y algunos guardias, por ejemplo para cuidar sus fuentes energéticas, los bosques”. - Y continúa- : “Debido a que el Estado de la paz interna fue diseñado como un Estado judicial, en el cual los fallos de cortes de justicia reemplazaron las guerras interlocales, la construc-ción de la organización judicial en todo el territorio fue el elemento clave de la intensificación organizacional” (Marquardt 2007: 227 – 228 Negrilla no del original). Es entonces con la aparición de las “Culturas industriales” (Ver Cuadro 1), que la revolución de la soberanía y el Estado constitucional republicano-democrático cambió la configuración del ente policía, diluido en el derecho público-administrativo del siglo XIX.

De lo anterior queda claro, que policía es una noción amplia que va más allá de la idea de cuerpo-institución, y como tal, para la historia de la cien-

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cia policial, representa un concepto clave con intensa afinidad a la estructura-ción política de los Estados y los asuntos de gobierno. Es así como la expresión ente policía es apropiada para tratar los fenómenos de la organización social.

2. Naturaleza y Sentidos del ente Policía

2.1 QUÉ SIGNIFICA “ENTE POLICÍA”

Según lo antes expuesto, aquello que actualmente se denomina “po-licía” es el resultado de un largo proceso histórico de cambios y transforma-ciones, respecto a un fenómeno crucial que influyó decisivamente en lo que fueron, y llegaron a convertirse, las sociedades del mundo occidental. En con-secuencia, para entender la pluralidad de significados y connotaciones que la palabra “policía” contiene a través de la historia, un acertado punto de parti-da para abordar este término, es concebirlo inicialmente, como un complejo fenómeno histórico-político denominado “ente policía”.

En este sentido, cuando se habla del “ente policía”, se plantea el estudio de tal fenómeno en cuanto a la esencia de su ser, es decir, desde el punto de vista universal, como totalidad y unicidad: es necesario luego –sostiene Lon-doño- “…identificar sus características, peculiaridades, categorías, fenómenos, y sus propiedades particulares y específicas” (Londoño C. Fabio A 2007, 87). En otras palabras, se trata en adelante, de identificar y analizar aquello que hace que la policía sea policía y no otra cosa, aunque simultáneamente, ella sea una y diversas cosas a la vez4. En síntesis, ente policía significa el ser y los modos de ser del fenómeno policial el cual posee diversos sentidos y dimensiones.

2.2 SENTIDOS Y DIMENSIONES DEL ENTE POLICÍA

Para organizar los diferentes significados que el concepto de ente policía implica y ha tenido a través del tiempo, a continuación se plantean

4 La palabra “ente” en filosofía, corresponde a uno de los términos abstractos para hacer referencia al estudio del ser de las cosas (ontología), y en cuanto a su esencia y su existencia (metafísica). Más allá de las discusiones que acarrea dicho término, su uso se puede dar en tres sentidos: en sentido unívoco (algo es lo que es), en sentido multívoco (algo es varias cosas), y en sentido equívoco (algo no es preciso lo que es). Finalmente, “si el ente es todo lo que es o puede ser, habrá que precisar de qué distintos modos se dice de algo que es ente. Por ejemplo, puede dividirse el ente en: “ente real” y “ente de razón”; “ente potencial” y “ente actual”, y éste último en “esencia y existencia” (Ferrater Mora 1994, 1024).

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tres sentidos en que puede ser objeto de investigación de la ciencia policial: multívoco, equívoco y unívoco, de los cuales este estudio hace énfasis en el tercero sin desconocer los precedentes.

a) Sentido multívoco del ente policía

Policía es una palabra polisémica o referente a múltiples significados y connotaciones. Sólo a modo descriptivo es posible identificar los siguientes campos de significación del ente policía, unos combinados con otros y en algunos casos, muy afines entre sí.

Significado político:• relacionado con las nociones de orden, organiza-ción social, Estado, gobierno, poder y régimen, entre las principales.

Originariamente el ente policía es asociado a un sentido político de cuyas palabras clave “orden” es esencial, y se adhieren a él poder, gobierno y régimen. Pero acá no se alude a “política” en sentido banal, sino a una visión filosófica del pensamiento político que cla-sifica según la ideología bien sea liberal democrática, republicana, comunitaria…, el tipo de Estado y de concepción de policía que ostenta una sociedad. De ello se puede colegir, por ejemplo, que según el tipo ideológico de Estado así es también la noción de po-licía, tanto como institución como forma de gobernar (regulativa, coactiva, coercitiva, disuasiva, persuasiva…)

Significado jurídico:• relacionado con las nociones de derecho, cumplimiento de la ley, doctrina, reglamentación, regulación y función, especialmente.

El ente policía se fundamenta en el orden jurídico, y sin éste, no tiene existencia ni sustento de legitimidad. El derecho de policía es la primera expresión científica del ente como disciplina social. Las relaciones sociales son reguladas por la función policial a tra-vés de la doctrina, sus principios, sus leyes y la normatividad que reglamenta la vida en sociedad. En muchos contextos “policía” es sinónimo de “ley” y de “justicia” aplicada en las calles5. Además la función policial es considerada como el primer eslabón en los pro-cesos de judicialización en el marco del Estado legislador.

5 Como en el libro titulado “Justicia en la calle: ensayos sobre la policía en América Latina” de Peter Waldmann (1996).

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Significado ético-deontológico:• relacionado con la idea de prin-cipios y virtudes, y sentido de pertenencia a una institución policial.

El ente policía implica y exige un significado relacionado con las virtudes y los principios que debe poseer y practicar quien perte-nece a una institución policial, e incluso quienes regulan, adminis-tran y ejecutan la función de policía. Policía significa persona civi-lizada guiada por un código axiológico que orienta su acción hacia el comportamiento favorable a la convivencia, más por convicción y principio que por obligación, en cuanto se aceptan los deberes y derechos de compartir la vida con otros.

Significado administrativo:• relacionado con institución, organi-zación, y cuerpo burocrático.

El ente policía es entendido como un conjunto de instituciones que regula, administra y ejecuta la función policial. Como parte del aparato estatal, el ente policía se expresa en diferentes niveles de la administración pública, bien sea en el nivel ejecutivo, en la rama le-gislativa y de alguna forma en el sistema judicial. Como cuerpo insti-tución, el ente policía es identificado como parte de la organización burocrática de un Estado y fuerza de administración policial.

Significado en la gestión pública:• relacionado con las ideas de actividad pública, servicio de vigilancia, gestión policial, y recien-temente gerencia de la seguridad.

El ente policía desde la gestión pública es concebido como el Esta-do en acción, esto es, aquella función obligatoria que tiene un go-bierno de prestar “un servicio público6” de vigilancia (entre otras actividades) para garantizar la seguridad física de las personas, en cuanto a la protección de la vida, sus bienes materiales y la preser-vación de cierto orden y disciplina social. En este sentido, el ente policía se concibe más como ejecutor de la política pública preva-

6 Londoño Cárdenas (2007: 197) junto a Canasi (1976) y Serrá Rojas (1972), no está de acuerdo en considerar la función pública del ente policía como “servicio público”. La razón consiste en que el “régimen de policía es una actividad administrativa encaminada a crear el clima propicio para el desarrollo nacional, que demanda una convivencia pacífica y ordenada, mientras “el servicio público” se traduce en prestaciones concretas en relación con las necesidades de los particulares”. Es decir, para Londoño resulta de suma gravedad y riesgo calificar de “servicio público” la función de policía, porque esto conlleva degeneración en tratar a las personas como “clientes” –por ejemplo- y desviar tanto los medios como el fin del ente policía: el trato humano hacia la convivencia.

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leciente en un momento dado. Entre tanto, el reto está en la forma cuantitativa y cualitativa de medir la gestión policial del ente, con base en las necesidades y demandas de la sociedad.

Significado cultural:• relacionado con institución mítica, lucha contra el crimen y la delincuencia.

El ente policía adquiere su modo de ser según la cultura a la cual pertenece. Él es producto directo de la cultura. Por cultura se entien-de aquella creación de significaciones, instituciones y conductas por medio de la cual los seres humanos intentan suplir sus carencias na-turales y sus deficiencias instintivas. En este sentido, culturalmente la policía ha sido concebida como una “institución mítica7”, según la creencia dominante de que ella es la solución de casi todos los pro-blemas de una sociedad, y se le sobrecarga toda la responsabilidad de acabar el crimen y la delincuencia. Según las representaciones men-tales o los imaginarios sociales se cree que con policía se soluciona todo, o casi toda alteración de la tranquilidad y de la convivencia.

Significado teleológico:• relacionado con convivencia, seguridad, paz, bienestar, calidad de vida, y desarrollo humano.

El ente policía posee un significado según el fin que se le otorgue o de acuerdo a la expectativa que una sociedad tiene de él. No obs-tante, dicho fin dependerá de la madurez cultural de tal sociedad y del conjunto de significaciones que la orienten o gobiernen. Así, algunas sociedades harán más énfasis en la seguridad mientras para otras será más importante la paz, la convivencia o el desarrollo hu-mano en general. En la actualidad se concibe el ente policía aso-ciado fuertemente a la idea de seguridad, cuando en realidad su eje central y su fin último es la convivencia.

Significado ecológico:• relacionado con protección, vigilancia, control y cuidado de recursos naturales, salubridad y antiguamen-te ornato e higiene pública.

Una tendencia inevitable del ente policía en el siglo XXI es y será

7 Diego Torrente Robles (1999) en “Prevención del delito y futuro de la policía” plantea la idea de la policía como institución mítica, pues en la literatura, el cine y los medios de comunicación ella ha sido retratada bajo la creencia arraigada de contener la delincuencia aplicando la ley. También David Bayley (1994) en “Police for the future” hace esa sugestiva connotación del ente policía.

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el aumento de la conciencia ecológica. La relación entre el ser hu-mano y la naturaleza es determinante en los procesos sociales: la convivencia se puede afectar en la medida que los individuos en-tren en conflicto por los recursos naturales no renovables de los que depende su subsistencia, el agua, las fuentes de energía, el te-rritorio, la biodiversidad, entre otros elementos. Adicional a ello, el deterioro ambiental en las grandes ciudades por causa de la con-taminación, o los atentados contra la riqueza natural, demandan la acción policial cuando los efectos negativos son o no intencionales o producidos por el mismo ser humano (antrópicamente).

Significado práctico:• relacionado con función, actividad, ser-vicio, proceso, fuerza, control, estructura operativa, regulación, intervención, prevención, disuasión, mediación, precautelación, anticipación, acción prospectiva, disciplina, comunicación y pe-dagogía social. Finalmente, todas estas son connotaciones posibles con las cuales se relaciona el ente policía desde el punto de vista pragmático8. Este es un significado dominante y exigente para el desarrollo de la ciencia policial, porque se espera de ella aportes a la dinámica inmediatista y respuestas efectivas frente a la emergen-cia de nuevas formas de delincuencia y criminalidad. Sin embargo, entre tanto, es importante resaltar las funciones de comunicación y pedagogía sociales que cumple el ente policía: las organizaciones policiales del siglo XXI deben intensificar estrategias prácticas de administración de tecnologías de la información y la comunica-ción, así como aumentar su función educativa y pedagógica del comportamiento social favorable a la convivencia.

b) Sentido equívoco del ente policía

Consiste en aquella desviación negativa y peyorativa del ente policía. Al igual que muchas instituciones humanas, históricamente la policía ha padecido tergiversaciones respecto al fin originario para el cual fue creada. Desde este pun-to de vista, las connotaciones que siguen corresponden al no-deber-ser, o a todo

8 Todas estas connotaciones se mencionan directa e indirectamente en lo sucesivo. Sin embargo, desde el punto de vista de la doctrina del derecho de policía en Colombia, el profesor Roberto Pineda, alude, entre otras definiciones, a la policía como “una institución civil de gobierno (…)”, y expresa que “la actividad de Policía es cambiante o movediza según los tiempos históricos (…); que es una actividad “problemática”, y sobre todo, que “la actividad de policía es compleja. Tiene varias maneras de manifestarse. Es poder, es función, es servicio, es fuerza, y hasta profesión” (Pineda Castillo 1997, 68 - 69).

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aquello que las sociedades deben evitar de sus policías. Dicho de otra forma, las siguientes expresiones deben ser objeto de corrección, tanto al interior del mismo ente policía, y desde la sociedad y las instancias competentes para evitar tal sen-tido equivocado. Las connotaciones negativas son, entre otras: Abuso de poder, abuso de autoridad, arbitrariedad, corrupción, ilegalidad, ineficiencia, pérdida de legitimidad. También según describe la historiografía, policía degeneró en inqui-sición, terror, injusticia, autoritarismo y represión negativa9.

c) Sentido unívoco del ente policía

Consiste en la orientación positiva del ente policía, según la cual, este se manifiesta en el mundo de la vida y de la realidad social como instrumento del poder político, pero, a favor de los principios democráticos, la conviven-cia pacífica, la dignidad humana y la vida como valor sagrado. Es claro que el ente policía no es un fin, sino un medio para el logro de dichos principios. De este modo, el sentido unívoco implica, asumir una posición ética, política y jurídica respecto a la naturaleza del ente policía, independientemente del contexto cultural desde el cual se conciba. En otras palabras, identificar el ente policía como instrumento benévolo del poder político, representa una propuesta consciente y crítica respecto al deber ser del fenómeno policial: es decir, prevalencia de la dignidad humana y de los derechos humanos univer-sales garantes de la convivencia10. Si se pregunta cuál es la esencia y la razón de ser del ente policía, la respuesta es simple: la persona, la comunidad, el ser humano. Todas las demás cualidades de dicho ente deben, pues, estar supedi-tadas a este carácter intrínseco fundamental11.

En resumen, lo unívoco del ente se sintetiza en dos palabras: convi-vencia y legitimidad, con relación a una visión humanista en la cual prevalece el respeto y protección de la vida, la dignidad humana, y correlativamente, la cultura de la legalidad y la probidad del desarrollo de dicho ente policial. Es a partir de estos principios, que este estudio concibe el ente policía como el objeto de la ciencia policial. A continuación tanto los estudios sobre po-

9 “Represión” tiene también un sentido positivo en el mundo policial, por ejemplo, cuando las circunstancias delictivas exigen defender y proteger la vida mediante la “represión” del crimen.

10 Es posible que existan Estados no interesados en desarrollar un “ente policía” a favor del interés general de la sociedad, y que por el contrario, sus gobernantes de turno en su delirio de poder y protagonismo, decaigan en un sentido equívoco o equivocado.

11 En cuanto al sentido unívoco, según el General Londoño Cárdenas “Poder y régimen son esencias del ente policía (…) porque son la manera de ser de lo policial como totalidad, unidad y universalidad. Hacen que éste sea lo que es y no otro” (Londoño Cárdenas 2007, 88).

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licía como los trabajos explícitos sobre ciencia de policía, permiten entrever las diversas perspectivas desde las cuales se hace referencia indirecta y directa al mencionado objeto.

Ahora bien, la nueva ciencia policial es quizás la enmienda histórica respecto al sentido equívoco del ente policía12. Las desviaciones que haya te-nido lo policial, tanto en el antiguo Estado absolutista, como en el moderno “Estado liberal”, son ejemplo de aquello negativo que no debe ser y que se pue-de evitar, a través de un nuevo conocimiento científico comprometido con los principios y los valores de las sociedades democráticas respetuosas de la digni-dad humana. Con esta afirmación se hace alusión a por lo menos tres ideas que es necesario aclarar, con el fin de comprender mejor la forma en que llegó a la América hispánica la denominada “ciencia de la policía” en su versión clásica o antigua, hasta convertirse en la “nueva ciencia policial”. Estas ideas se refieren: uno, al origen de la ciencia de policía en el mundo español; dos, la conquista, colonia e independencia hispanoamericanas y la ciencia de policía; y tres, el cambio de la antigua a la nueva ciencia policial en Latinoamérica.

3. Origen de la Ciencia de Policía en el Mundo Español y Latinoamericano

Si bien la antigua ciencia de la policía tuvo su máximo desarrollo e Alemania del siglo XVIII con el cameralismo (Heinrich von Justi, Dithmar, Sonnelfels…), en Francia y España hubo otros desarrollos que luego se di-fundieron casi imperceptiblemente en la América hispánica. De los países europeos, es evidente la influencia directa de la obra de Delamare (Tratado de policía - 1705) y Turquet de Mayerne (Monarquía aristodemocrática – 1617) en los autores españoles. Según Omar Guerrero, los principales autores y obras españolas de policía fueron: Francisco Romá y Rossell “Las señales de la felicidad de España y medios de hacerlas eficaces” (1768); Manuel Nicolás Marín “Discurso sobre la policía” (1792); Valentín de Foronda “Cartas sobre

12 Sentido equívoco del “ente policía” significa, aquella visión de lo policial en sentido negativo o peyorativo, como cuerpo represivo, autoritario, con abuso de poder o arbitrario, que comete actos fuera de la naturaleza legal que le había sido encargada. Por ejemplo, la policía secreta Nazi, o la policía Stalinista, o los atropellos de algunas dictaduras militares en Latinoamérica. En palabras más sencillas, los errores y horrores cometidos por algunos cuerpos policiales en ciertos lugares del mundo y bajo circunstancias históricas específicas, son cuestiones que no deben desviar el sentido de propender por un nuevo conocimiento científico policial a favor de los intereses generales de las sociedades contemporáneas, en el marco del Estado de derecho.

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la policía” (1792); Tomás de Valeriola “Idea general de policía: tratado de policía13” (1798 – 1805); y Fermin Abella con el “Manual de policía urbana (1877). Y agrega el autor citado, que el primer libro español sobre policía no es peninsular sino novohispano: “Tratado de varios ramos de policía” escrito por el mexicano Hipólito Villaroel en 1787 (Guerrero, Omar 1986: 194).

De alguna manera, Alemania y Francia recibieron influencia recípro-ca sobre la ciencia de policía14, y este último país influye en España. Luego, la herencia de España y su ciencia policial en Hispanoamérica se revierte sobre el nuevo mundo y se diluye en los procesos de conquista y colonia casi como un eslabón perdido a través del tiempo.

3.1 CONQUISTA, COLONIA E INDEPENDENCIAS HISPANOAMERI-CANAS Y CIENCIA DE POLICÍA

Según una crítica investigación sobre los orígenes del derecho admi-nistrativo colombiano realizada por Miguel Alejandro Malagón, “… la policía fue, en su primera acepción, el método utilizado para imponer a los aborígenes americanos el estilo de vida europeo. Esta forma de control se transformó a finales del siglo XVIII en lo que hoy conocemos –dice el autor- como civili-zación” (Malagón Pinzón, M. 2007: 301). Adicionalmente sostiene Malagón, que la relación entre policía y civilización en el siglo XIX fue una forma de implantar las instituciones de las misiones, las reducciones y los pueblos indios (2007: 301). En otras palabras, “vivir en policía” significó para el derecho ad-ministrativo colombiano el proceso de “civilización de indígenas”, fenómeno atribuido a la Iglesia Católica, el cual pudo efectuarse también en otros países latinoamericanos. En este sentido, es posible afirmar que la llegada de la anti-gua ciencia de policía al mundo hispanoamericano se produjo -consciente o inconscientemente- por dos vías: una política y otra religiosa.

13 “Delamare fue traducido al castellano, pero sin darse el crédito. El plagio lo hizo según Jordana de Pozas el español Tomás Valeriola (Guerrero, Omar 1986: 202). Por ejemplo, Von Justi menciona a Nicolás Delamare: “…ellos tienen (otros autores sobre policía), es verdad, libros que tienen su mérito, pero yo no hago caso sino del Tratado de policía de la Mare, que tiene cantidad de cosas útiles, excepto que le falta trabazón…” ( Justi, Juan Enrique Gottlob (1784) 1996: 17).

14 Por ejemplo, Von Justi menciona a Nicolás Delamare: “…ellos tienen (otros autores sobre policía), es verdad, libros que tienen su mérito, pero yo no hago caso sino del Tratado de policía de la Mare, que tiene cantidad de cosas útiles, excepto que le falta trabazón…” ( Justi, Juan Enrique Gottlob (1784) 1996: 17).

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En primer lugar, desde el punto de vista político, el truculento pro-ceso de descubrimiento, conquista, colonia e independencia de la mayoría de los países latinoamericanos tuvo intensas orientaciones ideológicas. Al res-pecto, solamente cabe resaltar como referencia una de ellas: el pensamiento liberal, especialmente en el siglo XIX, dada su trascendencia para la evolu-ción de la ciencia de policía en esta región. Para ello es oportuno citar a un eminente historiador quien sostiene, que “la historia del pensamiento políti-co occidental ha girado en los dos últimos siglos15 alrededor de la concepción liberal del Estado. El liberalismo ha sido una de las fuerzas creadoras del Esta-do moderno, con todo lo que éste pueda tener de positivo o negativo desde el punto de vista social, y ya sea para superarlo, complementarlo o sustituirlo, en torno suyo se ha movido y se mueve todavía la teoría política de los pueblos europeos y americanos (…). La concepción liberal del Estado fue tan domi-nante en el siglo diecinueve XIX, que casi podríamos decir que fue la única existente…” ( Jaramillo Uribe, Jaime 2001: Prefacio). Esta condición ideoló-gica implica entonces, que la idea de policía (como civilización) inherente a la formación de los Estados criollos en Hispanoamérica, de alguna manera fue importada e instaurada durante el tránsito de la colonia hacia la inde-pendencia y la formación de la república. No es posible luego, comprender la naturaleza y la función de las instituciones latinoamericanas sin la fuerte influencia del liberalismo16. Sin embargo, se aclara que la antigua ciencia de la policía del Estado absolutista nada tenía que ver con el liberalismo, pero ésta corriente ideológica fue la que dio inicio a la “nueva ciencia policial” a partir de la segunda mitad del siglo XIX, entendida como ciencia de la administra-ción pública (administración policial).

En segundo lugar, desde el punto de vista religioso, habría dos opcio-nes: una, poner en cuestión la tesis de Malagón, esto es, negar que “el proceso de civilización de indígenas es derivado de la ciencia de la policía”, y otra, defenderla. Respeto a la primera postura, cabría preguntar hasta qué punto las comunidades religiosas de Dominicos, Franciscanos y Jesuítas que llega-

15 El citado autor redactó su Prefacio en el año de 1956, por tanto, los dos siglos precedentes a los que alude se cuentan desde la segunda mitad del siglo XVIII hasta la segunda mitad del siglo XX.

16 En el caso colombiano, con Antonio Nariño y Camilo Torres, directamente influenciados por las ideas de la ilustración francesa y por el pensamiento de los próceres de la emancipación de las colonias inglesas de América del Norte, la ilustración neogranadina adquiere una dimensión política. La publicación de los Derechos del hombre y su defensa por parte de Nariño y el Memorial de agravios de Camilo Torres en víspera de la independencia, representan dos piezas claves del pensamiento político ilustrado (Marquínez Argote, Germán 1988: 157 en La Filosofía en Colombia: Historia de las Ideas, Editorial el Búho, Bogotá - Colombia)

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ron de España al nuevo continente desde el siglo dieciséis XVI hasta el XIX, traían incorporadas la concepción de “policía” de los antiguos griegos y ro-manos, las ideas de policía de Delamare y Mayerne, o si conocían la doctrina de la ciencia de policía en la versión alemana. Y si tales comunidades hubie-ran tenido conocimiento de aquella ciencia de policía, ¿hubieran suplantado ésta ciencia por las enseñanzas religiosas ordenadas por el Papa a través de los Reyes Católicos?.

De otra parte, si se opta por la segunda postura, es muy probable que el proceso de evangelización, entendido como esencia espiritual de la colonización en la América india, implicara dentro de los principios del ca-tolicismo, una serie de valores como: el respeto a la ley humana y Divina, la obediencia a la autoridad, la sumisión a un orden superior, y el respeto y el amor al prójimo, elementos fundamentales para el establecimiento de un orden en la tierra y hacer posible la convivencia y la coexistencia entre los hu-manos. Es decir, la idea de civilización está allí latente, y de este modo, “vivir en policía” sería equivalente a vivir civilizadamente con respeto a las leyes o reglas que define una comunidad para mantener un orden interno. También es necesario reconocer, que hubo destacadas figuras intelectuales de la Iglesia Católica que lucharon contra la esclavitud de los indios y negros en las tie-rras dominadas por España, y profesaron el humanismo cristiano, visión que inspiraba las ideas de justicia y paz. Y todo ese gran aporte se hizo desde el cultivo del conocimiento, bien haya sido primigeniamente desde la teología, el derecho y las ciencias naturales17.

Finalmente, quizás el lector se preguntará ¿qué relación tienen estos datos con la ciencia de policía en la región?. La respuesta es simple: la forma-ción de los Estados en América Latina, el papel de la Iglesia y la permanente influencia del pensamiento europeo a través de la filosofía y el derecho, fue-ron los ejes de la administración pública de las nuevas naciones, saber éste que antes se denominaba “ciencia del Estado” o “ciencia de la policía”. En Co-

17 Es interesante y muy importante reconocer el mérito de las comunidades religiosas en cuanto al desarrollo del conocimiento científico y académico en la América hispánica durante los siglos XVI y XVII. La relación entre Iglesia y educación fue total, pues fueron las órdenes religiosas las primeras en fundar universidades siguiendo el modelo de Salamanca, universidad por aquella época en decadencia (siglo XVII). Para el caso colombiano, durante el siglo XVII funcionaron en Santa Fe dos universidades de derecho pontificio y real, la Tomista y la Javeriana, con otros colegios mayores como el del Rosario, San Bartolomé y San Buenaventura (Zabalza Iriarte, Joaquín 1988: 115, en “La Filosofía en Colombia: historia de las ideas” Editorial el Búho, Bogotá - Colombia).

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lombia, por ejemplo, la evolución del derecho con inspiración de la filosofía utilitarista de Jeremy Bentham fue determinante en la educación de inicios del siglo XIX y la posterior configuración de las constituciones políticas18.

3.2 DE LA ANTIGUA A LA NUEVA CIENCIA POLICIAL EN LATINO-AMÉRICA

Hasta el momento no se ha escrito oficialmente la historia de la cien-cia de policía en América latina. Sólo se puede decir que aún existen vacíos teóricos e incluso conceptuales sobre su significado y sus implicaciones en la vida de las sociedades modernas de la región. No obstante a esta situación, es viable sostener las siguientes afirmaciones. En primer lugar, Latinoamérica más allá de su historia precolombina, es también producto y parte del mundo occidental. Esto quiere decir, que sus filosofías, tradiciones, instituciones y demás valores culturales constituyen un contexto diverso pero a la vez con ciertos rasgos comunes (idioma, religión, política…).

En segundo lugar, la formación de las repúblicas latinas trajo consigo de Europa las doctrinas del derecho administrativo y los conocimientos de la administración pública, los cuales son herencia de la antigua ciencia de la policía originaria del Estado absolutista, y son la transición hacia la nueva ciencia policial del Estado de derecho. Estas ideas generales son la apertura al siglo veinte XX y proyectan los desarrollos del anterior objeto de estudio.

En el caso latinoamericano, la nueva ciencia de policía es casi imper-ceptible, incluso desconocida. En cambio, la literatura que se difunde sobre policía (y la policía) de esta región, tiene que ver más con estudios en cuanto al comportamiento de los cuerpos policiales y su relación con las condicio-nes sociales y políticas contra la inseguridad y el conflicto. Con este énfasis, abundan estudios de caso, ensayos e investigaciones respecto a reforma poli-cial, policía y sociedad, seguridad ciudadana, violencia y criminalidad, entre otros temas. Es decir, existe en cierta forma, un interés de diversos centros de investigación y una preocupación desde la comunidad académica, por inves-tigar a la policía y los Estados a los cuales ellas pertenecen, pero no estudios expresamente sobre “ciencia policial en América latina”.

18 Este tema se aborda en la ciencia de policía en Colombia.

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Sin embargo, es importante mencionar algunos de los principales traba-jos que tienen una relación indirecta con ella desde el punto de vista del contexto regional y las dinámicas de producción de conocimiento sobre el ente policía.

4. Los Estudios sobre Policía en Latinoamérica

Vale iniciar con una interesante compilación titulada “Policía y so-ciedad democrática” realizada por José María Rico y editada por Alianza de Madrid en 1983. Este mismo autor y Luis Salas publicaron en 1988 “Segu-ridad ciudadana y policía” (Editorial Tecnos, Madrid), estudios de corte so-ciológico-políticos, cuya línea y perspectiva se planteó posteriormente en un difundido análisis comparativo denominado “Seguridad ciudadana en Amé-rica Latina”, publicado en el año 2003 por Siglo XXI México. Pero quizás uno de los trabajos de mayor crítica sobre el ente policía fue y ha sido “Justicia en la calle: ensayos sobre la policía en América Latina” 1996, compilado por Peter Waldmann y auspiciado por fundaciones alemanas y de la región.

Sin pretender simplificar los quince ensayos que componen esta úl-tima publicación, algunas ideas generales y críticas que se plantean allí son las siguientes: primero, la policía, entendida como institución del Estado, se ha convertido en objeto de interés investigativo desde el punto de vista político y científico (Waldmann); segundo, en casi ningún país latinoamericano se ha concretado, en rigor, la separación institucional entre el ejército y la policía (Aguila, Maldonado, Gamarra, Barrios), mezcla ésta de funciones que genera equívocos respecto a “enemigo externo”, “enemigo social” y produce un policia-miento de los cuerpos militares y militarización de las policías; tercero, la de-bilidad estructural de los Estados latinoamericanos ha mostrado una tendencia hacia el abuso de poder (Gabaldón), y para ello, algunos gobiernos han utili-zado sus instituciones policiales; cuarto, existe una subcultura en muchas poli-cías de la región manifestada en arbitrariedades, discriminación, corrupción, y abuso de poder, motivos por los cuales, la policía goza de baja estima social ( J. Maier, Riedmann, Mansilla, Huggins, Haritos-Fatouros, Mingardi); Quinto, comparativamente, la policía en Europa posee una función específica minucio-samente delimitada, como es, salvaguardar la seguridad y el orden públicos y perseguir a los delincuentes, y cuenta con los medios suficientes para esta labor, en cambio, la policía latinoamericana tiene tareas más difusas y no claramente demarcadas (M. Riekenberg). Y en sexto lugar, todo parece indicar, que las de-ficiencias jurídicas, éticas, organizativas, educativas y técnico-operativas, entre

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otras, de las instituciones policiales de América Latina, demandan un proceso de reforma de tipo estructural, aunque en grados e intensidades diferentes se-gún cada país. Es de esta forma, que el conjunto de ensayos compilado en “Jus-ticia en la calle” expresa su intención de aproximarse al “perfil real de la policía latinoamericana” (Waldmann, Peter 1996: 27).

Simultáneo al anterior estudio, hacia 1999 la Comisión Económica para América Latina y el Caribe CEPAL dio a conocer un trabajo titulado “Seguridad ciudadana y violencia en América Latina: diagnóstico y políticas en los años noventa”, autoras Arriagada, Irma y Lorena Godoy. Aunque no figura como un análisis expreso sobre la policía, si aborda aspectos de su fun-ción y desempeño en la región. De otra parte, entre la diversidad de investiga-ciones sobre la policía en Latinoamérica se hallan las siguientes, cuyos títulos muestran una relativa tendencia “reformista” de las instituciones policiales:

En el año 2001 Hugo Frühling publica “La reforma policial y el proce-so de democratización en América Latina” (Santiago de Chile, Centro de Estu-dios para el Desarrollo), luego en 2003 “Policía comunitaria y reforma policial en América latina: ¿cuál es el impacto?, en la Serie Documentos del Centro de Estudios en Seguridad Ciudadana, Instituto de Asuntos Públicos de la Univer-sidad de Chile; y en 2006 “El desafío de la reforma policial en América Latina” Sin duda, uno de los debates centrales planteados por este autor es la cuestión sobre los modelos policiales y su dimensión socio-política.

Camacho Guizado, Alvaro (1993) “La reforma de la policía” (Revista Análisis Político No. 19 IEPRI, Colombia); Guerrero Peralta, Oscar (2003) “La policía en el Estado de derecho Latinoamericano: el caso Colombia”; Che-vigny, Paul (2002) “Definiendo el rol de la policía en América latina”; Domin-guez, Andrés (1998) “El Estado democrático de derecho y el poder de policía”; Goldstein, Herman (1998) “La nueva orientación policial: confrontando su complejidad”; Quintana, Juan Ramón (2003) “Policía y democracia en Boli-via: una política institucional pendiente”; Gómez, Juan Luis (2003) “Estado democrático y modelo policial”, y con Richard Vogler (2003) “La policía en los Estados de derecho latinoamericanos”; Dammert, Lucía (2005) “Reforma policial en América Latina” (Revista Quórum, Universidad de Alcalá, España); Bailey, John y Dammert (2005) “Reforma policial y participación militar en el combate a la delincuencia: análisis y desafíos para América Latina” (Revista Fuerzas Armadas y Sociedad No. 19, Chile). Y con una extensa producción, Tudela Patricio ha publicado entre los años 2007 y 2008 “Sociedad y policía:

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desarrollo y retos de la función policial en las democracias latinoamericanas”, y “Paradigmas policiales orientados a la comunidad en América Latina: entre realismo mágico y gestión de conocimiento”.

5. Estudios Explícitos sobre Ciencia de Policía En América Latina

La perspectiva latinoamericana de la ciencia policial no es una ex-pectativa intelectual de exclusividad académica. Por el contrario, no han sido solamente las instituciones policiales a través de sus academias o escuelas de formación las interesadas en el desarrollo de la ciencia de policía, sino tam-bién algunos investigadores universitarios externos a ellas, pero identificados con la importancia de su aparición.

A diferencia de todas las demás ciencias sociales, la ciencia de policía es quizás aquella que debe explicitar abiertamente su concepción ética sobre la vida y el tipo de mundo que pretende en sus fines últimos. A diferencia de otros científicos sociales que deben disimular su inclinación ideológica, o pa-recer “neutros” u “objetivos” ante ciertos fenómenos deplorables de la realidad humana, la personalidad del científico policial, sin despreciar éstos criterios epistemológicos, orienta con nitidez su rumbo metodológico y afina coheren-temente sus estrategias de conocimiento, porque sabe bien hacia dónde va, cuál es el fin y el sentido de su trabajo sistemático: contribuir a la convivencia.

Es difícil, luego, negar cierto espíritu humanista y futurista que ins-pira el apetito cognitivo y la búsqueda de ciencia en el ámbito policial. La motivación institucional de vislumbrar y desarrollar sistemas de pensamien-to que faciliten la implementación de formas de hacer mejor las cosas, pero sobre todo, de hacerlas no sólo con método, sino con razón, sentido, antici-pación y prospectiva, incitan la conciencia plural de esfuerzos para el caso de esta región del planeta y sus relaciones con el resto del mundo.

La anterior insinuación axiológica permite entonces, comprender por qué en países como Argentina, Colombia, México y Perú, la llamada ciencia de policía aparece como interés explícito y como expresión conscien-te sobre la trascendencia que la tríada conocimiento, policía y sociedad impli-ca para el aumento de la calidad de vida y el desarrollo humano.

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5.1 LA CIENCIA DE POLICÍA EN ARGENTINA. ENRIQUE FENTANES

Enrique Fentanes representa la labor pionera de la ciencia de policía en Suramérica. Su importancia radica, entre otras razones, en ser el primer autor latinoamericano que se atreve a escribir y publicar en 1972 un “Trata-do de ciencia de la policía19”. Desafortunadamente, sólo dejó como legado el Tomo I, titulado “Introducción Dogmática General”, Primera Parte. Póstu-mamente en 1979 fue publicado su “Compendio de Ciencia de la Policía”, como homenaje a su obra inconclusa, la cual es un precedente significativo sobre una interesante visión latinoamericana de la nueva ciencia policial en el siglo veinte. Es más, la obra de Fentanes aún es virginal, pues hasta el momen-to no se registran estudios sobre la densidad de sus planteamientos, a excep-ción de su seguidor colombiano el general Fabio Arturo Londoño Cárdenas, quien en sus libros refleja la juiciosa lectura del autor20.

Sin pretender una síntesis de la obra de Fentanes, a continuación se extraen y describen su concepto de ciencia de la policía, su objeto y método, y algunas implicaciones teórico - prácticas de dichos planteamientos.

a) Concepto de ciencia de la policía según Fentanes

Para este autor “la Ciencia de la policía tiene por objeto el estudio sistemático y metódico de la Policía como Institución y como estructura. En términos programáticos, se propone el conocimiento de la esencia institucio-nal y estructural de la Policía, su origen, evolución, componentes funcionales y orgánicos, relaciones y fines21” (Fentanes 1972: 15 – 16). Para concebir y sustentar el concepto de ciencia, el autor bebe de fuentes clásicas como Aris-tóteles, Kant “Principios metafísicos de la ciencia natural”, Herbert Spencer, Eduard Spranger, Georges Bordeau, Wundt y Dilthey, entre las principales. De modo especial, para fundamentar la naturaleza “institucional” de la poli-cía, Fentanes aplica la teoría de la institución de Maurice Hauriou22. Sin más complicaciones ni adentrarse en debates epistemológicos, Fentanes adopta

19 Fentanes, Enrique (1972) “Tratado de ciencia de la policía” Tomo I Introducción Dogmática General. Editorial Policial - Policía Federal Argentina, Buenos Aires.

20 En la segunda parte de este trabajo “La ciencia de policía en Colombia” se amplía la influencia de Fentanes en la obra de Londoño Cárdenas.

21 Se transcribe fielmente al texto original, en el cual las letras iniciales de Ciencia y Policía aparecen en mayúscula.

22 Hauriou, Maurice (1929) “Compendio de derecho constitucional” - Paris.

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un concepto sencillo de ciencia, como aquella noción clásica según la cual, ciencia es aquel conocimiento que implica un “sistema”, posee un “objeto” definido, y cuenta con un “método” para el logro de sus fines.

Es en este sentido que al plantear los principios epistemológicos afir-ma: “La denominación de Ciencia que hemos dado a nuestra disciplina, impli-ca la afirmación de que el estudio de la Policía, tal como le encaramos en este Tratado, asume la calidad de conocimiento científico. Este se distingue, ante todo, por ser un conocimiento sistemático. La ciencia es un sistema de conoci-mientos. Nuestro estudio cumple, por consiguiente, la primera condición del saber científico: el sistema. Pero ello no basta. Pueden estudiarse muchas cosas sistemáticamente, sin que el que-hacer asuma categoría científica” (Fentanes 1972: 13 -14). Entre tanto, las características que le otorga a la ciencia de la policía son: “ciencia unitaria” en el sentido que su objeto –la Policía- es uni-versal, y de concepción “holológica”, porque dicho objeto es enfocado en una totalidad. “De tal modo que concurren a integrarla, contribuciones de discipli-nas jurídicas, políticas, históricas, psicológicas sociales, filosóficas, en cuanto sea necesario para investigar y exponer los distintos componentes y elementos estructurales de un objeto tan complejo” (Fentanes 1972: 17).

No obstante, más adelante adiciona la siguiente afirmación: “La Ciencia de la Policía no abarca todas las disciplinas y técnicas policiales. Es unitaria por su objeto y en cuanto a su objeto. Pero no incluye en su seno todas las materias en las cuales aparece la Policía actuando en dominios ge-nerales o específicos del Derecho o de la Técnica. Esas materias, sin embar-go, no son plenamente autonómicas. No pueden trabajar con concepciones propias acerca de la Institución policial, su naturaleza, función y relaciones. Tampoco con categorías, conceptos y principios de doméstica construcción, que por lo común, resultan ambiguos, insuficientes, dispares y muchas veces antagónicos” (Fentanes 1972: 21). A lo que teme Fentanes, en cierto modo, es a la arbitrariedad que pueda tener cada disciplina de querer interpretar a su modo y parcialmente qué es la policía, cuál es su esencia, etc. En particular, advierte sobre el riesgo que el derecho positivo (o el positivismo jurídico) muy afín al conocimiento científico policial desde su autonomía disciplinaria absorba un objeto tan complejo, un objeto de la cultura como la Policía.

b) El objeto de la ciencia de policía

Como sostiene Fentanes, el objeto de la ciencia de policía es “la Po-

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licía como Institución y como estructura”. Y agrega: “La Policía es un objeto que existe en el mundo de la Cultura23. Cultura es todo lo creado o cultivado por el hombre según fines valorados. La disciplina destinada a estudiar la Po-licía es una ciencia de la cultura. Por ende, es una ciencia de hechos y normas de la cultura, histórica, finalista y valorativa” (Fentanes 1972: 16). Páginas adelante reitera y enfatiza la naturaleza y objeto de la ciencia de policía: “Una disciplina de esta naturaleza es una ciencia de hechos y normas de la cultura, histórica, finalista y valorativa. Su objeto es un objeto cultural, y, por ende, real, histórico y axiológico” (Fentanes 1972: 46). Esta concepción ontológica de la policía (su ser, esencia y existencia) conlleva un alto grado de compleji-dad para su análisis, y la necesidad de propender por un método coherente a su naturaleza. Esta es la siguiente idea.

c) El método cultural de la ciencia de policía: teoría de los análisis

El conocimiento científico se caracteriza por su objeto y por su méto-do, y este último está determinado por el primero, dice Fentanes. Por “método” entiende “el conjunto de reglas para el proceso cognoscitivo, el cual debe ate-nerse al objeto de la ciencia24. Cuando el objeto es complejo, como nuestro caso –dice- resultará forzosamente necesaria la aplicación de un complejo metodo-lógico. Deberemos utilizar todos aquellos métodos que se adecúen a los dis-tintos puntos de mira hacia el objeto. El objeto determina, pues, los métodos. De conformidad con este principio, y como el primer punto de mira, en esta parte de la Dogmática, el método enfoca a la Policía como Institución, es decir, el punto de partida de la metodología es el contenido del concepto de Institu-ción” (Fentanes 1972: 39 – 40). Sin embargo, para este autor, una ciencia de la cultura es una ciencia de hechos y normas de la cultura, histórica, finalista y valorativa. En consecuencia, forzosamente sus métodos deben satisfacer las exigencias cognoscitivas en todos y cada uno de esos enfoques del contenido.

Y dado que la policía es un objeto que existe en el mundo de la cul-tura, el método de la ciencia policial será un método cultural. Al respecto, Fentanes muy sintonizado con las cuestiones epistemológicas de la época ad-hiere la tesis según la cual el pensamiento científico contemporáneo sostiene que “el pluralismo de métodos es norma aceptada para todas aquellas ciencias

23 Fentanes alude a la clasificación de las ciencias hecha por Dilthey “ciencias del espíritu y ciencias de la naturaleza”; también se refiere a Wundt en cuanto a la denominación “ciencias sociales, ciencias humanas o ciencias del hombre”, pero sobre todo, acoge la noción del filósofo alemán Ernest Cassirer “Las ciencias de la cultura” (F.C.E. México-Buenos Aires, 1951).

24 Fentanes acude a Georges Bordeau (1964) “Método de la ciencia política” Editorial Depalma, Buenos Aires.

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cuyo objeto deba ser enfocado desde distintos puntos de vista (…) y este en síntesis, es el método cultural (…). El método cultural, -dice Fentanes- como cualquier otro, implica un proceso cognoscitivo, es decir, una serie progresiva de procedimientos y técnicas, que pueden ordenarse en etapas o fases. En un orden aparentemente lógico, la primera fase sería la investigación, o sea, la observación y descripción de los hechos y normas que se refieren al conte-nido de la disciplina. Sin embargo, la investigación no puede realizarse sino dentro de un cuadro sistemático, categorial y conceptual. No se puede buscar sin saber lo que se busca y para qué se busca. Es necesaria entonces una guía, una orientación (Fentanes 1972: 44 – 45).

Finalmente para explicar las fases del proceso cognoscitivo del mé-todo cultural, Fentanes expone la teoría de los análisis o teoría de las fases analíticas. Al respecto sostiene: “El método cultural propio de una ciencia de la cultura versa, a nuestro parecer, sobre las siguientes fases:

Análisis de la realidad cultural•

Análisis histórico•

Análisis normativo (o específicamente jurídico, sin olvidar que • éste es una especie de lo normativo)

Análisis finalista (en el orden a los fines propios de la ciencia)•

Análisis valorativo (o axiológico en el orden pleno de los valores)•

Aclara también que adopta el término “análisis” para significar cada fase, que a veces conforma, a su vez, un complejo de métodos específicos, técni-cas y procedimientos. Es decir, el método cultural de la ciencia de policía impli-ca dentro de sí, otros métodos, según cada tipo de análisis, y no de forma lineal o no necesariamente en el orden que se plantea anteriormente. Y es un método “sincrético”, esto es, un método que concilia diferentes ordenes (cultural, histó-rico, jurídico, axiológico…) para lograr el análisis científico del objeto.

5.2 LA CIENCIA POLICIAL EN COLOMBIA

A) La Ciencia de Policía desde el Derecho de Policía. Fabio Artu-ro Londoño Cárdenas

El General Londoño, nacido en Medellín en 1929, representa la labor pionera de la ciencia policial y del derecho de policía en Colombia.

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Como se mencionó páginas atrás, Londoño exalta la obra de dos eminen-tes jurisconsultos, fuentes de su inspiración: Miguel Lleras Pizarro autor de “Derecho de policía: ensayo de una teoría general” (1943), y Roberto Pineda Castillo autor de “La policía: doctrina, historia y legislación” (1950). Y con la obra de Enrique Fentanes, más su conocimiento de los clásicos de la filoso-fía, la sociología, el derecho y otras disciplinas humanísticas, el citado logra arar el terreno y sembrar una serie de ideas fecundas respecto a la naturaleza y futuro del ente policía, la concepción del Estado y la disciplina cívica que requiere una sociedad para su desarrollo material y espiritual.

Si bien la literatura de Londoño es de tono radical y de postura firme, la filosofía humanista y cristiana (Escolástica) son el telón de fondo orientador de su pensamiento, sin abandonar la crítica y la proyección sobre el porvenir.

Naturaleza e importancia del derecho de policía •

Su punto de partida es indudablemente el derecho de policía y su im-portancia jurídico social25. Como él mismo afirma, “A pesar de ser el concepto de policía de viejo conocimiento, como ciencia y como manera de conducta, como ciencia jurídica apenas se viene a presentar, curiosa o afortunadamente, en Colombia en la década del 40, o más exactamente en el año 1943 cuando Lleras Pizarro publicó su tesis “Derecho de policía” en la Universidad Nacio-nal de Colombia (Londoño 2006: 23). Es decir, la ciencia de policía nace en este país en dicho año desde el punto de vista jurídico. Y agrega: “…hasta esa fecha no existía un texto en el cual se estudiara o se expusiera la policía como ciencia y como derecho autónomo que es”. En resumidas cuentas, a partir de aquel entonces, el ente policía se convertía en una de las más importantes manifestaciones del Derecho público moderno.

Pero ¿qué es el derecho de policía? Desde éste, la función policial “ha tenido y mantendrá una gran relevancia porque sin ella es imposible que una sociedad cualquiera coexista pacíficamente. En un Estado de derecho ha de ejercerse por el Ejecutivo, en muy estrecha cooperación y armonía con el ju-

25 Según Olivar Bonilla, Leonel (1995: 13) el “Derecho de policía se define como el conjunto de normas establecidas por el Estado para la reglamentación de las libertades públicas, con el fin de garantizar la tranquilidad, la seguridad, la moralidad y la salubridad públicas”. Otro concepto más amplio y reciente sobre derecho de policía sostiene: “Es una disciplina de las ciencias jurídicas que tiene como objeto garantizar derechos y libertades, a través de la atención de motivos de policía, mediante la selección de medios que permitan aplicar medidas y procedimientos, para el cumplimiento de su fin: la convivencia. (Trujillo Mahecha, Juan Carlos y Vera Moreno, Raúl (2010) Comentarios sobre la obra Derecho de policía de Miguel Lleras Pizarro.

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dicial, porque la investigación y en especial la acción penal o punitiva por los ilícitos que cometa una persona, solamente esta rama puede realizarla con am-plitud, y la acción por las faltas de las personas que corresponde a la policía, se ejerce únicamente por tal autoridad” (Londoño 2006: 29). En otras palabras, sin la función policial, o en su ausencia, el caos y la impunidad sobrevienen.

Entre tanto, una parte del ente policía, el cuerpo institución, ha de tener como eje estructural de su conocimiento científico, la disciplina del derecho policiaco para enfrentar los problemas sociales: la importancia polí-tica, ético-deontológica y social de dicho saber depende del cumplimiento de su fin, como es la convivencia.

El objeto y fin de la ciencia jurídico policial•

La ciencia de policía es una ciencia jurídica y es una ciencia social. Para Londoño es absolutamente claro que el denominado “orden público” ya no ha de tener cabida como fin de la policía, y en su lugar, la convivencia es y será el auténtico destino. Entre las razones expuestas, sostiene que “26…el orden público es un término ambiguo y anacrónico que genera dudas, con-funde roles y desconoce la autoridad de policía, pues este concepto involucra la defensa y seguridad nacional, condición ligada a la soberanía del Estado. Es decir, es un concepto político que se refiere a una forma de organización social soberana y coercitiva, formada por un conjunto de instituciones socio-políticas que tienen el poder de regular la vida sobre un territorio determina-do –que deriva en el uso de la fuerza para su defensa, propia de los cuerpos militares, quienes por la amplitud del concepto, se imponen indirectamente a los jefes de policía amparados en su capacidad de fuerza; por tanto –con-tinúa Londoño- al involucrarse la defensa del Estado se desconoce lo que es propio al derecho de policía: el ser humano como verdadera razón del existir del Estado, si no es para servir a la sociedad entonces qué razón de ser tiene dicho Estado, por lo que es erróneo involucrar en el fin del derecho de policía la defensa del Estado lo que se da al utilizar el concepto de orden público; que además aleja al ciudadano de participar en el desarrollo de la convivencia, ya que lo público es asociado por la comunidad como propio y casi de exclusiva responsabilidad del Estado, desentrañándolo de las personas; la fuerza en el derecho de policía es y será el último medio, como sí ocurre en la defensa de

26 El siguiente es un comentario de Londoño Cárdenas a la edición reimpresa y actualizada de Lleras Pizarro “Derecho de policía: ensayo de una teoría general” 2009.

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la soberanía del Estado” (Lleras Pizarro, Miguel 2009: 39 – 40). Ampliado y en cierto modo superado este concepto de su maestro, Londoño reafirma que no se trata de cualquier convivencia, sino de la convivencia democrática de la sociedad.

Entendido el anterior fin, el reto y la tarea de la ciencia jurídico policial es estudiar a fondo su objeto: “la libertad del hombre con su dignidad y todos los derechos que garantizan las declaraciones universales y la Constitución Nacio-nal; (y dentro de este objeto de estudio) el significado y contenido del poder de policía y del régimen de policía; los motivos, los medios, las medidas y las funcio-nes policiales; la fuente del derecho de policía, su origen y desarrollo, sus límites, y el control del mismo ente policial y su futuro” (Londoño 2006: 22).

De lo antes enunciado se puede inferir lo siguiente. De una parte, que la ciencia de policía es una ciencia jurídico social, y sobre todo sociológi-ca, al ser para ella determinante el conjunto de las relaciones entre los indivi-duos que componen una sociedad, más aún cuando sus libertades y dignidad están en juego. De otra, el derecho de policía, base de la ciencia policial para Londoño, sustenta el rasgo político de la naturaleza del ente policía: uno de sus componentes, la policía como cuerpo, es la primera institución política de la sociedad, así, la trascendencia de esta concepción

El concepto de ciencia de policía y su objeto•

Londoño comparte el concepto de ciencia policial de Fentanes que dice: la “ciencia de la policía tiene por objeto el estudio sistemático y metó-dico de la policía como institución y como estructura” (Fentanes citado en Londoño, C. 2007, 105). Pero este último autor amplía este concepto: “Para nosotros la ciencia policíaca es, entonces, el estudio sistemático y metódi-co del ente policía, sus causas, evolución y señalamiento de sus principios” (Londoño C 2007: 105). En estos términos, uno de los grandes aportes del General Fabio Arturo es incluir el concepto de “ente policía”, el cual concibe del siguiente modo. En primer lugar, toma esta noción de la metafísica, y dice: “La noción del ente no es simple, está compuesta de un sujeto y un acto en que intervienen dos elementos: el ser de esa cosa (esencia) y su realidad (existencia)” (Londoño 2007: 84). En segundo lugar, al acuñar las dos pala-bras –ente-policía-, el autor sugiere los siguientes criterios para estudiar este objeto: filosofía, método o sistematización, visión histórica, estudio crítico y multidimensional.

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Algunos criterios para estudiar el ente policía•

Una filosofía policial: el “ente policía” como objeto de la ciencia policial, debe ser entendido como “universalidad, totalidad y unicidad”, para identificar sus características, categorías, fenómenos y propiedades particu-lares, entre otros aspectos. Es decir, este criterio resalta la importancia de reflexionar filosóficamente sobre la naturaleza de aquello que se denomina “policía”, con suficiente amplitud y crítica, a partir de bases tanto físicas (el fenómeno policial, cuerpo-institución…), como “bases metafísicas: poder de policía, régimen de policía (…)” (Londoño Cárdenas 2007, 87).

Estudio sistemático y metódico: la ciencia de policía implica un abordaje ordenado del fenómeno policial, para cuya tarea se debe construir o aplicar un método diferente al de otras ciencias, pero con ayuda de ellas o sin desconocer sus valiosos aportes, relaciones e interdependencias disciplinarias de conocimiento. En consecuencia, “el estudio de la cuestión policial conforma un problema que comprende un objeto variado y múltiple que exige igualmen-te una metodología compleja, o sea, que se necesita considerar los diferentes ca-minos que conducen al objeto policial, y, luego, la consecución del mismo de-termina los métodos que se deben utilizar” (Londoño Cárdenas 2007, 115).

Visión histórica: para obtener una comprensión clara de lo que fue, es y será el fenómeno policial o ente policía, es indudable la necesidad de rastrear en la historia aquello que lo produjo (sus causas), cómo han sido las transformaciones de dicho ente policial (su evolución), y cuáles paradigmas de pensamiento o formas de racionalidad han determinado sus principios: desde la noción griega de orden y virtud, el arte moderno de gobernar o cien-cia del Estado, hasta la criminología y el derecho de policía en el siglo XX, por ejemplo.

Estudio crítico y multidimensional: en sintonía a lo anterior, Lon-doño comparte el concepto de su colega y amigo, el General Miguel Antonio Gómez Padilla: “la ciencia policial es el estudio sistemático, ordenado y crí-tico del ente policía, en su contexto histórico, cultural, sociológico, político, económico y filosófico, y en su dimensión universal y local” (Gómez Padilla 2008). Cabe resaltar luego, el complemento multidimensional e interdisci-plinario que demanda el estudio de la ciencia policial, pero sobre todo, la exigencia de una actitud crítica respecto al “ente policía”.

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Razones de conciencia crítica•

La actitud crítica sobre el objeto de la ciencia policial supone como mínimo tres razones: primero, diferenciar entre el “deber ser” y “el ser” de la policía a través de la historia, o diferenciar entre lo que idealmente se aspira que ella sea, y aquello que en otro tiempo y lugar fue y no es lo ideal, es decir, aprender de los aciertos y de los errores históricos; segundo, tomar concien-cia de la identificación ideológica desde la cual se estudia la ciencia policial, y hacer autocrítica del propio sesgo para propender por la objetividad y el carácter universal que exige la labor científica en su sentido clásico. Y tercero, reconocer que la ciencia policial no es la construcción de un conocimiento ingenuo, sino, por el contrario, que se constituye como un saber intencio-nalmente explícito e inscrito en un contexto particular que determina los principios, valores, virtudes y prácticas de una institucionalidad con fines so-cialmente legítimos o aceptados democráticamente.

Trascendencia del lenguaje científico policial•

Para Londoño la ciencia de policía debe desarrollar –como toda ciencia- su propio lenguaje. Ceder en las palabras es ceder en los hechos, y si los cuerpos policiales pretenden ostentar profesionalismo de su función, deben así mismo, edificar y preservar el uso celoso de cada término, categoría y expresión. De modo sencillo, el tránsito desde el conocimiento policial pre-científico hacia el conocimiento científico policial (doctrina) es, solamente posible, si se estructura mediante el rigor semántico y lingüístico del lenguaje técnico capaz de articular coherentemente la realidad con aquello que se dice de ella misma. Y para el autor comentado, estos aspectos cobran total tras-cendencia en el ámbito del derecho de policía.

Así como Fentanes se inspira en el aforismo “la ciencia es un lenguaje bien hecho” del filósofo francés Étienne de Condillac (1715-80), Londoño retoma de su colega argentino “El análisis terminológico y conceptual” de la ciencia policial, correspondiente al método cultural y la teoría de los análisis. Los dos (Londoño y Fentanes) son conscientes de la trascendencia del len-guaje a la hora de hacer ciencia, pues de ella depende la generación de doctri-na, y ésta a su vez, se supone como el lenguaje unívoco del cuerpo institución y del ente policía en general. La doctrina de la ciencia policial será entonces el lenguaje con estatus de cientificidad, o dicho de otro modo, existe ciencia policial cuando existe un lenguaje adecuado o de naturaleza científica.

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Crítica al uso de ciertas expresiones •

Londoño hace una sensible crítica al uso de ciertas voces utilizadas en el ámbito policial, muchas de ellas “importadas que han fijado conceptos notablemente erróneos y dañinos porque, como verdaderas taras, –sostiene- se han metido en la mente de sus integrantes y han tergiversado o modificado a fondo principios del pensamiento esencial a la ciencia y función policial. Ejemplos que desorientan el conocimiento y el ser policial son: “tropas”, “operativos”, “guerra”, “enemigo”, así como las voces “empresa”, “cliente”, “ge-rente”, “evidencias”, etc. Igualmente –prosigue- las dicciones contradictorias: “policía judicial” y “policía de control”; o las pleonásticas e importadas sin la adecuación debida como: “policía comunitaria”, “policía de proximidad”, “seguridad ciudadana”, y otros adefesios por el estilo” (Londoño 2007: 149). Pero no se trata de una simple crítica a la emergencia de expresiones coyuntu-rales, o de épocas “de moda”, sino más bien, es la advertencia y la exhortación que hace Londoño para que el ente policía no esté al vaivén inconsciente de intereses ajenos o particulares, y no sea desvirtuada su naturaleza civil, ni tergiversados sus principios, ni desviado de su fin primordial.

En sintonía con Fentanes, “no se pretende reducir tal quehacer (científico policial) a una sola preceptiva terminológica, sino destacar la im-portancia que asume, en toda disciplina, la utilización de términos claros, inequívocos y que correspondan exactamente al contenido significado. Esta problemática –afirma Fentanes- subyace en todo producto del pensamiento, cualquiera sea su índole. Puede tolerarse, aunque no justificarse, la ingenuidad y desaprensión con que los profanos manejan los conceptos en la vida diaria, social, literaria, política. Pero, ya en el plano científico, es imperdonable que, como suele verse aún en tratados y ensayos de alto vuelo, el autor entre en materia con un instrumento conceptual ambiguo, o establecido sin exponer su fundamentación, o asentado en criterios personales y arbitrarios. Podría decirse, sin temor a exagerar, -reafirma Fentanes- que la desorientación y la crisis reinantes en distintas esferas del pensamiento moderno obedecen, en gran parte, al descuido en la conceptualización o a los excesos del conceptua-lismo (Fentanes 1972: 141 – 142, citado por Londoño, 2007).

En definitiva, la nueva ciencia policial desde la perspectiva del derecho de policía, plantea aquel problema central de toda filosofía según Ludwig Wittgens-tein (1889 – 1951): la concepción del lenguaje lógicamente perfecto o ideal, por-que sin crítica al lenguaje no hay crítica ni construcción de nuevo pensamiento.

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B) La ciencia de Policía, Profesionalización y Cultura Policiales. Miguel Antonio Gómez Padilla27

Ciencia y ente policiales•

Para el General y exdirector de la Policía Nacional de Colombia, “exis-te una ciencia autónoma llamada Ciencia de Policía, que ha evolucionado a partir de la experiencia y la investigación científica, integrada por la filosofía, el derecho, la sociología, la antropología y la psicología policiales, entre otras” (Gómez Padilla, M. A. 2009: 3). De similar modo al General Londoño, Gó-mez reconoce el carácter interdisciplinario de la ciencia policial, respecto a lo cual sostiene: “Es evidente que la ciencia policial requiere auxiliarse de otros campos del conocimiento. El riesgo está –afirma- , y, es lo que al parecer suce-de, que lo aparentemente complementario se convierte en principal. De allí los errores que desdibujan la imagen del funcionario policial. –Y enfatiza- … me aventuro a definir la ciencia policial como el estudio sistemático, ordenado y crítico del ente policía en su contexto histórico cultural, sociológico, político, económico y filosófico en su dimensión universal y local” (Ibídem: 4).

Adicionalmente, un aspecto interesante planteado por el General Gómez Padilla consiste en su concepción sobre el ente policía, según la cual, aquel lo integran tres tipos de actores estatales: quienes regulan el ejercicio de las libertades y derechos (poder de policía); quienes administran la función de policía; y quienes ejecutan la función de policía. Se infiere que al primero corresponden instancias como el Congreso de la República, las Asambleas departamentales, y los Concejos municipales (y excepcionalmente el Presi-dente); al segundo las instancias del poder político-administrativo como el presidente, gobernadores, y alcaldes; y al tercero, los cuerpos de policía (Ver Figura 1). Desde este punto de vista, es notable el énfasis jurídico-político del objeto de la ciencia policial afín a la línea de su coetáneo el General Lon-doño Cárdenas. En cuanto al fin de esta ciencia, Gómez sostiene que ella se encarga de asegurar el ejercicio de las libertades y derechos para lograr la convivencia28. Es importante anotar, que el poder de policía lo detentan espe-cialmente quienes tienen la facultad de expedir leyes y/o normas que regulan las libertades y derechos. Las demás son funciones (administrar, ejecutar) del desarrollo legal de dicho poder (régimen de policía)29.

27 Estas nociones son tomadas de entrevistas con el General Miguel Antonio Gómez Padilla, de algunos de sus manuscritos y la publicación de su texto “Oraciones Policiales” (2009).

28 El fin de la ciencia de policía según el General Gómez Padilla es consecuente con lo estipulado en el Artículo 218 de la Constitución Política de Colombia de 1991.

29 Según Gómez Padilla el “poder de policía” se concentra en quienes “regulan” el ejercicio de las libertades

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Educación y profesionalización policiales•

Para el General Gómez “corresponde al sistema docente policial a través de sus escuelas interiorizar en los futuros policías la cultura policial y transmitirle el saber de su ciencia en su contexto universal y local. Es me-diante el currículo, -dice- como formamos profesionales en policía”. –Y alude a Emile Durkheim: “La educación es la acción ejercida por las generaciones adultas sobre las que aún no se encuentran preparadas para la vida social (nuevos policías); y tiene por objeto crear y desarrollar en las personas una serie de estados físicos, intelectuales y morales, reclamados por la sociedad política en su conjunto y por el medio particular en que se desenvuelve” (el cuerpo institución policía)”.

y derechos (Congreso, Asambleas, Concejos) y eventualmente la Rama Ejecutiva. No obstante, Libardo Rodríguez explica este concepto a partir de las funciones que le competen al Presidente de la República: “Conservar el orden público: la vida de todos los Estados está sujeta a la existencia de unas condiciones mínimas que le permitan a la organización jurídica estatal ofrecer a sus miembros la posibilidad de vivir correcta y normalmente en comunidad. Es el llamado orden público. Esas condiciones mínimas tradicionalmente se ha dicho que están constituidas por la tranquilidad, seguridad y salubridad que deben existir en toda comunidad para su buena marcha. De manera que el Estado debe tomar las medidas necesarias para evitar que se presenten fallas en esas condiciones o, por lo menos, para impedir que las fallas se prolonguen cuando ya se han presentado. Esta facultad se conoce jurídicamente con el nombre de poder de policía. A este respecto, si bien ese poder de policía está dado a diferentes autoridades, es el presidente de la república el principal encargado de utilizarlo. Así, la Constitución Política de Colombia le confiere ese poder en dos grados diferentes. Por una parte, un poder de policía normal u ordinario consagrado en el numeral 4 del Artículo 189, según el cual corresponde al presidente “conservar en todo el territorio el orden público y restablecerlo donde fuere turbado”. Por otra parte, un poder de policía extraordinario consagrado en los artículos 212 a 215 de la Constitución, para los casos de guerra exterior, conmoción interior y estado de emergencia” (Rodríguez R. Libardo, 2008: 67) “Estructura del poder público en Colombia”. Décima edición, Editorial Temis, Bogotá - Colombia. Ver también Torres Rico, Remberto (2008). Finalmente vale anotar, que los Generales Gómez Padilla y Londoño Cárdenas consideran que uno de los grandes cambios paradigmáticos de la Constitución de 1991 fue pasar del concepto de “orden público” al de “convivencia”, dadas las connotaciones políticas y sociales que implica el ejercicio de dicho poder de policía.

Figura 1: Estructura del ente policía

Fuente: elaboración a partir de Gómez Padilla CEPEP (2009)

Instancias parlamentariasCongreso, Asambleas, Concejos

REGULANlas libertades y derechos

ENTEPOLICÍA

Instancias de autoridad político-administrativa:Presidente, gobernadores, alcaldes

ADMINISTRANla función de policíaQUIENES

Cuerpos de policía e instancias concompetencia policial

EJECUTANla función de policía

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Gómez tiene la convicción que la educación y la profesionalización de los cuerpos policiales son condiciones esenciales para edificar tanto la cul-tura policial como la ciencia de policía, pero especialmente, enfatiza en el carácter democrático y democratizador de las Escuelas de formación policial: “…las Escuelas (…) deben funcionar como auténticas sociedades democráti-cas y cumplir una función democratizadora. Los alumnos durante su proceso de formativo, irán construyendo las virtudes y valores indispensables para el recto ejercicio de la función policial y se irán adornando de todas las cualida-des que la sociedad espera y exige de ellos; -y continúa- recordemos a Platón: el fin de la educación es el desarrollo completo y armonioso del cuerpo y el alma. Los institutos docentes policiales deben ser unos extraordinarios labo-ratorios en donde tenga aplicación el ejercicio de las libertades y derechos que más tarde ellos estarán obligados a tutelar, es decir, que en ellas se debe vivir la civilidad. De allí lo delicado y complejo de esta labor; no hay lugar para la improvisación (…)” (Gómez Padilla, M. A, 2009: 153). Es evidente que para este autor, sólo se le puede exigir al hombre o mujer policía aquello que se le ha enseñado y ha vivido durante su proceso de formación, como lo es, una educación democrática y democratizadora replicable fuera de las aulas, en la sociedad.

Cultura policial• 30

Un concepto relacionado con la ciencia de policía para Gómez Pa-dilla es el de “cultura policial”. Para explicarlo, retoma nociones clásicas sobre qué se entiende por cultura31 y luego las relaciona con una definición de poli-cía. En primer lugar, asocia la idea de “cultura” con el de “conciencia histórica y memoria”, y cita a H. Gianini: “Una sociedad sin conciencia histórica- sin memoria- es un hacinamiento de soledades que solo se disputan un espacio, por cuanto no les pertenece tiempo común alguno. –Y continúa- El tiempo y el olvido producen disgregación de lo sucedido; de allí lo indispensable de la memoria (…)”. Luego, sintetiza de varios autores las siguientes ideas: “cultura es todo aquello que el hombre crea y recrea pero igualmente es el conjunto de rasgos distintivos, espirituales y materiales, intelectuales y afectivos, que ca-racterizan a toda una sociedad o a un grupo social (…); es la manera que cada

30 Las siguientes ideas pertenecen a un texto inédito titulado “Reflexiones – Serie Cuadernos” (páginas 7 a 16), Escuela de Estudios Superiores de Policía, Centro de Pensamiento y Doctrina. Bogotá. Julio de 2009.

31 El General recuerda la etimología del término cultura: “Del latín cultura y éste a su vez de colere (habitar, laborar la tierra, proteger, honrar con adoración). …Recordemos, -dice Gómez- que Honrar con adoración se convirtió en culto; habitar un lugar, en colono; laborar la tierra, en cultivar; y, en cultura todo lo que el hombre crea y recrea”.

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cual tiene para dar respuesta a los desafíos de la existencia; todo saber y poder adquirido por los hombres para dominar las fuerzas de la naturaleza; todas las organizaciones necesarias para fijar las relaciones entre ellas; el conjunto de procesos históricos que tienden a la consolidación de sistemas de vida y de pensamiento; La cultura consiste en pautas de comportamiento, explíci-tas o implícitas, adquiridas y transmitidas mediante símbolos y constituye el patrimonio singular de los grupos humanos (…)”. En síntesis, estas nociones permiten inferir que para Gómez Padilla la policía como institución huma-na, no es un producto espontáneo, sino el resultado histórico de la voluntad humana, una creación cultural de la evolución social.

En segundo lugar, se refiere a “…la institución social Cuerpo de po-licía, como una agrupación humana organizada para realizar unos objetivos y fines, que posee jerarquías en sus funcionarios y división del trabajo, con lenguaje, símbolos, rituales, virtudes, valores, actitudes y sentimientos pro-pios y a la cual se acogen voluntariamente sus integrantes y que no puede funcionar, si no existe consenso profesional entre sus miembros”. Lo anterior señala que la cultura policial depende de la sociedad en la que está inmerso el cuerpo policial, el cual se constituye y reconstruye de generación en gene-ración, mediante la interrelación de sus contemporáneos, sus antecesores y sucesores. “Por tanto, ella es el fruto de un proceso evolutivo continuo y no de una creación espontánea”.

En otro lugar32, Gómez se refiere a la “cultura policial local y universal”, la cual está compuesta por el conjunto de principios de origen filosófico y los preceptos que surgen de la doctrina policial. Al respecto sostiene: “…los pre-ceptos de obligatorio cumplimiento, en todo momento y circunstancias, deben ser interiorizados en los diferentes niveles jerárquicos y especialidades, de tal manera que nunca se olviden (…). De su aplicación se puede inferir que esta-mos en presencia de una institución democrática y profesional y sobre todo, respetuosa del estado social de derecho y de su propia civilidad. – Y menciona diez -: 1) Empleo de la fuerza y uso de las armas en forma reglada y limitada 2) Cumplimiento reflexivo de las órdenes 3) Igualdad ante la ley 4) Presunción de inocencia y buena fe 5) Respeto superlativo a los derechos humanos y al derecho internacional humanitario 6) Obediencia de las normas 7) Ausencia de cualquier forma de lucro en la función policial 8) Prevención como funda-mento de su actividad 9) Privilegio de las libertades sobre la defensa del estado,

32 Gómez Padilla, Miguel Antonio (2009: 153 -154) Oraciones policiales. Bogotá, Colombia. Impresos y Copias.

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y 10) Respeto y sustento de la profesión en la ciencia policial (…constante en los currículos académicos)” (Gómez Padilla, M. A. 2009: 154).

Naturaleza civil de la policía •

En términos generales, para Gómez Padilla la naturaleza civil de la policía-cuerpo institución es ante todo un principio jurídico-político y por lo mismo de base constitucional, cuya esencia consiste en mantener las con-diciones necesarias para el pleno ejercicio de los derechos y libertades públi-cas de las personas por encima del Estado. Esta situación reafirma la razón de ser y fin último del ente policía: el ser humano y la sociedad en convivencia armónica. “Civil” es una cualidad esencial de la policía opuesta a “militar”. Sin embargo, el autor reconoce cierto origen militar de la Policía (…desde los ejércitos libertadores), un presente “híbrido” paradójico (civil, militar y judi-cial) a causa de la violencia y el conflicto armado colombiano que ha afectado la naturaleza civil de la institución, y un futuro de deber ser exclusivamente civil. Esta concepción de la naturaleza civil se afianza con la visión humanista de la Policía mediante su fidelidad a los preceptos constitucionales (Estado social de derecho) y la prevalencia de la vida y dignidad humanas.

C) La Ciencia Policial desde el Derecho Administrativo. Mi-guel Alejandro Malagón Pinzón

Origen del derecho administrativo•

La perspectiva desde el derecho administrativo de la ciencia policial de Malagón, puede ser vista desde dos ángulos, uno histórico y otro crítico político. En cuanto al primero, este autor sostiene que “el derecho adminis-trativo colombiano se nutrió primigeniamente de lo que los alemanes llama-ron la Ciencia de la Policía. Este Pensamiento que nos llegó –dice- por la vía de la península ibérica y de su sistema de administración” (Malagón 2009: 2033), es decir, contrario a lo que se cree en esta materia, la influencia liberal del derecho francés fue posterior.

En este sentido, respecto a los orígenes del derecho administrativo colombiano, este autor afirma: “… la policía fue, en su primera acepción, el método utilizado para imponer a los aborígenes americanos el estilo de vida

33 Malagón Pinzón, Miguel Alejandro (2009) “El régimen de los intendentes en la Constitución de Cúcuta de 1821: un modelo de administración policial en el estado republicano”. Ponencia presentada en el Primer Congreso Internacional de Ciencia de Policía, Octubre 28, 29 y 30 de 2009, Bogotá. Policía Nacional de Colombia.

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europeo. Esta forma de control se transformó a finales del siglo XVIII en lo que hoy conocemos –dice Malagón- como civilización” (Malagón 2007: 301). Adicionalmente sostiene, que la relación entre policía y civilización en el siglo XIX fue una forma de implantar las instituciones de las misiones, las reducciones y los pueblos indios (2007: 301). En otras palabras, “vivir en policía” significó para el derecho administrativo colombiano el proceso de “civilización de indígenas”, fenómeno atribuido a la Iglesia Católica, el cual pudo efectuarse también en otros países latinoamericanos. De este modo, es posible afirmar que la llegada de la antigua ciencia de policía al mundo hispa-noamericano se produjo -consciente o inconscientemente- por dos vías: una política y otra religiosa.

En todo caso, el siglo XIX fue paradójico, como lo menciona el au-tor: “En el siglo XIX la policía padeció múltiples contradicciones fruto de la ideología liberal de que estaba imbuida. Porque algunas veces al preten-der conservar y proteger los derechos individuales limitando su actuación, se generó un abuso de estas libertades y otras, porque ocasionó una acción ilimitada de la policía al demostrarse que los controles establecidos para con-tenerla resultaban insuficientes, debido a “los intereses políticos de quienes ostentaban el poder y disponen de la policía” (Malagón 2009: 7).

En cuanto al segundo, Malagón argumenta y demuestra que el someti-miento del poder político al Derecho no se produjo tras la Revolución Francesa y la separación de poderes, sino más bien, por el sometimiento de dicho poder al derecho en la legislación de Indias. En otras palabras, lo que señala este autor es un punto de crucial interés para el conocimiento actual de la ciencia policial: la tensión entre “Estado absoluto” y “Estado de derecho”. Se entiende que en el primero el ejecutivo era el que administraba, legislaba, juzgaba, disponía de la hacienda y de la defensa del país, mientras en el Estado de derecho, la división de poderes hace que el ejecutivo sea controlado, se logra cierto equilibrio y se impide el “absolutismo”. Entre tanto ¿dónde queda el poder de policía? ¿Qué tipo de ente policía emerge de uno u otro modelo de Estado?.

Malagón sospecha que a pesar de la desaparición formal del llamado “Estado absolutista”, la tensión entre poderes y el sometimiento del ejecutivo al Derecho, fue, es y quizás sea, una dinámica de conflictividad permanente, más aún en sociedades cuyos procesos de democratización no sean contun-dentes o no se hayan consolidado. Es decir, según el tipo de Estado así mismo se configura el tipo de ente policía. En términos generales, se puede afirmar

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que Malagón a través de su exhaustiva revisión histórica sobre el origen del derecho administrativo en la antigua ciencia de la policía, da apertura a un campo de investigación crítico para la nueva ciencia policial, como es, las in-cesantes tensiones entre quienes ostentan la legitimidad de ejercer el poder y buscan servir sólo al Estado, y aquellos que intentan a través del conocimien-to y la administración pública servir a la sociedad.

La ciencia de “vivir en policía”•

Si se acepta una inferencia de las ideas planteadas por Malagón, es claro que para este autor, la denominada “ciencia de la policía” transmitida a través de la conquista y colonia en la América Hispana, representó un proceso histórico de “civilización”, entendida como la imposición a los aborígenes del estilo de vida europeo. “Vivir en policía” era vivir civilizadamente, cumplien-do de una parte, la doctrina Católica, y de otra, obedeciendo las ordenanzas de la Corona Española y así obtener la disciplina de los pobladores del nuevo reino. Dicho de otro modo, la relación entre policía y civilización durante los siglos XVII y XIX aproximadamente, constituye un atributo característico de la transición de cierto tipo de poder político-religioso hacia la configura-ción de los Estados republicanos en esta región del mundo34.

5.3 LA CIENCIA POLICIAL EN MÉXICO. OMAR GUERRERO Y LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA

La obra de Omar Guerrero representa para América Latina la perspecti-va crítica de la ciencia policial desde la administración pública. Entre sus valiosos aportes, dos ideas inseparables articulan su círculo de argumentación para com-prender qué fue y cómo puede ser el desarrollo de dicha ciencia: conocimiento y poder. En cuanto a la primera, Guerrero demuestra con detalle el origen que tiene la moderna administración pública en el seno del Cameralismo, exactamente, en la antigua ciencia de la policía (Polizeiwissenschaft). De este modo, la adminis-tración pública se plantea como sinónimo de conocimiento sobre el funciona-miento del Estado y la forma como éste se concibe técnicamente en acción. En cuanto a la segunda idea, la antigua ciencia de la policía deja como legado un nuevo arte de gobernar, una ciencia del poder, una ciencia del Estado, una ciencia

34 Si bien se puede especular que “la ciencia de civilizar” era equivalente a la “ciencia de policía” antes de la existencia del Estado de derecho, la propuesta de la nueva ciencia policial en la segunda mitad del siglo XX e inicios del XXI no es ajena del todo a la anterior idea, no obstante, en el marco de los derechos humanos y los derechos fundamentales que han de regir a las sociedades contemporáneas.

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política, con la capacidad de instrumentalizar el ejercicio de gobierno mediante una estructuración e implementación racional de reglamentos, procedimientos, técnicas y tecnologías al servicio del quien lo ostente.

Quedó claro, que aquello conocido como “administración pública” es herencia directa de la antigua ciencia policial procedente del Estado abso-lutista de los siglos XVII y XVIII, y que tal saber es quizás el eslabón perdido de las ciencias sociales. Desde este punto de vista, para el interés de la nueva ciencia policial situada en el ámbito de las instituciones de policía del siglo veintiuno XXI, el entendimiento respecto a la relación entre conocimien-to y poder, o, ciencia y política, es esencial. En efecto, la expectativa que las sociedades demandan de los cuerpos policiales y del ente policía en general, depende inevitablemente, del acuerdo entre gobernantes y gobernados: de un lado, del conocimiento que tengan las personas sobre el poder político, y de otro, del poder que implica dicho conocimiento.

Entre las obras más destacadas de Guerrero se hallan: Teoría admi-nistrativa de la ciencia política (1976), La administración pública del Estado capitalista (1979), El proceso histórico de la acción gubernamental (1982), Introducción a la administración pública (1984), Las ciencias de la admi-nistración en el Estado absolutista (1986), Los cultivadores mexicanos de la ciencia de la policía en el siglo XVIII (1986), y Estudio introductorio a Ele-mentos generales de policía (1996). En estas tres últimas publicaciones, el autor explícitamente expone la concepción que se tuvo sobre la ciencia de la policía en Alemania con el Cameralismo, en Francia y España.

Muy probablemente inspirado por Michel Foucault35, Guerrero acuña el tema del poder como base de la administración de los asuntos públicos, y lla-ma la atención indirectamente sobre una noción muy en boga: el concepto de políticas públicas. La criticada “razón de Estado” apoyada en la tecnología del poder, en cierta medida conduce a la necesidad que tienen los estados moder-nos de instaurar, fortalecer, o, en algunos casos, recuperar su legitimidad ante la sociedad, y para ello, la acción gubernamental visible o publicitada (política pública), surte un efecto práctico sobre los gobernados. La combinación de las lógicas técnica (administración) y política (poder) son en suma, antecedentes claves de la ciencia policial para el mundo del siglo XXI.

35 Según Armando Suárez, Omar Guerrero comenzó a ocuparse del tema (administración – poder) estimulado por un artículo de Michel Foucault titulado “El origen de la tecnología del poder y la razón de Estado” (Ver presentación de Las ciencias de la administración en el Estado absolutista (1986: 20), Fontamara, México D.F.)

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5.4 LA CIENCIA DE POLICÍA EN PERÚ. GUILLERMO HINOSTROZA

En el año 2005 la Policía Nacional del Perú mediante acto administra-tivo publicó un libro titulado “Fundamentos de Doctrina y Ciencia policial”. Su autor, Guillermo Hinostroza Rodríguez, general retirado y profesor de la Escuela Superior de Policía. Se trata de un texto concebido oficialmente como “un aporte epistemológico al estudio e investigación para formular, desarrollar, consolidar y difundir la doctrina y ciencia policial”. Este fin institucional lo de-fine como un texto cátedra para la formación del cuerpo de policía del Perú.

La perspectiva peruana sostiene que “Ciencia policial es el conjun-to de conocimientos ordenados en forma metodológica y sistémica, que el policía trata de analizar e investigar científicamente los hechos que conoce para encontrar la verdad y lograr su finalidad teleológica de dar seguridad y tranquilidad en la convivencia social de la comunidad” (Hinostroza G. 2005: 222). En otros términos, “la ciencia policial es ciencia fáctica, vale decir, apli-cativa o pragmática, porque se refiere a hechos y se orienta a la consecución de la verdad. –Y continúa- Nuestra disciplina como ciencia, es socio-técnica por razón de su propia naturaleza, cuyo estudio corresponde también a la fi-losofía policial, que analiza la razón, causa y origen de la función policial que cumple la Policía Nacional al servicio de la comunidad” (222). De lo anterior se infiere, que la ciencia policial tiene como objeto de estudio los hechos pro-pios de la función policial, y su método es la investigación desde la realidad social cuyo fin es el servicio a la comunidad.

“La justificación (del anterior concepto) radica esencialmente en que el quehacer policial se refiere a hechos que se conocen en el servicio policial, pero, estos mismos hechos son también las características de las ciencias fác-ticas, por lo tanto, las ciencias policiales son ciencias fácticas. Por esta razón nuestra doctrina policial –se afirma- se sustenta en su propia naturaleza, en la función policial y en los fines constitucionales como de su Ley Orgánica y no en fundamentos diferentes a su propia realidad. Es evidente que el Estado delega a la Policía Nacional la facultad de brindar protección y seguridad a través de la función policial. La función policial cuando se materializa como servicio es objetiva y real, coherente con su finalidad teleológica; ella existe dentro de la sociedad y procura la convivencia armónica de los hombres para que exista orden, paz y desarrollo socio económico” (223).

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Como fundamentos de la ciencia policial, Hinostroza plantea que “la verdadera estructura de la ciencia policial radica en su propia naturaleza, en sus normas, principios y valores, finalidad constitucional, derechos huma-nos, cultura organizacional, trayectoria histórica, costumbres y tradiciones (…). Bien dicen los analistas de doctrina policial que en materia de Policía todo gira a través de la función policial, que por su carácter social y humanis-ta que realiza y de los fines que persigue al servicio de la sociedad está llamada a lograr una destacada proyección científica en el ámbito social” (223).

En cuanto al método, el texto no expone directamente una forma en que se desarrolle la ciencia policial. De este modo el libro pregunta y res-ponde: “¿Cómo estudiar la ciencia policial? El estudio e investigación de la ciencia policial se encuentra en un proceso de formulación y desarrollo con planteamientos conceptuales que se irán madurando en la medida que los estudiantes tomen conciencia del rol que nos compete como investigadores científicos de nuestra realidad policial y de lo que la sociedad requiera de su policía para su seguridad y protección” (224).

Finalmente, la contraposición que el autor hace entre “ciencia poli-cial” y “ciencias policiales específicas” la absuelve del siguiente modo: “He-mos expresado que la ciencia policial se sustenta básicamente en la función policial como doctrina fundamental de nuestro quehacer. Ella emerge de nuestra propia realidad en forma objetiva y veraz. En este sentido la Policía como actividad profesional es una sola, tiene unidad, es dogmática, pragmáti-ca y holológica. De otra parte, la profesión policial para su mejor desempeño al servicio de la sociedad fragmenta o desdobla sus actividades en funciones específicas, llamadas especialidades las que a su vez tienen sus propios prin-cipios y normas que orientan su accionar. Estas especialidades hacen que la doctrina policial sea más dinámica y objetiva (…) y se integran a la ciencia po-licial y por eso se dice que existen ciencias policiales especializadas o específi-cas. Para todo policía primero su doctrina y después su especialidad. Dentro de las diferentes especialidades están (225): Orden y seguridad, Criminalís-tica, Investigación criminal, Administración policial, Inteligencia policial. El libro de Hinostroza está dividido en dos partes y enumera catorce capítulos a través de los cuales desarrolla las ideas antes mencionadas.

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6. La Ciencia Policial desde la Filosofía Política

“Sostengo que, a diferencia de lo que afirma el relativismo, hay un criterio objetivo y universal dado, a saber: un régimen político es mo-ralmente legítimo si y solo si ayuda a sus súbditos a satisfacer sus ne-cesidades básicas y aspiraciones legítimas, las que pueden satisfacerse sin poner en peligro el bienestar de los demás. En otras palabras, las leyes buenas y los Gobiernos que las mantienen son aquellos que nos ayudan a vivir razonablemente bien y juntos, si bien no en armonía, por lo menos en paz” (Mario Bunge 2009)

La ciencia de policía en América Latina es la oportunidad histórica para que cada nación piense cómo mejorar las relaciones entre su Estado y la Sociedad. Al inicio de este artículo se advirtió sobre el origen de ese fe-nómeno histórico-político denominado ente policía, y cómo la noción de “policía” significó una concepción relativa a la organización de las sociedades humanas, a partir de la cual, se buscaba el orden, el bien común, el bienestar y la felicidad de las personas. En efecto, el cambio paradigmático del “Estado monárquico” hacia el “Estado de derecho” transformó esas relaciones: ahora cada cual se ocupa de buscar su “propia felicidad” sin importar la de sus con-géneres, y el actual deber del Estado en las democracias liberales, consiste en garantizar el pleno ejercicio de las libertades individuales y la protección de los derechos. En pocas palabras, se puede afirmar que el decimonónico ideal de libertad en gran medida se ha cumplido, mientras que los ideales de “igual-dad” y “fraternidad” poco o nada se han realizado.

Por ejemplo, de los 550 millones de habitantes de la región, 182 millo-nes están en nivel pobreza y 71 millones padecen miseria36, y en estas condicio-nes, es muy difícil sostener que exista plena convivencia pacífica y que los pro-blemas sociales (violencia, delincuencia, criminalidad, corrupción…) están bajo control del Estado. Entonces ¿por qué y para qué hablar de ciencia de policía en este contexto?. Si bien la respuesta a esta pregunta necesita más espacio, los planteamientos anteriores no son extraños37, y por el contrario, giran alrededor de la necesidad de generar el conocimiento científico suficiente para ayudar de alguna manera en los impactos adversos de los dos últimos ideales frustrados.

En esta dirección, la ciencia policial aspira ser el estudio de los problemas humanos que afectan la convivencia y las soluciones que le competen al ente policía. Dicho ente se concibe materializado en el modelo

36 CEPAL Informe 2008.

37 Se hace referencia a los puntos 4 y 5 de este artículo.

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Estado de derecho, y en su sentido unívoco de respeto a la vida y protección de la dignidad humana. El ente policía, cuya naturaleza es civil o socio-estatal a la vez, procura –ya no la otrora “felicidad de los súbditos”- sino el desarrollo humano, y necesita producir una nueva ciencia política, una nueva ciencia humana capaz de contribuir a la convivencia entre las personas, e incluso me-jorar la coexistencia entre los mismos Estados. Puede sonar ambiciosa esta aspiración, pero entre más aumentan las dificultades humanas, más se hace evidente la urgencia de un conocimiento científico sobre las condiciones que hacen posible la convivencia y la paz.

En consecuencia, es indudable que la nueva ciencia de policía escudri-ñe sus principios fundamentales en la filosofía política. Pero esta filosofía no es la historia del pensamiento político (sin ignorarla), sino más bien, es el sur-gimiento de paradigmas cognoscitivos para comprender con mayor precisión las causas de los problemas y los conflictos que transforman la reorganización de las sociedades transmodernas38. En palabras sencillas, se trata de una ciencia con conciencia política del poder de sus hallazgos: no es la panacea para todos los males terrestres, pero si es el abordaje sistemático y sistémico de las causas de los problemas más acuciantes del ser humano integralmente.

La ciencia policial convoca y reúne a diferentes disciplinas para que las ciencias disminuyan su aislamiento multidisciplinario y dialoguen entre sí. Esta actitud epistemológica es valiosa para hallar soluciones frente a los problemas humanos mediante: visiones de conjunto, lograr no sólo compren-siones holísticas, sino además obtener explicaciones sistémicas para anticipar y prevenir eventos catastróficos, y facilitar la formulación e implementación de políticas prospectivas en la configuración de un mundo mejor. No obstan-te, los grandes problemas de la humanidad son asumidos de forma diferente según el tipo de ente policía, es decir, de acuerdo al modelo de Estado y su tendencia ideológico política. Este es el siguiente punto mencionar.

6.1 LOS GRANDES PROBLEMAS HUMANOS

Seis enormes problemas convulsionan a la humanidad desde hace siglos, pero ellos se han intensificado en los últimos cien años, y particular-

38 “Sociedades transmodernas” significa aquellas que además de compartir principios como la libertad, la autonomía, el autodesarrollo y el autogobierno, van más allá del particularismo colectivo, y consideran que “no todo vale”, y por tanto, la humanidad debe construir consensos universales a pesar de un mundo multicultural y tendiente al libertarismo.

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mente en el siglo veinte XX y en la primera década del XXI. El primero y más antiguo, es la pobreza, entendida como la débil capacidad que tienen los humanos para satisfacer sus necesidades básicas de subsistencia (alimento, salud…) y protección (vivienda, seguridad…). De los casi siete mil millones de habitantes del planeta, más de la mitad subsiste con estas limitaciones. La pobreza también es sobrepoblación sin recursos suficientes, desempleo, desigualdad económica y marginalidad. De los 550 millones de habitantes de América Latina, 182 están en condiciones de pobreza y 71 millones padecen miseria (hambre y sobrevivencia crítica)39.

El segundo es la violencia, inherente a la primitiva naturaleza humana, entendido como toda aquella forma agresiva de intolerancia e irracionalidad brutal, en la cual no hay respeto por la vida o esta carece de valor por parte de quienes la acechan40. La violencia se expresa en el terrorismo, la criminalidad, el secuestro, la extorsión, la trata de personas, los conflictos geopolíticos, la into-lerancia totalitaria, y la delincuencia callejera, entre otras formas.

El tercer campo de problemas consiste en las enfermedades a nivel masivo, denominadas pandemias por su alto grado de propagación mediante virus letales que viajan de persona a persona, de una región a otra y de un continente a otro. Los ataques biológicos también hacen parte de las ame-nazas vigentes. No obstante, faltaría incluir las patologías mentales que igual afectan la vida humana.

El cuarto, es el deterioro ecológico de los ecosistemas naturales, de los cuales depende la vida de la especie humana, visible en la tala indis-criminada de bosques y la contaminación de ríos, mares, suelos y atmósfera. La alteración drástica del clima y la pérdida de la biodiversidad son sólo dos ejemplos. A este problema se adicionan el tráfico de especies y todos los im-pactos negativos causados por la acción humana irracional sobre su entorno natural. La escasez de agua en muchos lugares y la fatiga del suelo fértil ya generan conflictos entre humanos.

El quinto corresponde a lo que se denomina corrupción, entendida como aquella mentalidad y práctica depredadora de humanos entre sí cuyo ac-

39 CEPAL Informe 2008.

40 El armamentismo convencional y nuclear, la sofisticación tecnológica de las guerras, y el hiperterrorismo a toda escala se hallan en esta categoría. Ver por ejemplo, Ramonet, Ignacio (2004) Las guerras del siglo XXI. Editorial De Bolsillo, Barcelona España. Y de este miso autor (1999) Geopolítica del caos. Debate Madrid.

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cionar provoca el detrimento de la riqueza pública, y deteriora el valor público que las sociedades logran construir para el beneficio común. Además de los de-litos contra la administración pública o el robo de recursos públicos, la corrup-ción en sentido amplio, es toda acción y efecto negativo contra la integridad y la moralidad de una persona o sociedad. En este sentido, la corrupción se expresa en la ilegalidad, la ingobernabilidad, la pérdida de legitimidad, el capitalismo salvaje, el predominio del egoísmo, el enriquecimiento ilícito, y el tráfico de armas, drogas, órganos, insumos nucleares, y mano de obra.

Y el sexto problema, al parecer no causado por los humanos, son los desastres naturales. Si bien en diferentes épocas de la historia humana se han presentado grandes hecatombes, estas tienden a ser más frecuentes y con pe-ríodos más cortos de tiempo. Se dice “al parecer” porque hay dos causas: las antrópicas o provocadas por el humano, y las no antrópicas o por causas na-turales propias de la evolución cósmico-planetaria. En el primer caso, se hace referencia a la alteración del clima y la afectación de la naturaleza por causa de la industrialización y urbanización del mundo. En el segundo caso, se alude a fe-nómenos como los terremotos y cataclismos similares de carácter impredecible, y de alto impacto en las estructuras materiales y culturales de las sociedades.

En resumen existen catástrofes de dos tipos: naturales y humanas. Ya en los años setenta 70s intelectuales críticos de la cultura occidental sos-tenían: “La crisis actual avanza hacia un punto en el que o bien nos enfren-taremos con una catástrofe natural o social, o bien, antes o después de esto, los hombres reaccionarán de un modo u otro y tratarán de establecer nuevas formas de vida social que tengan un sentido para ellos. Esto no podemos ha-cerlo por ellos ni en su lugar; ni tampoco podemos decir cómo se podría hacer. Lo único que está a nuestro alcance es destruir los mitos que, más que el dinero y las armas, constituyen el obstáculo más formidable en la vía de una reconstrucción de la sociedad humana41” (Castoriadis, Cornelius 1979: 209). Décadas después se observa la recurrencia de estas catástrofes a medida que el planeta padece una sobrepoblación que supera la oferta de recursos naturales no racionalmente administrada.

6.2 LÍMITES DE RESPONSABILIDAD DEL ENTE POLICÍA ANTE LOS PROBLEMAS HUMANOS

Si el ente policía es una complejidad institucional-estatal y social, es posible afirmar que de modo directo e indirecto si existen grados de respon-

41 Attali, Castoriadis y otros (1979) “El mito del desarrollo”, Editorial Kairós, Barcelona España.

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sabilidad alta, media o baja en la encrucijada de los problemas humanos que alteran con adversidad la convivencia. Cabe preguntar luego: ¿Tienen im-portancia los problemas para el ente policía y su ciencia? ¿Qué puede hacer la ciencia de policía frente a las causas y los efectos de los problemas huma-nos? ¿Debe hacer algo? ¿Puede hacerlo? ¿Con qué limitaciones y alcances? ¿Es de su competencia generar conocimiento sobre tales problemas? ¿Qué tipo de problemas puede y debe la ciencia policial encarar especialmente? ¿Cuáles problemas afectan más la vida social que otros? ¿Todos los problemas afectan? ¿Qué rol cumple la función policial de los cuerpos de policía en el contexto problemático descrito?.

La Figura 2 “Ciencia policial y problemas humanos” sugiere pensar por lo menos en tres ideas para orientar las cuestiones precedentes. En primer lugar, la doctrina, las políticas, las estrategias, los programas y las acciones del ente policía dependen del paradigma de pensamiento predominante en un mo-mento histórico. En el caso del mundo actual, todos los Estados promulgan el discurso del bienestar humano en medio de la intrincada pugna entre interés general los intereses particulares, sea cual sea la tendencia ideológico política.

Entre tanto, se supone que las ciencias sociales de alguna manera aportan ideas para ese bienestar, pero entre ellas, la de policía, -antiguamen-te ciencia del Estado-, tiene ese especial deber: su construcción en el siglo veintiuno XXI obedece al paradigma de un mundo mejor edificado con co-nocimiento y conciencia planetaria, formalmente expresado en los derechos del ser humano a su desarrollo integral, el respeto a su vida y dignidad, y su participación en el disfrute de la prosperidad material y espiritual, según la sociedad y la cultura a la que pertenezca.

Figura 2: Ciencia policial y problemas humanos

Fuente: Suárez A. Jairo E. (2009)

Ciencia policial

Pobreza

Violencia Enfermedades

Corrupción

Deterioro ecológico Desastres naturales

FUNCIÓN POLICIALPreventiva, prospectiva,

anticipativa…Conocimiento multidimensional

CONVIVENCIAS. T. M. E.

PARADIGMAS DE PENSAMIENTO

ENTE POLICÍADoctrina, políticas, estrategias, programas, acciones…

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En segundo lugar, las instancias que componen el ente policía (quie-nes regulan, administran y ejecutan…), necesitan desarrollar ciencia policial con la meta de producir conocimiento multidimensional en permanente actualización, dada la velocidad de los cambios en la información sobre los procesos sociales y la multicausalidad y multiplicidad de efectos problemá-ticos en la convivencia. El objetivo es determinar visiones de conjunto o diagnósticos complejos, que faciliten la comprensión sencilla y la explicación clara y oportuna de los fenómenos afines a la función policial, mediante las acciones necesarias y suficientes (estrategias, programas…). Y en tercer lugar, los cuerpos de policía desde su competencia otorgada por la doctrina, las po-líticas y demás principios, han de ejecutar con mayor intensidad una función policial más prospectiva y anticipativa frente a los riesgos y las condiciones de vulnerabilidad que acechan en aumento la convivencia.

De acuerdo a las anteriores ideas, una de las tareas importantes de la ciencia policial es determinar los límites de responsabilidad del ente policía ante los mencionados problemas humanos. Se hace referencia a la tensión entre conocimiento y poder en cuanto al grado de participación y aporte de cada especialidad científica en la solución de un problema. Por ejemplo, si bien hay diferencia entre la tala de árboles (destrucción de la selva) y un ge-nocidio (exterminio de un grupo), las dos acciones cometidas por el humano implican responsabilidades distintas del Estado y su ente policía. En el pri-mer caso, el gobierno enfrenta el dilema de apoyar la industria de la madera, no afectar el trabajo de muchas familias que viven esa explotación de recursos naturales, y al tiempo, proteger los ecosistemas y el ambiente natural. En el segundo caso, el gobierno tiene la obligación inmediata de identificar, proce-sar y juzgar a quienes hayan cometido tal magnicidio.

Visto de otro modo, el núcleo común de los dos problemas es la con-vivencia: por una parte, porque el deterioro ecológico genera conflictos entre los humanos (por las fuentes de energía y sustento como el agua, obtención de energía, alimento, trabajo…), y de otra, porque la desaparición y asesinato de personas destruye la convivencia misma. En el Cuadro “Problemas huma-nos y convivencia” se sugiere la multiplicidad de implicaciones entre los gran-des problemas y sus efectos directos e indirectos en la convivencia, respecto a lo cual se necesita suficiente conocimiento sistemático para discernir y lograr

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identificar los límites y competencias de actuación del ente policía frente a dichos problemas.

Del ejemplo anterior, se puede inferir lo siguiente sobre la responsabi-lidad del Estado a través del ente policía. En primer lugar, tanto la destrucción de la selva como el exterminio de un grupo de personas, son delitos, aunque de diferente naturaleza: el primero es un delito ecológico-ambiental y el segun-do un delito de lesa humanidad. Juntos afectan la convivencia. De un lado, la violencia (genocidio…) afecta la seguridad, deteriora la moralidad pública (en el sentido gubernamental), altera la tranquilidad, y puede, eventualmen-te, destruir los ecosistemas (mediante la explosión de oleoductos por saboteos guerrilleros, accidentes nucleares inducidos, derrames de petróleo crudo en el océano, atentados terroristas…). De otro lado, el deterioro ecológico (tala de árboles…) incide en primer plano en la salud del medio ambiente, pero además, puede afectar la seguridad humana, la moralidad y también la tranquilidad.

Problemas humanos y convivencia

ENTE POLICÍA Y

CIENCIA POLICIAL

(Conocimiento sistemático del ente

policía y los fenómenos del mundo policial)

PROBLEMA HUMANO CONVIVENCIA Efectos directos e indirectos

Fuente: elaboración propia 2010

VIOLENCIA

POBREZA

CORRUPCIÓN

DETERIORO ECO.

ENFERMEDADES

DESASTRES NAT.

SEGURIDAD

MORALIDAD

TRANQUILIDAD

ECOLOGÍA

Estos ejemplos son una pequeña descripción de la compleja encru-cijada en que se encuentra inmerso el Estado y el ente policía, razón que demuestra la trascendencia y necesidad del conocimiento científico policial cuyo reto consiste en armonizar las relaciones sociales (convivencia), el po-der y la ciencia. Sin embargo, en esta labor las tendencias de pensamiento político cumplen una función determinante. Este es el último punto por mencionar.

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6.3 TENDENCIAS DE PENSAMIENTO POLÍTICO Y EL ENTE POLICÍA

Los modelos policiales -centrados en el Estado o centrados en la So-ciedad42 - dependen directamente de las tendencias de pensamiento político. Su doctrina está determinada por la ideología política predominante en un momento dado, es decir, un modelo policial estructura su régimen, su poder y su función según el tipo de gobierno. En el caso colombiano un notable po-lítico resumió este asunto así: “Habrá buena o mala policía si hay buen o mal gobierno43”. Aunque esta frase pertenece a otro contexto, sugiere la relación inherente entre política y policía, entre teoría y práctica. Entre tanto, desde este punto de vista, los diferentes problemas humanos que enfrentan los go-biernos adquieren una orientación especial con relación a la convivencia. Por ejemplo, un gobierno puede permitir que cierta comunidad viva de la explo-tación forestal desmedida en detrimento del equilibrio ecológico, o bien, por razones electorales o incapacidad de facilitar otras alternativas de empleo y subsistencia. Es decir, puede configurarse un “socialismo anti-ecológico” o lo contrario. Todo esto depende de las concepciones de individuo, de persona, de sociedad y de Estado que conciban quienes desde el gobierno toman las decisiones públicas.

Ahora bien, según la Figura 3 cada tendencia de pensamiento po-lítico determina la naturaleza del ente policía y su expresión a través de di-ferentes modelos policiales. El modelo policial se concibe como el diseño doctrinario y estratégico que determina el régimen de policía, el poder de policía y la función policial tendientes a la convivencia. El modelo se plantea para enfrentar los problemas humanos que afectan la convivencia y sus ca-tegorías (seguridad, moralidad, tranquilidad y ecología). Simultáneamente, el pensamiento político influye en la ciencia policial, ante lo cual, el conoci-miento multidimensional tiene el deber de retroalimentar al modelo, con el fin de incidir en la doctrina, las políticas, el ente y sus dinámicas respecto a los problemas.

42 Hay modelos policiales concebidos para servir más a los intereses del Estado, y otros de naturaleza civil orientados a servir a los intereses generales de la sociedad.

43 Alberto Lleras Camargo (1906 – 1990).

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Con base en las ideas enunciadas, es oportuno formular algunos in-terrogantes: ¿Es posible una nueva ciencia política y social comprometida con resolver o mitigar los problemas humanos que afectan la convivencia? ¿Tienen fundamento científico las decisiones de gobierno? ¿Tienen funda-mento científico las acciones del ente policía? ¿Qué implicaciones hay en la relación entre ideología política y ciencia? ¿Cómo se entienden los proble-mas humanos (pobreza, violencia, corrupción, …etc) desde el liberalismo, el socialismo, el republicanismo etc.? ¿Qué rol juega en la encrucijada de los problemas humanos el ente policía? ¿Son coherentes los modelos policia-les frente a tales problemas? Y en la diversidad del contexto latinoamericano ¿Cómo desarrollar la ciencia de policía desde las instituciones policiales para contribuir a la solución de los problemas que afectan la convivencia?

La última pregunta tiene una respuesta con un componente teórico y otro práctico. En cuanto al primero, es fundamental que los centros de educación y formación policial reflexionen sobre la relación entre policía, política y ciencia, y los efectos que la doctrina produce en la solución o no de los problemas que afectan a la sociedad. En cuanto al segundo, aunque los cuerpos policiales sean instituciones subordinadas al poder político de la administración pública, ellas no pueden ni deben ser simples instrumentos gubernamentales sin el conocimiento científico de su competencia: la ciencia de policía. Esta tesis solamente enunciada, implica un trabajo complejo e inaplazable para las policías del siglo XXI.

Figura 3: Tendencias de pensamiento político y modelos policiales

Fuente: Elaboración propia

Ciencia policial Régimen de P.

CONVIVENCIA

TENDENCIAS DE PENSAMIENTO

POLÍTICO

ENTE POLICÍA

MODELOS POLICIALES

Doctrina

Poder de policía

Función policial

Conocimiento multidimensional

Problemas humanos

S TM E

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a) Gnoseología, ontología y deontología policiales

Un punto de partida para avanzar en la anterior tarea, consiste en plantear los rumbos posibles que la ciencia de policía puede vislumbrar se-gún las tendencias de pensamiento político, y la necesidad de desarrollar una filosofía policial con fundamentos ontológicos (el ser), gnoseológicos (el co-nocer) y deontológicos (el deber hacer) bien claros.

Figura 4: Filosofía policial

Fuente: Elaboración propia

ENTE POLICÍAY SOCIEDAD

ONTOLOGÍASer

DEONTOLOGÍADeber hacer

GNOSEOLOGIA Conocer

En la Figura 4, se menciona la interdependencia entre los fundamen-tos que constituyen toda filosofía y ciencia en sentido estricto. En primer lugar, la ontología policial significa e implica conciencia por parte del ente policía y la sociedad sobre la naturaleza del mismo ente: si es de naturaleza civil, de énfasis militar, armado, desarmado, criminológico, etc. Este compo-nente determina la doctrina política, la filosofía institucional y el marco legal que otorga la identidad e identificación según los ideales sociales y el deber ser proclamado. En segundo lugar, la gnoseología policial significa el campo de conocimiento que el ente policía y la sociedad tienen de la realidad, es decir, las formas (ciencia, educación, creencias, cultura…) que producen las concepciones de individuo, persona, Estado y las relaciones entre el humano, sus congéneres y su entorno. Y en tercer lugar, la deontología policial signi-fica ámbito práctico de los deberes de la función policial en la sociedad. El “deber ser” exige un “deber hacer”: la doctrina y el conocimiento científico policial se materializan en las prácticas y en el trabajo cotidiano de la policía en la interacción Estado – Sociedad.

Cada uno de los anteriores fundamentos debe interpretarse de acuer-do al contexto del ente policía, razón que exige nuevamente analizar las di-ferentes tendencias políticas y las clases de ente policía que se configuran a partir de ellas.

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b) Tendencias políticas y ente policía

La siguiente descripción resume las tendencias de pensamiento político con relación al ente policía. La tesis consiste en afirmar que el ente policía adquie-re su configuración jurídico-política o su doctrina según el significado y el senti-do que le imprime cada uno de los núcleos filosóficos de la respectiva tendencia (Ver Matriz final). Como se aprecia, el liberalismo, socialismo, republicanismo, comunitarismo y conservadurismo, de acuerdo a sus énfasis de concepción filosó-fica, generan supuestos de doctrina que constituyen a su vez la naturaleza del ente policial. De forma directa e indirecta, a favor o en contra, las tendencias políticas influyen de modo determinante en el fin de la ciencia policial, es decir, en la con-vivencia. Al fin y al cabo, todo pensamiento político contiene una representación mental del individuo, la sociedad y el Estado, y dentro de éste, las instituciones y significaciones que rigen o han de regir la vida humana.

Sin embargo, la clasificación de estas tendencias de pensamiento po-lítico advierte sobre los siguientes supuestos. En primer lugar, la relación entre policía y política se explicita en cada tendencia, tanto desde el punto de vista ideológico como doctrinal, es decir, las concepciones de sujeto, sociedad y Estado determinan el modelo policial. En segundo lugar, las tendencias no son estáticas ni puras, porque en la realidad se generan híbridos o mezclas entre unas y otras con apariencia contradictoria: por ejemplo, un ente policía inspirado en una re-volución socialista combinada de republicanismo comunitario, el cual recurre a la expropiación de bienes privados bajo el argumento de la igualdad y la justicia re-distributiva de la riqueza común.

En tercer lugar, el ente policía derivado de una tendencia se materializa y expresa mediante prácticas tangibles en la vida de la sociedad, por ejemplo, la regulación de las libertades, el comportamiento permitido (moralidad…), las res-tricciones respecto al entorno natural (ecología…), entre otros aspectos. En cuar-to lugar, unas categorías del ente policía (régimen, poder y función) dependen directamente del paradigma de pensamiento, porque una cosa es un régimen de policía en un Estado socialista que en uno liberal, o bien diferente es un modelo policial comunitario en un Estado democrático que en aquel que impone un pre-dominio de raza, cultura y mentalidad. A continuación se hace alusión a cada una de las concepciones sobre el ente policía de acuerdo a cada tendencia44.

44 El lector advertirá que no se han incluido tendencias políticas basadas en el fundamentalismo religioso, dado que el concepto de “ente policía” se identifica más con concepciones de las sociedades occidentales. Se advierte también que la síntesis de cada una de las ideologías mencionadas es sólo descriptiva y genérica, y el autor las desarrolla con más amplitud y rigor en otros trabajos (Suárez Alvarez, Jairo E.

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Ente policía según el liberalismo igualitarista •

Los supuestos de doctrina indican que el ente policía tiende a ser legal garantista, para el cual, los principios de igualdad en derechos y deberes, fraternidad y cooperación entre los miembros de la sociedad son priorita-rios. El modelo policial se orienta a respetar al individuo en su libertad civil y propende por la justicia reparadora en su limitada competencia ante las inevitables desigualdades sociales.

Ente policía según el liberalismo democrático•

La doctrina liberal democrática concibe el ente policía al servicio y protección del orden jurídico-político en que prevale el respeto a las liberta-des individuales, los derechos y deberes con la Constitución. Los principios de pluralidad, tolerancia, soberanía popular y respeto a la ley inspiran mode-los de policía democrática, a favor del gobierno representativo y la búsqueda de la convivencia garantizada.

Ente policía según el neoliberalismo•

El neoliberalismo o conocido también como liberalismo Libertarista sostiene la necesidad de reducir al mínimo el Estado y su capacidad de interve-nir en la vida privada. Paradójicamente, reducir el Estado equivale a maximizar su función policiva, la cual consiste exclusivamente en garantizar la seguridad de proteger los derechos particulares como la propiedad, la libre empresa, y el cumplimiento de los contratos privados. El ente policía es sólo un ente vigilante y garante de la competitividad y la autonomía económica de los particulares.

Ente policía según el socialismo utópico•

Esta tendencia ostenta la supremacía de un ente policía “revolucio-nario” al servicio del régimen totalitario. Desde este enfoque, el uso de la fuerza por parte del Estado socialista es justificado en aras de la revolución, la igualdad absoluta, el rechazo de clases privilegiadas y el sometimiento sólo al poder del proletariado en manos de sus líderes insumisos. El ente degenera en el sentido equívoco (autoritarismo, arbitrariedad, abuso…).

Ente policía según el socialismo democrático•

En esta variante del socialismo el ente policía se concibe reformista, pues intenta conciliar el principio de igualdad colectiva con el de pluralismo.

(2006) Pensamiento político y desarrollo ciudadano, Universidad de los Andes, Bogotá Colombia).

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El modelo policial idealmente busca garantizar los derechos sociales, econó-mico-colectivos, y culturales. Rescata la dignidad humana ante los acechos individualistas de intereses particulares.

Ente policía según el republicanismo•

En esta tendencia el ente policía es eminentemente político y garan-te de la participación ciudadana en los asuntos públicos. El modelo policial se orienta hacia la generación de conductas cívicas, y también garante de la seguridad de la vida, bienes y honra, para lo cual exige disciplina ciudadana e inculca los deberes y derechos que el orden constitucional demanda en la construcción de lo público.

Ente policía según el comunitarismo•

En el Estado comunitarista el ente policía se concibe como el medio para la unificación cultural y la construcción de identidad nacional, y así, for-talecer el sentido de pertenencia y arraigo a la comunidad. En lugar de indi-viduo hay comunidad, y por ello, el modelo policial se convierte en protector de la identidad cultural comunitaria, la tradición, los valores prevalecientes y todo aquello que conviene a la convivencia comunal.

Ente policía según el conservadurismo•

Es posible inferir que el ente policía se concibe, según esta tendencia, como una autoridad de naturaleza política y en esencia ligado a la tradición, las costumbres y la moral heredada por la sociedad. Aunque en su versión antigua esta corriente no consideraba necesaria la teoría del contrato social45, su evolución en el siglo XX le condujo a comprometerse con los principios democráticos básicos del gobierno representativo, las elecciones y el Estado de derecho. No obstante, desde la óptica conservadora el ente policía debe hacer respetar las buenas costumbres, la moralidad, la tradición, la religión y la ley. Debe mantener el orden social, la justicia y evitar la tiranía de las élites sobre las masas desde un punto de vista paternal.

45 Como la perspectiva clásica del siglo XVIII en Inglaterra con Edmund Burke (1729 – 1797), quien en su obra “Reflexiones sobre la revolución en Francia” (1790), argumentó a favor de la tradición, las normas y la santidad de la ley y la autoridad, y advirtió contra la expansión gradual de la participación popular en los asuntos del Estado (Ver Macridis y Hulliung (1998: 97 – 111). Esto se debe a que la mayoría de conservadores no acepta que el pueblo o las clases bajas accedan al poder político, pues sólo los mejores y más preparados por herencia o tradición deben gobernar.

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c) Algunas implicaciones

Ahora bien, es necesario comentar lo siguiente. En primer lugar, para el liberalismo el ente policía fundamenta sus supuestos de doctrina a partir del énfasis en los derechos individuales de las personas. Por tanto, es un ente legal que pretende garantizar el pleno ejercicio de las libertades e interviene con prudencia y límite jurídico en los ámbitos privados de la vida de los su-jetos. En segundo lugar, a medida que aumenta el grado de intervención del Estado en la vida de los individuos, aumenta el riesgo de deslegitimación de la acción policial-estatal, dada la vulneración de los derechos a la libertad en el umbral de lo público/privado.

En tercer lugar, la combinación ideal para concebir un ente policía equilibrado consiste en extraer los principios de doctrina que eviten los extre-mos ideológicos: ni un Estado mínimo indiferente a las desigualdades socia-les o defensor del individualismo egoísta, pero tampoco totalitario que des-conozca la prevalencia de la dignidad humana, el pluralismo, y la importancia del derecho para garantizar la armonía entre libertad e igualdad cuyo fin haga sostenible la convivencia democrática.

También es preciso señalar, que el conservadurismo (o conservatis-mo) es y ha sido una actitud de mantener a toda costa, bien sea el poder po-lítico, económico, de privilegios, etc. En esta medida, es una ideología trans-versal aplicable a las demás tendencias políticas, porque tanto el liberal como el socialista querrán “conservar” su estatus o permanencia en el poder. En conclusión, los modelos policiales dependerán de la tendencia política que cada Estado y sociedad sustenten en la búsqueda de la legitimidad, el orden deseado y la convivencia.

Comentarios Finales

El punto de vista ontológico

El ente policía es un fenómeno histórico-político de naturaleza cí-vico-estatal. Este concepto expuesto demuestra que “policía” es una noción con diferentes sentidos (multívoco, equívoco, unívoco) y dimensiones (polí-tica, social, cultural…), y de esta forma, contiene un modo de ser de acuerdo a la sociedad a la que pertenece. Por esta razón, la ciencia de policía en Amé-

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rica Latina es una alternativa para perfeccionar (o en algunos casos reformar) las instituciones policiales que intentan servir a la sociedad. ¿Qué deben ser y cómo deben ser los cuerpos policiales según las necesidades y problemas humanos que enfrentan?. La doctrina policial (su identidad) es un objeto de estudio relevante en el contexto de las tendencias políticas y las relaciones entre policía, política y sociedad.

El punto de vista gnoseológico

La policía necesita desarrollar su ciencia. Las instituciones policiales de América Latina necesitan producir mayor conocimiento científico para hacer mejor su trabajo. El conocimiento que tienen las organizaciones poli-ciales sobre la sociedad, debe convertirse en conocimiento científico policial. Para este propósito, se deben articular las diferentes especialidades policiales en un sistema de conocimientos denominado ciencia de policía. En este sen-tido, se ha afirmado que la ciencia de policía tiene por objeto el estudio de los fenómenos del mundo policial que el ente policía enfrenta para resolver los problemas humanos que afectan la convivencia (seguridad, tranquilidad, mo-ralidad y ecología). Ahora bien, según se propuso al inicio, se ha demostrado que la relación entre filosofía política y ciencia policial adquiere importancia creciente para mejorar la convivencia, tanto al interior de cada país, como de cada uno con la comunidad internacional de naciones. En la medida que los actuales Estados de derecho afinen sus procesos de toma de decisión a partir de criterios científicos en armonía con sus tendencias ideológico-políticas, quizás la probabilidad de construir un mundo mejor aumente, y la prospecti-va de la creatividad humana logre traducir la información en conocimiento, y éste, en políticas o acciones prácticas y sencillas para la convivencia.

El punto de vista deontológico

El deber ser exige un deber hacer. En esta medida, si la policía tiene clara su naturaleza o modo de ser (ontología) y desarrolla su conocimiento científico (gnoseología), su misión en la sociedad será más coherente con el sentido unívoco del ente policía (deontología). Los cuerpos de policía cum-plen con sus deberes misionales porque los comprenden no sólo ética sino científicamente. Desde esta perspectiva, los modelos policiales toman como fin a la persona en su entorno social, y el Estado de derecho puede fortalecer sus principios constitucionales por medio de la articulación entre ley, moral y cultura. Si la comunidad de Policías latinoamericanas afianza su identidad

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en medio de la diversidad cultural por medio del desarrollo de la ciencia po-licial, es muy posible entonces, que la identificación de los problemas huma-nos confluya en problemas comunes: por ejemplo, la transnacionalización de crímenes y delitos de diversa índole (el narco-terrorismo…), situación que demanda mayor cooperación e intercambio de avances científicos para en-frentar las crisis.

Como punto final, los estudios descritos sobre ciencia de policía en América Latina corresponden a tres avances elaborados por organizaciones policiales (Argentina, Colombia y Perú), y uno desde la administración pú-blica (México). Falta sumar luego, los numerosos estudios sobre policía, para que la construcción de la nueva ciencia policial profundice y acelere las tareas pendientes46.

Matriz: Tendencias políticas y ente policía

TEN

DEN

CIA

DE

PE

NSA

MIE

NT

O

POLI

TIC

O

FUN

DA

MEN

TO

N

ÚC

LEO

FIL

O-

SÓFI

CO

SUJETO SOCIEDAD ESTADOENTE POLICÍA (Supuestos de

Doctrina)

LIBE

RA

LISM

O(D

erec

hos

)

AIgualita-

rista(Tipo Rawls)

Individuo libre civil y

políticamente, en igualdad,

solidario(Fraterno)

Regulada por principios de

Just icia. Just ifica desigualdades. Cooperativa

Neutral, interventor, de Bienest ar, “Repa-

rador”, aplica “Just icia dist ributiva”. Busca

consensos

Legal Garantista:Igualdad en

derechos y deberes. Fraternidad, libertad. Cooperación, sentido de just icia y civismo

BDemocrá-

tico

Individuo libre en la pluralidad, resp etuoso de la ley (tolerante)

Pluralist a, con gobierno

representativo, conjunto hom-

bres libres

Neutral, interventormoderado,

Const itucionalist a. Fines = convivencia

democrática

Legal Democrá-tico, Prevalece

soberanía popular, resp eto a libertades,

derechos y deberes

CLiberta-

ristaNeolibera-

lismo(Tipo

Nozick)

Individuo libre civil, política y

económicamen-te: autónomo

absolutoFin en sí mismo

(Egoíst a)

Abierta, plura-lismo fuerte, no

solidaria, Jus-ticia hist órica,

interés privado, particular,

Competitiva

MínimoNo interventorSólo Vigilante:

Policía garante de la seguridad contrac-

tual, la propiedad, el libre mercado y la competencia

individualist a

Legalista Vigi-lante

Para la seguridad po-liciva, más derechos

que deberes.Individualist a

Rest rict ivo frente a colect ividad

46 Por ejemplo, se requieren a corto plazo por lo menos dos tareas. La primera, definir una Agenda regional respecto a las necesidades de conocimiento científico policial para abordar con una visión integral y global los problemas que afectan la convivencia; y la segunda, conformar y dinamizar una Red Internacional de Ciencia de Policía que aporte sobre la discusión epistemológica de la nueva disciplina, y para que su producción contribuya a la generación de doctrina, al intercambio de experiencias, el diseño de modelos policiales, y al robustecimiento teórico y práctico de la vida del ente policía en las sociedades del mundo actual.

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TEN

DEN

CIA

DE

PE

NSA

MIE

NT

O

POLI

TIC

O

FUN

DA

MEN

TO

N

ÚC

LEO

FIL

O-

SÓFI

CO

SUJETO SOCIEDAD ESTADOENTE POLICÍA (Supuestos de

Doctrina)SO

CIA

LISM

O(I

gual

dad)

Utópico (T. Moro,

Bacon, Campanella, Proudhon)

Colect ivo, no oprimido, no explotado no alienado

insumisoanarco. Sin pro-piedad privada

Proletariado homogéneo sin clases sociales, igualdad abso-luta. Solidaria,

interdepen-diente.

Totalitario: propiedad y riqueza comunes. Igualación total. “La propiedad

individual es un robo”.

Revoluciona-rio: al servicio del régimen, paradóji-camente concebido para reprimir toda

oposición.

Democrá-tico

(Fabianos y revisionismo

de E Berst ein)

Colect ivo, participativo,

comprometido socialmente,

solidario

Igualitaria y a la vez pluralist a,

prevalece la dig-nidad humana.

Interventor para regular el mercado

(socializar los medios de produc-ción), Igualitarist a

garante del bienest ar colect ivo y los

derechos sociales, económicos, cul-

turales.

Reformista:Útil para la democra-cia social y reconocer la igualdad colect iva,

Compromete con los otros y evita

privilegios.

REPUBLICANISMO(Participación)

(mixto: entre clásico y moderno)

Ciudadano participativo en la vida públicaComprome-tido con las

inst ituciones, con NBS

Ciudadanos participativosautogobier-no, sociedad

conversacional, const ruye públi-

camente.

InterventorConst itucionalist a,

just icialist a, de bienest ar garante de libertades públicas y exige deberes con el

Est ado.Servidor Público.

Político – Ga-rante: de la partici-

pación pública,prioridad asuntos públicos, la virtud cívica, la seguridad de la vida, bienes y honra. Implica

disciplina ciudadana sobre deberes y

derechos

COMUNITARISMO(Identidad - pertenencia)(Taylor Ch, Walzer M)

Miembro perteneciente

etnopsicosocio-culturamente a

una comunidad. No individu-

alist a

Común-unidad ciudadanos

con identidad común

(Monocultural, topofilia)

Protect or de la identidad cultural.

Ideas de "bien común" interno,

nacionalist a, local. Derechos de grupo

Cultural Nacionalista: re-gionalist a, localist a. Prevalece el sentido de pertenencia, la identidad cultural

CONSERVADURISMO(Tradición - herencia)

(Edmund Burke)

Buen ciudadano resp etuoso de la tradición, la he-rencia y de la ley.

Las libertades individuales son más importantes que la "igualdad"

Implica jerar-quía de grupos y clases. es elitist a:

algunas perso-nas est án mejor preparadas que otras, unas son

superiores y otras inferiores

(la mayoria).

No se hace ni surge del "contrato", sino

de la hist oria, la tra-dición, la herencia, la cost umbre y la norma. Su poder consagrado por

la cost umbre y la tradición se con-

vierte en autoridad. Paternalist a: las

masas necesitan de los pudientes.

Político-Tradi-cionalista: debe

hacer resp etar las buenas cost umbres, la tradición, la reli-gión y la ley. Debe mantener el orden social y la just icia.

Fuente: Elaboración propia a partir de fuentes clásicas.

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Jairo Enrique Suárez Alvarez

Licenciado en Filosofía, magister en Planificación y adminis-tración del desarrollo regional Universidad de los Andes

Bogotá Colombia, estudios de doctorado en Pensamiento po-lítico, democracia y ciudadanía Universidad Pablo de Olavide Sevilla España. Exalcalde, profesor universitario, docente de

la Escuela de Posgrados de Policía, e investigador del Centro de Pensamiento Policial de la Policía Nacional de Colombia.

E – mails: [email protected] / [email protected]

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Aportes y Desafíos de las Ciencias Sociales a la Organización y la Actividad Policial

Patricio Tudela Poblete (Ph.D.)Academia Superior de Estudios Policiales

& Universidade do Chile - Chile

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RESUMEN

Se examinan algunos supuestos sobre la investigación de la policía y sus desafíos y se revisa el es-tado del arte desde las ciencias sociales, destacándose algunos de los principales temas de interés de los investigadores, los enfoques disciplinarios y aportes fundamentales de la sociología (de la policía), la psicología social y de la antropología (de una policía). Se intenta avanzar hacia la construcción de una síntesis y perspectiva común para la exploración de la policía y lo policial. Se pone especial atención en el estudio de la policía, como cultura organizacional y praxis cotidiana, subrayándose que en muchas ocasiones la cultura es más importante que cualquier otro factor, para ello se ilustra algunos rasgos. Finalmente, se formulan recomendaciones de cursos de acción a fin de promover la pesquisa interdisciplinaria y práctica para el desarrollo de la organización policial en la región y se sugiere una agenda de indagación de la cultura policial.

Introducción

La indagación sobre la policía es una actividad emergente en Amé-rica Latina. Ella tiene -al menos- dos vertientes. Una más desarrollada que la otra, pero ambas están aún en procesos embrionarios. La primera se perfila en universidades y desde las ciencias sociales, mientras que la otra se desarrolla al amparo de organismos dependientes de las propias instituciones policiales -a través de las academias-, pero esta es una actividad poco frecuente. Ambas convergen en desplegar estudios buscando promover mejoras en la actividad policial.

La investigación científica sobre la policía puede ser entendida como un proceso emergente, que configura una actividad particular, que busca la ge-

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neración y acumulación de conocimientos sobre la organización y la función policial, con la intensión de utilizar éstos en provecho de la sociedad. En rigor, podemos señalar que se trata de una pesquisa original, llevada a cabo con el obje-tivo de adquirir nuevo conocimiento, con una intención u objetivo práctico.

Lo específico de este tipo de pesquisas no radica en el empleo de algún método en particular, sino en el objeto de análisis: lo que la policía es y hace. En cualquier caso, se aspira a que la actividad investigativa sea guiada por la racionalidad propia de la ciencia y, de la mismo manera, la certeza de que el conocimiento reunido es pertinente, confiable y objetivo – esto son, por cierto, atributos decisivos para la legitimidad de esta actividad-.

El objeto es lo verdaderamente relevante. El creciente interés por es-tudiar la organización policial y su labor obedece a la sentida necesidad de generar un conocimiento que permita construir respuestas a determinadas interrogantes, que requieren respuestas urgentes, y cubrir vacíos respecto de la praxis policial en un contexto social y político cada día más desafiante.

Es difícil encontrar organizaciones policiales que no revisen o no se estén reformulando su contribución a la seguridad. En las últimas tres déca-das las policías han adquirido una relevancia de la que nunca habían gozado y se incorporan definitivamente al discurso social y político. Esa relevancia les obliga a reformularse a si mismas como una de las piezas clave de la sociedad y no como mero accesorio. Las policías no están al margen de los desarrollos propios de las sociedades contemporáneas y sus servicios –la seguridad públi-ca y ciudadana- son tan fundamentales que ellas no se circunscriben hoy ex-clusivamente al ámbito judicial y penal. Las prácticas policiales y conductas de los policías son decisivas en el desarrollo de nuestras sociedades.

En efecto, no hay duda que, entre las distintas razones, la preocu-pación por la policía –como objeto de análisis y materia de estudio- surge principalmente en respuesta a la necesidad de políticas en torno al delito, la violencia y la inseguridad en la sociedad. La promoción del desarrollo huma-no y de las políticas sociales y públicas es la clave de los procesos de reforma y modernización de la gestión de los servicios y organismos públicos en los países de la región, y la policía es uno de ellos.

Es por esta razón que precisamos, por una parte, entender el funciona-miento de la policía –porque esto es clave para las políticas de prevención del deli-

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to y la violencia en una sociedad-, y –por la otra- ocuparnos también de la manera cómo se ejerce la función policial en la sociedad –cómo actúa la policía-, pues esto es decisivo para la estética de la democracia y de sus instituciones.

Así, nuestro objeto es tanto la organización policial como lo que ella es y hace. Aquí nos ocupamos de explorar la contribución de algunas disci-plinas de las ciencias sociales a la generación de un mayor conocimiento y comprensión de ellas, sobre la base de conocimiento científico y estratégicas basadas en la evidencia, contribuyendo el desarrollo de la policía y de su mi-sión en nuestros países.

I. Consideraciones sobre la Investigación de la Policía y sus Desafíos

El término policía designa una institución, una organización y grupo social abocado al control social formal. Sin embargo, es importante advertir que una cosa es la policía y otra, distinta, es la “actividad policial”: la institu-ción y la función son dos cosas diferentes, como señala Reiner (2006, 533).

¿Qué es una institución policial? y ¿cuál es la esencia de su función?. Un enfoque conceptual llevaría sólo a una definición más entre tantas otras igual-mente legítimas o aceptables, destacando que la policía es una fuerza de seguri-dad sometida a las órdenes de las autoridades políticas, encargada de velar por el mantenimiento del orden y de la seguridad pública y ciudadana, que –además- presta una amplia gama de servicios la sociedad, teniendo un rol central en ella.

Un enfoque sistémico, por otro lado, enfatizaría las relaciones y sus manifestaciones con los componentes del sistema, más que sus atributos evi-dentes, y subrayaría su contribución, como parte de una compleja malla de interrelaciones funcionales a un propósito compartido: la coproducción de la seguridad y justicia en una sociedad.

Así, dentro de muchas posibles interrelaciones entre la sociedad, el Estado y la Policía, hay al menos dos que parecen esenciales y que deben su-brayarse: la relación Sociedad-Policía y el vínculo Estado/Gobierno-Policía (Tudela 2007, 39-75). La policía es relevante tanto en sí misma como por su contribución al necesario capital simbólico que requiere todo Estado-Nación y, especialmente, el Estado de Derecho.

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El examen de la esencia de la función policial y su estrecha asociación con el contexto sociopolítico, a la luz de la evidencia en algunos casos latinoa-mericanos, permite afirmar que la reflexión sobre la función y la organización policial toman como marco de referencia diversas situaciones comunes entre varios países: i) la reforma y modernización del estado, i) el diseño y ejecu-ción de políticas públicas de seguridad y iii) las consecuencias de éstos en los respectivos campos de desarrollo policial.

Esto es relevante, especialmente a la luz de las cifras que aportan encues-tas1 e informes2 que revelan en algunos casos enormes diferencias entre un país y otro y enormes tensiones entre la sociedad, la policía y el poder político.

Se pueden identificar tres tendencias generales, al menos, que explican procesos relevantes en los cuales se insertan policías y que hacen aún más necesa-rio el desarrollo de la investigación sobre ella, en tanto organización y práctica:

a. Democratización: Cualquiera sea la modalidad de organización policial y sus estrategias preferidas, claramente la renovación de la misión policial en lo relativo a la visión y principios democráticos es una tendencia y un imperativo en las sociedad moderna.

b. Inquietud por las estrategias y la modernización: Hay mayor pre-ocupación por la forma como se lleva a cabo la función policial. Los esfuerzos que buscan una mejora de la gestión en seguridad pública y ciudadana interpelan positivamente a las organizaciones de control social formal.

c. Control social: Hay mayor interés y desarrollo de nuevas modalida-des de control y vigilancia sobre la actuación policial, a la par de una necesidad de validación de los mecanismos adecuados para asegurar la imputabilidad y la transparencia de las acciones policiales.

En consecuencia, los procesos descritos plantean retos a las policías e implican avanzar en el desarrollo y el fortalecimiento de ciertas capacida-

1 Para una visión panorámica de la región, recomendamos revisar los resultados de los estudios “Latin American Public Opinion Project” (LAPOP), de la Vanderbilt University, con una cobertura de 23 países de la región y 36 mil entrevistas; el Latinobarómetro, que es un estudio de opinión pública que aplica anualmente alrededor de 19 mil entrevistas en 18 países de América Latina; y, el Barómetro de Gobernabilidad, estudio que recoge la opinión de la población de América Latina, España y Portugal.

2 Organización de Estados Americanos, La Seguridad Pública en las Américas: retos y oportunidades, Washington, 2008, 91 pp. FLACSO-Chile, Reporte del Sector Seguridad de América Latina y el Caribe. Programa Seguridad y Ciudadanía. Santiago, 2007, 204 pp.

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des en las organizaciones policiales. Las policías enfrentan una mayor de-manda de seguridad pública y servicios policiales, debiendo implementar una serie de innovaciones en materia de gestión con miras a alcanzar una mayor eficiencia y eficacia en sus resultados, alterando los parámetros de la evaluación de la respuesta policial. Hay, ciertamente, una transformación del paradigma de gestión, donde el producto esperado es más la seguridad que el control social (Herrera y Tudela, 2005, 5). Lo anterior se evidencia en cuatro dimensiones:

a) El diseño e implementación de nuevas estrategias de interven-ción;

b) La preocupación por la calidad de los servicios;

c) El interés por asegurar la eficacia de la acción policial en el marco de las políticas de seguridad pública y ciudadana y, consecuentemente, la capa-cidad de lograr el efecto que se desea o se espera en ambos casos; y,

d) El reposicionamiento de la legalidad y la legitimidad social como dos referentes fundamentales de una apropiada función policial, pues es ahí donde se consolida la función socio-política de una policía.

Estas tendencias, junto a otras, crean condiciones propicias para el desarrollo de un “buen gobierno” (gobernabilidad) y la “legitimidad social” de un “buen policiamiento”, términos y temas comunes que se han vuelto relevantes en los últimos años. No hay duda que las policías enfrentan una transición y en ese tránsito las ciencias sociales pueden colaborar positiva-mente, de forma tal que el cambio necesario no represente una crisis y menos un trauma en la organización. La ciencia social aplicada es una oportunidad para la mejora continua en la policía.

II. Estado del Arte de la Investigación sobre la Policía

2.1.Principales Temas le Interés le los Investigadores.

La averiguación sobre la policía -como organización y praxis- da ori-gen al encuentro de diversas disciplinas y genera un espacio común. Sin em-bargo, hay dificultades para la investigación sobre la policía y éstas no radican en las disciplinas, sino en la existencia de situaciones de diversa naturaleza.

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Ciertos factores y escenarios obstaculizan el estudio. Por ejemplo, la naturaleza diferente de las instituciones, la amplia gama de tareas y funciones que desarrollan, los diferentes tamaños, rasgos y estructuras de las organiza-ciones dificultan la comparación. Luego, a lo anterior se agrega la ausencia de fuentes de información, la escasa centralización de datos sobre la policía, el aislamiento de las organizaciones y el rechazo a informar, que hacen difícil el acceso a ella. Finalmente, la carencia de recursos para la financiación de investigaciones es también un componente fundamental. En pocos países se han desarrollado esfuerzos en esa dirección (Brasil y México). En definitiva, hoy no es posible formular aún apreciaciones contundentes y válidas, pues la evidencia empírica es todavía feble y escasa.

Todo ello contrasta con la importancia que posee la policía y revela una gran paradoja, pues existe la convicción extendida de que el desarrollo de políticas de prevención de la criminalidad y la violencia tiene como soporte principal a las policías, o bien la eficacia de esas políticas depende de mejoras en la actuación policial. No hay dudas de que los emprendimientos en busca de mejoras y cambios en pro de una mayor eficacia y calidad de los servicios policiales no sería posible sin antes conocer y entender qué es decisivo, cómo funcionan o, simplemente, por qué las estrategias policiales aplicadas en otras realidades funcionan allí pero no acá, por ejemplo.

Una mirada en detalle permite identificar ciertas temáticas de in-vestigación, muchas de ellas desarrolladas de manera embrionaria por inves-tigadores sociales en nuestra región, apoyándose fuertemente en pesquisas realizadas en países de tradición anglosajona. Las razones para ocuparse de la policía son variadas, pero entre ellas suele destacar la necesidad de cambio. En algunos casos, la actividad policial no es sólo un problema político, en el más amplio sentido de la expresión, es también parte del problema de la inseguridad y la justicia -en ocasiones hasta de impunidad. Problemas como malos procedimientos policiales, discriminación, irrespeto o violaciones de los derechos humanos y civiles, entre otros temas relevantes, marcan la agen-da pública y dan pie a estudios sobre las policías.

Las materias estudiadas varían y ponen acento en diversas facetas del quehacer policial, primando un enfoque microsocial, sumado a la preocu-pación por factores situacionales y la relación entre algunas variables parti-culares. A continuación se señalan algunos ejemplos, clasificación que –por cierto- n es exhaustiva y que sólo pretende destacar algunos de los contenidos abordados en las publicaciones e investigaciones:

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1. El papel de la policía como órgano de control social y la política (Rico y Salas 1988, Sain 2002, 2008, Sozzo 2005);

2. La organización (Sain 2008);

3. La clase social y el género (Martín 1994, GTZ-Nicaragua 2005, Rodrigues 2007, PDI 2009);

4. Los procesos de reforma (Frühling 2009);

5. Las condiciones de trabajo (Azaola 2008);

6. La conducta desviada, abuso y la discrecionalidad policial (Sch-mid 2007, Arias y Zuñiga 2008, Rodríguez, 2008);

7. Los derechos humanos en la policía (Izquierdo 2002, Candina y Lünecke 2004, Muniz 2006);

8. La relación con el desarrollo democrático (Rico y Chinchilla 2006, Kaminsky 2005);

9. Las relaciones con la comunidad y las estrategias policiales orienta-das a la comunidad (Frühling 2004, Tudela 2008);

10. La decisión de ser policía y la formación (Sirimanco 2004);

11. La socialización, carrera policial y la profesionalización (Kant de Lima 2004, Dias 2002);

12. Las prácticas policiales e identidad (Muniz 1999, Souza 2001, Oliveira 2002, Sirimarco 2004, Oliveira Junior 2007);

13. Las representaciones sociales en la policía (Ramos y Musumeci 2005, Hagen 2005);

14. Las opiniones y percepciones en y de la policía (Oliveira Ju-nior2007), entre otras.

Un breve análisis de diversas publicaciones permitiría concluir cuatro cosas:

Primero, que en América Latina -de acuerdo a la evidencia acu-• mulada relativa a la última década- las investigaciones sobre una organización y su actividad, inevitablemente producen resultados de alcance y universalidad limitados.

Esta es una conclusión que no debe sorprendernos, pues ya lo desta-caba Murphy (2005) en sus comentarios de los resultados de la conferencia de

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Kentucky (2003) y que explora las principales inquietudes de los investigadores de la policía en Estados Unidos. Él subraya que las investigaciones se basaban esencialmente en realidades locales, anglo-americanas y vinculadas a materias de quehacer policial, tales como género, raza, uso de la fuerza, tecnología, es-trategias de dirección, desarrollo del debate sobre la orientación comunitaria, es decir, materias policiales importantes en contextos sociales e institucionales de países desarrollados, pero ellas no son temáticas universales.

Segundo, la organización y la actividad o praxis policial son asumi-• das como dos campos de investigación relacionados, cada uno con problemas-temáticas y desafíos teórico-prácticos propios. Pero, ésta tiene un fuerte acento en los intereses que rodean a la policía, más que los de las organizaciones, en decir, no es totalmente evi-dente que los intereses de la policía se reflejen en dichas materias. Los investigadores de la policía están generalmente fuera de ella. A esto se agrega que lo que se investiga no necesariamente coincide con otros estudios. Es necesario, entonces, definir una agenda de exploración común, tópicos de interés compartidos para aunar es-fuerzos y facilitar el aprendizaje colectivo.

Tercero, que las investigaciones realizadas a la fecha no se enmarcan • en un proceso de pesquisa sistemática y, menos aún, puede referirse un cúmulo de conocimientos o teorías particulares que permitan arribar a generalizaciones, o bien desarrollar un enfoque holístico sobre la policía, en especial en nuestra región. Las monografías de casos son poco frecuentes y la comparación no es posible, a pesar de algunos esfuerzos de naturaleza jurídica (Ambos et al 2003).

Cuarto, que -a la luz de los desafíos que enfrentan las policías en • materia de modernización y control externo- la investigación sobre la organización y la praxis policial se relacionan y conviven con la necesidad de estudiar y reflexionar acerca de los modelos de gestión que promueven consecuentemente la eficiencia, la eficacia y la cali-dad de servicio policial y la orientación al ciudadano o usuarios.

Se trata, entonces, de un punto de encuentro que genera una ven-tana de oportunidades entre la organización policial y las ciencias sociales: los análisis pueden contribuir significativamente al propósito de recrear la misión de la policía en la sociedad, acompañando ese tránsito desde el con-trol social a la producción de seguridad, escenario que vive la mayoría de las organizaciones policiales en nuestra región.

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2.2. Enfoques Disciplinarios y Aportes Fundamentales.

Sin duda, dada la naturaleza de la policía, ella concita un amplio espectro de intereses y posibles facetas de estudio, transformándose en un campo y objeto donde la interdisciplinariedad se vuelve necesaria, en tanto estrategia investigativa más fructífera, pues ayuda a explorar y comprender una realidad multifacética y polivalente como es la función y la organización policial. Tanto la policía como los policías y su lugar social-cultural han sido el centro de la indagación de las ciencias sociales.

Tres paradigmas determinan el modelo a seguir en la exploración científica y social: El paradigma lógico–positivista o empírico–analítico y/o cuantitativo, el paradigma simbólico–interpretativo-cualitativo y, finalmente, el paradigma crítico o dialéctico. Los dos primeros son más frecuentes y tienen en común que el investigador se aproxima a la realidad privilegiando la neutra-lidad. No se investigar la realidad para emanciparla, a diferencia del último.

En la práctica, los paradigmas se diferencian en que reflejan posturas fundamentales y distintas sobre la naturaleza del conocimiento y la realidad que buscan (empírica, objetiva, material o no), la relación entre el investiga-dor y el conocimiento que privilegian (personal o impersonal), el modo de construir el conocimiento en la investigación (descubierto o construido) y el propósito de la indagación (explicación o comprensión).

En ciencia social los paradigmas no son propiedad de una discipli-na. En cada una hay uno u otro paradigma característicos o uno que es más recurrente. En ocasiones son los investigadores, mientras que en otras son las materias de interés y ciertas facetas del objeto lo que lleva a uno u otro. Ciertamente, ni los enfoques ni los estudios de policía son estrictamente dis-ciplinarios. No hay una delimitación clara.

A menudo, en el contexto de la investigación social las disciplinas son portadoras de una identidad teórico-metodológica que se construye so-bre la base de una definición de un campo y un objeto característico, des-tacando un sello particular. Sociólogos, psicólogos sociales y antropólogos miran la realidad desde puntos de vista distintos. Estas miradas no son, por cierto, excluyentes ni exclusivas, tampoco los métodos y sus técnicas. Se trata de énfasis diferentes a la hora de buscar o relevar causas y factores determi-nantes: a veces es más importante la institución, en ocasiones la interacción de los individuos con los grupos, en otras es la cultura.

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A continuación se revisa -de manera sintética- algunos aportes de cada disciplina, destacando la perspectiva que los caracteriza y, luego, nos concentramos en la perspectiva cultural.

2.2.1. Sociología (de la policía).

La sociología surge en la sociedad occidental ocupándose de las ins-tituciones modernas. Ella se dedica al estudio de la sociedad y su estructura, de la acción social y de los grupos que la conforman, y de cómo las organiza-ciones y las instituciones son creadas, mantenidas o cambiadas, y relacionan éstos con la interacción social y otros procesos de mayor envergadura y com-plejidad (macrosocial) .

La investigación sociológica subraya cómo la estructura y funciona-miento de una policía se encuentran entrelazados complejamente con diver-sos procesos sociales y revela, por ejemplo, que la institución de hoy vive una tensión entre autonomía y subordinación-dependencia en el ejercicio de su mandato. En general, el campo de exploración se concentra en la interrela-ción de la institución con otros focos y estructuras de poder en la sociedad, asimismo con el ciudadano.

La pesquisa sociológica sobre la policía tomó fuerza en Inglaterra y Estados Unidos en la década de los sesenta. En el contexto anglosajón se ocupó de describir las pautas de procedimientos policiales, las fuentes de desviación y las reformas necesarias, centrándose en el papel de la organización, en la perso-nalidad del policía y en la socialización del policía (Reiner 2006, 528).

En este campo destacan los enfoques que se focalizan en la policía como un rasgo distintivo del Estado moderno “no a modo de representación, sino como aparición paradigmática” (Galeano 2008, 103), la relación con la sociedad y, al mismo tiempo, la explicación de su comportamiento a partir de su modelo organizativo y del entorno en que trabaja. Esta perspectiva fue em-pleada por Diego Torrente (1997) en el caso de una policía de Cataluña, donde también subrayaba cómo la cultura y la percepción de riesgo, la autoridad y la racionalidad son elementos organizacionales claves que explican las respuestas policiales. Enfoque similar emplean Dellasoppa (2001) en su averiguación so-bre la policía civil en Rio de Janeiro y Beato y Marinho (2006) en el caso de las policías militares de Belo Horizonte, Rio de Janeiro y Vitória en Brasil.

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Según Sozzo (2005, 9), los estudios sociológicos en América Latina se encuentran en la infancia, recurriendo a la literatura producida en Estados Unidos, Gran Bretaña y Canadá. Con frecuencia se enfocan en lo que “la po-licía hace”, en el diseño e implementación de políticas policiales, en el deber ser de la actuación policial, su evaluación y su eficacia Algunos trabajos se han referido al uso de la fuerza policial, especialmente en Brasil y Venezuela. Otros se orientan al funcionamiento de los mecanismos de control de la ac-tividad policial, por ejemplo, en Chile (Tudela 2005) y Colombia. Un tercer grupo de investigaciones -el más recurrente- se aboca a las reformas policiales y las experiencias de “policía comunitaria” en Perú (Diez 2004), Brasil (Oli-veira 2007); Colombia, Guatemala, Nicaragua, entre otros3.

2.2.2. Psicología Social.

Este dominio interdisciplinario salva el espacio entre la psicología y la sociología y se orienta a la comprensión de la conducta social, sobre la base de estudiar los procesos de influencia social. En otras palabras, estudia cómo los pensamientos, sentimientos y comportamientos de las personas son influencia-dos por la presencia real, imaginada o implicada, de otras personas o grupos. Su sello distintivo emerge, entonces, de dos factores fundamentales. Por un lado, el interés en el individuo como participante social y, por el otro, la importancia que recibe la comprensión de los procesos sociales. En rigor, se encarga de expli-car un amplio espectro de hechos sociales: la percepción social, los prejuicios, las tensiones entre grupos, los comportamiento no verbales, entre otros.

Esta disciplina asume como supuesto la existencia independiente y observable de procesos psicológicos sociales de diferente orden al de los pro-cesos psicológicos del individuo, pero de la misma naturaleza. Típicamente, los psicólogos sociales explican el comportamiento humano como resultado de la interacción de estados mentales y situaciones sociales inmediatas.

Desde esta perspectiva, la policía es vista como organizaciones confi-guradas en torno a los aspectos socioculturales, derivados de la interacción de

3 Esta materia ha sido analizada en detalle en “Reforma y modelos de gestión policial orientados a la comunidad: aplicabilidad de los modelos Community Oriented Policing (COP) y Problem Oriented Policing (POP) en Chile”. Tesis del Master en Gestión y Dirección de la Seguridad, Universidad Autónoma de Barcelona, 2007. Parte de ella ha sido publicada en: TUDELA, Patricio; Paradigmas policiales orientados a la comunidad en América Latina: entre realismo mágico y gestión de conocimiento. En: Revista Estudios Policiales, Santiago, Nº 3, Diciembre de 2008, pp. 11 -34.

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individuos. Este enfoque es muy útil al estudiar facetas relevantes del trabajo policial: la conformidad, el liderazgo, el clima laboral, actitudes positivas o nega-tivas frente a otros y frente a actividades vinculadas al trabajo, el estrés del policía y el conflicto intergrupal. En esto un ejemplo valioso es la indagación realizada en Carabineros de Chile (Briones 2007) y que representa uno de los primeros esfuerzos en replicar estudios realizados en Estados Unidos y Australia4.

A través del acercamiento a las representaciones y prácticas propias del mundo policial, que conducen a la producción y la reproducción de las visiones internas dominantes, es posible traducir y esclarecer las distintas ló-gicas y las tensiones entre ellas y con el mundo no policial.

Desde la psicología social, Wilson (1968) identificó tres estilos poli-ciales, que denominó como “vigilante”, “legalista” y “de servicio”. Si bien estas categorizaciones son fruto de observaciones en ocho fuerzas de policía en Esta-dos Unidos (National Research Council 2004, 131 y 132; Reiner 2006, 552).

Investigaciones recientes, destacan la existencia de perfiles profesio-nales que se pueden diferenciar según su disposición a ciertos elementos pro-pios de su campo laboral o de desempeño: i) su inclinación o distancia frente al ciudadano, ii) la tolerancia a la supervisión, iii) el apego a las directrices de actuación, iv) su actitud hacia la aplicación de la ley, v) su disposición a la mantención del orden, vi) la visión sobre el trabajo policial orientado a la comunidad, vii) la agresividad o uso de la violencia, viii) la selectividad o discriminación en el ejercicio de la función policial (Paoline, 2001; Paoline, 2004). Hasta la fecha, esta es una materia no suficientemente explorada en las policías de nuestra región y menos conocemos el impacto de esto en las estra-tegias policiales de prevención y control del crimen y de relacionamiento con la comunidad y los gobiernos locales.

En este campo, sin embargo, la investigación sobre la policía toma del constructivismo5 dos términos relevantes: representaciones sociales y habi-tus. Ambos sirven para reconocer a los individuos dentro de las organizacio-nes, cómo desarrollan un campo intersubjetivo y las estrategias de adaptación

4 Mayhew C.; Occupational health and safety Risks Faced by Police Officers. En: Journal of Australian Institute of Criminology. 2001, Nº 196, pp. 1-6.

5 El constructivismo afirma que una persona, tanto en los aspectos cognitivos, sociales y afectivos del comportamiento, no es un mero producto del ambiente ni un simple resultado de sus disposiciones internas, sino una construcción propia que se va produciendo día a día como resultado de la interacción de estos dos factores.

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cognitivas a las reglas institucionales, cómo rediseñan las prácticas cotidianas compartidas y cómo razonan, o lógicas que emplean y que no siempre coin-ciden con los objetivos declarados de la institución.

En el primer caso, las representaciones sociales, todos poseen y aprenden sistemas cognitivos y esquemas interpretativos de la realidad que los rodea. Así, cuando las personas hacen referencia a algún objeto-situación social (la policía, la comunidad, el uso de la fuerza, etc.), los clasifican, ex-plican y evalúan porque tienen una representación social o imagen de ese objeto-situación. La “realidad” es una construcción social y todos participan en la construcción de ese imaginario. Cada organización posee uno o varios imaginarios y cada individuo está inserto en ellos.

En rigor los policías poseen representaciones sociales o imágenes de todos los componentes (actores, objetos o elementos) que integran su ser/ha-cer policial. Pero, al tratarse de una construcción colectiva los contenidos no son homogéneos. Aquí es cuando el término habitus es clave para entender las dinámicas de la diversidad y la heterogeneidad al interior de la sociedad y las organizaciones policiales. Todos los grupos e individuos poseen códi-gos, valores, lógicas clasificatorias, principios interpretativos y orientadores de las prácticas, que se expresan en estereotipos, opiniones, creencias, valores y normas que suelen tener una orientación actitudinal positiva o negativa que rigen o influyen con fuerza normativa, en tanto instituye los límites y las posibilidades de la forma en que actúan los miembros de una organización y la sociedad (Araya 2002,11; Oliveira 2007, 13).

Por habitus se entiende el conjunto de esquemas de obrar, pensar y sentir asociados a la posición social. Estos esquemas generativos están social-mente estructurados: han sido conformados a lo largo de la historia de cada sujeto y suponen la interiorización de la estructura social, del campo concre-to de relaciones sociales en el que el individuo social se ha conformado. Pero, al mismo tiempo, son estructurantes: son estructuras a partir de las cuales se producen los pensamientos, percepciones y acciones de la gente.

A cada posición social distinta le corresponden distintos universos de experiencias, ámbitos de prácticas, categorías de percepción y apreciación. Cada posición social tiene su propio habitus, creándose así un marco de cada

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posición social6. El habitus hace que personas de un entorno social homogé-neo tiendan a compartir estilos de vida parecidos.

En las pesquisas de la policía el habitus ha ganado relevancia, en la me-dida que se ha vuelto un principio explicativo de la generación y estructuración de prácticas y representaciones, y define los comportamientos considerados po-sitivos por el grupo, el lugar de cada individuo dentro de la organización y hasta dónde éste puede llegar en la carrera, ajustando las expectativas personales a las posibilidades objetivas, como lo destaca Hagen (2005) en tesis doctoral en psicología sobre la Policía Militar del Estado de Rio Grande do Sul en Brasil.

Siguiendo a la autora, el ambiente en que se desenvuelve el trabajo policial (delegaciones, cuartes, espacios públicos, etc.) no es el factor determi-nante para la diseminación de los valores y comportamientos compartidos por los policías, sino la cadena de experiencias desde el ambiente familiar hasta las experiencias en el mundo del trabajo. El individuo que ingresa a la profesión de policía porta su propio habitus. Este debe ser suficientemente maleable y compatible -transformado y ajustado- a los habitus diseminados por la institu-ción en la cual se inserta. Cada miembro de la organización se envuelve en una red heterogénea que explica la fragmentación y la diferencia. De esta forma, en todas las instituciones hay habitus y son la clave analítica de la evaluación de los comportamientos concordantes con los valores dominantes diseminados, creando a partir de ahí jerarquías y clasificaciones (Hagen 2005, 80).

Habitus y representaciones sociales son dos términos que ayudan a comprender las actitudes y prácticas policiales positivas y negativas, la estig-matización y las etiquetas. Pero, también sirven para comprender la existencia de rasgos propios de la conducta y las actitudes del policía, como la distancia y la sospecha o desconfianza en relación a quienes no son policías.

2.2.3. Antropología (de una policía).

La antropología surge como posibilidad científica de comprender y analizar los modos de vida de sociedades diferentes. Postula que gran parte de la

6 Con la introducción del concepto de habitus, Pierre Bourdieu busca explicar el proceso por el cual lo social se interioriza en los individuos para dar cuenta de las "concordancias" entre lo subjetivo y las estructuras objetivas Para él, la visión que cada persona tiene de la realidad social se deriva de su posición en este espacio. Las preferencias culturales no operan en un vacío social, dependen de los límites impuestos por las determinaciones objetivas. Por ello, la representación de la realidad y las prácticas de las personas son también, y sobre todo, una empresa colectiva. Bourdieu, Pierre; Cosas dichas. Editorial Gedisa, Buenos Aires, 1988.

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conducta humana es social y es aprendida, es decir, es cultura, y que ésta es una malla de significados, una realidad envolvente y dinámica. Aún cuando estudia “la cultura”, el antropólogo no admite la existencia de una realidad única, por-que asume que existe una diversidad de “culturas”. Se ocupa básicamente “del otro” (alteridad) y reconoce la diferencia y la diversidad: la “otredad cultural”7. El objeto de la antropología es en un comienzo el estudio de pueblos y culturas no occidentales (comunidades indígenas, sociedades primitivas, etc) lo que se denominó como "el otro cultural".

El interés inicial de la Antropología es el estudio de aquellas cultu-• ras que han crecido sin una tradición de escritura

Privilegia un enfoque cualitativo8 y, más que descripciones que busquen la explicación (erklären) fáctico-descriptiva de los acontecimientos que observa, promueve la comprensión (verstehen) y “la interpretación densa” de circunstan-cias sociales con alto contenido simbólico-cultural (según C. Geertz). Desde esta perspectiva, la intersubjetividad es un instrumento para conocer las realida-des humanas y no un obstáculo para el desarrollo del conocimiento.

La pesquisa antropológica sobre la policía toma fuerza en aquellos países donde la explicación sociológica no parece suficiente para compren-der procesos que no se explican por situaciones “anexas o externas al indivi-duo”, sino por factores más subjetivos y que subyacen en esas realidades. En América Latina se desarrolla al amparo de algunas universidades y centros de estudios, especialmente en México, Brasil, Perú, Argentina, Chile9. La ex-ploración asume un enfoque sociocultural, priorizando la indagación de los policías desde adentro – desde la propia organización-, ya que es ésta la que le da sentido a su ser/quehacer –.

7 Los antropólogos solemos hablar de “relativismo cultural”, lo cual significa que cada cultura tiene valor en sí misma y que no hay culturas ni sociedades superiores o inferiores. El relativismo enuncia que todos los juicios de valor son relativos a la cultura de referencia. En efecto, el significado es relativo al contexto del significante.

8 Desde esta perspectiva, los estudios se fundamentan en enfoque micro y en la búsqueda de significados contextuales y suelen basarse en fuentes que difícilmente reproducen aquella representatividad y validez exigida a la hora de explicar -sobre la base de la evidencia- situaciones que se observan en distintos momentos y realidades. Se trata de observaciones que buscan comprender, más que explicar, y que buscan reconocer el juego de subjetividades y particularidades (enfoque cualitativo).

9 Precisamente en aquellos lugares donde la antropología hace de los problemas sociales, de los problemas urbanos, de las dificultades de políticas de desarrollo, entre otras materias, su campo privilegiado, reemplazando al nativo. La comparación intercultural y la interculturalidad se lleva “a casa” y “al cuartel de policía”.

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Los antropólogos aportan al menos tres nociones básicas a la inves-tigación de la policía. Por una parte, reconocen con más facilidad el etnocen-trismo que naturalmente envuelve la mayor parte de los juicios interpretacio-nes y explicaciones que puedan darse sobre una realidad particular, haciendo evidente la inquietud por quién habla o afirma algo y desde qué lugar lo hace. Por la otra, desarrollan una visión holística, es decir, una visión del todo e integradora, capaz de concebir la realidad estudiada como compuesta de par-tes o variables -reales o conceptuales- completamente interdependientes unas de otras10; y, finalmente, aportan simultáneamente una visión emic y etic11 (desde dentro y desde fuera) de las organizaciones y los actores. En rigor, el virtuosismo del antropólogo está dado por su capacidad de penetrar en el punto de vista de los observados (enfoque emic), es decir, en conocer la vida por dentro, las ideas, sentimientos y representaciones colectivas:

“La antropología es el estudio del hombre en sociedad. Consiste en un ejercicio de ponerse en los zapatos del otro, situarse en su perspectiva para ver cómo ve el mundo. Ver a la policía desde un punto de vista antropológico implica tratar de entender los problemas cotidianos de los policías y la realidad en la que viven. Más allá de establecer a la policía como objeto de estudio, este enfoque busca mirar al otro, verse en el otro y propiciar el aprendizaje mutuo para, mediante el diálogo, lograr un enriquecimiento compartido” (Azaola 2006, 9)

Los trabajos sobre policías, desde la perspectiva de la antropología so-cial y la etnografía, tienen mayor data en Brasil y Argentina (Sirimarco 2009), concentrándose -por ejemplo- en policías civiles y militares en los Estados de Rio de Janeiro (Muniz 1999), Sao Paulo (Oliveira 2002, Izquierdo 2002) y Belo Horizonte (Souza 2001); con posterioridad se inician averiguaciones en México (Azaola 2006; Suarez de Garay 2002 y 2006) otros países (Tudela 2004). La práctica investigativa es en pequeña escala y, a veces, con una visión crítica. Se recurre con frecuencia a la observación, al estudio de casos, a la entre-vista, al análisis de documentos y, en ocasiones, al empleo de encuestas.

10 En ese sentido, la explicación de un fenómeno cultural o social no es inherente al hecho en sí, si no a las relaciones que tiene con otros elementos del sistema. La noción del antropólogo como traductor se ha ido transformando hacia la del antropólogo que interpreta y hace juegos de representación, o la de "observador/constructor/actor.

11 Los enunciados emic se refieren a distinciones del actor cultural y describen los sistemas sociales de pensamiento y de comportamiento cuyas distinciones, entidades o hechos están constituidos por categorizaciones, contrastes y distinciones percibidos por los propios participantes como reales, representativos, diferentes o apropiados. El estudio y reconstrucción desde esta perspectiva exige que se entre en el mundo de los propósitos, los sentidos y las actitudes desde los actores. Los enunciados etic, por su parte, dependen de las distinciones consideradas apropiadas por una comunidad de observadores científicos –generalmente desde la teoría y el paradigma que se emplea.

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Las pocas publicaciones coinciden en aclarar la complejidad del mun-do policial y ayudan a vislumbrar algunas situaciones socioculturales que posi-bilitan la reproducción de la policía como organización y práctica natural y co-tidiana, como nos muestra el estudio de Barros en Minas Gerais-Brasil (2005). Para ello, se recurre a la cultura como principal objeto y factor determinante.

Algunas etnografías destacan, por ejemplo, una tensión entre los marcos constructivos del orden social y el margen de indeterminación de los sujetos sociales, invitando a sumergirse en los procesos de significación y ac-ción y comprender las prácticas culturales que se dan dentro de un sistema determinado (Suarez de Garay 2001). Las investigaciones demuestran que no siempre hay un isomorfismo entre pensar-hacer y decir y que hay un con-texto social y cultural significante en el ser/hacer policía.

En síntesis, las ciencias sociales, en especial la antropología, aportan un conjunto de herramientas teóricas, conceptuales y prácticas que ayudan a dilucidar y esclarecer diversas facetas del acontecer policial.

2.3. Hacia la Construcción de una Síntesis y Perspectiva Compartida.

La revisión de la investigación sobre la policía y los enfoques que sue-len caracterizar las disciplinas ayudan a construir una perspectiva de análisis desde la cual proponemos observar y estudiar lo que la policía es y hace, la organización y la praxis policial. Compartir esto ayudaría al diálogo interdis-ciplinario y a materializar una mejor contribución de las ciencias sociales, en especial la antropología, a la institución policial y su labor.

El primero es comprender que la actividad y la función policial tie-nen una base social, que son una realidad multifactorial y que asoman di-versas dimensiones: Es fundamental ver la policía como función de Estado, como poder, como organismo, como servicio, como persona, como forma de vida, entre otras. En consecuencia, una policía es una organización y, a la vez, una práctica. Es siempre un producto particular, fruto de la convergencia de una institucionalidad, de un estilo de hacer, de una visión de mundo y de un entorno desafiante. Esta respuesta es una construcción social y cultural.

La indagación social empírica es la forma de responder ordenada y sistemáticamente a un conjunto de preguntas sobre esa realidad. La investi-

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gación sobre la policía es, de manera indiscutida, un campo que presentan diversos desafíos teóricos y prácticos en el ciclo de pesquisa, atendida la natu-raleza del objeto y de las unidades de análisis. De esta forma, la sociología, la antropología y la psicología social son herramientas disciplinarias de enorme utilidad al desarrollo policial.

El segundo es que la policía no puede verse como algo externo a la sociedad, sino como algo imbricado en ella, de la cual forma parte y que, en mayor o menor medida, refleja. Egon Bittner, uno de los primeros sociólogos norteamericanos en ocuparse de la policía, señaló alguna vez que la sociedad representa a la policía y que ésta trabaja para servir a la sociedad y que su papel es tratar todos los tipos de problemas humanos en los que la solución necesite o pueda necesitar del empleo de la fuerza (Bittner, 1990, 226 y 230; citado por Sozzo, 2005, 12).

El tercero se ampara en el constructivismo o interaccionismo sim-bólico, que nos lleva a pensar que la comunicación e interrelación de perso-nas y grupos es clave en la construcción y producción social de sentido y que las personas actúan sobre los objetos de su mundo e interactúan con otras personas a partir de significados compartidos y generados colectivamente.

De acuerdo a esto, los miembros de una organización policial partici-pan en procesos interpretativos, es decir, seleccionan, organizan, reproducen y transforman los significados en función de sus expectativas y propósitos. Así, signos, símbolos y significados son indicadores sociales que interviene en la construcción de sentido en la organización y lo mismo ocurre en mate-ria de praxis policial. De esta manera, el imaginario social que circula sobre la policía, también es consumido, reconocido y construido por ellos mismos, e influye significativamente en sus propias maneras de ser/hacer. Esto incide en sobre las estrategias y actuaciones policiales12.

El cuarto supuesto es que asumimos que el conocimiento es una crea-ción compartida a partir de la interacción entre el investigador y el investigado. En ellas los valores median o influyen la generación del conocimiento; lo que hace necesario “sumergirse en la realidad” que refleja nuestro objeto, para poder comprenderla tanto en su lógica interna como en su especificidad. Así, el esce-

12 Kant de Lima, Roberto; Policía, justicia y sociedad en el Brasil: un abordaje comparativo de los modelos de administración de conflictos en el espacio público. En: Derechos Humanos, tribunales y policía en Argentina y Brasil. Estudios de antropología jurídica. Sofía Tiscornia y María Pita (Edit.), Buenos Aires. Facultad Filosofía y Letras (ICA) UBA / Antropofagia, 2005.

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nario propio y natural para conocer la policía es la práctica cotidiana y pasos claves son el análisis inductivo y la investigación emergente. En rigor, asumir la pesquisa desde la perspectiva de los actores y protagonistas de los procesos que estudiamos es “un valor agregado” para el conocimiento de la policía.

Suárez de Garay (2001), antropóloga abocada a estudios de policía en México, señala en una de sus investigaciones que la conclusión más impor-tante que arrojaron los datos trabajados al estudiar la policía de Zona Metro-politana de Guadalajara fue que los personajes y acciones que integran una de las instituciones esenciales del Estado, la policía, son un reflejo concreto de la dinámica social en México13. En consecuencia, el mundo policial es una cul-tura que tiene su propia lógica y que para poder entenderlo, hay que analizar a la actividad y la organización desde aquellos que la conforma: los policías.

Un quinto supuesto dice relación con la interdisciplinariedad, como práctica y estrategia investigativa más apropiada, dada la naturaleza psicoso-cial y cultural del objeto: la policía como organización y como praxis. Esto se refiere a la necesidad de desarrollar un tipo de trabajo científico que requiere la colaboración de diversas disciplinas y, en general, la cooperación de espe-cialistas de distintas áreas, para alcanzar una visión y comprensión holística.

Más allá de la identidad y propósitos de cada disciplina, el conoci-miento acumulado, los distintos paradigmas14 y enfoques y el perfecciona-miento de las técnicas de recolección y análisis de la conducta humana se potencian aún más cuando se ordenan en función de una estrategia inter-disciplinaria sobre un fenómeno que –como la pobreza y el desarrollo, por ejemplo- no se reducen a una disciplina.

En el caso de Iberoamérica, esta perspectiva quedó bien plasmada hace casi dos décadas en uno de los primeros estudios sistemáticos sobre la policía en España. Realizado por Manuel Martín (1990), la investigación se basa en aproxi-marse a la organización con un enfoque que hasta hoy no deja de mostrar su vali-dez al mirar, con una visión holística, la policía como una organización compleja (enfoque histórico), la actividad policial como una profesión (análisis sociológico y psicológico) y, asimismo, como parte de un sistema de control social.

13 Suárez de Garay, Maria Eugenia; ¿Captas cómo está el trasfondo? Esbozo para un acercamiento antropológico a la policía tapatía. Athenea Digital Test, abril 2001.

14 Me refiero el cuerpo de creencias, presupuestos, reglas y procedimientos que definen como hay que hacer ciencia, en otras palabras, son los modelos de acción para la búsqueda y generación del conocimiento.

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2.4. Perspectivas de Estudio sobre la Policía y lo Policial

Las ciencias sociales son disciplinas que se ocupan de aspectos del comportamiento humano y sus actividades. Ellas examinan tanto las mani-festaciones materiales como las inmateriales de las sociedades, instituciones, organizaciones e individuos. Las ciencias sociales, en su estado actual, no pueden establecer leyes de alcance universal sobre la conducta humana. Más aún, algunas -como la antropología- no pretenden aquello, por lo que mu-chas veces el objetivo es simplemente describir, explicar o interpretar –según sea el paradigma que se emplee-, prever o predecir y, finalmente, actuar o con-trolar los hechos y conductas, si se quiere avanzar en el uso del conocimiento, interviniendo o intentando modificar la realidad observada.

La transición en cada una de las etapas descritas más arriba se basa en el empleo de un soporte fundamental: la condición de que el conocimien-to adquirido y la reflexión propia se sujeten a procedimientos consensuados por la comunidad científica (actuaciones estandarizadas sujetas a repetición y revisión) que aseguran su validez y “objetividad”, dentro de lo posible. Esta no es una condición únicamente instrumental, sino también –y hasta cier-to punto- moral, por cuanto se trata de producir un conocimiento que será empleado en función de problemáticas sociales relevantes y decisivas para el desarrollo humano, social y político en nuestros países. Hay, sin duda, una responsabilidad ineludible.

El “esclarecimiento” y la pesquisa sobre la realidad policial es instru-mental a un propósito, cual es, alcanzar mayores niveles de eficacia y calidad de los servicios policiales en pro de políticas criminales y de seguridad más pertinentes. Nadie puede negar que en los últimos años, en la mayoría de los países de la región existe una importante apuesta por desarrollar políticas más eficaces y costo eficientes. La convicción de que la calidad de las inter-venciones juega un papel fundamental en los productos, resultados e impac-tos de la respuesta u oferta pública de los servicios de seguridad e investiga-ción criminal, lleva a poner atención en qué está haciendo la policía, cómo y con qué logros15.

15 Necesitamos “estudiar” el comportamiento de las distintas variables que convergen en la inseguridad, pero también la actuación de las instituciones para comprender por qué un suceso o conjunto de sucesos criminales se dan, se mantienen, aumentan o disminuyen.

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De esta forma, las ciencias sociales16 representan el conjunto de discipli-nas que potencialmente convergen en auxilio de la indagación sobre la organiza-ción y la actividad policial, con el propósito de describir, explicar e interpretar los hechos que les son propios, reales y potenciales, objetivos y subjetivos, por medio de paradigmas, enfoques teórico-conceptuales y herramientas características. El principal aporte radica, entonces, en que pueden proporcionar a la sociedad y sus autoridades una compresión mas precisa de tales hechos. En la actualidad hay buenas razones que alimentan la convicción y un sentido de urgencia de que es necesario incursionar en estudios sobre la policía desde “adentro”:

“Necesitamos comprender de qué está hecha la policía. En este senti-do, la antropología, como ciencia comprensiva y general, que estudia el presente de cualquier cultura, puede hacer aportaciones significa-tivas en esta tarea” (Suárez de Garay 2006, 4)

En distintos países es posible observar que -al amparo del desarrollo de políticas criminales y de seguridad pública y ciudadana- las instituciones policiales inician la generación de dinámicas de servicio más participativas (coproducción), promueven actitudes y conductas más aptas para conseguir los objetivos y metas, impulsan formas de entender el papel de cada uno en la organización, sus valores, su doctrina y su ética, buscan garantizar la calidad de los procedimientos con el máximo de transparencia y procuran o intentan gestionan el cambio continuo.

En la actualidad, es común que se hable de cambios en la “cultura de la policía” -generalmente al amparo de procesos de modernización o refor-ma- aspirando a que, por ejemplo, las estrategias y actuaciones concuerden con los preceptos de una policía democrática. Asimismo, pocos ponen en duda que la gestión policial, el ejercicio del mando y las conductas de los po-licías pueden ser y en realidad son más decisivos que lo en alguna época que se pensó. La cultura puede tener repercusiones importantes en los resultados y en la forma de hacer/ser policía. Ella es incluso más relevante cuando algunas expectativas internas y externas no se cumplen.

Esto lleva la necesidad de ocuparse de desarrollar nociones, conoci-mientos, medios, competencias, etc. para remediar problemas, para corregir y

16 En rigor, el estudio de las instituciones policiales a través de un enfoque jurídico no es suficiente para comprender las complejidades de la actividad policial. Entender la policía como aparato del Estado destaca sólo aspectos formales de la institución, como si la norma legal fuese una realidad en si misma suficiente y, a su vez, una práctica social verdadera, materia que la propia observación cotidiana se encarga de demostrar que no es así.

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para facilitar un aprendizaje colectivo (organizacional). Así, es preciso inves-tigar para conocer y cambiar, es decir, para explicar y desarrollar estrategias de solución. Nada de lo anterior es posible si no se aborda la organización poli-cial como cultura. En rigor, para poder entender los procesos internos de una organización policial, debemos estudiar y conocer la cultura organizacional en ella. En otras palabras, es útil conocer el modo de ser de la organización.

En consecuencia, estimamos como muy probable que la cultura de la policía sea en los próximos años un factor cada vez más relevante y que así lo entiendan los líderes de las organizaciones, y quienes toman decisiones y ejecutan políticas de seguridad pública y ciudadana.

III. La Policía como Cultura Organizacional y Praxis Cotidiana.

3.1. La Cultura es lo que Importa.

La investigación sobre la policía (Chan 1997; Torrente 1997; Paolina 2001 y 2004; Manning 2005; Zhao y Hassell 2005) y la antropología –espe-cialmente la que se ocupa de las organizaciones- enseñan que a la hora de com-prender los hechos y concebir lo que es posible –en términos de cambio y desa-rrollo organizacional-, la cultura es una variable relevante e “independiente”. La experiencia personal en una organización de policía –la Policía de Investigacio-nes de Chile- y las investigaciones realizadas por Acha (2004) en Perú, Bretas y Poncioni (1999) en la policía civil de Río de Janeiro, Oliveira (2007) en la Policía Militar de Minas Gerais, entre otros estudios, confirman lo señalado.

Desde las primeras definiciones de cultura a fines del siglo XIX, que destacaba una aproximación positivista, pasando por una aproximación adaptativa-funcionalista, una subjetiva-ideacional y una aproximación cog-nitiva, que traslada la cultura al interior de la mente17, hasta hoy –cuando de los postulados de Clifford Geertz suelen comprender la cultura desde una

17 “La cultura es una sociedad consiste en todo aquello que conoce o cree con el fin de operar de una manera aceptable sobre sus miembros. La cultura no es un fenómeno material: no consiste en cosas, gente, conductas o emociones. Es más bien una organización de todo eso. Es la forma de las cosas que la gente tiene es su mente, sus modelos de percibirlas, de relacionarlas o de interpretarlas.”W.H.Goodenough (1957).

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aproximación simbólica18 -, las distintas perspectivas convergen en insistir que el conocimiento de la cultura es un paso clave para comprender la con-ducta las instituciones sociales y las organizaciones. Esto, llevado al mundo policial, implica afirmar que hay una estrecha interdependencia entre el desa-rrollo de la organización de policía y su cultura.

Si bien asumimos y reconocemos que nos amparamos en una pos-tura constructivista, conviene entender que la cultura es una variable interna en una organización, resultante de la interacción de individuos y grupos que generan cosmovisión, significados y conocimientos compartidos. En la prác-tica –y parafraseando a Aguirre (2004,125)- la cultura en una organización policial puede ser entendida como:

Un sistema de conocimientos que proporciona a sus miembros un mo-delo de realidad a través del cual dan sentido a su comportamiento. Este sistema está formado por un conjunto de elementos interactivos fundamentales, generados y compartidos por la organización como eficaces para alcanzar sus objetivos que cohesionan e identifican, por lo que deben ser transmitidos a los nuevos miembros.

La cultura como forma de pensar, es vista en términos de interacción social, creativa y asociada a racionalidades particulares que emergen de la in-teracción de grupos con su entorno (Aguirre 2004).

En rigor, sostenemos que la organización es cultura, es decir, que las organizaciones policiales no tienen cultura, sino que -en verdad- son cultu-ras. En consecuencia, estimamos que es un error actuar como si la cultura fuese una variable externa a la organización. Ella no es un traje o disfraz, no es anexa a ella, es verdaderamente ella. Es por ello que es sustantivo reconocer la cultura como:

a) Un conjunto de elementos fundamentales, generados y comparti-dos, por los miembros de un grupo u organización;

b) Que genera por la interacción del líder con el grupo. Las experiencias generados y luego compartidas construyen cultura organizacional;

18 La cultura es entendida como un proceso (o red, malla o entramado) de significados en un acto de comunicación, objetivos y subjetivos, entre los procesos mentales que crean los significados (la cultura en el interior de la mente) y un medio ambiente o contexto significativo (el ambiente cultural exterior de la mente, que se convierte en significativo para la cultura interior).

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c) Que precisa ser transmitida a los nuevos miembros del grupo, y esto se hace a través de la iniciación19, la enculturación20 y la socialización21;

d) Que, al ser compartida, genera identidad cultural y cohesión inter-na en la organización, y,

e) Que se espera que sea eficaz para alcanzar los objetivos de la orga-nización, de lo contrario en ocasiones habrá que cambiarla (Agui-rre 2004,159).

De acuerdo a Monjardet (2003), el análisis de la cultura profesional de los policías es el “talón de Aquiles” de todas las investigaciones sobre la policía. Esta afirmación no es exagerada, pues la cultura es verdaderamente el principio explicativo de las conductas. En rigor, en cualquier escenario –ya sea de cambio o desarrollo policial- la cultura es lo que importa, pues ella es un paradigma cognitivo para los miembros de la organización. Ella describe, explica y prescribe y consolida una visión de mundo, funda y recrea actitudes, valores, normas y creencias, conductas, entre otros componentes.

Desde esta perspectiva, estudiar y enfocarse en la cultura policial es un paso decisivo y estratégicamente relevante, porque la cultura es el núcleo profundo que hace inteligible la organización policial. Esta funciona como un filtro en diversos planos de las relaciones “policía –Estado” y “policía-sociedad”, y especialmente en las representaciones y los habitus asociados a la práctica po-licial, la seguridad pública y ciudadana y la los grupos sociales que la rodean.

Valorando los aportes Bretas y Poncioni (1999), Reiner (2006) y Battibughi (2008), a los que se suman nuestras observaciones de caso, es in-dudable que a la hora de estudiar la policía y, asimismo, su cambio y desarro-llo, deberíamos asumir las siguientes premisas:

1. Cada institución es una cultura organizacional22, que puede ser

19 La iniciación, a través de ritos de pasaje, busca introducir y marcar el ingreso y aceptación de un nuevo miembro a la organización y contribuye a la construcción de un “nosotros compartido”, asegurando una “mutación ontológica” (del “no ser” a “ser policía”).

20 La enculturación pretende transmitir los componentes de la cultura organizacional, es decir, que el funcionario policial, se apropie –haga suya- y se empodere –conozca y domine- los códigos, símbolos, signos y categorizaciones que fundan la visión y la identidad de la organización.

21 La socialización busca desarrollar habilidades y competencias sociales, es decir que el individuo interactúe de manera eficaz en la organización.

22 En términos generales, podemos entenderla como el “conjunto de elementos interactivos generados y

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traducida como los valores, las creencias, los presupuestos básicos compartidos por los miembros de una institución y que de forma consciente o inconsciente forman e influencian las imágenes y opi-niones sobre su propio ambiente o ambiente externo. La cultura policial representa un conjunto de saberes teórico-prácticos, reglas y valores, que definen un patrón específico.

2. Cada institución posee una cultura propia, que se compone de valores transversales o principios comunes en una organización policial –que, incluso, la observación empírica demuestra que son rasgos más recurrentes de lo que se podría suponer-. Estos son in-ternalizados progresivamente al ingresar a la organización y sirven de guía inconsciente para las actitudes, decisiones y conductas. A través de un sistema de socialización, los miembros de la insti-tución policial asumen un espacio simbólico que les da sentido y orienta sus acciones, lo que permite que ese espacio se reproduzca, mantenga y actualice. Así, las tareas, roles, ritos, símbolos, conoci-mientos y saberes, entre otros elementos forman parte del conjun-to del sistema cultural de la policía.

3. La cultura policial es única, pero no es homogénea. Cada organi-zación posee subculturas en su interior, que surgen experiencias comunes, de grupos que se reconocen como iguales y que compar-ten una posición específica en la organización, pudiendo incluso ser rivales o manifestar relaciones tensas y conflictos –generalmen-te son enclaves provenientes de cargos, funciones y desempeños compartidos, ordenados jerárquicamente.

4. La cultura de una organización policial incorpora, recrea y repro-duce la imagen y la función que ella posee de si misma y de otras instituciones u organizamos del sistema con las que interactúa en el cumplimiento de sus funciones institucionales. Generalmente su identidad se construye en la oposición y la diferencia (alteri-dad).

5. Para la observación de la cultura policial es necesario considerar dos niveles de articulación: uno formado por la doctrina, los re-glamentos y leyes y las políticas públicas; y otro conformado por la práctica y discursos presentes y dominantes en la institución, no

compartidos por los miembros de una organización al tratar de conseguir la misión que le da sentido a su existencia” (Aguirre 2004, 159).

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siempre efectivos, pero vitales para la comprensión de ellas. Este nivel de saber práctico se forma a partir de la interacción entre el conocimiento técnico del policía, las reglas formales establecidas y la práctica cotidiana. Así, no siempre ambos niveles se articulan de manera coherente y armónica.

6. La conducta y el accionar policial no pueden ser comprendidas cabalmente sin un estudio de la configuración y de la inserción del individuo en el grupo que posee un modelo burocrático particular una cultura característica. Se vuelve entonces fundamental pensar al policía no sólo como aquel individuo que está situado entre la institución y el ciudadano, sino también como un sujeto activo fa-miliarizado con un mundo simbólicamente estructurado.

7. El análisis de la cultura policial debe realizarse tomando en consi-deración el contexto histórico y circundante, pues ella traduce la conducta de actores externos y revela los valores que sustentan la práctica y su identidad. De esta manera, la cultura de una organiza-ción puede contener o no un ethos laboral proclive a la aplicación de políticas de seguridad pública y ciudadana y estrategias de co-producción de la seguridad (orientación a la comunidad).

3.2. Rasgos de la Cultura Policial.

Si bien la existencia de una cultura policial, es decir, de un conjunto de saberes teóricos, técnicos y prácticos de ritos, símbolos, creencias y voca-blos, etc., es el rasgo más reconocido, al mismo tiempo es el menos conocido. Esa es una paradoja de nuestras investigaciones sobre la policía, pues las ex-plicaciones culturales –que no suelen dar únicamente los antropólogos- son las más aceptadas y, al mismo tiempo, las que más han ayudado a reconocer un espacio e identidad propia en las investigaciones sobre la policía, sus ac-tuaciones y su organización.

Los estudios realizados hablan de ciertos rasgos comunes y de una heterogeneidad de construcciones que han hecho diversos investigadores en sus trayectorias investigativas en las últimas tres décadas. Es por esa razón que aquí se resume un conjunto de afirmaciones que relacionan cultura policial, organización y conducta individual o desempeño profesional, pues esto ayu-da a demostrar la relevancia y necesidad de enfocarse en esta dimensión y en promover investigaciones de esta naturaleza

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3.2.1. La Cultura Policial no es nn Estereotipo.

Ella no debe ser vista como el fruto de una estructura y menos como un reflejo fiel de la sociedad. La cultura es, más bien, una construcción co-lectiva, que identifica a los policías que comparten ciertas creencias y cate-gorizaciones derivadas de sus experiencias en el campo social y en su labor. El individuo –el policía- no es un ser pasivo que replica lo que “le viene dado desde afuera”.

En efecto, en ocasiones los propios policías construyen estereotipos de si mismos. Así, se trata entonces de actores y protagonistas que simbolizan, marcan y norman el espacio mismo del ser/quehacer policiaco. En las policías existe ritualización, códigos de conducta que prescriben las interacciones en-tre sus integrantes y otros. Hay doctrinas, reglas, fines, etc. Eso puede verse “desde afuera”.

Pero, al mismo tiempo, existe una realidad que se deja ver en la prác-tica policial cotidiana, situaciones conflictivas y ambiguas son resueltas a través del saber práctico, hay autonomía y discrecionalidad no se dan sin un contexto de referencia, pues la adhesión a la cultura dominante de la organi-zación genera un habitus y un campo que sirven para promover y mantener visiones sobre el trabajo policial y sobre cómo debe realizarse (National Re-search Council 2004, 131).

El estudio de la policía, como cultura organizacional, obliga a em-plear una mirada fenomenológica –desde adentro- y una estrategia de inves-tigación cualitativa generalmente emergente23.

3.2.2. La Cultura Policial Específica, Atribuible a una Ocu-pación y una organización particular.

Existe consenso en señalar que la función y la práctica policial son más determinantes que el propio contexto en el que si insertan los policías

23 A pesar de los limites de una investigación cualitativa, también existe el peligro o riesgo de quedarse en la superficialidad de las manifestaciones, es decir, en lo visible, en lo verbalizable, en lo dicho, ocultando las prácticas reales y las paradojas. Es frecuente, por ejemplo, que las historias -narradas por los propios miembros de la policía en función o retiro- tiendan a distorsionar los hechos y estos sean reinterpretados siguiendo categorizaciones aprendidas y que ordenan la realidad en su propio beneficio.

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(National Research Council 2004, 131 y 133). Algunos rasgos son inheren-tes a la actividad policial. Skolnick (1966) afirmaba que la existencia de una cultura específica de las fuerzas policiales surgía mediante elementos perma-nentes de las actividades que realizan (peligro, autoridad, eficiencia).

Esta idea ha sido profusamente empleada, destacándose, por ejem-plo, que el poder de policía, la presencia (potencial) del peligro o la impo-sición o ejercicio de la autoridad son los verdaderos elementos que ayudan construir la personalidad del trabajo policial, no como un fenómeno psicoló-gico individual, sino como una cultura socialmente construida, derivada de procesos de socialización laboral.

Se afirma que la cultura policial varía, pero poco, pues se trataría de manifestaciones o respuestas adaptativas a un ambiente de trabajo caracteri-zado por la incertidumbre, el peligro, la desconfianza, la autoridad y el uso del poder coercitivo, que además sirve para manejar la tensión que origina el trabajo. Esta sería una respuesta o solución a problemas y tensiones inheren-tes al trabajo policial. Esta situación implicaría una serie de desafíos (como la presión por obtener resultados mediante el respeto a los procedimientos, a la ley y los derechos humanos y ciudadanos) que generan respuestas que, en la medida que van conformando matrices de sentido y patrones de actuación, hacen la cultura policial de la organización: reglas informales, ritos de pasaje, recetas para enfrentar las situaciones, que conforman y estructuran los mo-dos de ser y hacer de los policías. Así, el policía vive la tensión permanente entre el ser y el deber ser, entre lo que las normas dictan y lo que las necesi-dades del momento imponen. De esta forma, las decisiones tomadas “en la calle” no siempre refleja el discurso legal, aún cuando al final éste pasa a ser dominante o referente obligado a la hora de informar. Esta situación que ha sido observada en distintos países (Azaola 2006, 11 y 12; Reiner 2006, 547; Suarez de Garay 2006, 6).

Los investigadores – anglosajones, españoles y brasileños – suelen subrayar que la profesión de policía involucra la posibilidad real de involu-crarse en situaciones tensas peligrosas y que eso influye de manera significati-va sobre la conducta de persona. Así, el peligro, el poder y la fuerza son aspec-tos fundamentales de la construcción simbólica de la actividad y desempeño policial. Éste, sumado al característico espíritu de cuerpo, que se apoya en una brecha que usualmente la diferencia y aleja de la sociedad civil, ayuda a cons-truir la noción de que sólo un policía es capaz de entender el servicio policial.

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De ahí que uno de los rasgos más recurrentes sea el sentido de misión (Muniz 1999), que refuerza la idea de que no se trata apenas de un trabajo. Es un estilo de vida que se enriquece por y con el propósito que persigue: servir / controlar al ciudadano. El mandato policial es constantemente reforzado, en ritos que comienzan en los primeros años de formación, al iniciar el día y en la solemnidad de las ceremonias (Souza 2001). Es decir, desde la socializa-ción en la organización se produce una subordinación a un “cuerpo” mayor, más importante que el propio. La organización se vuelve más importante que la persona y el sacrificio se justifica en función de la misión constitucional.

Lo anterior permitiría hablar de una identidad profesional universal de ser policía24 y de una visión de mundo particular, colmada de creencias, mitos y valores distintos a los de un ciudadano “no-policía”. Un ejemplo de aquello es la creencia de que el trabajo policial no sólo es indispensable, sino también un estilo de vida insustituible (“si no lo hacemos nosotros, entonces quién?”).

3.2.3. La cultura policial no es homogénea y que hay diferen-cias importantes al interior de las organizaciones y entre éstas (subculturas).

No hay duda que existe una diversidad de policías, modelos orga-nizacionales y reglas informales distintas, dependiendo de la historia local-social-institucional. No obstante, hay rasgos comunes. Las claves de la cultu-ra policial contemporánea serían un conjunto de actitudes o universales de la cultura policial que ha sido destacada en diversos publicaciones, replicando –con variaciones- lo señalado por Skolnick (1966) hace cuatro décadas: i) La suspicacia y desconfianza en relación a los no-policías; ii) La solidaridad interna; iii) El aislamiento social; iv) El conservadurismo; v) El racismo; y, vi) El machismo. En este caso, la cultura muestra diferencias entre organiza-ciones y grupos de policías al interior de éstas.

24 “Independentemente das características organizacionais das polícias nos diversos contextos sociais em que se fazem presentes ou de seu caráter civil ou militar, há algo em comum na experiência ou atividade policial que acaba por favorecer a emergência de uma forma peculiar de conceber seu trabalho, sua relação com a sociedade e com a população criminosa. Nesse sentido, a cultura policial ultrapassa todas as fronteiras nacionais, constituindo uma identidade profissional internacional do ser policial. O substrato dessa cultura elementar do policial seria o compartilhamento de traços inerentes ao trabalho de combate ao crime, quais sejam, a presença constante do perigo, o mandato do uso da autoridade e da força coercitiva” (SOUZA y SAPORI 2001, 184).

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Si bien se trata de una materia no suficientemente estudiada en nuestro contexto latinoamericano, hay evidencia que lleva a pensar que hay tendencias cognitivas y estructuras de pensamiento –racionalidades- que son propias del policía, dadas las circunstancias en las que desenvuelven sus la-bores y que se vinculan con la socialización (Britz 1997, 127-146). Es decir, no se trataría de un fenómeno psicológico individual, sino de una respuesta a una combinación única de factores que se da en el desarrollo de la fun-ción policial: peligro, autoridad, presión por la eficacia, etc. De esta forma, la investigación ha llevado a sostener que habría personalidades ocupaciona-les en las organizaciones policiales vinculadas a los procesos de socialización (Mcnamara 1999, 6-9; National Research Council 2004, 131 y 132; Paoline 2004, 205–236; Reiner 2006, 552).

No obstante, las policías son verdaderos archipiélagos, culturalmen-te heterogéneos. Es por ello que, con mayor énfasis en algunos casos y con variaciones entre una y otra organización policial, se habla de subculturas policiales, que anidan en las organizaciones, dando vitalidad a los grupos internos25 y que reproducen sus habitus compuestos de categorizaciones y representaciones particulares, agregando un conjunto de clasificaciones y orde-namientos del mundo del policía y de los propios policías. De esta forma, se pueden reconocer diversas clasificaciones y categorizaciones:

1. la separación entre “la calle” v/s “lo administrativo-oficina”;

2. el “mando superior” v/s el “subalterno”;

3. la obediencia v/s la independencia;

4. la discrecionalidad v/s el fiel seguimiento de la norma;

5. el policía v/s el paisano (civil);

6. el policía uniformado v/s el no uniformado;

7. el policía dedicado a labores preventivas v/s el detective o investigador;

8. el policía “operativo” v/s el “analista”;

9. la “antigüedad” v/s el mérito;

10. lo “militar” (tradición castrense) v/s “lo civil”

11. las clasificaciones de los propios policías de sus pares en función de la for-ma cómo trabajan y se relacionan con el mando superior (poder), etc.

25 Son formas culturales que no tienen autonomía para vertebrar a un grupo autónomo (Aguirre 2004, 135).

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Mientras Reiner destaca que la cultura policial no es monolítica y que ella varía según las situaciones y contextos, Hagen (2005) también sostiene que ésta no agota todas las posibilidades de análisis de la actividad policial. Para ella la cultura policial está ligada a la situación de trabajo y a variaciones derivadas de dis-tribuciones diferentes del capital social y la solidaridad interna, dejando de lado otros condicionantes como son, por ejemplo, los diversos intereses de la institu-ción policial, los intereses de los policías y los conflictos con el poder político.

Hay, en definitiva, diversos planos de normas vigentes y que enmar-can la actuación del policía: “reglas operativas” –basadas en la experiencia y el saber policial-, lineamientos formales –que sancionan o inhiben de manera efectiva- y “reglas oficiales” –que no llegan a ser relevantes en la práctica, pero que son referentes claves en el discurso oficial de una policía (Smith 1983).

3.2.4. La Cultura Policial, las Creencias y el Aislamiento Social.

Se ha destacado que el mapa social de los policías distingue entre aquellos personas, situaciones y lugares que pueden representar u problema o no. Con frecuencia, la cultura policial tiende a no ser muy transparente a los ojos externos y a evitar rendir cuenta ante “extraños” o “ajenos” a la organiza-ción. Incluso los ciudadanos son objeto de diferenciación según el grado de peligro y amenaza que representan y las situaciones en las que se desarrolla la interacción o encuentro (Oliverira, 2007, 91). Se ha destacado que la activi-dad policial tiene un sello discriminatorio, que no puede o debe ser ignorado: la sospecha. El policía se mueve por la desconfianza, la estigmatización y los prejuicios compartidos por la cultura policial y gran parte de la sociedad. En este contexto, destacan las investigaciones que publican Ramos y Musumeci (2005, 71-100) sobre la policía militar de Rio de Janeiro.

En ocasiones también se subraya la opacidad de las policías a la in-dagación de investigadores “externos”, siendo éstas en la mayoría de las oca-siones refractarias a dichos esfuerzos. En Argentina, por ejemplo, donde los estudios se concentran en la Ciudad y Provincia de Buenos Aires, y la Pro-vincia de Santa Fe, se señalan prácticas tanto de las autoridades políticas y policiales como de la cúpula policial que valora positivamente el secreto, el silencio y la simulación –la denegación de acceso a la información estadística y a documentos institucionales-, o la prohibición a los funcionarios de hablar de asuntos referidos a la institución sin autorización del superior jerárquico

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(Sozzo, 2005, 11). Cuando ello ocurre, los policías se convierten en incom-prendidos e incomprensibles para el resto de la sociedad26.

3.2.5. Cultura, socialización, entrenamiento y conducta funcionaria.

Los elementos estructurantes en la socialización y formación policial son sustantivos. Los procesos de socialización y de construcción de identidad son decisivos y provocan cambios en las orientaciones valoricas (McNamara 1999, 6; Stradling et al 2006, 131-147). La investigación sugiere que el re-cluta o aspirante a policía ingresa con altos ideales y altos estándares éticos. Ya en los primeros años de instrucción policial se producen ligeros cambios en las actitudes y valores, cambios que se acentúan con los años (Ford 2003, 84-110). Asimismo, la socialización en ambientes laborales es un proceso continuo que lleva a ajustes permanentes cuyo éxito repercute en el bienestar personal y en actitudes positivas hacia el trabajo (Bravo et al, 2004, 17-33).

Roberto Kant de Lima (2004), investigador brasileño instaló un importante punto en el debate sobre la socialización del policía y su entre-namiento. Según él, cuando se cuestiona el desempeño de los policías se acos-tumbra relacionar el mal desempeño con la mala preparación (o la falta de ella) y atribuir ésta a una mala calidad de la formación de origen. A pesar de que en muchos casos la relación sea procedente, sobre todo en el uso de arma de fuego, el autor indaga sobre si realmente el mal desempeño en general es resultado de mala preparación o de la falta de ella, o si no resulta de factores de otro orden. Y pregunta enseguida: ¿aquello que se está llamando de mal desempeño es realmente eso o se trata de un desempeño según un modelo que, en su raíz, legitima determinadas acciones?, aquellas que son las espera-das por la sociedad y sus autoridades.

En la misma línea Muniz (2001), que afirma que las policías pasan por dilemas y paradojas en su formación educacional. Según la autora, entre las cuestiones más candentes que movilizan el debate público sobre reforma de las policías brasileñas, se destaca el proceso formativo de los policías militares.

26 Estas imágenes culturales hablan de una relación profundamente conflictiva que alimenta, decisivamente, las expectativas, las formas y los modos de ser policía. Pero también los modos en que una institución y una cultura del orden comparten con la ciudadanía, con los otros una fluidez entre la norma y la anomia que termina por dibujar un territorio social contradictorio, ambivalente y paradójico.

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Nótese que, salvo raras excepciones, las principales críticas de la población y de los grupos civiles organizados señalan la brutalidad policial, de uso excesivo de la fuerza y la discrecionalidad del poder de policía, como los efectos perversos de la “falta de preparación” y de la “baja calificación profesional” de los policías militares. Se reportan, por lo tanto, la inconsistencia entre la misión de los po-licías de “servir y proteger” al ciudadano preservando un orden público demo-crático y contemporáneo, y los conocimientos, técnicas y hábitos aprendidos por los Policías Militares, que todavía estarían reflejando las doctrinas.

La socialización y el entrenamiento para desempeñarse en un rol ocupacional no acontecen de la misma manera. Por una parte, lo formal y lo informal suelen dictaminar orientaciones inconsistentes. ¿Por qué, muchas veces, el conocimiento que se aprende en las academias no se traduce en una práctica diaria profesional? y ¿qué viven los policías en las calles y por qué esta experiencias muchas veces no son compatibles con lo que se enseña y utiliza en las academias de policía?, son interrogantes que ponen en el debate la relación entre socialización y enculturación y profesionalización de la policía. En la ac-tualidad en los países latinoamericanos existe una gran disparidad de modelos educativos, que atienden desde luego, a las características socio-jurídicas de cada nación. Sin embargo, es posible que se encuentren más semejanzas que di-ferencias y que los desafíos en modelos y criterios de formación sean similares, así también la investigación sobre estas materias. En este contexto, la relación entre modernización y reforma en la educación ha sido un paso decisivo en los procesos de cambio organizacional llevados a cabo desde la década de los noventa en la policía australiana (Casey 2001, 175)27.

3.2.6. La cultura policial es un factor decisivo que puede con-tribuir o evitar el comportamiento irregular del policía.

La literatura anglosajona y la observación en países latinoamerica-nos destacan las conductas desviadas como uno de los focos más problemá-ticos de la praxis policial, como exploran los estudios del Barómetro de las Américas (Cruz 2009; Orces 2008). Diversos estudios correlacionan ambas variables (Mcnamara 1999, 9-10; Kutnjak 2005, 63-96) y se han destacado

27 Casey, John; Las reformas en la formación de la policía en Australia. Revista Catalana de Seguretat Pública, 2001, Vol. 9, pp.169-184.

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que la poca visibilidad y el escaso desarrollo de la supervisión y control social externo o vigilancia civil se transforman en fuentes potenciales de desviación en el ejercicio de la labor policial, como destaca Hubert Williams (2002), Presidente de Police Fundation28.

En los países anglosajones –Estados Unidos e Inglaterra-, las obser-vaciones sobre la cultura policial surgen tan pronto se realizan indagaciones sobre las actividades de los policías y se constata la brecha entre las reglas y normas de procedimientos y las actuaciones mismas, es decir, cuando se comprueba que no existe un isomorfismo entre la práctica policial y la nor-ma, y las contradicciones entre el ser y el hacer, así como entre el decir y el no hacer, se vuelven evidentes. Esa distancia surge, según afirma el consenso general, como fruto de la discrecionalidad en la que debe trabajar el policía y respuesta a la tensión entre el control del delito y los procesos o directrices de la legalidad exigida. Es un hecho conocido que la praxis policial goza de un importante grado de autonomía y que “la calle manda”29.

En este sentido, la cultura policial puede ser comprendida como el conjunto de matrices de actuación no escritos, en el cual se cruzan las prácti-cas cotidianas, la legalidad y los reglamentos, como también los proyectos y objetivos del Estado, además de las presiones que provienen de la sociedad. Eso significa que no siempre el parámetro legal es visto como el principal orientador de las acciones policiales, como reveló el estudio del Servicio de Policía de Queensland, Australia30.

Con frecuencia se señala que la violencia, la conducta desviada y la corrupción policial –por ejemplo- son asumidas como actuaciones que obedecen a una cultura policial dominante y que el problema no radica en la existencia de un espíritu de cuerpo en la organización, sino en el oculta-miento de la conducta desviada (código del silencio) y el abuso de poder

28 Williams, Hubert; Core factors of police corruption across de the world; en: Forum on Crime and Society, 2002, Vol. 2, Nº 1, pp.85-99.

29 Por ejemplo, la discrecionalidad del policía –dadas las situaciones que debe enfrentar- es un factor característico que no puede subestimarse, que ha sido destacada por diversos investigadores. Ésta pone en evidencia que la actuación policial no sólo no es mecánica, sino que también es esencialmente práctica y orientada a la acción, lo que no significa que la norma siempre quede de lado.

30 Ede, Andrew; The prevention of police corruption and misconduct: a criminological analysis of complaints against police. Tesis doctoral en Criminología y Justicia Criminal de la Griffith University, Australia, 2000, 290 pp.

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frente a la sociedad, como se ha destacado en relación al casos de algunas de las policías de Argentina31 o México32.

De esta forma, la exploración sobre la cultura policial muestran que hay patrones de conducta policial en una determinada época y que al averi-guar hasta qué punto y por qué hay acciones que se alejan de la norma escrita, de la ley y de la deontología policial, el habitus y las representaciones sociales hacen posible una cultura que tolera y que las considerada normales o validas y, en algunos casos, hasta necesarias.

3.2.7. La actuación policial depende de la cultura política y organizacional.

La evidencia revela que la práctica policial es diversa y se vincula es-trechamente a la cultura política local y la cultura organizacional, conceptos que había sido destacados por Wilson (Variety of Police Behavior, 1968), cuando analizaba la conducta organizacional del policía y señalaba la existen-cia de estilos distintos de actuación (legalista, vigilante y orientado al servi-cio). En el primer caso, la cultura política se refiere al poder, el ejercicio del liderazgo, la instrumentación de la autoridad (autoritarismo u orientación democrática) y a las expectativas sobre cómo deben materializarse los objeti-vos de un gobierno (gobernabilidad) y la comprensión sobre lo que legitima la actuación del Estado-Gobierno (democracia v/s autoritarismo):

"La policía suele ser un reflejo de la cultura general y sobre todo de la cul-tura política de un país. Comparte sus vicios y sus virtudes. Si se la quiere cambiar, hay que tratar de cambiar el espíritu de toda la administra-ción pública e incluso de la sociedad" (Waldmann 1996, introducción)

Tres décadas después las investigaciones no sólo ratifican la relevan-cia de una aproximación cultural a la organización y a la práctica policial, sino

31 World Organization Against Torture (OMCT) y Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS); Informe “Descripción de las prácticas a través de las cuales se ejercen la violencia institucional y no institucional en la Argentina y análisis de los factores que permiten y/o favorecen la victimización de sectores socioeconómicamente vulnerables, Buenos Aires, 2006, 282 pp.

32 A modo de ejemplo, corresponde citar las observaciones respecto de algunas policías en México “Encontramos al interior de las policías estructuras ilegales simultáneas que se montan sobre la estructura legal de la institución, de modo que se superponen los saberes para la ilegalidad sobre los saberes legales. A través de estas estructuras simultáneas han prevalecido símbolos, valores y normas distintos de los que deberían regir a un cuerpo policial profesionalizado. A través de los mecanismos de lealtad, identificación, pertenencia y jerarquización se ha institucionalizado lo no escrito, lo no legal, la ley del más fuerte y de los veteranos” (Suarez de Garay, 2006, 5).

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que también subrayan que las variaciones dependen de contextos sociales y políticos específicos en los que se insertan los policías. David Klinger (2004) destaca que éstas no son entes aislados y que los factores organizacionales y ambientales determinan la conducta de los policías ante los ciudadanos, enfatizando que fuerzas externas –como las directrices de la política- efec-tivamente penetran e influyen sobre la policía. Evidencia más reciente, en el marco de la comparación intercultural, demuestra que las creencias ocu-pacionales de los oficiales de policía, las expectativas y las perspectivas son influenciadas principalmente por los contextos sociales, políticos, culturales y organizacionales en los que trabajan (Sun y Chu 2008, 5-23).

En consecuencia, hay buenos argumentos para sostener que las estra-tegias policiales pueden verse favorecidas o afectados por las elites de poder, tanto al interior de la organización como fuera de ellas (Reiner, 2006, 553) y que, por ejemplo, la orientación al ciudadano es clave (Tudela 2004). La cultura política democrática es más decisiva para las estrategias policiales, el cambio organizacional y la innovación (Greene 2006; Paolline 2004, 209)33. En esta dirección apunta la investigación de Souza (2001), Quintana et al (2003), Kant de Lima (2003) y Beato y Marinho (2006) en Brasil.

Como señala Battibugli (2008), de la Universidad de Sao Paulo, el concepto de cultura policial sirve para comprender los valores y las prácticas institucionales que forman la identidad del profesional y que ella está inmer-sa en un cuerpo social reflejando sus valores y conductas. De este modo, es preciso analizar la interrelación existente entre la cultura policial y las parti-cularidades de la sociedad (brasilera) en el trato con los ciudadanos.

Aunque hay rasgos y tendencias comunes, que dan señas de una cultura policial “básica”, el estilo y la intensidad de las manifestaciones varían. Hay contextos sociales y políticos que explican esas diferencias. La cultura policial es sensible a las presiones y estímulos de su entorno. Una variable estructural relevante es la reforma policial en América Lati-na. Ésta, con sus distintos niveles de desarrollo y expectativas locales, es un buen ejemplo de cómo la administración policial (que depende más del poder político de turno), puede propiciar cambios para promover la cultura de la legalidad o democrática.

33 Greene, Jack; La policía de proximidad en Estados Unidos: cambios en la naturaleza, estructura y funciones de la policía”, pp. 349-424; Justicia Penal Siglo XXI. Una selección de Criminal Justice 2000, Rosemary Barberet y Jesús Barquín (Edit.), Granada, 2006, 460 pp.

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En este sentido debemos insistir que cualquier reforma implica un cambio de paradigma en la organización, es decir, en la cultura policial, de manera tal que permita a la institución adaptarse a los principios y reglas del juego democrático. Desatender esa realidad se vuelve el talón de Aquiles de cualquier cambio en favor de una gestión policial eficaz y de calidad a los ojos de los usuarios de los servicios que prestar una organización.

Un hecho indiscutible es que en la medida que avanza la democrati-zación de la sociedad, en tanto la cultura política de los ciudadanos e institu-ciones republicanas evoluciona, de la misma forma se producen cambios sus-tanciales en el funcionamiento de los órganos del Estado, luego, en la cultura organizacional de la policía y en la cultura política del policía.

3.2.8. Cultura policial y cambio organizacional.

En la última década se ha instalado con fuerza la convicción de que en muchos casos son necesarios cambios en la “cultura de la policía”, ya que ella no es un accidente y menos un factor que pueda soslayarse. Nuestras in-dagaciones nos llevan a sostener que uno de los primeros estudios sobre po-licías realizados en Iberoamérica y que tiene como contexto el cambio en la organización fue realizado sobre una policía de Barcelona por Manuel Mar-tín (1990) en un momento sociopolítico marcado por la democratización en España. En otro ámbito, al amparo de una crisis de legitimidad social, el estudio de Janet Chan (1997) sobre el racismo y la reforma policial en Australia entrega interesantes luces y examina cómo el cambio y la resistencia dentro de una organización de policía no sólo son complejos, sino también impredecibles. Ella sostiene que hay una estrecha interrelación entre las con-diciones estructurales de trabajo, el conocimiento de la cultura policial y la práctica policial.

Aún cuando esa línea de pesquisa no ha sido explorada con la pro-fundizada aconsejable en países de la región, recientes estudios demuestran que la cultura de la organización y su influencia en la conducta funcionaria es decisiva, especialmente en la ejecución de las estrategias policiales y el cambio en la organización, especialmente si implican una orientación comunitaria (Giacomazzi y Brody 2004, 37-55; Sollund 2007, 184-184). La construcción o búsqueda de sentido es un proceso que en los miembros de una organiza-ción involucra la explicación de su mundo. Esto es importante, porque –en

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ocasiones- la cultura dominante actúa como “filtro” o procesa las presiones dirigidas a mejorar el servicio policial como si fuesen verdaderas amenazas a la organización y a la identidad de la policía (se afirma que algunos cambios llevan a perder la “esencia de la función policial”).

Esta situación es explicada por Chan (2007, 323-345) apelando a los conceptos de campo y habitus de Bourdieu, que ayudan relacionar la cultura policial y práctica y permiten describir cómo los oficiales traducen los cambios en “formas compartidas de entendimiento” y los valores que in-forman su habitus laboral. Cuando se enfrentan al cambio en su medio, los policías intentan construir sentidos (interpretaciones) de las incertidumbres, perturbaciones o problemas y “representan” sus interpretaciones sobre las si-tuaciones para dar un sentido y orden a los acontecimientos. Los discursos que manifiestan la resistencia son relevantes. Así, en determinados contexto, la cultura policial es también un impedimento para el cambio organizacional en la propia policía. La resistencia –derivada de una matriz cultural que re-chaza la innovación y la mejora continua es un aspecto observado en diversas policías del mundo (Chan 1997, Sollund 2007, Loftus 2008).

En esta misma línea la cultura policial dominante también puede re-presentar un obstáculo para la responsabilización, la vigilancia civil o control externo y la rendición de cuentas (accountability policial). Por ejemplo, el estu-dio el cambio en la Policía de Hong Kong hacia una institución más profesional y muestra como la tradición paramilitar limita el cambio. Cuando ocurrieron los cambios, estos fueron inducidos de manera extra institucional y fueron lo suficientemente fuertes para vencer los obstáculos institucionales. Dicho estu-dio ayuda a comprender el cambio organizacional en una institución que mos-traba un sello colonial, represivo y corrupto ( Jiao et al, 2005, 38-57).

De cualquier forma, la evaluación de los procesos de cambio organi-zacional emprendidos en algunas policías revela que la resistencia de la cultu-ra policial tradicional es un factor clave, cuyo impacto sólo puede reducirse en la medida que -más existe un compromiso sólido y el apoyo de todos quie-nes ejercen poder y autoridad en la organización (alineamiento), es decir, de los liderazgos policiales- también se trabaja sobre la misma. La experiencia de trabajo en la Policía de Investigaciones permite afirmar que la complejidad del cambio, en cualquiera de sus dos adjetivos –organizacional o cultural- no puede ni debe subestimarse.

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Como sugiere Patricio (2009), hay una tendencia a creer los pro-cesos de modernización o reforma institucional de las policías se anclan o dependen de cambios de los programas de estudio. Sin embargo, el cambio de actitud, del estilo profesional, de visión y la transformación de la cultura organizacional son procesos más complejos y que no dependen en estricto rigor del simple cambio de programas. Definitivamente, el cambio de cultura organizacional en una institución policial tiene como base el cambio de la es-tructura en la formación del policía, pero sería un error atribuir a los procesos de formación que se dan al inicio de la carrera policial un efecto que supere el peso de la cultura organizacional de una policía. Parece oportuno pregun-tarse entonces si ¿el cambio de cultura puede ser conseguido a través de la reforma de los programas de estudio de las academias?, o bien ¿hay factores de otro orden (y, por lo tanto, estrategias pedagógicas) que deben ser consi-derados, ya que generan visión de mundo, ideologías y, consecuentemente, prácticas cotidianas?.

Independiente de su origen y razón, el cambio en la organización –entendido ya sea como reforma o modernización- apela a una misma nece-sidad: intervenir sobre la cultura policial, de forma que ella facilite la adop-ción de nuevas orientaciones valoricas, nuevas directrices de actuación y nue-vas pautas de conducta. El verdadero cambio cultural en la policía implica una transformación de la matriz de sentido dominante en la organización. Esta forma de mirar el desarrollo de la policía ha sido abordada por la Poli-cía Nacional de Colombia (Serrano, 2004; Álvarez 2007; Acero 2007) y la Policía de Investigaciones de Chile (Herrera y Tudela 2005; Policía de Inves-tigaciones de Chile 2006) en el contexto de los programas y planes dirigidos al cambio en la organización. Las estrategias de modernización de ambas policías conciben el cambio en la organización como un cambio cultural y viceversa, es decir, el cambio organizacional es igual al cambio cultural en una institución policial. Otras policías, más recientemente, también declaran compartir la misma convicción, como es el caso de las Policías de República Dominicana (Pérez 2005,2) y Panamá (Bares 2003).

IV. Conclusiones y Sugerencias.

Aquí se ha explorado la contribución de algunas disciplinas de las ciencias sociales, en especial la antropología, a la comprensión de la policía –como organización y praxis-. De esta forma, arribamos a dos tipos de con-

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clusiones: las relativas a la investigación social, por una parte, y aquellas deri-vadas de la antropología, por la otra.

En nuestra opinión, las ciencias sociales tienen mucho que aportar. Contribuyen con un tipo de conocimiento y reflexión necesaria en el marco de las problemáticas sociopolíticas del desarrollo de las sociedades y comu-nidades. Ellas ayudan a descubrir o construir –según sea el paradigma que se emplee- y a revelar ciertas situaciones verídicas decisivas para quienes toman decisiones, diseñan políticas criminales y de seguridad y, especialmente, con-tribuyen a la coproducción de la seguridad ciudadana. La policía es, sin duda, un factor clave en esa dinámica.

En este análisis se identifican algunas debilidades y fortalezas de la pesquisa social aplicada a la policía. Más allá de lo señalado en párrafos ante-riores, hay una serie de desafíos, que se describen a continuación:

a) La generación de estudios sobre la policía constituye un paso fun-damental desde la perspectiva de la introducción de nuevos refe-rentes axiológicos de la actuación policial. Las sociedades cambian y también sus policías. De la misma forma, las ciencias sociales deben acompañar esa transición. No obstante, el escaso desarrollo de la teoría, la debilidad –en términos de validez- de los tipos de diseño de investigación (exploratorios, descriptivos, cuasi experi-mental) y el limitado potencial de generalización -a partir de los hallazgos alcanzados-, constituyen retos epistemológicos.

b) La observación desde afuera es útil, pero insuficiente. Es necesa-rio abordar la organización policial desde “adentro”, rescatando el punto de vista del individuo en la organización, reconociendo las categorías propias y estructurantes de la labor policial.

c) El desarrollo de investigaciones con un enfoque situacional y constructivista es prioritario. Este ayuda a explorar y estudiar –por ejemplo- el impacto de la capacitación y la profesionalización, como también los efectos del mayor control respecto de la conduc-ción y el trabajo policial (vigilancia policial, control social externo, responsabilización o accountability) y los mayores requerimientos de legalidad de sus actuaciones. La escasa atención de los tipos de discreción policial “en la calle”, que es lo que importaría a quienes formulan e implementan políticas y estrategias relacionadas con la

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labor policial, a los medios y a la ciudadanía, hacen más necesario aún este tipo de averiguaciones.

d) La relación entre las prioridades organizacionales de la policía y el ambiente externo en el cual opera es un campo necesario a explo-rar. Como señalan Zhao y Hassell (2005: 426), en la medida que entramos en el siglo XXI, debemos internar mejorar nuestra com-prensión sobre la relación entre las organizaciones policiales, las comunidades y las estructuras de gobierno local. La exploración sobre la policía –como organización y praxis- precisa la generación de conocimiento para la mejora continua de la calidad del servi-cio al ciudadano. En este contexto, la interdisciplinariedad es una aproximación necesaria, a fin de que las actividades investigativas y sus hallazgos no se produzcan en forma aislada, dispersa y fraccio-nada.

El trabajo interdisciplinario es decisivo para el desarrollo del cono-cimiento sobre la policía. Como objeto y campo de pesquisa, no se trata de un campo reducido ni exclusivo. Esta forma de trabajo es necesaria y más fructífera, dada la naturaleza de la policía y la praxis cotidiana.

Por otro lado, en cuanto a la antropología, ella ayuda a comprender de qué está hecha la policía:

a) Ella sirve para a entender cómo la cultura policial es una variable determinante en los distintos contextos en los que se desenvuelve la actividad policial y cuán decisiva es en una organización para los múltiples propósitos que vinculan a la policía con su entorno: la sociedad y la política.

b) La investigación sobre la policía con un enfoque sociocultural puede ayudar -de hecho así es- en la generación de información y conoci-miento práctico sobre los procesos subjetivos y colectivos que inci-den y filtran la gestión, la praxis policial y el mejoramiento continuo de la función policial. No obstante, se debe indagar aún más en la di-mensión cultural y los contextos socio-institucionales, y consolidar las herramientas conceptuales para la interpretación de la cultura policial, especialmente cuando se trata de un cambio organizacio-nal, a la luz de procesos de modernización o mejoramiento de las estrategias policiales y la relación de la policía con la comunidad.

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Sin duda, debemos ir más allá de la comprensión de esa realidad. Tam-bién precisamos avanzar en la construcción de un conocimiento aplicado para el diseño de estratégicas de desarrollo organizacional basadas en la evidencia. A veces es difícil trazar la línea de división entre la investigación aplicada y la no aplicada: la teorización abstracta a veces tiene aplicaciones prácticas im-portantes, como es, por ejemplo, reflexionar sobre la cultura organizacional y averiguar las diferencias y las similitudes socioculturales en una organización de policía pueden ser los principios a los que deba ajustarse un programa que busca un cambio planificado en una organización de policía.

Como señala Gravano (2008), la antropología proporciona algunos conocimientos prácticos para construir en forma concreta opciones y alter-nativas de mejoras organizacionales. Los instrumentos de acción propios de esta disciplina se enfocan en los mundos culturales que coexisten en las orga-nizaciones y que posibilitan u obstaculizan su funcionamiento.

Siguiendo esta línea de razonamiento, y de acuerdo al estado del arte en algunos casos específicos –como la Policía de Investigaciones de Chile- la antropología - enfrenta al igual que las demás disciplinas sociales- el reto de contribuir en la generación de un conocimiento científico que permita en nuestros países el desarrollo de la policía y de su misión. La cultura policial es fundamental en la organización y su influencia en el individuo no puede ser puesta en duda, más aún hay creciente evidencia que demuestra su impacto en las estrategias policiales y su papel en el cambio de una organización.

Desde la perspectiva en que afirmamos que la organización policial es una cultura, el cambio –cultural u organizacional- puede ser fruto entonces de un proceso natural “evolutivo” o bien el producto de una gestión de cambio, es decir, de una estrategia planificada de transformación de la organización.

Así, la “ingeniería” del cambio cultural es el trabajo sobre las interac-ciones, procesos y factores claves de la organización (Hart 1996), que inciden en la tarea por alcanzar la misión34, de tal forma que la visión no sería más que el instrumento que visibiliza esta agenda de desarrollo (es el imaginario cultural de cualquier grupo que posee identidad propia).

La cultura debe apreciarse en términos de su funcionalidad para alcan-zar la misión. Así, ella cohesiona, identifica y es eficaz en el logro de los obje-

34 La misión es el motor que impulsa la interacción grupal, es la razón de ser de la organización.

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tivos. De esta forma, es una condición exigible que facilita o dificulta el logro de la misión. De lo anterior se desprende entonces que es necesario estudiar la eficacia de la cultura organizacional en función de la misión y la visión.

Es aquí, en consecuencia, donde las ciencias sociales, en particular la antropología, muestran su mayor valor para el desarrollo policial. Un cambio planificado, un plan de desarrollo institucional, un plan estratégico, una po-lítica y un plan de seguridad pública y ciudadana, demandan cambios en las instituciones y una cultura organización favorable a esa misión o propósito.

Las pesquisas demuestran que en las organizaciones las creencias, valo-res y prácticas cotidianas sobre el “buen desempeño”, por ejemplo, son profun-das y que éstas pueden actuar como dique de contención de un cambio que las haga funcionar mejor: Hay núcleos de creencias que bloquean las posibilidades de cambio organizacional: ¿cómo detectar esa situación? y ¿cómo superarla?.

En este sentido, la pesquisa social y la antropología aplicada se ocu-pan de averiguar o generar conocimientos que tienen aplicaciones prácticas. Se trata de estudios con un claro interés en fines inmediatos. Ese ha sido una de las razones que dieron origen a la creación de CIDEPOL –compuesto por sociólogos, antropólogos, psicólogos- en la Policía de Investigaciones de Chile. Con un enfoque interdisciplinario el papel de los investigadores ha consistido en buscar o generar el conocimiento para alcanzar los fines del plan estratégico –que promueve un cambio organizacional-, y apoyar el dise-ño, ejecución y evaluación de proyectos e intervenciones. Es decir, se trata de investigaciones que contribuyen a la ejecución de un programa.

Es por ello que –en un ejercicio de reflexión con una perspectiva de anticipación y a la luz del estado del conocimiento producido adquirido en la última década - nos parece que surge una agenda de investigación y de-sarrollo, sobre la base de –al menos- cuatro aspectos-interrogantes para la averiguación de la cultura policial:

a) Evaluar mejor el impacto de la cultura policial sobre la práctica y viceversa;

b) Explorar las dimensiones subjetivas y culturales de la relación entre la policía -como objeto de intervención- y el policía -como sujeto de las estrategias policiales-;

c) Indagar sobre las variables culturales y sociales determinantes de la eficacia policial (subcultura policial); y,

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d) Transitar desde el análisis del cambio cultural a la promoción de la cultura organizacional que facilita el desarrollo, la moderniza-ción y/o reforma en/de una organización policial (¿cómo cambiar y qué cambiar?).

Finalmente, la experiencia de trabajo como antropólogo en la Policía de investigaciones de Chile me permite afirmar que ningún cambio puede concretarse sin el protagonismo de los actores en juego. En esto, las culturas organizacionales son tan o más importantes que los procesos técnicos que acompañan – por ejemplo a la planificación estratégica y a los planes estraté-gicos que buscan el desarrollo en una organización/institución de policía.

Patricio Tudela Poblete (Ph.D.)

Dr. en Antropología Social (Alemania), Máster en Gestión y Dirección de la Seguridad (España), Fundación Paz Ciudadana,

Chile. Profesor de Academia Superior de Estudios Policiales de la Policía de Investigaciones de Chile y Profesor de Pre y

Postgrado de la Facultad de Ciencia Sociales de la Universi-dad de Chile.

E-mail: [email protected] /[email protected].

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Pragmática da Investigação: modelos intencionais na investigação policial

Luiz Henrique de Araújo DutraUniversidade Federal de Santa Catarina - Brasil

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Introdução: o padrão da investigação

No capítulo 3 de Verdade e Investigação (DUTRA, 2001), capítulo esse dedicado a uma análise da pragmática da investigação, fizemos um paralelo entre a investigação científica e a investigação policial. Através de um exemplo fictício de investigação policial e de um exemplo real de investigação científica, procuramos ilustrar como tanto uma investigação policial quanto uma inves-tigação científica podem instanciar o mesmo padrão de averiguação, ou seja, o processo de investigação que se inicia com a violação de uma expectativa e termina com a demonstração de que há um acordo entre determinados dados – recolhidos e sistematizados durante a investigação – e uma hipótese.

Há diversos aspectos lógicos, epistemológicos e metodológicos a se-rem discutidos a respeito de tal processo de averiguação, e os mais salientes foram analisados no texto acima mencionado. A ideia central, contudo, é que, seja nas investigações empreendidas em domínios não científicos (como o trabalho policial, o jornalismo investigativo e mesmo uma busca ou averi-guação que qualquer pessoa possa fazer na vida comum), seja nas investiga-ções que encontramos nas ciências já profissionalizadas, o mesmo padrão de comportamento do investigador pode ser encontrado.

Um padrão de comportamento é uma sucessão esquemática de ações empreendidas por um indivíduo, e pode ser retratado com mais ou menos detalhes. Por exemplo, se dizemos que, depois do jantar, Maria lava a louça e vai assistir a uma novela de televisão, estamos descrevendo um padrão de comportamento seu. O que Maria faz se repete diversas vezes, sucessivamen-

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Pragmática da investigação: modelos intencionais na investigação policial

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te, em dias diferentes. E, da observação do que ela faz, inferimos tal padrão de comportamento. Mas, em vez de dizermos que Maria lava a louça do jantar e vai assistir à sua novela, podemos dizer, de forma mais detalhada, que Maria abre a torneira, ensaboa pratos, talheres e copos, os enxágua etc., e que, em seguida a tudo isso, dirige-se à sala, liga o aparelho de TV, sintoniza determi-nado canal, senta-se à frente da TV e fica olhando para a tela etc.

Nesse exemplo, de duas maneiras diferentes, descrevemos o padrão de comportamento diário de Maria. De certa forma, as duas maneiras são equivalentes, e, aparentemente, uma seria apenas mais detalhada que a outra. Se duas descrições são mesmo equivalentes ou não, esta é uma questão de certa importância que deixaremos para depois. As palavras utilizadas na des-crição de uma ação podem fazer toda a diferença. Por exemplo, seria diferente dizer que Maria lava a louça e depois assiste à sua novela do que dizer que ela lava a louça rapidamente para poder ver a novela. O emprego do termo ‘rapi-damente’ faria toda a diferença, e não significa o mesmo que, numa descrição mais detalhada do que ela faz, dizer que ela enxágua a louça rapidamente. No primeiro caso, é claro que queremos indicar a pressa de Maria para ver a no-vela e, no segundo, podemos estar indicando simplesmente o fato de que ela quer economizar água. E, assim, essas descrições não são equivalentes. A in-vestigação é um padrão intencional de ação, e nem todo nosso comportamen-to é aparentemente intencional. Mas deixaremos esse ponto – aliás, essencial, para um correto entendimento da investigação – também para depois. No exemplo acima explorado, o comportamento de Maria seria intencional nos dois casos; mas ela apresentaria dois comportamentos intencionais diferen-tes, já que estariam voltados para fins ou visando a consequências diferentes.

Em nosso texto antes mencionado, o padrão de averiguação que está pre-sente em toda forma de investigação foi descrito com quatro etapas, a saber:

(a) problema,

(b) hipótese,

(c) base de dados e

(d) acordo.

Esse padrão de investigação é diferente daquele proposto por John Dewey (1991, cap. 6; 1997, cap. 6), embora seja semelhante em alguns pon-tos. Dewey descreve os seguintes momentos do processo de investigação:

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(1) a existência de uma situação indeterminada,

(2) a constituição de um problema,

(3) a determinação da solução para tal problema (hipótese),

(4) a consideração das implicações e consequências da hipótese levan-tada, e

(5) a corroboração da hipótese (por meio de experimentação e obser-vação).

O que há de comum entre os dois esquemas está mais nos fundamen-tos que, num caso e no outro, permitem identificar uma sequência de ações que constituiria um padrão de investigação. De fato, o entendimento que propomos para a investigação se inspira naquele de Dewey, em especial, reto-mando a ideia de que a investigação é um processo desencadeado por aquilo que Dewey denominava uma situação indeterminada, e que preferimos de-nominar a violação de uma expectativa. Segundo Dewey, a investigação con-duz as coisas de novo a uma situação determinada. Segundo nossa forma de ver a pragmática da investigação, ela conduz a tomar como possível e mesmo provável aquilo que era inesperado – e por isso violou uma expectativa. Esse ponto também é central na análise que desejamos fazer da pragmática da in-vestigação, e retornaremos a ele depois.

Mais recentemente, em Pragmática da investigação científica (DU-TRA, 2008, cap. 8), propusemos um esquema mais detalhado para descrever o padrão de investigação, contendo sete momentos. A diferença essencial, neste caso, é a consideração do papel desempenhado na investigação pelos modelos. No caso da investigação nas ciências, trata-se, obviamente, dos mo-delos científicos. O esquema proposto é o seguinte:

(A) A partir de um modelo dado, recebido da tradição, o investigador constata uma situação real que, em tese, deveria ser contemplada pelo modelo, mas que não é, dadas certas observações aceitas na comunidade científica.

(B) O investigador elabora um novo modelo, para ter uma situação idealizada que possa se aproximar mais daquela situação real acima mencionada, e não contemplada pelo modelo recebido da tradição.

(C) O investigador testa a consistência do novo modelo com a teoria de base, à qual pertence também o primeiro modelo, que falhou na com-

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paração com uma situação real. A este modelo devem poder se aplicar diretamente determinadas leis já aceitas e validadas pela teoria.

(D) Para poder comparar o novo modelo com a situação real na qual esse processo se iniciou, o investigador elabora situações de ob-servação e experimentação, que são modelos mistos, ou modelos-ponte, que devem poder coordenar elementos do modelo abstrato com determinados elementos da situação real.

(E) A partir de um modelo-ponte, o investigador constrói experimen-talmente contextos reais, nos quais determinadas observações são possíveis, ou procura encontrar situações já dadas que, segundo o modelo-ponte, podem fornecer informação relevante.

(F) O investigador consolida os dados obtidos na observação e experi-mentação, e os compara com o modelo abstrato.

(G) O novo modelo é incorporado à teoria, às vezes por meio de revi-sões teóricas, mais ou menos radicais. (DUTRA, 2008, p. 283.)

Assim como os outros dois esquemas acima mencionados, este es-quema também se inicia com a violação de uma expectativa, e termina com o entendimento de que aquilo que era inesperado deve ser esperado em determi-nadas condições. Este ponto também é crucial, e por isso os modelos são ne-cessários numa descrição da pragmática da investigação. Pois são os modelos que representam as situações esperadas no mundo descrito por certa teoria científica ou, se estivermos pensando na vida comum, as situações que são consideradas normais – isto é, não anômalas – do mundo.

Nesse outro livro, a ênfase na descrição do padrão de investigação foi dada à atividade científica, aquela na qual a noção de modelo faria mais sentido. Contudo, se o mesmo padrão de investigação está presente na inves-tigação policial e em outras formas de investigação da vida comum – como tínhamos pressuposto e como continuamos a pressupor –, então deveríamos poder encontrar também nessas outras formas de investigação a presença de modelos. De fato, em outro texto, “A ciência e o conhecimento huma-no como construção de modelos” (DUTRA, 2006a), defendemos também a ideia de que o conhecimento humano em geral consiste na atividade de construção e emprego de modelos.

Assim, em qualquer tipo de investigação, devemos poder encontrar o mesmo padrão de uso de modelos, o que valeria também para a investigação

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policial. O presente texto tem por objetivo esboçar uma descrição da prag-mática do uso de modelos na investigação policial, de forma semelhante ao que fizemos no capítulo 8 de Pragmática de investigação científica (DUTRA, 2008) para a investigação do contexto das ciências. A aplicação da noção de modelo ao contexto da investigação policial exige, por sua vez, a consideração do contexto no qual esse tipo de investigação se dá. A ideia central da qual va-mos partir é que tal contexto é aquele do qual se ocupam as ciências humanas em geral e, em particular, uma ciência do comportamento.

Dado que a forma de comportamento da qual estamos falando em relação ao padrão de investigação é, como dissemos acima, o comportamento intencional, vamos retomar a discussão desse ponto, na próxima seção, a partir de algumas das considerações que fizemos em nosso artigo “Comportamen-to intencional e contextos sociais: Uma abordagem nomológica” (DUTRA, 2006b). Se estiverem corretas as reflexões que fazemos aqui, o que denomina-mos de pragmática da investigação policial seria um caso particular da pragmáti-ca da investigação em geral no mesmo contexto das ciências humanas.

1 Comportamento Intencional e Contexto

Existe grande divergência entre filósofos e psicólogos sobre o caráter intencional do comportamento humano. Há hoje as posições mais variadas, indo desde aqueles que negam qualquer intencionalidade do comportamen-to humano, até aqueles que defendem que tudo aquilo que propriamente pode ser caracterizado como humano em nossa forma de ser é intencional. Dentre as posições intermediárias, há aqueles que distinguem então entre comportamento simplesmente e ação ou comportamento intencional. Em outro de nossos textos, “Ação, comportamento e movimento” (DUTRA, 2006c), apresentamos a seguinte distinção alternativa: o movimento são as ocorrências não intencionais em nós, como, por exemplo, a movimentação de nossos músculos de um ponto de vista puramente anatômico e mecânico; o comportamento é o conjunto de nossos movimentos intencionais, alguns dos quais podem ser descritos por meio de leis (as supostas leis do compor-tamento); e, finalmente, a ação seria o conjunto de nossos comportamentos que não podem ser descritos pelo emprego de leis do comportamento.

As duas noções centrais nessa distinção são as de intencionalidade e de nomologicidade ou, de forma mais simples, o caráter intencional dos eventos

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humanos e o caráter nomológico desses eventos. Neste último caso, a discussão dos filósofos e psicólogos se dirige para a questão específica se há leis que regem o conjunto dos eventos estudados pelas ciências humanas do mesmo modo como há leis para os eventos estudados pelas ciências naturais. Essa discussão conduz àquela sobre a intencionalidade quando alguns argumentam em favor (ou então contra) a ideia de que, por serem intencionais, os eventos humanos não podem ser regidos por leis – uma posição que procuramos negar em nos-so artigo acima referido (DUTRA, 2006c). Mas no caso de haver leis que re-gem determinados eventos intencionais, elas teriam de ser leis que descrevem os acontecimentos de forma teleológica, isto é, mostrando que determinados acontecimentos têm como finalidade outros acontecimentos.

As explicações teleológicas foram banidas da ciência moderna desde os tempos dos grandes fundadores dessa ciência, como Galileu, Descartes e Newton. O entendimento geral hoje é que, no domínio das ciências naturais, não há fins, e que toda explicação deve apontar apenas causas eficientes dos acontecimentos. E se há fins no domínio dos acontecimentos estudados pelas ciências humanas, então as explicações para eles não podem ser nomológicas, argumentam alguns.

A noção de intencionalidade que está associada a tais discussões é di-ferente daquela que, no senso comum, está associada ao termo ‘intencional’. Costumamos dizer, no dia a dia, que uma ação é intencional se ela é proposital. Claro que as ações propositais dos indivíduos são intencionais, pois estão volta-das para determinados fins. Mas a noção filosófica de intencionalidade, devida a Franz Brentano (1997), é mais ampla. Intencional é todo evento voltado para outro, e que não pode, portanto, ser compreendido sem esse outro. Brentano dava como exemplo de eventos intencionais nossos eventos mentais, como aqueles que os filósofos denominam atitudes proposicionais. Não podemos, por exemplo, gostar..., mas precisamos gostar de laranja, ou de banana, ou de abaca-xi etc. Em outras palavras, as chamadas expressões de atitude proposicional, que relatam nossos eventos mentais, sempre pedem um complemento. Do ponto de vista da gramática, elas contêm sempre verbos transitivos.

Do ponto de vista psicológico – e era a isso que Brentano se referia –, os eventos mentais são sempre eventos voltados para outros eventos. Todos eles estão dirigidos para algo. Se Maria gosta de laranja, isso é intencional, mas não é proposital no sentido usual desse último termo. Se Maria lava a louça rapidamente para ir assistir à novela, isso é intencional e proposital ao

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mesmo tempo, supondo que Maria faz isso consciente e expressamente, isto é, de propósito, como se diz. Mas mesmo que ela o fizesse sem ter consciência (e, portanto, não de propósito no sentido do senso comum), e que o fizesse por algum tipo de hábito, condicionamento ou impulso inconsciente, sua ação não seria proposital, mas continuaria a ser intencional. Em todos esses casos, o que Maria faz está voltado para um fim – o que acontece em determi-nado momento está voltado para o que vai acontecer em outro momento.

Mediante essa noção de intencionalidade, fica imediatamente claro por que podemos dizer que a investigação em geral (e a investigação policial, em particular) é sempre um evento intencional, pois toda investigação está voltada para um fim, que é encontrar algo. A questão do caráter nomológico da ação é muito mais complicada, e ultrapassa os limites desse texto. Por isso, vamos deixá-la de lado, comentando apenas que, tal como defendemos nos dois artigos antes mencionados (DUTRA 2006b e 2006c), é possível asso-ciar as duas noções adequadamente, e argumentar que há contextos em rela-ção aos quais podemos falar de eventos intencionais e nomológicos. Vamos nos restringir aqui apenas ao caráter intencional da investigação como forma de ação ou de comportamento dirigido para um fim.

Um dos obstáculos conceituais que se colocam para entender como isso seria possível consiste em apresentar uma forma adequada de entender o que são as causas finais. Desde os grandes cientistas da época moderna, a cau-sa final nos parece uma causa eficiente invertida, isto é, uma relação em que o evento que causa o outro ocorre num tempo futuro. A ideia comum de uma causa (eficiente) é de um evento que precede outro e que produz este outro. E por isso a causa final tende a ser tomada como uma forma de antropomor-fizar o mundo. Uma ação proposital nossa, como Maria lavar a louça, visa a um fim. Mas, por exemplo, uma bola de bilhar que comunica seu movimento a outra não pode visar a tal fim. É o jogador de bilhar, que tenta atingir uma bola com a outra, que visa a determinado fim.

Um autor que apresenta uma interpretação plausível das explicações teleológicas e das causas finais é Howard Rachlin, cujas ideias seguimos neste ponto em particular. Rachlin (1994) argumenta que uma causa final é um contexto maior de ação, dentro do qual determinada ação se encaixa. Rachlin é um behaviorista ligado à escola de B. F. Skinner e, para ele, a vantagem de compreender o comportamento humano apelando para causas finais assim interpretadas está em não precisarmos postular a existência de entidades ou

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eventos mentais. Os behavioristas em geral argumentam que o comporta-mento humano é regido por fatores ambientais e não por eventos mentais. Trata-se também de uma longa e complicada discussão sobre os fundamentos da psicologia, e que também deixaremos de lado aqui.

Tradicionalmente, os behavioristas também negam o caráter inten-cional do comportamento humano. E por isso, a este respeito, Rachlin é um autor interessante. Ele denomina sua doutrina de behaviorismo teleológico. Ou seja, o que ele pretende mostrar é que podemos explicar o comportamen-to humano com base em fatores ambientais, como querem os behavioristas; mas tais fatores ambientais devem ser compreendidos como contextos mais amplos nos quais os comportamentos a serem explicados são remetidos. Por isso a explicação é teleológica. Contudo, como discutimos em nossos artigos acima mencionados, tal forma de explicação do comportamento humano será também intencional se pudermos mostrar que a relação entre certa for-ma de agir e um contexto social é necessária. Ou seja, é preciso mostrar que um padrão de comportamento é compreensível apenas quando remetido a determinado contexto.

É exatamente neste sentido que dizemos que a investigação é inten-cional. A investigação científica, por exemplo, se dá em determinados con-textos científicos, isto é, pressupondo condições objetivas e ambientais que são oferecidas pelas instituições científicas. No capítulo 8 de Pragmática da investigação cientifica, enumeramos algumas dessas condições ambientais que possibilitam a investigação científica e criam o contexto científico unica-mente em relação ao qual a investigação própria das ciências pode ser com-preendida. Tais condições objetivas são:

(a) um dialeto técnico, com vocabulário específico, inclusive contendo termos para espécies (naturais ou sociais);

(b) uma classe de teorias específicas e de hipóteses cosmológicas, que relacio-nam as noções correspondentes ao vocabulário técnico umas com as outras, inclusive com padrões de mensuração, quando for o caso;

(c) uma classe de modelos, que instanciam as noções teóricas em situa-ções possíveis do mundo descrito pela teoria;

(d) determinadas predições e explicações, por meio das quais os modelos acima mencionados podem ser comparados com situações reais;

(e) procedimentos de experimentação e observação, por meio dos quais a comparação dos modelos com situações reais seja igualmente possível;

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(f ) uma classe de instrumentos ou aparelhos de observação e experi-mentação autorizados e certificados pelo programa de pesquisa;

(g) uma classe de fatos registrados e considerados relevantes para futu-ra comparação com os modelos da teoria;

(h) meios materiais que comuniquem todos os elementos acima em uma literatura científica própria. (DUTRA, 2008, p. 280-282.)

O paralelo que desejamos estabelecer entre a investigação policial e a investigação científica sugere que uma descrição dos elementos ambientais e institucionais que criam o contexto da investigação policial também deve apontar condições semelhantes. De fato, no restante desse texto, o que nos interessa é discutir algumas desses elementos objetivos que criam o contexto da investigação policial, em particular, a existência de modelos.

2 O Contexto da Investigação Policial

A ideia de que a investigação policial se dá em determinado contexto social é óbvia. O que não é óbvio é que tal contexto deva ser objeto de um estudo científico particular. E se é possível tal estudo científico, também inte-ressa saber quais são suas relações com outras ciências. A atividade conhecida como própria da chamada polícia científica se vale dos resultados de algumas ciências comuns, como a química e as disciplinas biológicas, entre outras. Mas não estamos falando aqui, obviamente, da perícia técnica policial, e sim de uma abordagem que pode promover o entendimento do objeto da inves-tigação policial em um contexto social mais amplo. A determinação exata desse objeto e dos elementos de tal contexto é que são então essenciais. A aná-lise preliminar que temos então de fazer da investigação policial, descrevendo a pragmática desse tipo de investigação, em primeiro lugar, deve apontar as condições sociais e institucionais nas quais se dá o tipo de evento que é obje-to da investigação policial. Em segundo lugar, uma análise da pragmática da investigação policial deve permitir mostrar o padrão de ação próprio desse tipo de investigação.

O fato de que a investigação policial seja uma atividade profissionali-zada nos dá os primeiros elementos do contexto social e institucional no qual ela se desenrola – e eles são um tanto óbvios. Há investigação policial onde há polícia profissional, o que requer a existência de um governo, do Estado,

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de determinada legislação criminal etc. A legislação criminal é parte da legis-lação que normatiza a conduta dos indivíduos de certa sociedade organizada, consolidando costumes, práticas e valores. A compreensão das ações e valores dos indivíduos é, em geral, o objeto das ciências humanas. Assim, uma ade-quada compreensão do tipo de comportamento a ser objeto da investigação policial depende dos resultados das ciências humanas. Estamos falando, de forma especial, da psicologia, da antropologia, da sociologia e da economia, entre outras ciências humanas.

O comportamento que podemos denominar então criminoso tem sido objeto de algumas teorias no domínio das ciências humanas desde o sé-culo XIX. Não há, contudo, como sabemos, convergência suficiente entre tais disciplinas e suas teorias para possibilitar falarmos de modelos ampla-mente aceitos desse tipo de comportamento. Mas sobretudo se pensarmos na prevenção do crime, e não apenas na repressão a ele, é importante uma compreensão mais ampla do crime como fenômeno social. Se tivermos teo-rias suficientemente desenvolvidas e detalhas a este respeito, então podermos falar de modelos com os quais a investigação policial contaria para atingir seu fim. Voltaremos abaixo a esse ponto. Por ora, vejamos então, em paralelo com as condições que permitem haver investigação científica, tal como comenta-mos acima, quais seriam as condições institucionais que permitiriam haver investigação policial. Uma lista não exaustiva dessas condições ambientais e objetivas conteria os seguintes elementos:

A) um dialeto técnico, com vocabulário específico, que permite des-crever nos termos da legislação vigente as formas de comporta-mento ilegal ou criminoso;

B) a legislação em vigor apontando as formas do comportamento ilegal e as sanções correspondentes e, em particular, a legislação à qual deve se submeter o investigador policial em sua ação investigativa;

C) uma classe de modelos, que relacionam as formas de comportamen-to ilegal com situações possíveis na sociedade tal como empreendi-da à luz de teorias no domínio das ciências humanas;

D) determinadas predições e explicações, por meio das quais os modelos acima mencionados podem ser comparados com situações reais, algumas conhecidas e relatadas;

E) procedimentos de observação, por meio dos quais a comparação dos modelos com situações reais seja possível;

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F) uma classe de instrumentos ou aparelhos de observação autorizados pela legislação;

G) uma classe de fatos sociais registrados e considerados relevantes para fu-tura comparação com os modelos derivados das teorias disponíveis;

H) meios formais para comunicar os elementos acima às formas de instrução de processos no sentido amplo, isto é, não apenas a ins-trução formal de um processo judicial, mas a instrução do próprio processo de investigação que conduzirá àquele.

A questão central que devemos discutir é a relação entre determi-nados modelos de comportamento criminoso com certos contextos sociais. O comportamento criminoso é uma forma de comportamento intencional, obviamente, e seu entendimento correto deve apontar o contexto social no qual ele se encaixa. Da forma mais geral e vaga possível, podemos dizer que o comportamento criminoso ou ilegal é aquele dirigido para a violação de uma lei vigente. Essa forma de comportamento é intencional não porque o indiví-duo que pratica um delito deseje fazê-lo e o faça deliberadamente – o que é o caso na maior parte das vezes em que um delito relevante é investigado. O de-lito ou comportamento ilegal é intencional no sentido acima comentado da noção de intencionalidade. Ou seja, ele é uma forma de comportamento que pode ser entendida unicamente dentro do contexto social em que há norma e transgressão a ela. Como a norma prevê as formas socialmente aceitáveis de comportamento, pressupondo então que o cidadão a siga, o delito é uma vio-lação de expectativa que leva à investigação. Mas a existência de modelos que relacionem certos delitos com determinadas condições sociais, se tais mode-los são possíveis, revelaria que o comportamento delituoso é, de fato, espera-do – naquelas condições sociais. Ora, este tem sido um tema enfatizado por diversas das ciências humanas, mas talvez sem a apresentação de modelos de comportamento adequados e de modelos das situações sociais nas quais são previsíveis certos comportamentos delituosos.

3 Modelos na Investigação Policial

A noção central associada às considerações feitas até aqui é que o crime é uma forma de comportamento intencional, no sentido do conceito de intencionalidade que comentamos. De forma geral e abstrata, o crime é intencional porque só é crime aquilo assim considerado pela legislação, e esta,

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por sua vez, é sempre a normatização da conduta de um grupo social organi-zado. Em outras palavras, obviamente, só há crime numa sociedade organiza-da. Mas o crime também é intencional de uma forma mais exata. Enquanto padrão de comportamento, o crime se encaixa em determinados contextos sociais e está sob o controle de variáveis ambientais, assim como outras for-mas de comportamento.

Os primeiros avanços da psicologia ainda no final do século XIX levaram muitos a pensar o comportamento criminoso como uma forma de patologia mental – para alguns até mesmo hereditariamente transmissível. De modo similar, também realizações humanas socialmente aprovadas fo-ram tomadas como fruto de características mentais dos indivíduos, como as manifestações de criatividade e inteligência. Embora em extremos opostos, tanto a mente criminosa quanto o gênio criativo eram encarados como ex-cepcionalidades mentais, embora apenas o comportamento criminoso fosse considerado patológico, obviamente. Outras teorias, sobretudo no domínio da sociologia, procuraram apontar as situações sociais que pelo menos cria-vam as condições para que esses comportamentos excepcionais surgissem, se é que tais situações não produziam mesmo essas formas de comportamento independentemente de características mentais (e genéticas) dos indivíduos.

O modelo geral de comportamento criminoso como uma forma de ação intencional, tal como apontamos acima, procura fugir a essas concep-ções. Assim como o próprio comportamento de investigar, seja nas ciências, seja na atividade policial, que não pode ocorrer fora de condições objetivas, como aquelas que acima apontamos, o comportamento criminoso requer também condições objetivas e ambientais. Não se trata de resolver o dilema entre optar por explicações mentais do crime ou por explicações sociais de forma pura e simples, nem de procurar uma conciliação entre as duas po-sições opostas, tentando encontra fatores mentais e fatores ambientais que, juntos, contribuiriam para o surgimento do comportamento criminoso.

Também não é o caso de discutir, como o próprio debate entre as duas posições acima mencionadas, se o delito é uma ação deliberada do indivíduo, isto é, proposital e consciente – um ato para o qual ele usaria de sua liberdade. As explicações sociológicas e psicológicas tradicionais a que acima nos referi-mos tendem a sugerir que, de uma forma ou de outra, o delito resulta da su-pressão da liberdade, ou porque o indivíduo está acometido de uma patologia mental, ou porque ele está sujeito a um determinismo social massacrante.

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Assim, o desafio de um modelo alternativo do comportamento cri-minoso consiste em entendê-lo de forma mais objetiva e pragmática. Não se trata, portanto, de identificar algum determinismo social, ou psicológico, ou ainda, de outro lado, de ver o indivíduo como alguém que faz uso de sua liber-dade para praticar um crime. Em um contexto social complexo, como aquele no qual encontramos o comportamento delituoso, por certo que fatores psi-cológicos, sociológicos, econômicos etc. estão presentes, assim como as cren-ças e valores dos indivíduos, que também seriam elementos que poderíamos evocar para explicar seu comportamento que viola a expectativa social ditada pela norma legal. Mas nenhum desses fatores nem seu conjunto constituem a explicação para o comportamento criminoso. Embora a investigação policial tenha como fim a instrução de um processo judicial e a punição dos autores de atos de violam a lei, é o contexto social mais amplo no qual ocorrem tais ações que é preciso identificar e descrever. A necessidade disso se mostra mais claramente quando pensamos em um trabalho policial preventivo.

A partir dessa noção geral de comportamento criminoso, se as ci-ências humanas puderem fornecer descrições suficientemente informativas dos contextos sociais e seus elementos, para o sucesso desse tipo de investi-gação policial, deve ser possível a elaboração de modelos mais específicos do comportamento criminoso. Tais modelos devem poder levar a comparações com situações reais, como dissemos acima, e a fazer predições sobre o com-portamento futuro de indivíduos reais que aproximadamente se ajustem ao modelo. Em outras palavras, a identificação de padrões de comportamento criminoso, padrões estes possíveis em determinados contextos sociais, per-mitiria a predição e, em alguma medida, o controle de tal comportamento. De uma forma empírica, muitos profissionais da investigação policial já se viram em circunstâncias desse tipo, de modo semelhante àquele das estórias de detetives, antecipando a ação do criminoso e podendo criar as situações nas quais certas hipóteses levantadas na investigação policial se confirmam.

Assim, de modo geral, um modelo do comportamento criminoso, assim como um modelo de qualquer tipo de comportamento, é uma descri-ção – mais ou menos detalhada – do encadeamento de certas ações. Para ex-plicar esse ponto, voltemos ao exemplo de Maria lavando a louça do jantar para ir assistir à novela. Nossa interpretação usual é que esse padrão de com-portamento de Maria é intencional. Mas, como já sugerimos antes, trata-se de um comportamento intencional não porque Maria tenha o propósito ou a intenção consciente de fazer as coisas assim. Seu comportamento é intencio-

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nal porque cada seguimento dele sucede ao outro dentro de um padrão. Isto é, é a observação do comportamento de Maria mais estendido no tempo que nos permite entender o que ela faz em cada episódio. Essa é uma ideia básica defendida por Rachlin com respeito a seu behaviorismo teleológico. Para ele, a causa final é o contexto maior que nos permite entender um seguimento de comportamento.

A investigação que relata determinado ato como crime ou delito é aquela investigação que emprega determinado modelo de comportamento na compreensão e descrição da ação de certo indivíduo. Assim, o resultado de uma investigação policial é a apresentação de um relato ou descrição de certo padrão de comportamento que foi instanciado por um indivíduo.

Se as considerações que fizemos aqui são corretas, então uma parte fundamental da atividade de investigação policial é aquela destinada à elabo-ração de modelos do comportamento criminoso em correlação com determi-nados contextos sociais. O padrão da investigação policial coincide em parte com aquele da investigação científica, tal como apresentamos em Pragmática da investigação científica (DUTRA, 2008, cap. 8) e que reproduzimos aci-ma neste texto. Os modelos de comportamento dos quais parte o trabalho da investigação policial podem ser fornecidos pelas ciências humanas. Mas o ponto mais importante nesse processo investigativo é aquele que se destina à elaboração dos modelos-ponte, isto é, os modelos que correlacionam o pa-drão abstrato de comportamento com situações reais. Reproduzindo então os dois passos nos quais o investigador lida com os modelos-ponte, teríamos o seguinte:

(D) Para poder comparar o modelo de comportamento criminoso com a situação real na qual o processo de investigação se iniciou, o investigador elabora situações de observação e experimentação, que são modelos mistos, ou modelos-ponte, que devem poder coor-denar elementos do modelo abstrato (reelaborado a partir daque-les fornecidos pelas ciências humanas) com determinados elemen-tos da situação social real.

(E) A partir de um modelo-ponte, o investigador elabora estratégias para observação de contextos reais ou procura encontrar situações já dadas que, segundo o modelo-ponte, podem fornecer informa-ção relevante.

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Em resumo, uma ciência policial nestes moldes deve poder construir seus modelos abstratos do comportamento criminoso a partir dos dados e teorias fornecidos pelas ciências humanas e então elaborar os modelos-ponte que estabelecem a relação com situações sociais reais. Esses modelos-ponte, para terminarmos retomando um dos pontos essenciais que indicamos aci-ma, são padrões do comportamento criminoso em correlação necessária com determinados contextos sociais reais. Assim, a partir do surgimento de situa-ções semelhantes, comportamentos semelhantes poderão ser esperados.

Luiz Henrique de Araújo Dutra

Doutor em lógica e filosofia da ciência pela UNICAMP, professor do Departamento de Filosofia da UFSC e

pesquisador do CNPq..

E-mail: lhdutra.cfh.ufsc.br

Referências

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Ciclo do Esforço Investigativo Criminal

Adriano Mendes BarbosaAcademia Nacional de Polícia - Brasil

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RESUMO

A investigação criminal para ser desenvolvida com o máximo de eficácia necessita de um norte orientador. Não é, por conseguinte, suficiente, em que pese necessária, a mera práxis investigativa criminal, sendo imprescindível uma abordagem científica através de um método que conduza os trabalhos investigativos. Uma solução pragmática e metodológica para tal mister é a aplicação do Ciclo do Esforço Investigativo Criminal (CEIC) que aborda a situação-problema do crime perpetrado desde o seu nascedouro, quando ainda representa uma notitia criminis, passando pela busca e coleta de dados da realidade fática que traduzam evidências do delito, bem como seu estudo e análise, até o estabelecimento dos elementos probatórios que retratem a autoria, materialidade e circunstâncias delituais. Com efeito, aplicando o CEIC o investigador criminal otimizará o seu labor investigativo e terá condições de melhor enfrentar a problemática da infra-ção penal materializada no tecido social.

Palavras-chave: Investigação. Investigação criminal. Esforço investigativo. Método. Me-todologia.

I – Metodologia como Instrumento sine qua non da Investigação Criminal

A investigação criminal é de fato o centro de gravidade do estabele-cimento da verdade material, aquela que mais se aproxima da realidade dos fatos e é processualmente válida, (GRINOVER, 1997) que espelha e retrata um crime sob escrutínio. Podem até alguns processualistas penais, e aqueles outros que enxergam a fase pré-processual da persecução criminal como de todo dispensável e de somenos relevância, sustentar que o edifício probatório se ergue só, e somente só, em sede processual, referindo-se ao processo como sendo o verdadeiro e único “locus amoenus” para a ascensão da prova crimi-

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nal. Todavia, também verdade é que estes mesmos ortodoxos da processualís-tica penal nutrem apenas uma relação ascéptica, fria e distante com o nasce-douro da própria prova. Em regra, estes escolásticos enxergam os elementos probatórios somente quando autuados nos autos do processo criminal, não tomando qualquer contato sensorial, e por vezes analítico e intelectual, com o fenômeno da atividade criminosa que se busca reprimir. Com efeito, tais operadores e pensadores do direito processual penal enxergam a evidência criminal através de uma espécie de binóculo jurídico-processual, que ao mesmo tempo em que os aproxima de algumas nuances das evidências que darão suporte ao vindouro edifício probatório, os mantém distante da verda-de material sobre os eventos da realidade fática que serão objeto da própria ação penal. Assim, esta perspectiva distante, limitada, meio que enviesada, do processo de engendramento das provas faz com que não se enfrente uma das questões cruciais em matéria de alcance da verdade material que é o nasce-douro das evidências que ensejarão o partejamento da prova que virá a lume em sede processual.

O que se realiza, por conseguinte, neste trabalho é o engendramento de uma espécie de lupa-científico-metodológica para apreender em todos os detalhes e dimensões o momento em que surgem para a realidade da vida em sociedade os elementos fáticos adstritos a um dado evento criminoso e a for-ma pela qual tais elementos são observados, angariados, tratados, analisados, compreendidos e carreados nos autos de uma investigação criminal para fins de estabelecimento de subsídios fáticos e jurídicos para que em juízo, sob o manto do devido processo legal, com amplas e abundantes oportunidades de defesa e contraditório, estes possam dar pálio ao nascimento da prova. Isso, por óbvio, sem se olvidar das provas que por suas características objetivas, v.g., laudos peri-ciais, são ab “initio” produzidas ainda no transcorrer da investigação criminal.

Método na antiga Grécia, “methodos” significava caminho para che-gar a um fim, ou seja, um conjunto organizado de etapas a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência, ou para alcançar determi-nado fim. Ou seja, cabe à metodologia a tarefa de percorrer os caminhos da ciência, levando o pesquisador, atuando em qualquer ramo do conhecimento humano, à reflexão que, por sua vez, levará a um emprego mais eficaz de suas formulações. Resta evidente, por via de conseqüência, a relevância do estabe-lecimento de um referencial e instrumental metodológicos que dê pálio ao desenvolvimento das ações investigativas.

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Ao contrario da fase “in juditio”, não há no momento pré-processual da “persecutio criminis”, não obstante o que é prescrito de forma lacônica no art. 6º do Código de Processo Penal, como hão de ser desenvolvidos e desen-cadeados os atos que compõem a marcha do esforço investigativo criminal. Se não há, por conseguinte, disciplinamento legislativo regulando esta maté-ria, cabe a doutrina refletir sobre tais meandros e construir um caminho a se trilhar nos campos da investigação.

Hodiernamente, a investigação para ser exitosa precisa ser legal, le-gitima e altamente técnica, notadamente as que se debruçam sobre eventos adstritos a macro criminalidade. Outrossim, mesmo a mais alta e apurada técnica investigativa num vazio metodológico é como um grande navio que flutua sem bússola numa noite de densas nuvens onde as estrelas não se reve-lam. O método traz norte, luz e direção a investigação criminal, e permite ao coordenador dos trabalhos investigativos, que na seara da atuação da Polícia Investigativa ( Judicial) é o Delegado de Polícia, conduzir sua equipe rumo ao objetivo da revelação da verdade material da infração penal perpetrada. Não há, portanto, como conceber a investigação criminal sem metodologia, vale dizer, sem rumo e sem trilha.

II – Ciclo do Esforço Investigativo Criminal

Neste sentido, para se levar a termo tal desiderato lanço mão de um modelo metodológico que tem o condão de melhor demonstrar como são levados a termos os quatro momentos de alta indagação para a investigação criminal e seus respectivos desdobramentos1. Tal modelo é o que chamo de

1 Veja, a propósito, o ensinamento de SENNEWALD, Charles A., TSUKAYAMA, John K. in The Process of Investigation: Concepts and Strategies for Investigators in the Private Sector. Burlington: Butterworht and Heinemann, 2001.: “An investigation is the examination, study, searching, tracking and gathering of factual information that answers questions or solves problems. It is more of an art than a science. Although the person engaged in investigation is a gatherer of facts, he or she must develop hypotheses and draw conclusions based on available information. The investigative process, that is to say, is a comprehensive activity involving information collection, the application of logic, and the exercise of sound reasoning”. Continuam SENNEWALD e TSUKAYAMA, “Just as the art of investigation belongs to no one province, so no one has all the answers as to precisely how any investigation can lead to the desired solution. Too many facets are involved in the process of information collection, application of logic, and sound reasoning. Some such facets include intuition, luck, mistakes, and the often touted “gut feeling”. No single textbook of formula is possible, no one book (or author) can stand alone as the ultimate authority. Our purpose, then, is an overview of investigative concepts, strategies, suggestions, guidelines, hints, and examples that can be useful to any investigator.”

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Ciclo do Esforço Investigativo Criminal (CEIC). Este ciclo consegue ex-plicitar como se dão as condutas e posturas do investigador criminal diante do delito que se investiga e a metodologia que deve ser empregada numa in-vestigação criminal para a obtenção do resultado “ab ovo” pretendido que é a solução da situação-problema apresentada ao investigador, vale dizer, a solvência de uma infração penal, com estabelecimento da autoria, materiali-dade e circunstâncias relevantes adstritas ao crime sob exame. O CEIC vem ilustrado abaixo e cada um de seus momentos será devidamente explicitado nos tópicos seguintes.

Figura didático-ilustrativa 01 Ciclo do Esforço Investigativo Criminal

PREMISSAS

VAZIOS

HIPÓTESES

1 - DEMANDA

2 – REUNIÃO DE EVIDÊNCIAS

3 - ANÁLISE

4 - CONCLUSÃO

BUSCA/COLETA

SELEÇÃO

AVALIAÇÃO

AUTORIA

MATERIALIDADE

CIRCUSNSTÂNCIAS

FATOS NOVOS

REQUISIÇÕES

III – Tratamento Vestibular da Demanda Investigativa

Com o partejamento do fato-criminoso-gerador ascende uma de-manda investigativa e cabe ao investigador sobre ela se debruça e perquirir. Esse momento é de extrema relevância para a investigação criminal, pois é o primeiro momento que o investigador toma ciência da existência da prática de uma possível ação criminosa. Há de se dizer possível ação criminosa, pois uma “notitia criminis” nem sempre traz no seu bojo a narrativa de um fato realmente criminoso. Fato corriqueiro em plantões de Delegacias de Polícia são atendimentos de cidadãos que as procuram para apresentar a notícia de

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um fato que para ele ou ela constitui, subjetivamente, uma ação criminosa; mas, que não passa de mera irregularidade administrativa ou de fato atípico, vale dizer, não-criminoso. Ou, o que é pior, a suposta “notitia criminis” pode constituir em si um delito, v.g., denunciação caluniosa, comunicação falsa de crime ou de contravenção ou auto-acusação falsa2. Assim, é de todo pertinen-te que quem primeiro tome ciência de uma suposta notícia do crime esteja alerta para a possível inexistência de crime a ser investigado. É com a notícia da prática de um delito que se põe em movimento a máquina estatal de per-secução criminal. E para esta máquina poder alcançar os melhores resultados possíveis ela tem que superar a inércia de forma mais eficiente e eficaz.

Assim, todos os detalhes fáticos que circundam a notícia de um crime devem ser observados e registrados para futura análise por parte do investiga-dor. Seja um ofício que lhe chegue as mãos, seja uma reportagem televisa ou escrita que lhe é apresentada, ou mesmo as declarações de uma testemunha ou vítima que o procura, o investigador há de estar atento às nuances do caso, não somente às suas cores. Na abordagem inicial de um crime, que se dá com o contato com a “notitia criminis”, o investigador tem que agir com a cautela necessária para não se deixar seduzir por aquilo que lhe salta aos olhos. Deve ele buscar a reconstrução da história que permeia o crime praticado. Frances-co Carnelutti (1995, p. 43) ensina que:

Um fato é um pedaço de história; e a história é a estrada que percorrem, do nascimento à morte, os homens e a humanidade. Um pedaço de es-trada, portanto. Saber se um fato aconteceu ou não quer dizer, portanto, voltar a trás. Este voltar atrás é aquilo que se chama fazer a história.

O investigador, neste sentido, reconstrói a história do fato criminoso e esta reconstrução há de ser realizada com racionalidade, sem máculas emo-cionais. É claro que o investigador, ser humano que é, é produto de sua pró-pria história e, por conseguinte, forjado por emoções, valores, experiências dos mais diversos matizes. Todavia, o seu mister exige que sua atuação se dê de forma arredada do eivo da percepção subjetiva, por vezes influenciada por sentimentos de vindita ou piedade, da vítima ou da testemunha, em relação aos fatos sob exame. Aqui cabe a máxima popular que ensina que nem tudo é o que parece ser. Assim, o ofício que chega ao investigador de um órgão pú-blico comunicando a prática de um delito pode estar maculado por interesses coorporativos e/ou políticos; a reportagem que publica matéria sobre dado

2 Estes três delitos constituem crimes contra a administração da justiça e estão capitulados no CP nos art. 339, 340 e 341, respectivamente.

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esquema criminoso pode estar maquiada pelo sensacionalismo que só tem compromisso com pontos de audiência e tiragens de jornal; e a testemunha e a vítima que foram atingidas pela cena do crime podem estar afetadas de tal forma pela realidade fática do delito que suas impressões permanecem eiva-das pela emoção e abalo psicológico.

Por óbvio, o investigador não há de desprezar qualquer dessas fontes de dados relativas à prática delituosa, mas ele há de abordá-las de maneira outra que não precipitada. Deve o investigador agir de forma cautelosa pro-curando separar o que é relacionado com os fatos e o que fruto de apreensões subjetivas que se encontram distante da realidade. Por conseguinte, o investi-gador há de se lançar sobre o fato sob análise escrutinando os dados da reali-dade que a traduzem. Neste diapasão, ele executa a busca de dados orientada pelas indagações que quando respondidas trazem solução à situação proble-ma, vale dizer, ao suposto crime praticado. O investigador diante da situação-problema (crime) há de indagar sobre: (a) O que aconteceu; (b) Quem foi o autor do fato; (c) Quando tal fato se deu; (d) Onde ele aconteceu; (e) Por que ele veio à tona; (f ) Como foi o ato criminoso praticado; e (g) Com quais instrumentos o seu autor levou a termo a sua perpetração.

Ou seja, ele procura com tais questionamentos se aproximar da au-toria e materialidade delituais, bem com das circunstâncias de lugar, tempo, modo e ânimo que são adstritos ao crime. Tais indagações são exatamente a reconstrução histórica de que sustenta Carnelutti suso citada.

Diante de tais questionamentos, que “ex surge” como forma de orienta-ção do planejamento das ações investigativas, o investigador se deparará com as premissas, as hipóteses e os vazios relacionados com o fato criminoso. O escopo do investigador em face destes três elementos será a ratificação ou retificação das premissas e hipóteses e o preenchimento dos vazios. Assim sendo, se alcançarão os limites fáticos que circundam a atividade delituosa sob investigação.

As premissas constituem dados da realidade fática que são observa-dos pelo investigador e que em princípio são verdadeiros, dentro de uma dada inferência. Vale dizer, elas são constatações emanadas do raciocínio lógico do investigador. Para melhor entendimento de como se dá o desenvolvimento do CEIC é de bom alvitre que se lance mão de um exemplo ilustrativo que traga a descrição de uma prática delituosa e a sua conseqüente investigação. Segue, então, o exemplo ilustrativo:

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A Polícia Rodoviária Federal (PRF), exercendo a sua função consti-tucional de policiamento ostensivo rodoviário na BR-060 realizou a apreensão de cinco notas de cinqüenta reais com algum indicativo externo de falsidade3. Tal apreensão ascendeu da ação de um policial rodoviário que realizou a abordagem de veículo de marca esportiva e vidros com películas escuras. O policial desconfiou do comportamento dos dois cidadãos que ocupavam o carro quando da solicitação da apre-sentação da carteira de identidade e da habilitação do motorista do au-tomóvel. Nesse momento o condutor do veículo demonstrou sinais exte-riores de nervosismo e inquietação com a abordagem policial. Diante destes estado de coisas o policial rodoviário de posse dos documentos pes-soais do motorista realizou consulta em bancos de dados criminais dis-ponibilizados pela Rede INFOSEG4 e detectou que o motorista possuía antecedente criminal, contando inclusive com condenação penal por formação de quadrilha e estelionato. Diante do comportamento suspei-to do condutor do veículo e da constatação de antecedentes criminais o policial rodoviário, junto com outro colega de profissão, levou a efeito uma busca veicular e pessoal nos citados cidadãos. Por ocasião da busca pessoal foram encontradas com o motorista cinco notas de cinqüenta reais. O policial rodoviário através de inspeção visual suspeitou da ve-racidade das notas em face da numeração seqüencial das cinco notas, marca d’água sem consistência e coloração desbotada. Com tal fun-dada suspeita, motorista e passageiro do veículo foram entrevistados e passaram a negar que aquelas notas pertenciam ao condutor do veículo e que não sabiam explicar se elas eram falsas ou verdadeiras. Diante deste cenário, foi dada voz de prisão ao motorista do veículo por prática do crime de moeda falsa5, sendo o mesmo e o passageiro encaminhados

3 Aqui não há de se especular (por não ser o locus amoenus para tanto) se a falsificação é tosca a ponto da nota falsa ser objeto material (artifício) adstrito à prática do crime de Estelionato, ex vi art. 171, caput, CP.

4 “A Rede INFOSEG tem por objetivo a integração das informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização, como dados de inquéritos, processos, de armas de fogo, de veículos, de condutores, de mandados de prisão, dentre outros entre todas as Unidades da Federação e Órgãos Federais.A Rede disponibiliza informações por meio da internet em âmbito nacional, utilizando um Índice onde é possível acessar informações básicas de indivíduos. O detalhamento dessas informações é acessado, a partir de uma consulta inicial no índice, diretamente nas bases estaduais de origem, mantendo a autonomia dos estados em relação as suas informações detalhadas. A rede INFOSEG concentra em sua base de dados apenas as informações básicas que apontam para as fontes de dados dos estados, no caso das informações de processos, inquéritos e mandados de prisão”. Disponível em http://www.infoseg.gov.br/infoseg/rede-infoseg/descricao (acessado em 15/10/2008).

5 Moeda falsa, art. 289. Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro: Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa. § 1° Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa. § 2° Quem, tendo recebido de boa fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 3° É punido com reclusão, de três a quinze anos, e multa o funcionário público ou diretor, gerente, ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou

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até a sede da Superintendência Regional da Polícia Federal no Distrito Federal, o primeiro na condição de preso em flagrante, e o segundo para prestar declarações acerca do fato.

Em face desta situação o investigador ao se deparar com a “notitia criminis” do delito acima descrito tem diante de si os seguintes elementos fá-ticos: (a) Os depoimentos dos policiais rodoviários, condutor e testemunhas do flagrante; (b) As declarações do conduzido; (c) As declarações de um ter-ceiro que pode estar vinculado ao evento criminoso; (d) Os antecedentes cri-minais do conduzido; (e) Os objetos materiais do suposto crime praticado, que consiste em cinco notas de cinqüenta reais tidas como falsas.

Por conseguinte, tal cenário traz ao investigador pelo menos duas premissas, quais sejam: (a) As notas de cinqüenta reais apreendidas são pro-vavelmente falsas e (b) O conduzido tinha sob sua guarda cinco notas de cinqüenta reais provavelmente falsas.

Por óbvio, as premissas não exprimem um nível de certeza “extremis” de dúvida. Elas constituem indicativo da existência de indícios dos quais se infere que em princípio houve a prática de um ato delituoso. Com o desenvol-vimento das investigações e a ascensão de todas as diligências, exames técni-cos (no caso “sub examine”, laudo pericial de moeda falsa) e análises criminais pertinentes, aquela premissa inicial, quando ratificada, constituirá elemento probatório que dá suporte ao estabelecimento da verdade real.

As hipóteses constituem uma suposição admissível que serve como explicação da existência de determinado fato. Estas surgem para o investi-gador depois da busca e colheita de dados e da conseqüente necessidade de explicação do problema posto associado a estes dados. As hipóteses em sede de investigação criminal também são chamadas de linhas de investigação que são determinadas pelo investigador quando este se depara com uma situ-ação criminosa. São, em verdade, conjecturas engendradas pelo investigador diante do fato criminoso que lhe é apresentado.

Tendo como referência o caso de moeda falsa acima declinado, po-deriam ser hipóteses, ou linhas de investigação, de tal situação: (a) o cidadão, que trazia consigo a nota de cinqüenta reais, era um incauto e não sabia da

autoriza a fabricação ou emissão: I - de moeda com título ou peso inferior ao determinado em lei; II - de papel-moeda em quantidade superior à autorizada. § 4° Nas mesmas penas incorre quem desvia e faz circular moeda, cuja circulação não estava ainda autorizada.

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falsidade das moedas; (b) o mesmo indivíduo é membro de uma quadrilha especializada em falsificação de moeda e o passageiro é seu parceiro no crime; (c) o indivíduo preso obteve aquelas notas através de saque num terminal bancário eletrônico; e (d) tal indivíduo recebeu as supostas notas falsas numa dada transação comercial.

Neste diapasão, diante de um delito podem surgir diversas hipóteses que explicam a sua existência, inclusive para eximir de culpa um determi-nado suspeito. Quando do estabelecimento das linhas de investigação deve o investigador elencar as mais plausíveis que expliquem a existência do fato criminoso. Não que se deva excluir qualquer linha de investigação “prima fa-cie”. Mas, é de bom alvitre que as hipóteses levantadas sejam de confirmação plausível e não mera conjecturação fantasiosa. No exemplo apresentado não haveria de constituir linha de investigação a suposição de que o cidadão preso na posse das notas falsas as obteve mediante doação das mesmas por parte de um terceiro estranho que o mesmo encontrou na região central de uma grande cidade pátria. A hipótese há de ser plausível, pois, assim, não sendo há investimento a fundo perdido de recursos preciosos para o estado, como desperdício de horas de trabalho de mão-de-obra especializada que poderia ser empregada em situações criminosas que realmente necessitam ações in-vestigatórias. E aqui cabe o que foi dito em relação às premissas, vale dizer, com o desenvolvimento das investigações e a ascensão de todas as diligências, exames técnicos (no caso “sub examine”, laudo pericial de moeda falsa) e aná-lises criminais pertinentes, as hipóteses estabelecidas serão ou não ratificadas. E quando ratificadas constituirão os elementos fáticos que darão suporte ao estabelecimento da verdade material.

Noutro giro, os vazios são os questionamentos fulcrais engendrados em face de um fato criminoso sob escrutínio e que carecem de respostas. Eles representam a ausência de solução ao problema posto (crime). Assim, se em uma dada investigação criminal não se consegue superar algum vazio - que é materializado através da ausência de resposta a alguma das questões: “QUIS” - quem? “QUID” - que coisa? “UBI” - onde? “QUANDO” - quando? “QUO-MODO” - de que maneira? “CUR” - por quê? “QUIBUS AUXILIS” - com que auxílio? - sobre ela incidirá a mácula de ineficácia. Tais indagações com-põem o chamado Heptâmetro de Quintiliano (Marcus Fabius Quitilianus).

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Cipião Martins, citado por Pery Cotta (2002, p. 66.), afirma que:

No século I, o reitor romano Quintiliano, possivelmente nascido em terras de Espanha (Calahorra), traçou em sua Instituição Oratória os precisos contornos da Retórica, mais conhecidos como circunstan-ciais: pessoa, fato, lugar, meios, motivos e modo.

E Conclui Martins:

Quintiliano enunciou um heptâmetro para disciplinar o discurso: quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando? (quem, que coisa, onde, por que meio, como, quando?).

Há de se frisar que tais questionamentos não são “numerus clausulos”, constituindo um referencial ao qual podem ser agregados outras indagações. Eles constituem indagações mínimas, mas não exaurem o rol de indagações que devem ser feitas em face de um fato criminoso sob investigação. Há na doutrina processualista penal pátria menção expressa do milenar ensinamen-to de Quitiliano. Fernando da Costa Tourinho Filho (2001, p. 128) narra que João Mendes, ensinava já no início do século XX sobre a denúncia a ser apresentada pelo ministério público o seguinte:

A peça acusatória é uma exposição narrativa e demonstrativa. Nar-rativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, apontando o seu autor (quis), os meios que empregou (quibus auxi-liis), o mal que produziu (quid), os motivos (cur), a maneira como praticou (quomodo), o lugar (ubi) e o tempo (quando).

Por óbvio, todos estes questionamentos são levados a efeito ab initio diante do fato criminoso, ainda na fase da investigação, sendo suas respostas, por via de conseqüência, estabelecidas já naquele momento de apuração.

Tendo como referência o caso de moeda falsa apresentado como exemplo ilustrativo, seriam vazios, que teriam que ser preenchidos, sem pre-juízos de tantos outros, para o deslinde do caso: (a) Como se deu a apreensão da nota falsa e em que circunstâncias? Em outras palavras, onde elas estavam acondicionadas? Elas estavam junto ao corpo do cidadão preso, como em na sua carteira, em um bolso ou escondida em outro local? (b) As notas apre-endidas são capazes de enganar o homem médio? (c) Por que o condutor do veículo trazia consigo as notas falsas? (d) Quais antecedentes criminais tal cidadão possui? Ou seja, quais crimes lhe forma imputados outrora? (e) Qual ligação criminosa possui o indivíduo preso? Tem ele algum link com esque-mas criminosos envolvendo quadrilha ou bando, estelionato e moeda falsa?

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(f ) O indivíduo (carona) que estava no veículo no momento da abordagem da PRF tem alguma participação na ação delituosa? (g) De onde vinha e para onde ia o cidadão preso?

Com a incidência e permanência de vazios a investigação não alcança-rá a solvência do fato criminoso, seja em relação à sua autoria, seja em relação à sua materialidade, ou a alguma circunstância imprescindível ao seu deslinde.

IV – Reunião de Evidências

O procedimento de reunião de evidências vem à tona exatamente para angariação de elementos da realidade que têm o condão de ratificar ou retificar premissas e hipóteses, preencher vazios, e compor o cabedal de provas a ser estabelecido e legitimado sob o crivo do contraditório e da ampla defesa6 em sede de processo penal sob presidência da autoridade judicial.

A reunião de evidências é levada a efeito através do emprego de téc-nicas investigativas que permitem ao investigador a busca e coleta de evidên-cias, bem como a seleção e avaliação destes elementos factuais que vão formar o cabedal de provas relacionado com o evento criminoso sob luzes. A Lei n0

9.034/1995, por exemplo, traz rol de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas que, em verdade, constituem técnicas investigativas, como a ação controlada, a captação, acesso a informações fiscais e bancárias, a interceptação ambiental de sinais eletromag-néticos e infiltração por agentes de polícia em organizações criminosas.

Há de se registrar que, em termos genéricos, evidência7 é tudo aquilo que pode ser usado para provar que uma determinada afirmação é verdadeira

6 O Mestre José Afonso da SILVA ensina, in Comentário Contextual à Constituição, São Paulo: Editora Malheiros, 2008, p. 154, que os princípios do contraditório e ampla defesa “são dois princípios fundamentais do processo penal. O primeiro, de certo modo, já contém o segundo, porque não há contraditório sem ampla defesa, que a constituição agora estende ao processo civil e ao processo administrativo. De fato, a instrução criminal contraditória tem como conteúdo essencial a garantia da plenitude da defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. A contraditoriedade, no processo judicial e no administrativo, constitui pressuposto indeclinável da realização de um processo justo, sem o quê a apreciação judicial de lesão ou ameaça a direito se torna vazia de sentido valorativo (...)”.

7 Ver, à propósito, o ensinamento de Jeremy BETHAM, já no século XIX, no seu Rationale of Judicial Evidence, Colorado: Rothman & Co. Little, 1999, p. 17: By the term evidence, considered according to the most extended applications that is given to it, and seems in general to be understood. – any matter of fact, the effect, tendency, or design of which, when presented to the mind, is to produce a persuasion concerning the existence of some other matter of fact: a persuasion either affirmative or disaffirmative of its existence.

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ou falsa. Noutro giro, na seara da investigação criminal, e por via de conseguin-te sob a perspectiva jurídico-penal, o que é chamado de evidência há de ser todo elemento fático que guarda alguma relação com a infração penal perpetrada e tem o condão de contribuir para a solução do problema (crime) através da com-posição de um bojo probatório. A evidência que se busca na investigação, por conseguinte, é o espelho da prova que se formará no corpo da ação penal.

Aqui bem cabe a lição magistral de Nicola Flamarino dei Malatesta (2005, p. 87) sobre o que vem a ser a prova em matéria criminal:

A prova é o meio objetivo com que a verdade atinge o espírito; e o espírito pode, relativamente a um objeto, chegar por meio das provas tanto à simples credibilidade, como à probabilidade e certeza. A prova, portanto, em geral, é a relação concreta entre a verdade e o espírito humano nas suas especiais determinações de credibilidade, probabilidade e certeza.

Conclui o Mestre italiano:

Ora, visando-se em juízo criminal a estabelecer a realidade dos fa-tos, só são propriamente provas as que levam a nosso espírito uma preponderância de razões afirmativas para crer em tais realidades; e, por isso, só são propriamente provas as da probabilidade, a simples preponderância, maior ou menor, das razões afirmativas sobre as negativas e as da certeza, o triunfo das razões afirmativas para crer na realidade do fato.

De outra margem, pode-se afirmar que há uma relação de conteúdo e continente entre evidências e provas. Isso, onde as provas são o conteúdo do continente de evidências. Vale dizer, as provas são os resultados dos ajun-tamentos de evidências selecionadas, avaliadas, analisadas pelo investigador e referendadas em juízo sob os auspícios do devido processo legal. É claro, que pode haver a ascensão de provas sem necessariamente ter passado pelo CEIC. É exemplo desta situação a evidência trazida ao processo penal pelas mãos do advogado de defesa que apresenta, v.g., em juízo documentos outros que es-tavam em poder do réu e que por um motivo ou outro não foram alcançados pela investigação criminal pré-processual.

O Mestre Processualista Tourinho Filho (2001, p. 432) ensina que, in verbis:

Provar é, antes de mais nada, estabelecer a existência da verdade; e as pro-vas são os meios pelos quais se procura estabelecer a existência da verdade.

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Finaliza o sábio professor:

Entendem-se, também, por prova, de ordinário, os elementos pro-duzidos pelas partes ou pelo próprio juiz, visando a estabelecer, dentro do processo, a existência de certos fatos. É o instrumento de verificação do thema probandum.

Portanto, hão de ser consideradas evidências, na seara da investiga-ção criminal, documentos de qualquer ordem, vestígios materiais do crime, depoimentos de testemunhas, declarações de investigados e suspeitos, etc. É claro que uma evidência pode vir a constituir uma prova, mas nem toda evi-dência será necessariamente uma prova. Quando em juízo, na fase processual da persecução criminal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, todas as evidências apresentadas serão apreciadas pelas partes, vale dizer, ministério público, advogado de defesa, assistente de acusação, e pelo juízo na pessoa do órgão judicial que funciona no feito, seja um magistrado de primeira ins-tância, seja um colegiado de segundo grau de jurisdição. Com a ratificação judicial das evidências, em face de sua legitimidade, legalidade e relevância estas ganham estatura de prova e passam a ser hábeis a cumprir o seu objetivo. Também é ensinamento de Tourinho Filho (2001, p. 432) de que:

O objetivo ou finalidade da prova é formar a convicção do Juiz sobre os elementos necessários para a decisão da causa. Para o julgar o litígio (que no processo penal se dá entre o choque do jus libertatis do réu e o jus puniendi do estado), precisa o juiz ficar conhecendo a existência do fato sobre o qual versa a lide. Pois bem: a finalida-de da prova é tornar aquele fato conhecido do juiz, convencendo-o da sua existência. As partes, com as provas produzidas, procuram convencer o juiz de que os fatos existiram, ou não, ou, então, de que ocorreram desta ou daquela forma.

Figura didático-ilustrativa 02 Relação conteúdo continente entre provas e evidências

Evidências

Provas

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A figura de dois círculos circuncêntricos, método dos diagramas de Venn8, serve como técnica gráfica para melhor entendimento da relação entre prova e evidência da seara da investigação criminal. Tal disposição demonstra que pode haver evidências que não alcançarão o status de prova, mas o con-junto de provas está inserido no de evidências.

Exemplo disso são os casos sob investigação que empregam a técnica investigativa da interceptação telefônica nos termos da Lei n0 9.296/19969. Nestes casos vários diálogos entre investigados e entre investigados e tercei-ros, muitas vezes completamente alheios ao objeto da investigação, são moni-torados em face de ordem judicial. Cada diálogo interceptado constitui uma evidência do esforço investigativo, contudo nem todo diálogo monitorado terá o condão de constituir uma prova. Haverá no seio de uma investigação desta estatura diálogos cifrados, declinados sob códigos, diálogos com pouca clareza e diálogos que, em que pese terem algum liame com os fatos investi-gados, são rarefeitos em conteúdo. Assim, diálogos deste matiz formarão o conjunto de evidências da investigação, mas não terão força probatória que os eleve à condição de prova.

A coleta é a obtenção de evidências disponíveis, isto é, de livre acesso a quem procura obtê-los. Ou seja, através da coleta se promove a arrecadação de evidências que estão ao alcance imediato do investigador sem necessidade de engendramento de esforços investigativos para superar direitos e garantias individuais10, nem emprego de técnicas investigativas operacionais. Exemplo de coleta no bojo da situação problema de moeda falsa suso declinada seria: (a) angariação da numeração da placa, chassis e número RENAVAM11 do veículo onde se encontrava o cidadão preso e seu companheiro de viagem sus-peito; (b) angariação da numeração dos documentos pessoais do preso e do passageiro suspeito, com respectivas cópias; (c) consulta em bancos de dados

8 RUSKEY, Frank, WESTOM, Mark. A Survey of Venn Diagrams, Department of Computer Science University of Victoria, Victoria, B.C, Canada. Disponível em http://www.combinatorics.org/Surveys/ds5/VennEJC.html, acessado em 23/01/2007.

9 Ordena o art. 1º deste diploma normativo: a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

10 Em relação a esses dados há de se observar incondicionalmente o que prescreve a Lex Excelsa no que concerne à proteção aos direitos fundamentais do homem, notadamente da liberdade ambulatória, inviolabilidade do domicílio, do sigilo das comunicações, etc. Neste diapasão, quando o investigador se deparar com dados que estão sob o pálio constitucional como os suso referidos ele necessitará da devida ordem judicial para os alcançar e buscar.

11 Registro Nacional de Veículos Automotores.

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sobre os documentos descritos nos itens 1 e 2 retro; (d) consulta em banco de dados sobre os indivíduos suspeitos; (e) asrrecadação e apreensão das no-tas supostamente falsas; (f ) fotografia dos cidadãos suspeitos; (g) redução a termo das declarações do preso e do carona; (h) angariação de eventuais vestígios no interior do automóvel.

A busca, por sua vez, é a obtenção de evidências não disponíveis de maneira imediata por parte do investigador. As evidências que são objeto de busca são aqueles que estão sob o pálio de manobras protetivas do investiga-do, tendo em vista que as mesmas o colocam diretamente adstrito ao delito por ele perpetrado, ou aqueles outros que demandam ações investigativas operacionais, ou são evidências que para serem alcançadas necessitam de afastamento de proteção constitucional. Exemplo de busca no bojo da situa-ção problema de moeda falsa suso declinada seria: (a) vigilância realizada em face do cidadão acompanhante do motorista preso após a redução a termo de suas declarações na PF; (b) quebra do sigilo das comunicações do indivíduo preso; (c) fotografia operacional das pessoas suspeitas que venham a manter contato com acompanhante do motorista preso; (d) emprego de Informan-tes para obtenção de dados relativos ao cidadão preso e seu companheiro; (e) infiltração de agente policial em organização criminosa de que faz parte o indivíduo preso e seu colega.

Nos processos de coleta e busca é de bom alvitre que o investigador observe alguns critérios para otimização da investigação neste momento em que as primeiras evidências, e por vezes elementos de provas robustos são arrecadados. Desse modo, o investigador em relação às evidências a ser anga-riadas deve: (a) não desprezar nenhuma evidência mesmo que em princípio pareça insignificante; (b) não descartar evidências à vista dos mesmos poder favorecer o indivíduo suspeito; (c) partir do mais simples para o mais com-plexo; (d) partir do de menor custo para o mais dispendioso; (e) partir do de pouco ou nenhum risco para o mais arriscado; (f ) esgotar a capacidade do próprio órgão antes de acionar outros.

A seleção consiste na triagem, exclusão, que obviamente tem aqui o significado de descarte intelectual e não de retirada física da evidência, e escolha das evidências que são de fato importantes ou de menor monta para o deslinde do caso, a partir do critério de relevância para a futura produção de prova. Com a seleção promove-se a separação do joio do trigo. Tal momento é de todo relevante tendo em vista que por ocasião da coleta e busca muitas

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evidências laterais, vale dizer, evidências que não contribuem para a direta solvência do crime, são angariadas. Exemplo de seleção no bojo da situação problema de moeda falsa suso declinada seria: (a) exclusão de conversas in-terceptadas dos investigados com ordem judicial que não esclarecem o crime de moeda falsa; (b) restituição de documentos pessoais dos investigados que não falsificados, com o cuidado de se manter cópia dos mesmos; (c) destaque das evidências que materializam o crime de moeda falsa, como as notas apre-endidas e as declarações dos investigados e testemunhas.

A avaliação é o processo a que são submetidos as evidências para aferição da sua força “probandi” no sentido de se estabelecer se dada evidên-cia angariada tem condições de compor o futuro cabedal probatório. Isso, tanto do ponto de vista do mérito da investigação, quanto do seu aspecto legal. É a partir deste momento, portanto, que se agiganta a intervenção do profissional da investigação versado em Ciências Jurídicas. No caso da in-vestigação criminal conduzida pela Polícia Judiciária, o Delegado de Polícia deve intervir neste momento do CEIC para emprestar uma leitura jurídica às evidências colocando-as sob o crivo da legalidade e legitimidade. Por óbvio, na investigação policial o Delegado de Polícia, como coordenador dos tra-balhos investigativos, atua em todos os momentos do CEIC na condição de profissional da investigação criminal, assim, como agentes de polícia e peritos criminais. Mas por ocasião da fase da avaliação a sua condição de operador do direito é de maior relevo, pois a partir deste momento do Ciclo do Esforço Investigativo Criminal há os primeiros passos definitivos para a constituição daquilo que no futuro será a prova.

V – Análise das Evidências Angariadas

O momento da análise promove a associação, cruzamento e valora-ção das evidências para fins de estabelecimento daquelas que formarão o rol das provas a serem apresentadas por ocasião da conclusão das investigações ao “dominus litis” da ação penal para oferecimento de denúncia. A análise que se promove na investigação criminal é a análise criminal, mais especi-ficamente a análise criminal tática12. Em prol da análise, serão empregados

12 Ver, a propósito, o que sustenta a International Criminal Police Organization (INTERPOL), disponível em http://www.interpol.int/Public/CIA/Default.asp (acessado em 21/10/2008), in literis: “Criminal Intelligence Analysis is divided into operational (or tactical) and strategic analysis. The basic skills required are similar, and the difference lies in the level of detail and the type of client to whom the products are aimed. Operational Analysis aims to achieve a specific law enforcement

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tanto a Lógica13, já utilizada pelo investigador desde o estabelecimento das premissas e hipóteses, quanto ferramental tecnológico como softwares de análise criminal, como o “i2 Analyst´s Notebook”14. Em verdade a análise se dá a todo momento da investigação, não havendo um momento estanque onde se somente acontece a análise das evidências.

Mais ainda, as fases do CEIC não estão divididas em compartimen-tos incomunicáveis e herméticos. O processo de investigação é dinâmico e não comporta o confinamento de suas fases a momentos fixos e específicos. É claro que metodologicamente, e do ponto de vista didático, há o estabelecimento de fases, vale dizer momentos, da investigação criminal. Outrossim, isso não signi-fica que estas aconteçam de maneira isolada e distanciada uma das outras e que não haja o desenvolvimento de ações típicas de uma fase no bojo da outra.

Na análise há, por conseguinte, a promoção do estudo pormenori-zado do conjunto de evidências angariado. Isso, numa perspectiva individual e global concomitantemente do conjunto de evidências arrecadadas. Assim, cada evidência é analisada individualmente e confrontada com as demais numa perspectiva micro e macro da investigação, conferindo uma apreensão da realidade fática atrelada ao crime que é traduzida através das evidências co-lecionadas. Exemplo de análise no bojo da situação problema de moeda falsa

outcome. This might be arrests, seizure or forfeiture of assets or money gained from criminal activities, or the disruption of a criminal group. Operational Analysis usually has a more immediate benefit. Strategic Analysis is intended to inform higher level decision making and the benefits are realized over the longer term. It is usually aimed at managers and policy-makers rather than individual investigators. The intention is to provide early warning of threats and to support senior decision-makers in setting priorities to prepare their organizations to be able to deal with emerging criminal issues. This might mean allocating resources to different areas of crime, increased training in a crime fighting technique, or taking steps to close a loophole in a process.”

13 Aqui refere-se a Lógica como ramo da Filosofia, sendo as premissas e hipóteses seus frutos.

14 Sobre o programa de análise criminal Analyst´s Notebook da empresa i2 há: “Investigations typically involve large amounts of raw, multi-formatted data gathered from a wide variety of sources. Somewhere in this data lies the key to the investigation but it can remain obscured by the volume and apparent randomness of individual facts. i2 Analyst's Notebook 7 is i2's award winning visualization and analytical product which enables analysts and investigators to visualize large amounts of disparate information and turn it into meaningful intelligence. This is achieved by providing a framework for information which helps the analyst to quickly create a chart of objects and relationships. Analyst's Notebook also provides users with the tools they require to navigate, search and analyze the wealth of information contained in a chart. This allows intelligence data to be collated and filtered so that the important relationships within the investigation can be easily understood. Analyst's Notebook is considered an essential tool for intelligence and investigative analysts around the world. Proven in defense, law enforcement and commercial organizations, it has become a de facto standard for the exchange of intelligence information between agencies.” Disponível em http://www.issafrica.co.za/docs/Analyst's%20Notebook/Datasheets/i2%20Analyst's%20Notebook%207%20Lowres%20Datasheet.pdf, (acessado em 21/10/2008).

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“suso” declinada seria: (a) cruzamento das evidências angariadas pelas diver-sas técnicas de investigação empregadas em face dos alvos, v.g., vigilância e fotografias operacionais; (b) estabelecimento das associações criminosas dos investigados na seara da falsificação de moeda e outras atividades criminosas; (c) ponderação da força probatória das evidencias colecionadas em face da investigação desenvolvida.

Com a concretização da análise de evidências o investigador vai se deparar com duas situações, a saber: (a) as evidências angariadas são suficien-tes para se apontar a materialidade, autoria e as circunstâncias relevantes do crime sob escrutínio; (b) o conjunto de evidências analisadas ainda aponta para a existência de vazios de tal monta que interferem no estabelecimento da verdade material.

Em sendo suficientes as evidências, o CEIC segue seu curso rumo à fase de conclusão das investigações com indicativo das evidências que vão formar as provas em juízo. Outrossim, se ainda resta indagações, relevantes às investigações, do Heptâmetro de Quintiliano a serem sanadas ascende uma nova demanda investigativa que vai ensejar o aparecimento de novas premis-sas e hipóteses e de nova reunião de evidências mediante busca, coleta, seleção e avaliação. Assim, se formará um sub-ciclo dentro CEIC que compreende as fases da análise com engendramento de nova demanda e necessidade uma outra reunião de evidências a serem postas a análise criminal. Esse sub-ciclo do CEIC pode ser isolado graficamente da seguinte forma:

Figura didático-ilustrativa 03 Sub-ciclo da nova demanda investigativa em face da análise das evidências.

PREMISSAS

VAZIOS

HIPÓTESES

1 - DEMANDA

2 – REUNIÃO DE

EVIDÊNCIAS

3 - ANÁLISE

BUSCA/COLETA

SELEÇÃO

AVALIAÇÃO

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Superada a fase da análise com a consolidação das evidências que formarão o futuro conjunto probatório parte-se para a conclusão do ciclo do esforço investigativo engendrado. Nesta fase final também se agiganta a ação do investigador com formação jurídica, ou assessorado por profissio-nal com tal habilidade, para a produção do relatório final das investigações apontando a autoria, a materialidade e todas as circunstâncias de relevo que compõem o crime do ponto de vista fático15. Esta figura, do investigador com formação jurídica, é lugar comum nas polícias judiciárias onde há a atuação do Delegado de Polícia, que além de apreciar juridicamente o fato criminoso sob investigação também coordena os trabalhos investigativos.

Em verdade, pode-se afirmar que a ação criminosa para fins de apu-ração investigativa apresenta três dimensões. É claro que o fenômeno social do crime pode ser apreciado sob diversas perspectivas, como, por exemplo, a Sociológica, Antropológica, Psicológica, Criminológica e a Jurídica. Neste diapasão, o delito também pode ser apreciado sob uma perspectiva Investi-gativa16. Ou seja, o crime pode ser apreciado e compreendido sob o ângulo daquele que tem como ofício o desnudar e esclarecer as ações criminosas que tanto esgarçam o tecido social. Assim, o investigador criminal o aborda, avalia e analisa o crime sob uma perspectiva tridimensional que compreende a sua materialidade, autoria e circunstâncias que sobre si incidem e lhe emprestam cores e nuances. Por ser adepto da contemplação das múltiplas inteligências humanas (GARDNER, 1993) e entre estas o reconhecimento da relevância da Inteligência visual-espacial - que se desenvolve a partir de um apuramen-to das percepções sensoriomotoras, que permitem uma boa discriminação, entre outras coisas das formas, das dimensões e das relações espaciais - trago ao leitor mais uma figura didático-ilustrativa representando a perspectiva tridimensional do crime sob o ângulo de compreensão do investigador criminal.

15 Aqui não será enfrentada a questão do conceito jurídico de crime, seja formal, seja material ou legal. A compreensão de crime que deve ser trazido à baila nesta obra sobre investigação criminal é do ponto de vista do pragmatismo fático. Isso, pois aqui se fala em desnudamento do fato criminoso e não de sua apreensão jurídica em sentido estrito.

16 Há de se ressaltar que em que pese a relevância do conceito jurídico de crime, seja formal, material, analítico ou legal, o que se pretende revelar nestas páginas é uma concepção metajurídica do fenômeno criminoso que vai além da ciência jurídica e do direito positivado. Não obstante, e quase que contraditoriamente, devido à robustez dos estudos desenvolvidos pela ciência do Direito Penal esta acaba constituindo um dos principais referenciais para o entendimento do crime sob a ótica do investigador criminal.

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A autoria17 de uma ação criminosa diz respeito ao sujeito ativo que leva a termo um delito, vale dizer, a pessoa ou pessoas, físicas ou jurídicas18, que perpetraram uma ação criminosa, praticando o núcleo verbal descrito no tipo elencado na lei penal incriminadora, ou aderindo de qualquer forma à prática desta ação criminosa. O investigador, então, põe-se a perseguir aquele que desenvolveu, direta ou indiretamente19, a conduta comissiva ou omis-siva, que se subsume ao prescrito na lei penal incriminadora, ou aquele que de alguma forma concorreu para a perpetração do crime20. Guilherme Souza Nucci (2007, p.165) ensina que sujeito ativo, “é pessoa que pratica a conduta descrita pelo tipo penal. Animais e coisas não podem ser sujeitos ativos de crimes, nem autores de ações, pois lhes falta o elemento vontade”. De outra margem, Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 419) leciona, in verbis, que:

O conceito de autoria não pode circunscrever-se a quem pratica pesso-al e diretamente a figura delituosa, mas deve compreender também quem se serve de outrem como “instrumento” (autoria imediata). É possível igualmente que mais de uma pessoa pratique a mesma infração penal, ignorando que colabora na ação de outrem (auto-ria colateral), ou então, consciente e voluntariamente, coopere no empreendimento criminoso, quer praticando atos de execução (co-autoria), quer instigando, induzindo ou auxiliando (participação) na realização de uma conduta punível.

17 Segundo o escólio de Fernando da Costa TOURINHO FILHO, op.cit. p. 57, a finalidade do inquérito policial, aqui compreendido em sentido amplo alcançando a investigação criminal como um todo, é “ apurar a autoria significa que a autoridade policial deve desenvolver a necessária atividade visando a descobrir, conhecer o verdadeiro autor do fato infringente da norma”.

18 Vide arts. 173, § 5º e 225, § 3º da Carta Magna.

19 Aqui faz-se referência a autoria mediata onde o autor realiza a ação criminosa por intermédio de pessoa outra inimputável ou que age sob coação irresistível ou erro.

20 Isso, nos moldes do concurso de pessoas englobando a co-autoria e a participação, nos termos do art. 29 do CPB.

Figura didático-ilustrativa 04 Perspectiva investigativa tridimensional do crime.

CIRCUNSTÂNCIAS

MATERIALIDADE AUTORIA

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A autoria da situação problema de moeda falsa acima apresentada recairia por sobre: (a) o detentor das moedas por ocasião de sua prisão; (b) o cidadão que o acompanhava no veículo por ocasião da abordagem da PRF, isso se restar provado que os mesmos agiram em concurso ou se este indiví-duo aderiu de alguma forma à conduta delituosa do portador da moeda falsa; (c) os eventuais membros da quadrilha de falsificação de moeda que fazem parte o detentor das cédulas falsificadas e o comparsa que o acompanhava por ocasião de sua prisão.

Por sua vez, materialidade consiste nos vestígios materiais dos crimes, vale dizer, nos elementos materiais que indicam a existência no mundo real do delito praticado. A materialidade traduz em termos factuais a infração penal le-vada a efeito. Por óbvio, há crimes que não promovem modificação no mundo exterior. Tais crimes são os designados como (a) formais e (b) de mera conduta. Para tais crimes é suficiente para as suas existências a ação do sujeito ativo e o elemento volitivo em prol da sua concretização, são exemplos de tais infrações penais a Injúria verbal, art. 140 do CPB, e a Desobediência, art. 330. Damá-sio de Jesus (1995, p. 168) leciona, in literis que “no crime de mera conduta o legislador só descreve o comportamento do agente. Exs.: crime de violação de domicílio (art. 150).” E conclui o Mestre Paulista afirmando que “no crime formal o tipo menciona o comportamento e o resultado, mas não exige a sua produção para a consumação. Exs.: ameaça, divulgação de segredo.”

A materialidade do crime é estabelecida através da realização de exa-mes periciais nos vestígios deixados pelo crime. Mais ainda, em relação aos cri-mes materiais é imprescindível a realização de exame pericial, seja direto, seja indireto, nos vestígios materiais do crime21. Exemplo de exame pericial indireto seria a análise de registros fotográficos e filmagens feitos sobre os vestígios do delito sob escrutínio. Por óbvio a regra da imprescindibilidade da realização da perícia admite exceção. A exceção óbvia é a dos casos de crimes materiais que têm seus vestígios arredados por completo pelo perpetrador da ação criminosa. Ou seja, situações em que o autor do fato toma medidas assecuratórias do êxito de sua atividade criminosa eliminando in totum os vestígios materiais do crime. Isso, para afastar a possibilidade do Estado alcançá-lo em sede de persecução criminal, seja extra juditio, seja processual. Nestes casos, elementos outros de prova que não o exame pericial poderão, em princípio, a depender da sua ro-

21 Vide art. 158 e seguintes do CPP.

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bustez suprir a ausência dos vestígios. Com efeito, provas de estatura subjetiva como depoimentos de testemunhas22 têm agigantado o seu papel no esforço do estabelecimento da existência material sob investigação.

A materialidade da situação problema de moeda falsa seria constitu-ída pelo conjunto de notas de Real falsificadas que estavam na posse do in-divíduo preso e que foram apreendidas. Em face destas notas se daria exame pericial para se comprovar a falsidade inclusive determinando se a falsidade seria ou não grosseira, fato que pode inclusive implicar na alteração da capi-tulação do crime sob investigação do art. 289 CPB para o art. 171 CPB.

Por fim, é possível afirmar que as circunstâncias do crime sob a pers-pectiva da investigação criminal coincidem e ao mesmo tempo vão além das cir-cunstâncias do crime contempladas no art. 59 do CPB. Isso, não em relação às circunstâncias judiciais que englobam todo o dispositivo legal, mas sim às cir-cunstâncias stricto sensu que dizem respeito as condições relevantes de tempo, lugar, ocasião, modo, motivação, comportamento vitimal, contextos social e econômico que circundam ou acompanham o fato criminoso. Segundo o escó-lio de Damásio (1995, p. 479), expressis verbis, “circunstância deriva de circum stare, ‘estar em redor’. Tratando-se crime, circunstância é todo fato ou dado que se encontra em redor do delito. É um dado eventual, que pode existir ou não, sem que o crime seja excluído.” O desnudamento de tais circunstâncias é de ex-tremo relevo, pois tem o condão de fazer incidir sobre o tipo penal que se amol-da à conduta criminosa sob investigação atenuantes, agravantes, qualificadoras, causas de aumento ou diminuição de pena. A constatação das mesmas podem inclusive implicar na reclassificação do delito. Neste sentido, ao investigador criminal apontar a autoria e a materialidade do crime é necessário, mas não é suficiente. É preciso ir além das cores fortes que tingem o cenário criminoso da infração penal. É necessário que se busque as nuances do objeto de investiga-ção, indo além do superficial e imediato, alcançando o que há de profundo e profícuo na tela em que está expresso o delito.

VI – Conclusão das Investigações

Uma vez que os elementos de autoria, materialidade e circunstâncias do crime estão todos reunidos ou restou estabelecido que é impraticável o estabelecimento de quem foi o autor do crime ou de sua própria existência alcança-se a fase de conclusão da investigação. Nesta fase o responsável pelas

22 Ex vi art. 167 do CPP.

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investigações, no caso da investigação policial a Autoridade Policial, engen-dra o relatório final das investigações. Tal relatório trará em seu bojo, entre outros pontos: (a) o histórico dos fatos sob investigação; (b) o rol das dili-gências investigativas engendradas mais relevantes; (c) a indicação do autor do crime e os elementos de evidência que sustentam esta indicação; (d) a materialidade delitual, dados da realidade que demonstram a existência do crime, e os elementos de evidência que dão lastro à existência do crime; (e) as circunstâncias que tocam o crime e (f ) a capitulação, mesmo que provisória para o titular da ação penal, do delito ou delitos sob investigação.

Noutro giro, se não foi possível estabelecer autoria e materialidade o responsável pela investigação informará fundamentadamente as razões pe-las quais não houve possibilidade de apontar o sujeito ativo do crime ou sua existência material.

Há de se ratificar que a investigação criminal não se dá tão somente para angariar evidências da existência do crime e sua autoria. Ela também serve exatamente para afastar possíveis autorias criminais e supostas ocorrên-cias delituosas. O Investigador não pode ser guiado pela idéia fixa de apontar autorias criminais como numa caça a bruxas colocando na fogueira os sus-peitos e envolvidos na prática delituosa. A ética e a técnica devem prevalecer em todo momento da investigação inclusive naquele em que, por ausência de evidências, têm se que se reconhecer a impossibilidade fática de se apontar o sujeito ativo da atividade delituosa ou mesmo a própria existência do delito.

Não obstante, por vezes, no labor do dia-a-dia, o investigador cri-minal, em face de algum vestígio, angariado nos primeiros passos do CEIC, que indique a possível participação de um investigado numa ação criminosa, se volta para buscar tudo quanto seja necessário para ratificar aquela primeira impressão (hipótese inicial). Entretanto, a Investigação Criminal se presta, também, para buscar elementos que afastem a possibilidade da existência do crime e sua autoria. Tudo isso com lastro numa investigação isenta, imparcial a que tem direito todo cidadão. Essa abordagem ética e técnica da Investi-gação Criminal confere a ela própria, por via de conseqüência, mais legiti-midade, credibilidade e segurança jurídica, aqui em relação aos investigados, quando por exemplo o investigador em seu relatório final aponta como autor do crime sob exame um dado cidadão.

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De outra margem, não se pode olvidar que com a nova tábua axiológi-ca imposta pela Lex Excelsa de 1988 há um impulso para que seja tomada uma postura no sentido de harmonizar diplomas legais e procedimentos, sejam de estatura administrativa, seja de estatura judicial aos princípios constitucionais, a partir do ideal de justiça e igualdade substancial. Essa nova ordem, por óbvio, atinge também todos os meandros singrados pela Investigação Criminal, que há de submeter aos ditames do Estado Democrático de Direito.

Diante deste cenário constitucional mister se faz trilhar por mean-dros que arredam da seara da investigação criminal todo e qualquer proce-dimento atentatório a direitos e garantias constitucionais mesmo que isso implique em concluir uma investigação sem se chegar ao autor do crime, fato que em certa medida “frustra” todo e qualquer investigador criminal.

Todavia, com a conclusão formal das investigações não se pode dizer extremis de dúvida que esta se encontra de forma peremptória findada. Dois eventos podem surgir após a conclusão das investigações por parte do inves-tigador. Primeiro pode haver a ascensão de fatos novos que dão ensejo a uma nova demanda investigativa em relação ao mesmo objeto dantes investigado. Assim, a investigação pode ser reaberta diante de uma testemunha pode ser trazida à lume para prestar declarações, de um certo vestígio antes ignorado pelos peritos que agora vem à baila, de uma confissão de um delinqüente arrependido23. Segundo, o titular da ação penal, vale dizer o “Parquet” que é o titular da ação penal pode entender que são necessárias novas diligências investigativas para que forme a sua “opinio delicti” e assim tenha condições de oferecer denuncia em desfavor dos investigados ou pugnar pelo arquiva-mento das investigações por ausência de evidências que apontem a autoria ou materialidade delitual. Por óbvio, tal se dá quando não é o próprio Ministério Público (MP) que conduz as investigações.

Neste diapasão, pode o MP requisitar novas diligências investigati-vas, situação que surge para o investigador como uma nova demanda investi-gativa a ser trabalhada. A novidade neste momento é que devido ao membro do MP ter requisitado novas diligências investigativas este deve por ocasião

23 Esse último fato inclusive já ocorreu em face do autor que já tiveram a oportunidade de relatar dado inquérito policial sem ter conseguido apontar a autoria criminal e dias depois aparecer na Delegacia de Polícia o autor do crime, que já tinha sido ouvido mas sem ter contra si provas suficientes para indiciação, para confessar a autoria do delito perpetrado em face de um arroubo de crise de consciência.

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da requisição especificar quais são as evidências que devem ser objeto de bus-ca por parte dos investigadores. Requisições genéricas como do tipo “as tes-temunhas e investigados devem ser acareados” ou “devem ser ouvidas tais e tais testemunhas” não são pertinentes. Estes tipos de demanda servem tão so-mente para movimentar o aparato investigativo do estado, em certa medida, de forma inócua. Por conseguinte, se o “Parquet” requisita novas diligências investigativas este deve deixar bem claro aos investigadores o que ele necessita em termos de dados e evidências para superar as suas dúvidas ou hesitações, seja para o oferecimento da denúncia, seja para requerer o do arquivamento das investigações. Assim não sendo, haverá tão somente trabalho investiga-tivo estéril, pois o investigador, que levará a termo as novas diligências, sem orientação daquele que as requisita, o fará sob a perspectiva de seu próprio entendimento sobre o caso. Neste diapasão, as evidências estabelecidas em face do novo esforço investigativo mais uma vez não serão hábeis a dar pálio ao entendimento do titular da ação penal quanto ao que este vislumbra que deve ser necessário para formação de sua “opinio delicti”.

É lógico, que postura clara e pró-ativa é também pertinente quando as investigações são conduzidas por órgãos judiciais e executadas por inves-tigadores notadamente policiais. Dessa forma, deve o responsável pela inves-tigação, seja Ministro, Desembargador ou Juiz, por ocasião da determinação da baixa dos autos para diligências investigativas dizer o que se quer com tais diligências. Se a autoridade judicial não informa o que entende como neces-sário para suprir os vazios da investigação que ela própria conduz, o investiga-dor, que ascende no cenário deste tipo de investigação como mero executor, realizará as diligências investigativas tendo como referencial o seu próprio entendimento sobre o caso sob escrutínio. O que resulta disso são as infindá-veis idas e vindas dos autos que materializam a investigação.

Com essas duas situações completa-se o Ciclo do Esforço Investiga-tivo Criminal que se origina a partir de uma certa demanda criminal e pode ter um refluxo, mesmo após sua conclusão formal, para uma nova situação que faz ciclar as ações investigativas levadas a efeitos para se estabelecer a verdade material, vale dizer a verdade mais verossímil e que melhor traduz o que factualmente ocorreu no cenário, em princípio, criminoso posto sob análise do investigador.

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Adriano Mendes Barbosa

Delegado de Polícia Federal, Mestre em Ciência Política pela Naval Postgraduate School, Professor e conteudista

da disciplina Investigação Policial da Academia Nacional de Polícia, Professor da disciplina Metodologia da Investigação

Criminal no curso de Pós-graduação em Investigação, Constituição e Direito de Defesa do Grupo LFG, pesquisador e

palestrante na temática da Investigação Criminal.

E-mail: [email protected]

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Adriano Mendes Barbosa

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181ISSN 2178-0013

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Funções de Polícia: o que faz a Polícia Federal Brasileira?

Emerson Silva BarbosaAcademia Nacional de Polícia - Brasil

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RESUMO

Este texto trata do tema funções ou tipologias de Polícia. Veremos que a organização policial se formou no contexto da demanda por segurança como conseqüência, em certa medida, da formação do Estado Nação Moderno. Ademais, cuidaremos da posição institucional dos di-versos tipos de polícias entre os poderes do Estado, bem como das funções exercidas por elas no cenário da segurança pública. Por fim, buscaremos definir tomando como exemplo a Polícia Federal brasileira, as diferentes funções ou tipologias de Polícia existentes, a partir de suas desti-nações constitucionais e legais, permitindo que se conheça e se saiba o que de fato é essa polícia brasileira.

Palavras-chave: Funções ou Tipologias de Polícia. Polícia Judiciária ou de Investigação. Polícia de Segurança ou Preventiva. Polícia de Ordem ou de Soberania. Polícia Federal.

1 Introdução

Como assinala Goldstein (2003):

Em uma sociedade livre, pela natureza de suas funções, a polícia é uma anomalia. É investida de uma enorme autoridade, em um sistema de governo em que a autoridade é relutantemente concedi-da e, quando isso acontece, é logo reduzida. A forma específica da autoridade policial – prender, investigar, deter e usar a força — é apavorante, no sentido de que pode desagregar a liberdade, invadir a privacidade e, de uma forma rápida e direta, causar forte impacto sobre os indivíduos.

Contudo, como destaca o próprio Goldstein (2003) não se pode negar que a democracia depende decisivamente da força policial, uma vez que cabe à polícia garantir a ordem pública (prevenir crimes, resolver conflitos, proteger

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as mais importantes instituições, processos e direitos) e as liberdades essenciais (ir e vir, expressão, associação) que tornam possível uma sociedade livre. A ca-pacidade da polícia em cumprir as suas tarefas determina, em grande escala, a força da democracia e da qualidade de vida almejada pelos cidadãos.

Desse modo, mesmo que seja de fato uma anomalia, em razão de o enorme poder que dispõe, o fato é que a Polícia é uma organização essencial do Estado, haja vista seu papel de destaque no controle social, na medida em que busca assegurar a respeitabilidade das regras adequadas de convivência social, bem como, em caso de violação destas normas de conduta social, auxi-lia a Justiça na atividade de aplicação da lei.

Atribui-se a Honoré Balzac a afirmação de que “os governos passam, as sociedades morrem, a polícia é eterna”. Uma vez que as nações podem pres-cindir de suas forças armadas, contudo, nunca podem deixar de ter duas po-lícias, expressão de sua força pública. A própria idéia de Estado está ligada à idéia de polícia (LAZZARINI, 1999).

O presente trabalho, portanto, buscará estudar como surgiu a Polícia como instituição social do Estado, responsável pela proteção social interna, a partir da demanda por segurança que ensejou, em certa medida, a formação do Estado Nação Moderno.

Ademais, iremos abordar como tema central deste trabalho as fun-ções ou tipologias de polícia e como a Polícia Federal brasileira, como órgão de defesa das instituições democráticas, da sociedade e dos cidadãos, insere-se nesse cenário de especialização funcional em termos de atribuições.

Veremos que cada organização realiza um conjunto de atribuições que variam no espaço e no tempo. As instituições policiais não exercem as mesmas tarefas, do mesmo modo e com mesmos objetivos em todos os lugares.

Nesse passo, nossa intenção é tratar sobre o papel da polícia como ór-gão essencial do Estado, iniciando-se pelo surgimento das organizações poli-ciais, as funções policiais típicas e atípicas, bem como o posicionamento das organizações policiais entre os poderes do Estado, até a distribuição das tipo-logias ou funções de polícia no contexto da instituição da Polícia Federal.

Pretende-se desse modo revelar, de acordo com as funções ou tipo-logias de polícia, qual o alcance ou dimensão da Polícia Federal no cenário

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da segurança pública brasileira. Uma vez que esta polícia de caráter nacional atua, sobretudo, naquelas situações em que a criminalidade transcende os ní-veis locais e regionais.

É certo que a Polícia Federal não é exerce apenas a função de polícia judiciária da União, mas bem assim exerce diversas outras funções típicas e atí-picas de polícia, sejam por previsão constitucional sejam por previsão legal que, ao mesmo tempo que a diferencia de outras organizações policiais, permite que esta concentre em si mesma um pouco de cada uma dessas outras polícias.

2 Polícia Como Instituição

Na Antiguidade, as funções da polícia eram mais ou menos confun-didas com as da administração. A palavra grega “polícia” (politeia) significava governo, a direção da cidade (polis), entendida essa no sentido em que hoje nos referimos a Estado (TORNAGHI, 1977).

Mais tarde, já no século XIV, a palavra polícia evolui para o conceito de boa administração dos negócios públicos, isto é, denotava todas as funções de governo que não eram tipicamente eclesiásticas (BAYLEY, 2002).

Somente nos séculos XV e XVI o termo polícia passou a designar o poder do soberano de usar a força para assegurar o bem-estar geral de seus súditos. É origem do Estado-polícia, em que a intervenção deste sobre a vida privada representou o domínio de tudo e de todos. Nesta época, as funções de polícia (administração, justiça, segurança etc.) concentravam-se nas mãos do soberano (TORNAGHI, 1977).

Consoante alerta Del Percio (2009), a característica marcante da modernidade é a segurança. Sustenta este que:

Em efecto, en buena medida el Estado moderno surge como conse-cuencia de la demanda de seguridad formulada por la sociedad en cuanto comienza a estratificarse en función de la posesión de dinero en reemplazo del apellido. (DEL PERCIO, 2009, p. 46).

Assim, em razão da necessidade de segurança e paz social reivindi-cada pela burguesia, bem como devido ao fato desta se recusar a exercer a violência por si mesma e a armar-se para isso, o Estado então assume o uso

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exclusivo da força legitimada pelo Direito1. A Polícia, nesse passo, representa o monopólio da força pública por parte do Estado na ordem interna legiti-mado juridicamente (MAIER, 2004).

Aliás, a possibilidade de emprego da força é algo que define e identi-fica minimamente a Polícia, mesmo que, paradoxalmente, destine-se a con-trolar a violência e assegurar a paz social (BAYLEY, 2002).

Ressalta-se, assim, que a Polícia, que nasce principalmente como ins-trumento de dominação pelo uso da força, com importante papel na manu-tenção e reprodução da ordem social2, surge como proposta, ao menos em termos de filosofia penal predominante, nas palavras de Bittner (2003, p. 111) de “dramatizar a possibilidade de vida sem violência, mesmo sob condições em que o que se tem a mão seja a imposição de sanções coercivas”.

Dito isso, buscaremos a seguir demonstrar quais foram os fato-res determinantes para formação das instituições policiais profissionais durante o Estado Moderno. Em princípio, aponta-se como sendo três os fatores básicos:

a) conceitual: resultante da mudança conceitual da idéia de poder de polícia;

b) sócio-econômicos: decorrentes da revolução capitalista que re-sultou na acentuação da demanda por segurança para controle da delinquência;

c) evolução das concepções sobre o castigo: as novas perspectivas dada a instituição social do castigo, seja como estratégia de poder ou dominação sobre o indivíduo; seja em razão da evolução das sensibilidades culturais que consideravam cada vez mais intolerá-veis as cenas públicas de castigo.

1 O poder político se vale da força como instrumento de dominação quando este não procede de um consentimento unânime, ou não está sustentado exclusivamente no carisma. Consiste numa ferramenta de luta contra o desvio deliberado. Ademais, é meio de imposição das normas coletivas e de socialização aos valores dominantes. No primeiro caso, a força se revela como proposta dissuasiva. No segundo, ela é empregada sistematicamente sob a forma de coerção física, ela é repressão. No terceiro, ela opera essencialmente por instauração, imposição da autoridade (MONJARDET, 2002).

2 Como assevera Monjardet (2002, p. 26): A polícia está, salvo exceções em que são impostos limites, habilitada a intervir em todos os lugares, em todos os tempos e em relação a qualquer. Nesse sentido a força pública é, em seu território, universal e, caso se faça questão de conservar a idéia do monopólio, pode dizer-se que a polícia detém o monopólio da força em relação a todos.

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A primeira, de natureza conceitual (a), diz respeito à cisão dos con-ceitos de polícia (material e formal), como conseqüência das limitações im-postas pelo modelo de Estado liberal iluminista, e designação de uma função positiva — dever de proteção social – consistente na tarefa de evitar perigos.

Maier (2004, p. 388), corrobora esta idéia ao afirmar que:

A Ilustración le debemos el renacimiento de la dignidad, desarrollo y felicidad individual como fin del — o razón — Estado y, con ello, la necesidad de hallar un nuevo punto de equilibrio en la tensión entre poder estatal y Derecho. Ese nuevo punto de equilibrio consis-tió en desprender del concepto “policia” su necesaria referencia, en el Estado absoluto, al bienestar general como su definidor material.

Assim, distinguiu-se, de um lado, o conceito material de polícia, de-nominado poder de polícia pelo direito administrativo3; e, do outro, o con-ceito formal, circunscrito ao âmbito de a organização policial, cujas tarefas (competências) e o corpo de funcionários são conhecidos sob a mesma deno-minação, bem como são dotados de atribuições para realização de atividades que superam o conceito material de polícia, entre elas a persecução penal.

Em outras palavras, permitiu a clara distinção entre polícia e poder de polícia que, por sua vez, autorizou Cretella Jr. (1999) a dizer que:

Poder de polícia e polícia são palavras que traduzem duas noções relacionadas e interpenetráveis, inconfundíveis, porque o poder de polícia é o pressuposto ou antecedente lógico da polícia, sendo o pri-meiro algo in potentia e o segundo algo in actu. Abstrato, o poder de polícia concretiza-se na polícia, força organizada visível, cuja ação se faz sentir no mundo e no mundo jurídico.

Cumpre ressaltar, todavia, que o Estado moderno absolutista não logrou, ao menos no início, - não obstante sua desmesurada expansão con-ceitual do poder estatal e, com isso, do conceito material de polícia (poder de polícia) -, criar uma organização de funcionários estatais eficientes e efetivos com capacidade de controlar e fazer penetrar na vida dos súditos esse poder de polícia (MAIER, 2004)4.

3 As funções policiais decorrentes do conceito material de polícia foram destinadas, em regra, a outros órgãos e funcionários, aos quais não recebem a denominação polícia.

4 Não obstante as sanções cruéis e ameaças penais gravíssimas que permearam o sistema punitivo da Inquisição, em razão do desenvolvimento rudimentar do aparato estatal incumbido de aplicar as leis, tais práticas se restringiam a arbitrárias e exemplarizantes medidas representativas do poder absoluto. Assim, a punição estatal neste período não pretendia se tornar num dever do Estado como faceta da

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O poder de polícia, embora extenso conceitualmente, resumia-se a funcionários dispersos — vigilantes, diurnos e noturnos, guarda-bosques —, não profissionais e escassamente educados e preparados para a função de garante do poder monárquico. Nesse caso, onde a segurança ofertada ofi-cialmente era pobre, as milícias de cidadãos, que se organizavam espontane-amente para ofertarem-se a eles mesmos o serviço, aparecem irremediavel-mente, ainda diante dos casos concretos em que busca garantir a propriedade e os bens (MAIER, 2004).

Por outro lado, o surgimento da Polícia como organização profissio-nal está também ligada, como ressaltado anteriormente, à demanda por segu-rança pública (b), decorrente essencialmente dos movimentos sociais e polí-ticos do século XVIII e XIX, fruto do processo de industrialização e, com ele, a urbanização das cidades e o crescimento geométrico da população.

Esse processo de industrialização gerou um aumento do fluxo mi-gratório do campo para as cidades que não estavam preparadas em termos de infraestrutura física e administrativa para responder as necessidades de saúde, higiene, moradia, trabalho entre outras. A par disso, originaram nesse cenário urbano novas formas de relações sociais e condições de vida muito diferentes daquelas próprias da organização rural. A conseqüência disso foi o aumento da miséria e da pobreza que, por sua vez, contribuíram para o aumento da criminalidade urbana.

Acresce-se, ainda, que uma nova forma de estratificação social5, fun-dada em classes sociais por acumulação, em que o importante é o quanto de dinheiro se tenha, colocou de um lado o industrial-burguês e do outro a clas-se trabalhadora (o proletariado). Tal situação gerou uma disputa entre estas classes conscientes de seu poder e, consequentemente, distúrbios sociais em protesto a forma de exploração que se instalava (DEL PERCIO, 2006)6.

necessidade de conferir segurança aos cidadãos. Tratava-se, em verdade, do exercício arbitrário e cruel do poder punitivo como personificação do monarca, com o intuito de conservar as bases deste mesmo poder concentrado (MAIER, 2004).

5 O período feudal tinha como modelo de estratificação social um sistema de castas ou estamentos, com rara ou nenhuma mobilidade, fundada na tradição, na cor da pele ou no nome. A posição social era determinada pela natureza e aceita como tal.

6 A demanda por segurança cidadã ocorre a partir da mudança da forma de organização social. É que num sistema de estratificação por castas ou estamentos, em que prevalecia a cor da pele e nome, aqueles situados no topo deste sistema não temiam que ninguém roubasse os indicadores de sua posição social. Ninguém poderia roubar um nome ou o fenótipo, embora pudessem ser usurpados. Sob esta ótica, não havia interesse em se proteger os bens móveis Contudo, com a mudança da forma de reconhecimento

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Diante de carência de uma estrutura que pudesse controlar os confli-tos sociais surgidos a partir dessa nova dinâmica social, o Estado se valeu do Exército para conter as desordens urbanas, instituição que de início revelou a inidoneidade de seus métodos para tratar dessa modalidade de conflito, que não poderia ser encarado como uma guerra, em que figura uma relação “amigo-inimigo” (MAIER, 2004)7.

Nessa linha, pode-se dizer que a necessidade de criação de organiza-ções ou corpos especiais, em todos os países, teve como justificativa o contro-le das classes perigosas, em particular a constituída pelo novo proletariado urbano e suas possibilidades de greves e sabotagens (ANITUA, 2008).

Ressalta-se, ainda, que sob esse prisma a Polícia institucionalizada moderna nasce com a tarefa limitada de manutenção da ordem pública inter-na, distinta da função militar de defesa da ordem externa.

Também influenciou o aparecimento da Polícia como instituição as transformações ocorridas sobre o castigo na sociedade moderna (c).

Como ressalta Bittner (2003, p. 108):

Os métodos herdados do controle do crime e os de manutenção da paz não apenas deixavam de alcançar os objetivos, mas também eram considerados incompatíveis com a ética da sociedade civil.

A instituição do castigo na sociedade moderna, portanto, progride ao abandonar os métodos arcaicos de controle repressivo do desvio social por meio de técnicas que infligiam dor e sofrimento físico ao delinquente, dando ênfase ao caráter reabilitador do sistema penal. Assim, a prisão passou a ser a principal ferramenta de correção ou reabilitação do indivíduo que apresenta um desvio, a fim de que este seja persuadido a mudar de vida8.

do status social, ou seja, quando dinheiro ou os bens móveis passam a definir o lugar que se ocupa na sociedade, e haja vista que estes podem ser roubados, surge a necessidade da criação de organizações especializadas em combater os assaltantes. (DEL PERCIO, 2006; 2009).

7 Consoante assinala Maier (2004), com sua forma bipolar de resolver as crises — amigo-inimigo —, a ações do exército na contenção dos conflitos sociais como se fossem um guerra gerou catástrofes repressivas, revelando a inabilidade das forças militares para o tratamento das situações, bem como provocou o desprestígio das corporações militares frente a população.

8 Tese esta que perdeu força nas décadas de 70 e 80 do século XX, justamente quando se percebeu o alto custo do encarceramento e sua baixa eficiência da prisão como instrumento de reabilitação ou reeducação do delinquente (GARLAND, 2006).

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Se tomarmos a Garland (2006), que sustenta em sua teoria social que as mudanças do castigo, consoante o conceito teórico de sobredeterminação desenvolvido por Freud, foram influenciadas por uma variedade de causas, desenvolvendo interpretações das causalidades ou efeitos do castigo numa te-oria complexa ou multidimensional que reconhece uma variedade de causas para demonstrar a compreensão do castigo, veremos que todas essas transfor-mações tiveram impacto significativo sobre a Política Criminal da época no que tange a forma de reação da sociedade ao delito. Ressalta ele que:

Actualmente se utilizan diversas nociones para explicar nuestra com-preensión de la penalidad. El castigo puede verse con una especie de aparato técnico; un medio instrumental para lograr un fin (y ésta pa-rece ser la manera en que la ciencia penitenciaria del control del delito prefiere imaginarlo). Asimismo puede considerarse como una relación coercitiva entre el Estado y el trasgresor, que es la imagen central que subyace en muchos estudios críticos de la penalidad. También puede representarse como un procedimiento legal, una forma de poder, un instrumento de dominación de clase, la expresión del sentimiento co-lectivo, una acción moral, un acontecimiento ritual o la encarnación de cierta sensibilidad. (GARLAND, 2006, p. 326)

Assim, com o desprezo crescente pelas práticas violentas de punição e o surgimento da prisão como seu sucedâneo punitivo, tornou-se necessário a criação de uma organização que fosse capaz de conter a desordem, prender os delinqüentes e manter os mesmos encarcerados.

Ademais, a tarefa atribuída à Polícia de reprimir a criminalidade cres-cente que se organizava, constituiu uma estratégia política de fazer da punição ou combate às ilegalidades algo regular, universal, que se estendesse a toda sociedade, mesmo que importasse numa punição menos severa que, por sua vez, não signifi-cava “punir menos, mas punir melhor” (FOUCAULT, 2009, p. 79).

Assim, a Polícia nasce juntamente com a prisão como práticas sociais de controle social e punição mais civilizadas, que lograram inserir no corpo so-cial mais profundamente o poder punitivo do Estado (FOUCAULT, 2009).

Em resumo, foram com estas condições que o Estado tratou de criar a Polícia como instituição responsável pela segurança pública ou cidadã como a conhecemos hoje.

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Assim, embora se reconheça que sempre existiram na história da hu-manidade órgãos públicos encarregados de manter a ordem social, garantir a paz e a segurança dos cidadãos, a Polícia como instituição não deita raízes na história antiga. A Polícia como instituição profissional surgiu tão-somente nos fins do século XVIII e início do XIX. Mais especificamente, as polícias nacionais, tais como funcionam hoje, difundiram-se no século XIX, em que pese tenham sua origem na França, antes e durante o Antigo Regime, com o objetivo de delação e total controle terrorista.

Como ressalta Anitua (2008), a França pós-revolucionária orga-nizou sua polícia (Gendarmerie) em 1798, conforme modelo centralizado absolutista, com o acréscimo da legalidade típica da dominação burocrática, com função disciplinar e repressiva. A Irlanda criou uma polícia nacional em 1823. Em Londres foi criada a Polícia Metropolitana em 1829, e em 1844, apareceu a Guarda Civil na Espanha.

Contudo, não se pode esquecer, como adverte Anitua (2008), que a prevenção do delito, nesse período, estava diretamente ligada à proteção da propriedade privada, comercial e industrial, ou seja, é possível perceber a ação da burguesia como beneficiária da importante reforma penal do século XIX, ao menos nos Estados industrializados, nesta também entendida a destinação ou uso da força pública.

Em outros termos, o sistema de controle social representado pela polícia surge para assegurar a segurança da classe industrial e proprietária, organizado, contudo, a partir do próprio Estado.

3 Tipologias ou Funções de Polícia

Como ressaltado, à Polícia como instituição do Estado Moderno foi conferida, basicamente, desde seu nascimento e qualquer que seja sua forma de organização e inserção institucional, duas tarefas diametralmente opostas: a função de prevenir delitos perseguíveis de ofício pelo Estado; e a função de investigar os ilícitos penais já cometidos e auxiliar os funcionários encarregados da persecução penal em juízo na formação da culpa. A primeira claramente exe-cutiva de prevenção e defesa social. A segunda, de reação ao fato punível, em cumprimento a qual trabalha em auxílio ao sistema de justiça penal (judiciário e ministério público), função esta tipicamente judicial (MAIER, 2004).

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Cumpre ressaltar que foi a distinção entre o conceito material de po-lícia (poder de polícia) e a polícia como instituição profissional (polícia de Estado) que permitiu, por conseguinte, distinguir-se as funções de polícia administrativa e de polícia judiciária.

Assim, a Polícia era entendida, tradicionalmente, como uma organi-zação que tinha por finalidade, por um lado, a prevenção do crime e a garan-tia do respeito à ordem pública e à tranqüilidade social; e, por outro, tinha a atribuição de descobrir os crimes, de coligir os indícios e elementos de prova, bem como de prender os delinqüentes e submetê-los ao juízo criminal.

Nessa esteira, tradicionalmente se divide as funções ou tipologias de polícia em sentido estrito em duas espécies: a) polícia administrativa9, pre-ventiva ou de segurança; e b) polícia judiciária, repressiva10 ou criminal11.

Ocorre que essa classificação tradicional, haja vista a evolução das de-mandas por novas formas de segurança, bem como das próprias corporações policiais, nosso juízo não é a melhor por algumas razões passamos a expor.

A primeira delas está relacionada ao fato de que a expressão polícia administrativa é uma redundância, na medida em que toda atividade policial é uma atividade administrativa sentido amplo, eis que decorre do exercício do poder de polícia. Desse modo, é administrativa tanto a atividade preventiva quanto judiciária, bem como é também “polícia”, em sentido amplo, a sanitá-ria, industrial, comercial, controle de produtos químicos, segurança privada e tantas outras, embora regidas por normas de direito distintas.

9 MEIRELLES (2007), por sua vez, entende conveniente distinguir polícia administrativa de polícia judiciária e de manutenção da ordem pública, advertindo que a primeira incide sobre bens, direitos e atividades, enquanto as duas últimas sobre pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A primeira é inerente a toda órgão da Administração do Estado, as demais são privativas de determinados órgãos policiais (polícias civis e militares).

10 Não obstante seu uso corriqueiro, entendemos que esta não é uma expressão para designar a atividade de polícia de investigação ou judiciária, uma vez que traz em seu bojo uma grande carga pejorativa e, por isso, preferimos não adotá-la.

11 A respeito da divisão entre polícia administrativa e judiciária Almeida (1973, p. 60) disse que: A discriminação em dois ramos — polícia administrativa e polícia judiciária — faz-se sob dois critérios diferentes, de que decorrem duas conceituações de polícia judiciária: a) o primeiro critério baseia-se na distinção entre funções preventivas e funções repressivas. As primeiras são puramente administrativas. As segundas são de polícia judiciária, porque se exercem, sempre, tendo em vista auxiliar a justiça. A polícia administrativa age antes das infrações para evitá-las. A polícia judiciária opera depois das infrações para investigar a verdade e, a respeito, prestar informações à justiça; b) o segundo critério funda-se na diferença das funções judiciais das funções policiais. O valor meramente informativo indica um ato simplesmente policial, de polícia administrativa. O valor de prova judicial assinala um ato judiciário da polícia, uma função de polícia judiciária.

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A segunda razão está no fato de que, não obstante a função de polícia judiciária seja clara quanto a seu objeto e alcance, a expressão polícia preven-tiva não abarca algumas funções que, por óbvio, também não se enquadram na dimensão estrutural da polícia judiciária. É o caso, por exemplo, do poli-ciamento de ordem ou de soberania.

Nossa intenção, portanto, é adotar aqui um sentido estrito de tipo-logias de polícia, diretamente atrelado às competências típicas dos órgãos policiais contidos na Constituição Federal brasileira de 1988 (art. 144, § 1º). Assim, pretendemos aqui distinguir e, seguida, classificar, as atividades poli-ciais típicas e as atividades policiais atípicas.

Dada as características do nosso sistema de segurança pública, entende-mos que a melhor classificação para as tipologias de polícia, nesse contexto en-tendidas como atividades policiais típicas, a partir de uma classificação proposta, guardada a particularidade de nosso sistema, por Monjardet (2003) é a seguinte:

Tipologias de Polícia

Polícia de Ordem ou de Soberania

Polícia de Segurança ou Preventiva

Polícia Judiciária ou de Investigação Criminal

A chamada polícia de soberania ou ordem atua, em geral, em tem três ramos básicos: policiamento de fronteiras, imigração e de estrangeiros, reali-zado nas fronteiras terrestre, aérea e marítima; policiamento de inteligência, que visa evitar qualquer complô a ordem política atual; e o policiamento de ordem, que é exercido por unidades especiais militarizadas, encarregadas de dominar movimentos coletivos e impedir, mediante o uso da força, o recurso à violência (MONJARDET, 2003).

Como vimos, a função de polícia de soberania ou de ordem está di-retamente ligada à integridade do Estado, mediante a defesa da ordem interna.

À polícia de segurança, por sua vez, compete impedir ou evitar a tur-bação da ordem pública, o dano ou perigo para as pessoas, por meio de me-didas preventivas. Trata-se, portanto, de uma função de proteção, na medida

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em que se caracteriza por se dirigir a eventos ilícitos futuros, que se acham no mundo do possível e que podem (e espera-se) não venham a ocorrer. A atuação preventiva implica em se empregar todos os meios para evitar a prá-tica dos possíveis crimes ou dissuadir possíveis criminosos ou participes não levarem a frente sua empreitada delituosa — vigilância, patrulhamento os-tensivo, instrução pública entre outras12.

Já à Polícia Judiciária, em sua função repressiva ou de investigação cri-minal, cabe intervir quando a prevenção falhou ou, em outras palavras, quando os fatos delituosos não puderam ser evitados ou sequer se imaginava poderiam acontecer, ocorreram. Assim, seus atos dirigem-se para o passado, a um evento ao menos iniciado no mundo dos fatos, com características de ilícito penal e, por tanto, plasmado como individual e concreto (histórico) (MAIER, 2004).

É por meio desta investigação, elaborada e consubstanciada em um procedimento formal que mais tarde irá compor o processo penal, que a Polí-cia Judiciária contribui para o esclarecimento da verdade e responsabilização do autor do fato delituoso.

Cumpre ressaltar que, no Brasil, é papel da Polícia Judiciária con-duzir a investigação prévia, provisória, instrumental à ação penal, além de auxiliar o Poder Judiciário no cumprimento de suas decisões, nos termos da Constituição Federal de 1988 e do Código de Processo Penal.

4 Posição Institucional

Questão interessante a ser colocada aqui diz respeito a posição institu-cional das polícias, como órgãos do Estado, no sentido de sua vinculação a um dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), conforme sua função e a necessária divisão de competências em um Estado Democrático de Direito.

À Polícia Judiciária no Brasil, em sua origem, foram conferidas tanto funções policiais quanto judiciais. As próprias polícias eram comandadas por

12 Lazzarini (1999, p. 53-54) dispõe que: O nosso entendimento do que seja segurança pública é ser ela o estado anti-delitual, que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pela lei das contravenções penais, com ações de polícia regressiva u preventiva típicas, afastando-se, assim, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade das pessoas, limitando as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada pessoa, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a.

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magistrados, de modo a que se pode afirmar que tanto a polícia continha em sua essência um pouco de Justiça, quanto esta continha um quê de polícia13.

Não obstante a atividade de polícia judiciária Brasil tivesse, em seu início14, vinculação direta ao Poder Judiciário, primeiramente por meio da subordinação ao juiz de paz e, mais tarde, a um juiz de direito ou desembar-gador a quem cabia a chefia da polícia, com a reforma processual ocorrida em 187115, a atividade de polícia judiciária desvinculou-se institucionalmente do Poder Judiciário e passou a ser situar dentro da esfera de poder do Executivo, embora tenham sido mantidas as funções de instrução preliminar e auxílio a este poder no cumprimento das decisões judiciais, regidas por normas de direito processual penal16.

Cumpre ressaltar, desse modo, que a investigação criminal e o asse-guramento do cumprimento das decisões judiciais são atividades inerentes à administração da justiça penal, ou seja, são meios naturais para se concretizar a aplicação da lei penal, tarefa esta a cargo de um dos poderes do Estado: o poder judicial17. Assim, na medida em que a Polícia Judiciária exerce a inves-tigação criminal — que é preparatória ou instrumental ao processo penal —, bem como exerce a atividade de força pública que assegura o cumprimento das decisões judiciais, o faz na condição de polícia judicial, em que pese posi-cionada em outro poder estatal.

13 Embora se diga que a lei em tela foi fruto de uma reação ao judiciarismo policial e que, em certa medida, extrapolou esta ao inverter a situação para um policialismo judiciário (MARQUES, 2000), a verdade é que o poder não foi concretamente transferido à Polícia, uma vez que, consoante se infere do art. 2º, os chefes de polícia eram escolhidos dentre os desembargadores e os delegados e subdelegados dentre os juízes.

14 Cumpre ressalvar que foi a Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1841, que primeiro distinguiu, formalmente, as atividades de polícia administrativa e judiciária.

15 Em que pese a confusão entre funções administrativas e judiciárias que perdurou, ainda, durante boa parte do período imperial.

16 Consoante dispõe Marques (2000, p. 107): A reforma de 1871, além de pôr cobro ao policialismo reacionário da lei de 3 de dezembro, separando Justiça e polícia, ainda trouxe algumas inovações que até hoje perduram, como, v. gratia, a criação do inquérito policial, uma das instituições mais benéficas de nosso sistema processual, apesar de críticas infundadas contra ele feitas ou pela demagogia forense, ou pelo juízo apressado de alguns que não conhecem bem o problema da investigação criminal.

17 O Código de Processo Criminal de 1832, no Capitulo II – Das pessoas encarregadas da administração da justiça criminal em cada distrito, atribuiu aos Juízes de Paz as funções de apuração de crimes, de prender criminosos e formar o corpo de delito. Assim, depreende-se que no exercício da atividade de administração criminal consistente na confecção do auto de corpo de delito, na prisão dos culpados e na formação da culpa, reuniam os juízes de paz tanto a função de polícia judiciária quanto a de proceder a instrução criminal. Era nítida, portanto, a indistinção entre a atividade de polícia e judicatura.

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Porém, no atual contexto da segurança pública no Brasil, como se nota, a questão se reduz a um simples exame teórico, a um mero problema semântico, de utilização de uma expressão para designar uma função policial, — a que cha-mamos de polícia judiciária, repressiva ou de investigação criminal —, uma vez que as organizações de polícia judiciária e polícia administrativa (preventiva) posicionam-se, institucionalmente, junto ao Poder Executivo18 19.

Em outras palavras, as forças públicas — policias institucionalizadas — detentoras do poder de execução das decisões que podem implicar no uso da coerção e da força estatal, tradicionalmente pertencem a administração do Estado (Poder Executivo)20, encarregadas de prestar o auxílio necessários para os cumprimentos das disposições de autoridade, inclusive aquelas pro-cedentes de órgãos do poder judiciário.

Desse modo, não há que se falar no Brasil de uma polícia judicial ou judiciária como corpo orgânico de investigação do delito e auxílio da perse-cução penal vinculado ao Poder Judiciário21.

Por esse mesmo motivo, em razão das corporações policiais estarem vinculadas ao Poder Executivo, cuja função precípua é gerir a administração dos negócios do Estado, entendemos que a denominação polícia administrativa não é própria para designar as funções de prevenção ou garantia da ordem pública (segurança, tranqüilidade e salubridade), justamente pelo fato de congregar esse poder sob sua gestão todas as organizações de polícia (segurança, ordem, judici-ária ou administrativa). Ainda que se defenda que a polícia judiciária está sujeita precipuamente, a regime jurídico diverso, qual seja, de direito processual penal.

Todavia, já vimos que a posição institucional das organizações poli-ciais não interfere no exercício das funções policiais. O fato de pertencer ou

18 Cumpre registrar que todas as constituições brasileiras a partir de 1824 previram a existência de uma polícia interna corporis dos órgãos legislativos, mesmo antes de prever em seus textos as polícias judiciárias (civis) ou militares.

19 Ferrajoli (2002) destaca que: A polícia, escreveu Walter Benjamin, é uma “mescla” de “duas espécies de violência”, aquela que “põe e conserva o direito”, em via de princípio separada e destinada respectivamente ao Poder Legislativo e aquele Judiciário, além de, obviamente, ao Poder Executivo. Esta sua particular característica, que a torna participante de todos os poderes do Estado, depende da ambigüidade do seu papel e da sua colocação institucional. A polícia é, de fato, uma atividade administrativa formalmente organizada e dependente do Poder Executivo.

20 Aqui entre nós e outros países como, por exemplo, a Argentina e o Chile. Cf. Maier, 2004, p. 414.

21 Conforme destaca Maier (2004), somente a República da Costa Rica e a Província de Córdoba (R.A) lograram criar corpos policiais vinculados ao poder estatal encarregado da realização do Direito Penal.

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estar vinculada institucionalmente ao Executivo não impede ou limita ativi-dade de polícia judiciária pelas organizações destinadas constitucionalmente ao referido mister, no caso brasileiro, a Polícia Federal e as policias civis dos Estados (art. 144, § 1º, I e IV e § 4º da Constituição Federal de 1988).

Outro ponto interessante diz a respeito à relação entre as funções policiais e a organização policial.

É importante destacar que o exercício das referidas funções policiais, em regra, não é exercido exclusivamente por uma ou outra organização poli-cial, sendo, portanto, a unidade de função uma ficção administrativa. Nesse sentido, a competência das polícias de militares estaduais (portanto, polícias eminentemente destinadas ao policiamento de segurança) para investigação de crimes militares (atividade de polícia judiciária), por expressão previsão constitucional (art. 144, § 4º da CF/88), reforça essa idéia.

O que determina, portanto, o exercício de uma função de polícia por uma organização policial não é o rótulo que instituição ostenta, mas ativida-de de polícia em si exercida (LAZZARINI, 1999).

Todavia, cumpre ressaltar que, por força da Constituição Federal, no campo das funções policiais, foi conferida à Polícia Federal a exclusividade do exercício da função de Polícia Judiciária da União, havendo, portanto, ex-pressa vedação para execução dessa atividade por outra força policial.

Por outro lado, embora não haja menção a exclusividade do exercício das demais funções de polícia na CF/88, entende-se que previsão de institui-ções e competências específicas, impede o exercício concorrente ou substituti-vo de outras funções de polícia não catalogadas entre suas atribuições típicas de umas pelas outras, sem autorização legal expressa em contrário. É que o funcio-namento harmonioso de um “sistema de segurança pública” pressupõe o exercí-cio regular de suas atribuições específicas por cada um dos seus componentes e não a sobreposição de atividades, muitas vezes, sobre o mesmo fato ou objeto.

5 A Origem da Polícia Federal

Não obstante a Polícia tenha se organizado como instituição no Brasil a partir da criação, por Dom João VI, em 10 de maio de 1808, da Intendência-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, com as mesmas atribuições que

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esta instituição tinha em Portugal, somente com o Decreto-Lei nº 6.378, de 28 de março de 1944, a antiga Polícia Civil do Distrito Federal, que funcionava na Cidade do Rio de Janeiro/RJ, então capital da República Federativa do Brasil, foi transformada em Departamento Federal de Segurança Pública - DFSP, di-retamente subordinada ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores e dirigida por um Chefe de Polícia, seguindo a tradição do nosso direito.

De acordo com esse Decreto-Lei, ao Departamento Federal de Seguran-ça Pública incumbiam os serviços de polícia e segurança pública da capital federal e, em âmbito nacional, os de polícia marítima, aérea e segurança de fronteiras.

Estabeleceu-se, também, que as Secretarias ou Departamentos de Se-gurança e Chefaturas de Polícia dos Estados receberiam orientação do DFSP a respeito de assuntos de ordem política e social, relacionados com a seguran-ça pública do país.

Mais tarde, com o advento da Constituição Federal de 1946, foi con-cedida à União a competência, consoante dispõe o inciso VII do art. 5°, para “superintender, em todo o território nacional, os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras”. Tal tarefa coube à Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras, criada por ocasião da edição do Decreto-Lei nº 6.378/44. A esta Divisão, assim, foi destinada a competência de superintender em todo o território federal os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras, bem como executar, fiscalizar e orientar os serviços de polícia marítima, aérea, fluvial e portuária, migratória e de fronteiras, exercido mediante convênio pelos órgãos próprios das polícias estaduais e dos territórios.

Cumpre ressaltar que embora o referido texto constitucional não tenha expressamente regulado as competências dos órgãos policiais, salvo genericamen-te das Polícias Militares como forças responsáveis pela preservação da segurança interna e manutenção da ordem pública (art. 183 da CF/46), deferiu aos Estados o poder de se regerem conforme suas próprias Constituições e leis22.

Ocorre, porém, que ainda em 1946, por força do Decreto-Lei n° 9.353, de 13 de junho de 1946, foram ampliadas as competências do DFSP, em todo o território nacional, para atuar, além dos serviços de polícia maríti-

22 Art. 18 - Cada Estado se regerá pela Constituição e pelas leis que adotar, observados os princípios estabelecidos nesta, Constituição. § 1º - Aos Estados se reservam todos os poderes que, implícita ou explicitamente, não lhes sejam vedados por esta Constituição.

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ma, aérea e de fronteiras, na apuração das seguintes infrações penais e de sua autoria: a) que atentassem contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado, a ordem social e a organização do trabalho; b) refe-rentes à entrada, permanência ou saída de estrangeiros no território nacional; c) definidas nos títulos X (Crimes contra a Fé Pública) e XI (Crimes contra a Administração Pública) do Código Penal, quando o interessado fosse a Fa-zenda Nacional; e d) relacionadas ao comércio clandestino ou facilitação do uso de entorpecentes.

Ressalta-se, todavia, que foi a partir da segunda metade da década de 1950, com a construção da nova capital federal e a conseqüente intensifica-ção do fluxo migratório para Centro-Oeste do país, que se verificou a neces-sidade da criação de uma organização policial que pudesse cumprir a missão de assegurar a ordem pública na futura capital do país.

Assim, por meio da Lei nº 2.364, de 9 de dezembro de 1958, o Go-verno do Estado de Goiás criou o Departamento Regional de Polícia de Bra-sília - DRPB, subordinado a Guarda Civil Especial de Brasília - GEB, assim permanecendo até a inauguração da nova capital federal, ocasião em que o DRPB foi incorporado ao Departamento Federal de Segurança Pública (DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, 2008).

Alguns anos depois, por meio da Lei n° 3.754, de 13 de abril de 1960, que trata da organização administrativa do Distrito Federal, contida em seu art. 53 e parágrafos, o DFSP passou a ser situado em Brasília e a realizar os serviços de policiamento de caráter local, incorporando o Serviço de Polícia Metropolitana, cuja estruturação dependia de lei específica23. Por se tratar de uma organização nova, sem meios para funcionar plenamente, a solução en-contrada foi o aproveitamento do pessoal que integrava o DRPB, do governo do estado de Goiás, cuja atuação se circunscreveria a toda a área destinada ao Distrito Federal (DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, 2008).

23 Com a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960, os órgãos dos poderes da República foram descolados para recém inaugurada capital federal. Num primeiro momento, de forma precária, a sede do DFSP foi instalada em um galpão de madeira da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP e lá permaneceu funcionando até outubro de 1960, sendo pouco tempo depois transferida para o 5° andar do Bloco 10 da Esplanada dos Ministérios. Em 21 de julho de 1977, foi inaugurada a sede do Departamento de Polícia Federal, localizada no Setor de Autarquias Sul, Quadra 6, Lotes 9 e 10, onde, atualmente, encontra-se o Edifício-Sede do Departamento de Polícia Federal (DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, 2008).

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Ademais, passou-se a partir daí à busca de uma estrutura organiza-cional moderna para o DFSP, inspirada em outros aparelhos policiais, tais como os da Inglaterra, Canadá e dos Estados Unidos da América. No final do ano de 1960, foi encaminhado pelo Poder Executivo um anteprojeto de lei com vista à criação de uma organização policial, de caráter nacional, que, em sua composição estrutural, se assemelhasse às instituições policiais dos países acima referidos (DEPARTAMENTO DE POLICIA FEDERAL, 2008).

Observa-se, todavia, que somente em 1964 a idéia de estruturação de uma organização moderna e com verdadeira envergadura nacional ganhou espaço no cenário político do país e, conseqüência disso, resolveu-se reorga-nizar o DFSP com a sanção da Lei n° 4.483, de 16 de novembro do mesmo ano, com efetiva abrangência nacional.

A Lei n° 4.483/64 conferiu ao órgão atuação em todo o território nacional, relacionando suas atribuições nas alíneas “a” a “p” do seu art. 1º, conforme descrito abaixo:

Art. 1º Ao Departamento Federal de Segurança Pública - DFSP, com sede no Distrito Federal, diretamente subordinado ao Ministé-rio da Justiça e Negócios Interiores, dirigido por um Diretor-Geral, nomeado em comissão e da livre escolha do Presidente da República, compete, em todo território nacional:

a) a superintendência dos serviços de polícia marítima, aérea e de fronteira;

b) a fiscalização nas fronteiras terrestres e na orla marítima;

c) a apuração, com a cooperação dos órgãos competentes do Ministé-rio da Fazenda e em colaboração com as autoridades dos Estados, dos ilícitos penais praticados em detrimentos de bens, serviços ou in-teresses da União;

d) a apuração, em colaboração com as autoridades dos Estados, dos crimes que, por sua natureza, características ou amplitude, transcen-dam o âmbito de uma unidade federada ou que, em virtude de trata-dos ou convenções internacionais, o Brasil se obrigou a reprimir;

e) a investigação e apuração, em colaboração com as autoridades dos Estados, de crimes praticados contra agentes federais, no exercício de suas funções;

f ) a censura de diversões públicas, em especial, a referente a filmes cinematográficos, quando transponham o âmbito de um Estado;

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g) a execução, em colaboração com as autoridades dos Estados, de medidas tendentes a assegurar a incolumidade física do Presidente da República, de diplomatas e visitantes oficiais estrangeiros, bem como dos demais re-presentantes dos Poderes da República, quando em missão oficial;

h) a coordenação e a interligação, no país, dos serviços de identifica-ção dactiloscópica, civil e criminal;

i) a formação, o treinamento e a especialização profissional de seu pessoal e, quando solicitado, de integrantes das Polícias dos Estados, Distritos Federal e Territórios;

j) a prestação de assistência técnica e científica, de natureza policial, aos Estados, Distrito Federal e Territórios, quando solicitada;

l) a cooperação, no país, com os serviços policiais relacionados com a criminalidade internacional ou interestadual;

m) a supervisão e a colaboração no policiamento das rodovias fede-rais;

n) a execução de outros serviços de policiamento atribuídos à União, de conformidade com a legislação em vigor;

o) a apuração dos crimes nas condições previstas no art. 5º do Código Penal, quando solicitado pelas autoridades estaduais ou ocorrer inte-resse da União; por determinação do Ministro de Estado da Justiça;

p) a apuração dos crimes contra a vida ou contra comunidades silví-colas no país, em colaboração com o Serviço de Proteção aos Índios.

Alguns anos depois, a Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, em seu art. 8°, inciso VII, estabeleceu que competia à União organizar e manter a Po-lícia Federal, e nas alíneas “a”, “b”, “c” e “d” descreveu suas atribuições, agora cons-titucionais e dessa forma identificadas, consoante podemos observar abaixo:

Art. 8º - Compete à União:

.......................................................................................................

VII - organizar e manter a policia federal com a finalidade de prover:

a) os serviços de política marítima, aérea e de fronteiras;

b) a repressão ao tráfico de entorpecentes;

c) a apuração de infrações penais contra a segurança nacional, a or-dem política e social, ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, assim como de outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

d) a censura de diversões públicas;

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O nome Departamento de Polícia Federal somente veio a surgir com a edição do Decreto-Lei nº 200/67 que, em seu art. 210 assim dispôs:

Art. 210. O atual Departamento Federal de Segurança Pública pas-sa a denominar-se Departamento de Polícia Federal, considerando-se automàticamente substituída por esta denominação a menção à anterior constante de quaisquer leis ou regulamentos.

A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que subs-tituiu a Constituição Federal de 1967, basicamente reproduziu em seu texto as disposições contidas na Constituição de 1967, bem como manteve o nome polícia federal.

Por fim, a Constituição Federal de 1988 também manteve a denomi-nação Polícia Federal, no art. 144, inciso I, do Capítulo III – Da Segurança Pública, do Título V - Da Defesa do Estado e Das Instituições Democráticas.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabi-lidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

Apesar das Constituições de 1967 e 1988 denominarem a institui-ção apenas como Polícia Federal e o Decreto nº 6.061/2007 posicioná-lo, hierarquicamente, ao lado das demais secretarias do Ministério da Justiça, ainda é corrente a denominação Departamento de Policia Federal.

6 Funções da Polícia Federal

É importante se ter em vista que as tipologias ou funções de polícia não decorrem do rótulo do órgão policial, sobretudo no Brasil em que, por vezes, as organizações polícias concentram em uma estrutura única diversas dessas funções de polícia. A Polícia Federal é um bom exemplo disso.

Consoante se depreende do texto constitucional, à Polícia Federal são destinadas diversas funções distintas, senão vejamos:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabi-lidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

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.........................................................................................................

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, or-ganizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas enti-dades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendá-ria e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Além disso, em virtude de estar incumbida, com exclusividade, da função de polícia judiciária da União, compete a Polícia Federal a investiga-ção dos crimes e o auxílio ao Poder Judiciário União24 ( Justiça Federal, Elei-toral e do Trabalho) no cumprimento de suas competências, senão vejamos:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

V - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autár-quicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determina-dos por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

24 A Constituição Federal não prevê em seu texto a figura da Polícia Judiciária Militar. Por esta razão, em face da omissão constitucional, o Código de Processo Penal Militar estaria, aparentemente, revogado na parte que incumbe a Polícia Judiciária Militar (art. 7º e ss do CPPM – Decreto-Lei nº 1002/69) a investigação de delitos, mesmos os de competência da Justiça Militar. Desse modo, caberia à Polícia Federal também a função de polícia judiciária da Justiça Militar, de forma ainda mais clara nos crimes que afetem o patrimônio da instituição militar que, indubitavelmente, constituem bens da União (art. 9º, III, a do Decreto-Lei nº 1001/69 – CPM c/c art. 144, § 1º, I e IV da CF/88.

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X - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;

X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença es-trangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

XI - a disputa sobre direitos indígenas.

Além das competências constitucionais atribuídas à Polícia Federal que encerram, indubitavelmente, funções policiais típicas, podemos assinalar que à Polícia Federal foram conferidas, por força de legislação infraconstitu-cional, várias atividades policiais atípicas, as quais veremos mais adiante.

Interessante notar que a Lei 4.483/1964, que criou o Departamento Federal de Segurança Pública, que mais tarde se transformou no Departa-mento de Polícia Federal, tratou de organizar a estrutura administrativa do órgão conforme as funções policiais típicas aqui abordadas (investigação e segurança), as quais foram destinadas ao DFSP. O artigo 2º dizia que o DFSP se compunha, entre outros órgãos, da Polícia Federal de Investigações (PFI) e da Polícia Federal de Segurança (PFS)25.

Ressalta-se, todavia, que a partir das reestruturações que seguiram à estrutura organizacional administrativa do Departamento de Polícia Federal, estas denominações significativas do ponto de vista dogmático das funções da polícia, deram lugar a outras não tão representativas das tipologias de polícia.

Em resumo, podemos dizer que a Polícia Federal exerce funções de polícia típicas e atípicas, conforme são distribuídas as atribuições constitu-cionais e infraconstitucionais. Desse modo, iremos agora, sucintamente, des-tacar essas funções policiais, iniciando-se pelas funções típicas e, em seguida, passaremos às funções atípicas.

25 Dois pontos merecem destaque nessa organização, em razão das peculiaridades da época. A primeira diz respeito ao fato de que estava entre as competências da Polícia Federal de Investigação a atividade de polícia marítima, aérea e de fronteiras, então a cargo da Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras (DPMAF), embora se cuidasse esta de uma função típica de Polícia de Soberania. O segundo é que dentre as competências do órgão de Polícia Federal de Segurança estava a de patrulhamento de rodovias, hoje a cargo de instituição policial organizada distinta (Departamento de Polícia Rodoviária Federal). Embora se advirta como correto o enquadramento entre as funções de polícia de segurança a atividade fiscalização de rodovias.

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6.1 Função de Polícia Judiciária ou de Investigação Criminal

Como vimos, o § 1º do art. 144 da Constituição de 1998 enumerou as competências destinadas à Polícia Federal. No que diz respeito à função de polícia judiciária ou de investigação, entregou-se à PF as atribuições de: a) apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empre-sas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão in-terestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei26; b) reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o con-trabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; c) exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Além disso, em virtude de estar incumbida, com exclusividade, da fun-ção de polícia judiciária da União, compete a Polícia Federal a investigação dos crimes e o auxílio ao Poder Judiciário União27 ( Justiça Federal, Eleitoral e do Trabalho) no cumprimento de suas competências, entre elas: a) a de investigar crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,

26 A Lei nº 10.446/2002 dispõe sobre infrações penais de repercussão interestadual ou internacional que exigem repressão uniforme, para os fins do disposto no inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição. Preceitua a referida lei: Art. 1o Na forma do inciso I do § 1o do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais: I – seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro (arts. 148 e 159 do Código Penal), se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4o da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990); e III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação. Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada pelo Ministro de Estado da Justiça.

27 A Constituição Federal não prevê em seu texto a figura da Polícia Judiciária Militar. Por esta razão, em face da omissão constitucional, o Código de Processo Penal Militar estaria, aparentemente, revogado na parte que incumbe a Polícia Judiciária Militar (art. 7º e ss do CPPM – Decreto-Lei nº 1002/69) a investigação de delitos, mesmos os de competência da Justiça Militar. Desse modo, caberia à Polícia Federal também a função de polícia judiciária da Justiça Militar, de forma ainda mais clara nos crimes que afetem o patrimônio da instituição militar que, indubitavelmente, constituem bens da União (art. 9º, III, a do Decreto-Lei nº 1001/69 – CPM c/c art. 144, § 1º, I e IV da CF/88.

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excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; b) os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; c) os ilícitos de natureza criminal relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º do art. 109; d) os crimes contra a organi-zação do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; e) os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; f ) além de auxiliar as Justiça da União no cumprimento de suas decisões.

Por esta razão, quando se diz que à Polícia Federal destina-se a exclu-sividade da função de Polícia Judiciária da União, isso representa mais do que apenas delegá-la a missão de servir como força pública a serviço dos órgãos jurisdicionais da União no exercício de suas missões constitucionais e legais, a partir de uma interpretação sistemática dos artigos 109 e 144 da Constitui-ção Federal, mas, bem assim, revela o poder de investigar delitos que estão sujeitos a processo e julgamento das Justiças da União.

Cumpre ressaltar, todavia, que se embora se possa dizer que as com-petências da Justiça Federal vinculam a Polícia Federal, o contrário não é sem-pre verdadeiro. O exemplo que melhor retrata isso é a competência específica da Polícia Federal para prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecente (art. 144, § 1º, II). Embora seja de atribuição da PF investigar o crime de tráfico, não se cuidando de tráfico internacional de entorpecentes, compete à Justiça Estadual processar e julgar o feito que verse sobre essa matéria.

O sentido que empresta a Constituição ao inciso IV, do § 1º, do art. 144, é o de resguardar à Polícia Federal a exclusividade da investigação dos crimes federais em relação a outros órgãos policiais e não policiais. Não há outro sentido para termo.

Ocorre, porém, que não há que se falar em exclusividade das demais po-liciais judiciárias quanto à investigação de crimes remanescentes não previstos na Carta Constitucional, haja vista a ausência de disposição expressa nesse sentido.

6.2 Função de Polícia de Ordem ou de Soberania

Como vimos, a chamada polícia de soberania ou ordem atua, em regra, em três ramos básicos: policiamento de fronteiras, imigração e de estrangeiros,

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realizado nas fronteiras terrestre, aérea e marítima; policiamento de inteligên-cia, que visa evitar quaisquer atentados à ordem político-social atual; e o po-liciamento de ordem, que é exercido por unidades especiais, encarregadas de dominar movimentos coletivos e impedir, mediante o uso da força, o recurso à violência contra os poderes constituídos ou as instituições democráticas.

Como vimos, a função de polícia de soberania ou de ordem foi con-ferida à Polícia Federal e está diretamente ligada à integridade do Estado, mediante a defesa da ordem interna do país, em face de ataques de cunho político-ideológico. Divergente, portanto, da função de garantia da ordem pública nos estados-membros, conferidas às policiais militares.

Já à época do DFSP havia se conferido ao órgão, por força do Decre-to-Lei n° 9.353, de 13 de junho de 1946, a tarefa de atuar nos casos em que se atentasse contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado, a ordem social e a organização do trabalho.

Outrossim, a prerrogativa de policiamento de ordem foi repetida na Constituição de 1967 que previa, entre outras tarefas que a Polícia Federal deveria prover: a apuração de infrações penais contra a segurança nacional28, a ordem política e social (...) (art. 8º, VII, c).

A Carta Política de 1988 não mais reproduziu a expressão segurança nacional29. Todavia, o mesmo documento fez constar em seu texto diversas passagens que refletem, por um lado, a preocupação com a ordem interna e, por outro, a competência institucional para realizar o policiamento das situ-ações que ameacem a integridade do Estado brasileiro. Assim podemos ver no art. 109, inciso I e VI, quando tratou do processo e julgamento dos crimes políticos, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. Ou, no art. 144, § 1º, inciso I, quando dispôs sobre a apuração de infrações penais contra a ordem política e social.

De outra sorte, quando também na linha de proteção da soberania, assegurou à Polícia Federal a tarefa de exercer as funções de polícia marítima,

28 A CF/67 dispensou à Justiça Militar a competência para processar e julgar os crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhados, bem como permitiu a extensão deste foro especial aos civis, nos casos expressos em lei para repressão de crimes contra a segurança nacional, ou às instituições militares (Art. 122, caput e § 1º, com redação dada pelo Ato Institucional nº 6, de 1969).

29 Muito embora ainda sobreviva em nosso ordenamento a Lei nº 7.170/83, que cuida dos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências.

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aeroportuária e de fronteiras (art. 144, § 1º, III), que encerra o controle do fluxo migratório no país30.

Ademais, por força do art. 109, inciso X da CF/88, reforça-se o cará-ter de polícia de soberania ao Departamento de Polícia Federal, com o atre-lamento da função de policiamento de estrangeiro e fronteiras, a de polícia judiciária no que diz respeito à investigação dos crimes de ingresso ou perma-nência irregular de estrangeiro no Brasil.

6.3 Função de Polícia de Segurança ou Preventiva

Quanto à função de polícia de segurança, dispõe o art. 144, § 1º, II que compete à Polícia Federal não somente reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o contrabando e o descaminho, mas também preveni-lo.

Com base nessa atribuição constitucional, legitimam-se todas as ações da Polícia Federal que, em caráter ostensivo, tenham a finalidade espe-cífica de assegurar a ordem pública no enfrentamento dessas duas modalida-des delitivas.

Outrossim, embora sem previsão constitucional, a Lei nº 10.683/2003, que cuida da organização da Presidência da República, in-cumbe à Polícia Federal, inclusive mediante a ação policial necessária, coibir a turbação e o esbulho possessórios dos bens e dos próprios da União e das en-tidades integrantes da Administração Pública Federal indireta sem prejuízo da responsabilidade das Polícias Militares dos Estados pela manutenção da ordem pública (art. 27, § 7º). Trata-se, como se vê, de tarefa típica de polícia de segurança.

Há, ainda, que se enquadrar nessa tipologia a atividade de segurança de dignitários, que encerra a execução em colaboração com as autoridades dos Estados, de medidas tendentes a assegurar a incolumidade física de diplo-matas e visitantes oficiais estrangeiros, bem como dos demais representantes

30 Entende-se por controle migratório atividade que limita, disciplina e regulamenta o direito de ir e vir de cidadãos brasileiros e estrangeiros para dentro ou fora do país. Para cumprir essa atribuição, a Polícia Federal executa medidas de emissão de documentos de viagem, registro de estrangeiros, fiscalização e controle do fluxo de pessoas pelas diversos pontos de entrada e saída do Brasil, cumprindo regras estabelecidas para a entrada, saída e permanência no território brasileiro. Vide Lei nº 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro).

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dos Poderes da República, quando em missão oficial. O fundamento legal para essa missão é antigo, uma vez que remonta a Lei nº 4.483/1964.

Em síntese, cabe à Polícia Federal também a função de polícia preventiva nos casos assinalados e nos estritos limites dispostos no ordenamento jurídico.

6.4 Outras Atribuições Decorrentes do Exercício do Poder de Polícia

A despeito das outras atribuições tipicamente policiais conferidas à Polícia, outras atividades decorrentes do exercício do poder de polícia (ativi-dades policiais atípicas31), por sua estreita vinculação com as atividades típicas de polícia, bem como pelo fato de possuir uma grande disseminação territorial, foram encarregadas ao Departamento de Polícia Federal. Entre as principais podemos citar: 1) controle de armas; 2) de segurança privada; 3) de produtos químicos; e a 4) identificação civil, criminal e a estatística criminal.

1) Controle de Armas: a Polícia Federal, com fundamento na Lei nº 10.826/2003, desempenha relevante atribuição administrativa, como responsável pelo gerenciamento do Sistema Nacional de Ar-mas – SINARM, executando atividades relacionadas ao registro, posse e comercialização de armas de fogo e munições no país. Essa atribuição, típica do exercício do poder de polícia, limita e con-trola importante setor da atividade econômica e ainda o direito de propriedade dos cidadãos brasileiros, em atenção à necessária salvaguarda do interesse público.

2) Controle de Segurança Privada: atribuição da Polícia Federal de regular e controlar a atividade de segurança privada, como sensí-vel seguimento da atividade econômica, uma vez que se trata de atividade complementar à de segurança pública, na medida em que emprega o uso da força para proteção pessoal e patrimonial de terceiros, como de cargas valiosas, estabelecimentos comer-ciais, bancários e pessoas com significativo poder econômico. Em decorrência disso, cumpre ao órgão expedir normas e fiscalizar a constituição e funcionamento das empresas particulares que ex-

31 Não obstante desde sua criação como instituição tenha se conferido à polícia tarefas as mais distintas daquelas de garantir a lei e ordem ou assegurar a aplicação das leis criminais, observou-se na Europa, no último século, uma tendência gradual de desinvestir as organizações policiais dessas funções auxiliares (BAYLEY, 2002).

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ploram serviços de vigilância e transporte de valores dentre outros, com fundamento nas Leis nº 7.102/1983 e nº 9.017/1995.

3) Controle de Precursores Químicos: atribuição exercida pela Polícia Federal que busca disciplinar e regulamentar atividade econômica relevante, estabelecendo normas de controle e fiscalização sobre produtos químicos, tendo por escopo principal controlar o uso de precursores químicos que possam ser utilizados para o preparo de substâncias entorpecentes, sendo a atividade importante para o combate ao tráfico de drogas. O fundamento legal para esta ativi-dade está na Lei nº 10.357/2001.

4) Controle de Identificação Criminal e Civil e da Estatística Crimi-nal: compete à Polícia Federal, por meio do Instituto Nacional de Identificação, a supervisão técnica e a coordenação no país dos ser-viços de identificação datiloscópica, civil e criminal, bem como da estatística judiciária criminal, que tem por base os prontuários de identificação que são parte integrante dos processos criminais. O fundamento Legal está na Lei nº 4.483/1964.

Conclusão

Como vimos, o tema Polícia é extrema importância e merece uma atenção especial por parte dos pesquisadores. Compreender o papel dessa força pública em nossa sociedade, seu funcionamento no contexto da segu-rança pública, não pode ser relegado a segundo plano.

A polícia, num Estado de democrático de direito32 tem importantes funções sem as quais seria inviável a convivência social pacífica. É que seja atu-ando como polícia de ordem no controle de estrangeiros e no policiamento de fronteiras; seja como polícia de segurança na prevenção, por exemplo, do tráfico de drogas e do contrabando e descaminho; ou, ainda, na função de po-lícia judiciária na investigação dos ilícitos criminais, essa organização assume relevante papel da garantia da democracia e da própria vida em comunidade.

32 Adota-se o conceito de Estado democrático de direito como sendo o sistema político baseado na disciplina legal e no monopólio da força, que tem a pretensão de excluir ou, ao menos, minimizar a violência nas relações interpessoais, mediante a adoção de técnicas que perseguem a resolução não violenta dos conflitos (FERRAJOLI, 2008).

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Como vimos, a origem das instituições policiais revela que estas foram cunhadas a partir de idéias liberais que, por um lado, viabilizaram a mudança do conceito de poder polícia; e, de outro, repudiaram os escassos, porém violentos e infamantes castigos aplicados pelo Estado Policial, em bus-ca da garantia de segurança para sociedade. O surgimento da Polícia coincide com o aparecimento da pena de prisão e do cárcere, que buscaram dar um tratamento mais humano ao delinqüente alcançado em sua falta.

Por outro lado, o aumento da criminalidade demandou uma revisão do papel do Estado na busca de assegurar o bem-estar geral de todos no qual se insere o direito/dever à segurança pública. Muito embora se reconheça que por detrás do interesse de todos estava, em verdade, e principalmente, o interesse da classe dominante então criada: a burguesia. Assim, ao Estado coube dar uma resposta eficiente ao grande número de infratores, provenien-tes, sobretudo, da classe operária, a fim de garantir a proteção dos interesses da nova classe detentores do poder.

Assim, verificou-se que somente por meio de um corpo profissional o Estado seria capaz de enfrentar o contingente de delinquentes então sur-gido em decorrência do processo industrial. A Polícia como organização é, portanto, fruto de uma demanda por segurança criada pela nova sociedade que apareceu em decorrência das novas relações sociais, econômicas e cultu-rais que fizeram parte da evolução do Estado Nação Moderno.

Outrossim, destacamos a relevância das distintas funções ou tipolo-gias de polícia existentes que, ao redor do tempo, concentram-se ou não nas mãos de um ou uma série de organizações diferentes.

No caso, optamos pela classificação tripartite das funções ou tipolo-gias de polícia: judiciária, de segurança ou de ordem. Trata-se esta da melhor forma de distribuição dos papéis desempenhados pela Polícia em sua ativida-de tipicamente de segurança pública em sentido amplo.

Abrimos um parêntese em nossa pesquisa para analisar uma questão interessante acerca da posição institucional da Polícia perante os poderes do Es-tado. Constatamos que embora diversas as funções ou tipologias de Polícia, as organizações policiais, em regra, encontram-se vinculadas ao Poder Executivo.

Ademais, nos dedicamos a abordar a Polícia Federal brasileira em parti-cular, não apenas pela afinidade deste autor à instituição, mas também pelas ca-racterísticas marcantes que esta detém quanto ao seu papel e a sua organização.

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A partir de uma leitura sobre a história da Polícia Federal, principal-mente as evoluções legislativas presentes no texto que só fizeram ampliar as funções da organização policial, podemos notar que estamos diante um ins-tituição singular que, seguramente, abarca em uma única instituição diversas funções, ou poderíamos até dizer diversas polícias em uma só.

Além disso, cumpre ressaltar que essa mesma polícia também é responsável não apenas por funções tipicamente relacionadas à segurança pública, mas também por outras tarefas decorrentes do poder de polícia — funções policiais atípicas. Entre elas, destacamos o controle da atividade de segurança privada e do controle da atividade de produção e comercialização de produtos químicos.

Por fim, queremos destacar novamente a importância em se conhe-cer o que faz a Polícia e, por esta razão, trouxemos aqui um pouco do que é a Polícia Federal brasileira.

Emerson Silva Barbosa

Delegado de Polícia Federal. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil. Professor da Academia Nacional de Po-

lícia. Membro da Comissão Editorial da Revista Segurança Pública e Cidadania. Aluno do Curso de Doutorado em

Direito Penal da Universidade de Buenos Aires.

E-mail: [email protected]

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Investigação Criminal: uma abordagem jurídico-científica

Eliomar da Silva PereiraAcademia Nacional de Polícia - Brasil

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RESUMO

A partir de uma noção geral de investigação como solução de problemas, baseada na teoria da investigação de John Dewey, e da noção específica de pragmática da investigação científica, segundo estudos de Luiz Henrique A. Dutra, discutimos nesse trabalho os elementos funda-mentais para uma investigação criminal científica e juridicamente ponderada, considerando suas particularidades (a respeito da verdade e do método) e a natureza do seu objeto (o crime), sob as diversas perspectivas (fática, normativa e valorativa), após considerações sobre as diversas ciên-cias que têm o crime como objeto de pesquisa sob diversos aspectos (criminologia, política cri-minal e direito penal), concluindo com uma definição que pretende ser um ponto de partida para o aprofundamento de futuros estudos sobre o tema. Esse trabalho, tal como aqui apresentado, consiste no capítulo-síntese de uma pesquisa maior, desenvolvida em programa da Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública, da Academia Nacional de Polícia (Federal), na qual se discutem, como disciplina de formação e especialização policial, os pressupostos fundamentais e elementos de uma Teoria da Investigação Criminal, sob uma perspectiva jurídico-científica.

Palavras-chave: Investigação criminal. Investigação científica. Crime. Criminologia. Cri-minalística.

1 Introdução

A investigação criminal, segundo uma definição prévia e concisa, pode ser entendida como “método para a reconstrução de fatos passados que pretende responder a quatro perguntas básicas: onde, quando e como ocor-reu o fato, e quem o praticou” (Garrido, Stangeland y Redondo, 2006, p. 853, tradução livre)1. Nessa mesma linha, podemos dizer que a investigação

1 E acrescentam os autores que: “La parte técnica tiene mucho en común con la arqueologia, la física y la química, mientras que la recopilación de información aportada por testigos está más relacionada con la psicología, así que se puede decir que la criminalística es uma ciencia aplicada, con métodos y teorias

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criminal é uma pesquisa – com certas peculiaridades relativas à verdade e ao método –, que se especifica por seu objeto – o crime. De forma mais apurada, diríamos melhor que é um conjunto de pesquisas de naturezas diversas, o que é bastante evidente considerando os diversos atores da investigação criminal2. Menos evidente, contudo, é que todas essas pesquisas na investigação crimi-nal são administradas estrategicamente3, com tomada de decisões sobre que ato de investigação deve ser realizado e em que ordem4.

1. A Investigação como Pesquisa

A partir de uma definição geral de investigação, segundo proposta de J. Dewey, que nos apresenta um padrão comum a toda categoria de investiga-ção5, e levando em consideração uma perspectiva pragmática da investigação científica, segundo proposta de L. H. Dutra6, entendemos que é possível uma aproximação entre investigação científica e investigação criminal.

derivados de varias ciencias básicas” (p. 854).

2 Considerando o modelo de inquérito policial brasileiro, em que o agente de polícia realiza pesquisas de campos; o perito, pesquisas laboratoriais; e o escrivão documenta os diversos atos de investigação em um todo formalizado segundo disposições da lei.

3 Nesse sentido, a investigação criminal envolve atos como administração de pessoal, instrumentos e recursos financeiros essenciais aos diversos atores, dispostos de forma a alcançar o objetivo final de toda investigação.

4 Nesse ponto, considerando o modelo de inquérito policial brasileiro, sobressai a figura do delegado de polícia, responsável pela unidade das diversas pesquisas e o domínio da finalidade da investigação, bem como do controle da legalidade dos meios utilizados pelos demais atores.

5 A investigação, segundo definição de J. Dewey, em “Lógica: Teoria da Investigação”, pode ser entendida como “a transformação dirigida ou controlada de uma situação indeterminada em uma situação de tal modo determinada nas distinções e relações que a constituem, que converta os elementos da situação original em um todo unificado” (1980, p. 58). Trata-se, segundo J. Dewey (1980), da “mais altamente generalizada concepção de investigação” (p. 58), concebida como base na idéia de que “a investigação, a despeito dos diversos objetos aos quais é aplicada, e da conseqüente diversidade de suas técnicas específicas, possui uma estrutura ou padrão comum” (p. 55). A partir dessa definição podemos identificar a estrutura fundamental de toda e qualquer investigação, no que há de comum entre elas, para depois distinguir o que há de particular na investigação científica e na investigação criminal.

6 No âmbito das teorias da ciência e seus métodos, Luiz Henrique Dutra nos adverte que geralmente elas possuem um caráter eminentemente lógico e quase formal, detendo-se no que ele chama de contexto de justificação, a exemplo da teoria de K. Popper (A lógica da pesquisa científica) que chega a desdenhar das questões que se encontram no contexto de descoberta, “ao qual pertence o tema das formas pelas quais, de fato, elaboramos teoria e levantamos hipóteses” (cf. 2008, p. 259-260). Entretanto, segundo L. H. Dutra (2008, p. 261), há outras modelos de atividade científica, com ênfase na “atividade de levantar hipótese, avaliá-las de diversas maneiras, inclusive testando-as empiricamente, e de aplicá-las para múltiplos usos, inclusive para dar explicações e fazer predições” – a exemplo da sua própria concepção Pragmática da Investigação Científica (2009, Edições Loyola), cujo modelo podemos transportar para outras investigações como a criminal.

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Nesse sentido, Luiz Henrique Dutra, em Verdade e Investigação, sus-tenta que “...há mais que mera semelhança de família entre as diversas ativi-dades investigativas que conhecemos, como a própria investigação científica, a investigação policial, o jornalismo investigativo (...). A nosso ver, (...), em todas elas podemos encontrar certos elementos fundamentais da investigação, releva-dos por uma análise da pragmática da investigação (2001, p. 14, com grifos nossos). E, com essa premissa, o autor expõe, na referida obra, duas investi-gações, uma científica e outra policial, demonstrando os pontos em que se aproximam (nesse sentido, cf. 2001, p. 141 e ss)7.

Sob uma perspectiva particular, assim, podemos, sem dúvida, admitir a categoria autônoma investigação criminal científica8, em que os conceitos típicos do discurso científico podem ser, com proveito, transpostos para a investigação criminal, naquilo que há de comum entre elas – cuidando-se, contudo, de identificar e resguardar o que há de particular nessa categoria de investigação, em virtude de seu objeto (crime) e sua finalidade (jurídica). No mais, a investigação criminal lida, igualmente, com problema, hipótese, base de dados e demais elementos próprios de uma investigação científica – sendo, assim, possível tratar a investigação criminal como pesquisa.

Sob uma perspectiva geral, contudo, se queremos falar não apenas de uma investigação criminal científica de casos específicos, mas de uma ciência de investigação criminal, com teorias e princípios próprios, orientadores da-quelas práticas particulares9, essa aproximação exige um programa capaz de instituir alguns elementos indispensáveis à sustentação de uma ciência, ou nos termos já elucidados, para a constituição de contexto de investigação cri-

7 Em sentido aproximado, G. F. Kneller (1980, p. 99-100) sustenta que “a tarefa de um detetive pode ser tão difícil quanto a de um cientista”, mas “detetives e cientistas têm objetivos diferentes”. Assim, segundo o autor referido: “As técnicas de suas investigações também diferem, em virtude da espécie de provas que cada um procura obter. Não obstante, em ambos os exemplos encontramos a mesma seqüência de atividades observadas na pesquisa científica (...). Assim, o método científico não é único. A investigação científica usa conhecimentos mais aprimorados e técnicas mais refinadas do que na resolução de problemas imediatos; mas a estrutura racional é a mesma” (idem, ibdem).

8 Advirta-se, desde já, que com essa expressão não estamos nos referindo exclusivamente à investigação pericial, que para nós é uma parcela da investigação criminal, mas à totalidade da investigação criminal, em todos seus aspectos. A investigação pericial, nesses termos, possui o caráter científico em decorrência das ciências a que recorre, não tendo uma autonomia própria – embora não se olvide que pela perícia muitas ciências obtêm incremento de seus métodos e resultados, aplicados aos problemas típicos da investigação criminal – é importante que se frise esse aspecto.

9 Em síntese, a prática particular de investigações criminais orientadas por princípios científicos pode assegurar o êxito daquela investigação exclusivamente, mas, ao se perder na prática individual do investigador, deixa de transmitir o conhecimento produzido para uma tradição e impede a sustentação de uma ciência de investigação criminal.

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minal científica. É sob esse aspecto que L. H. Dutra apresenta uma lista com itens que, segundo ele, seriam necessários (mas não suficientes) para consti-tuir o contexto em que o investigador deve agir para realizar uma investiga-ção bem-sucedida, isto é, “para elaborar um modelo e aplicá-lo a situações reais fazendo determinadas aproximações” (2008, p. 280 e ss):

(a) um dialeto técnico, com vocabulário específico, inclusive conten-do termos para espécies (naturais ou sociais);

(b) uma classe de teorias específicas e de hipóteses cosmológicas, que rela-cionam as noções correspondentes ao vocabulário técnico umas das outras, inclusive com padrões de mensuração, quando for o caso;

(c) uma classe de modelos, que instanciam as noções teóricas em situ-ações possíveis do mundo descrito pela teoria;

(d) determinadas predições e explicações, por meio das quais os modelos acima mencionados podem ser comparados com situações reais;

(e) procedimentos de experimentação e observação, por meio dos quais a comparação dos modelos com situações reais seja igualmente possível;

(f ) uma classe de instrumentos ou aparelhos de observação e experi-mentação autorizadas e certificadas pelo programa de pesquisa;

(g) uma classe de fatos registrados e considerados relevantes para futu-ra comparação com os modelos da teoria.

Uma investigação científica10, sob esse aspecto, evidentemente, não se constitui exclusivamente pela prática isolada de investigações, segundo modelos particulares, mas a partir de “uma atividade essencialmente coletiva

10 Quando nos referimos à Ciência, pensamos no paradigma científico da solução de problemas. J. Dewey, em sua teoria, já enfatizava o problema – sua instituição e determinação da solução – como uma questão fundamental para a investigação (nesse sentido, cf. 1980, p. 60 e ss). Também T. Kuhn “coloca como ponto central de sua análise do desenvolvimento de um paradigma a solução de um problema” (Dutra, 2008, p. 281), mas é em Larry Laudan que podemos encontrar, em definitivo, a concepção de ciência como solução de problemas, levada ao extremo. Segundo Giovani Reale e Dario Antiseri, “a idéia central de Larry Laudan é a de que ‘a ciência visa fundamentalmente à solução de problemas’. Em O progresso científico (1977), L. Laudan delineou ‘as implicações, para a história e a filosofia da ciência, do ponto de vista que concebe a ciência sobre tudo com atividade emprenhada na solução de problemas” (2003, p. 1054). O extremo da concepção de Laudan caracteriza-se por sustentar a irrelevância da verdade e da falsidade para a resolução de um problema. Segundo Laudan, “não necessitamos considerar o tema da verdade e da falsidade – como fazem geralmente os cientistas – para determinar se uma teoria resolve ou não um problema empírico concreto” (1986, p. 54, tradução livre nossa). Não nos parece, contudo, ser essa uma concepção adequada para a investigação criminal, embora sem dúvida, a solução do problema como essência da ciência é a que melhor atende à realidade da investigação criminal, desde que não abandonemos a noção de verdade como igualmente necessária.

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e dependente de um grupo” capaz de propiciar modelos gerais de investigação criminal. Claro é que o desenvolvimento de investigações criminais particu-lares, orientadas por metodologia científica, antecedidos por estudos que mi-nistrem aos investigadores os conceitos típicos de pesquisas científicas, pode auxiliar no desenvolvimento de uma ciência de investigação criminal – mas não é suficiente sem a criação de um contexto adequado de investigação.

2. Peculiaridades da Investigação Criminal

Conquanto possível uma aproximação entre investigação científica e investigação criminal, há nessa, contudo, especificidades que a particulari-zam em relação a uma investigação científica geral, no que concerne à verdade e ao método, sobretudo.

Assim, embora o ponto de partida, para que possamos falar em inves-tigação criminal científica, seja seu enquadramento em um padrão de inves-tigação assim qualificado, não se pode nunca descuidar de que a investigação criminal é atividade desenvolvida em função de um sistema jurídico-penal que possui finalidade própria, que é a elucidação de fatos e busca da verdade a respeito de um crime (a), e limites normativos intrínsecos e anteriores, condicionantes de qualquer método de investigação pretendido (b), os quais constituem as especifi-cidades mais marcantes desse padrão de investigação a serem consideradas.

2.1. O objeto histórico, implicações na verdade e no mé-todo da investigação.

O primeiro problema que se coloca em relação à investigação do cri-me (antes de qualquer dedução jurídica que se possa aplicar no momento de interpretação da lei, chamado de subsunção legal) é que o fato que lhe compõe, porque cometido e finalizado no passado, não passa de um fato histórico, e com tal a verdade que se constitua acerca dele não passa de uma verdade histórica (relativa a um fato determinado no passado), que, metodologicamente, sofre inevitavelmente dos problemas de qualquer investigação historiográfica.

Segundo Luigi Ferajoli, “deve-se salientar que a verdade processual, seja de fato seja de direito, não pode ser afirmada por observações diretas. A verdade processual fática é, na realidade, um tipo particular de verdade

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histórica, relativa a proposições que falam de fatos passados, não diretamente acessíveis como tais à experiência” (2002, p. 43).

Assim, embora se possa recorrer à idéia de experiência e indução, na referência que há ao crime como fato punível, não se trata exatamente de um empirismo contemporâneo (no sentido de experiência atual em relação ao fato investigado), mas somente demonstrável mediante o recurso às provas (comprovação), que passam a ser os verdadeiros e únicos fatos presentes de que dispõe o julgador, assim como o investigador.

2.2. O método legal negativo e os direitos fundamentais.

Embora a lei não estabeleça o método de investigação necessário, deixando assim, em princípio, abertas todas as possibilidades que se possam extrair das ciências em geral, há certos âmbitos de atuação em que nenhum método pode adentrar, por exclusão legal absoluta, e outros para os quais há uma necessária forma legal sem a qual não se pode investigar. Noutro sentido, contudo, embora não exista um método legal de investigação, há um método legal de demonstração obrigatório, ao se exigir a prova do objeto, uma instru-mentalização do conhecimento alcançado, que permita a verificação do que se afirma sobre o crime e sua autoria11.

Assim, por exemplo, está excluído absolutamente pela lei o recurso a qualquer método que importe práticas degradantes (como tortura); por sua vez, quanto a informações sigilosas resguardadas pela lei, pode-se ter acesso a elas, desde que procedidas mediante autorização judicial. Trata-se aqui de verdadeira interferência legal no método de investigação, que embora não seja determinado por regras positivas necessárias de pesquisa, encontra-se limitado por regras negativas que tiram do âmbito de possibilidade da inves-tigação uma parcela de caminhos considerados inadmissíveis, ou admitidos somente sob certas condições.

11 Essa exigência, além da função epistemológica que cumpre (ao se permitir a verificação da verdade), sob o ponto de vista jurídico, é que vai permitir o contraditório (submetendo-se ao crivo da falseabilidade). A falseabilidade “é o critério sugerido por Karl Popper para acolher as generalizações empíricas [tal como ocorre com as provas relativas a crimes]. O método empírico, segundo Popper, é o que ‘exclui os modos logicamente admissíveis de fugir à ‘falseação’. Desse ponto de vista, as asserções empíricas só podem ser decididas em um sentido, o da falseação, e só podem ser verificadas por tentativas sistemáticas de colhê-las em erro. Desse modo desaparece todo o problema da indução e da validade das leis naturais” (Abbagnano, 2003, p. 427).

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Dessa forma, embora se admita que “ainda hoje, no atual processo informado pelo princípio da ‘livre apreciação do juiz’, continuamos discipli-nando pelo menos o método de investigação e de formação da verdade pro-cessual” (Ferrajoli, 2002, p. 49), não se trata nunca de um método necessário e obrigatório, senão de métodos vetados juridicamente, ficando tudo mais à disposição, desde que não proibido expressamente. Ou seja, não se trata de um método em sentido positivo (que se mantém a requerer uma siste-matização empírica pelos órgãos de investigação), mas em sentido negativo (limitado juridicamente).

Especificamente sobre os limites do método de investigação, L. Fer-rajoli nos adverte, ainda, que: “Em geral as normas jurídicas em matéria de verdade e de provas substituem os critérios próprios da livre investigação por critérios autorizados de aquisição e de controle da verdade processual” (2002, p. 50). Mas a interferência se justifica, porque “muitas dessas normas sobre a (formação da) verdade se dirigem a garantir contra o abuso e as prevaricações das partes, o desenrolar das investigações e do contraditório entre acusação em defesa” (Idem, ibidem).

Admite-se, assim que, tratando-se de investigação que se desenvolve em função do direito, há que se reconhecer a exigência da lei, submetendo-se a certas condições limitadoras dos métodos [e técnicas] de investigação, pois, segundo o autor: “...não é só a verdade que condiciona a validade, mas é tam-bém a validade que condiciona a verdade no processo. Está é, com efeito, por assim dizer, uma verdade normativa, no tríplice sentido: a) uma vez compro-vada definitivamente, tem valor normativo; b) está convalidada por normas; c) é verdade na medida em que seja buscada e conseguida mediante o respeito às normas. (2002, p. 49, com grifos nossos)

Luigi Ferrajoli (2002, p. 49), a respeito dessa questão, observa que própria concepção de verdade aceita no processo (bem como na investigação), assim, não se resume exclusivamente a um critério de mera correspondência12,

12 “O conceito de verdade como correspondência é o mais antigo e divulgado”, bem como “é amplamente empregado”, geralmente como relação de conformidade entre o conhecimento e a coisa”. Aristóteles enunciava duas teses fundamentais dessa concepção: uma, que a verdade está no pensamento ou na linguagem, não no ser ou na coisa; a outra, que a medida da verdade é o ser ou a coisa, não o pensamento ou o discurso. Nesse sentido, cf. Abbagnano (2003, p. 995 e ss), para quem: “Os lógicos contemporâneos também recorrem à doutrina da correspondência, procurando formulá-la de tal modo que ela seja independente de qualquer hipótese metafísica. Desse ponto de vista, quem melhor formulou essa teoria foi Alfred Tarski, que retomou explicitamente, além da definição aristotélica acima, também algumas definições análogas ou dependentes delas, como aquela segundo a qual ‘um

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pois há um caráter normativo em torno de sua busca. Segundo ele (idem, ib-dem): “Diferentemente do que ocorre em qualquer outra atividade cognitiva, tanto a verdade fática das teses de fato e das alegações probatórias quanto a verdade jurídica das teses de direito e das interpretações das leis são predicáveis jurisdicionalmente sob a condição de que se observem regras e procedimentos que disciplinam sua comprovação e que imprimem a ambas um caráter autori-tativo e convencional, em contraste com o de mera correspondência.”

3. O crime: objeto da investigação

Jorge Frias Caballero sustenta que o crime é “conducta humana y, por tanto, es un objeto cultural egológico y no un objeto natural, ni ideal, ni psico-lógico. Aunque lo natural, lo ideal y lo psicológico forman también parte de sua estructura, no constituyen su ser y consistir esencial “ (1993, p. 76).

O autor parte da noção ontológica de que há objetos materiais, ideais, culturais, psicológicos e metafísicos (cf. p. 72 e ss)13, sustentando, acerca dos objetos culturais, que são eles produtos do fazer humano, com o objetivo de satisfazer uma finalidade valiosa. Tais objetos estão no tempo e espaço, na his-tória e na experiência, mas seu ser essencial, sua estrutura ôntica, não se esgota na base naturalística que lhes serve de substrato, sim no sentido valioso que o homem imprime no fragmento da realidade (cf. p. 73 e 74). Entre os objetos culturais, Jorge Frias Caballero faz uma distinção entre os “mundanales” e os “egológicos”14. Aqueles seriam os objetos reais integrados no mundo da cultura, como utensílios, instrumentos, livros, obras de arte, edifícios etc; os egológicos, por sua vez, embora decorram do viver e atuar humano, não se esgotam na cor-porificação real. Segundo o autor, “...hay aqui también una base real, un sustrato naturalístico (...), pero su ser esencial no se agota en esta corporificación, sino en el sentido valioso o disvalioso que hay en ella y que el hombre deja allí impreso, toda vez que la estructura misma de la vida humana es valorativa” (p. 76).

enunciado é verdadeiro quando designa um estado de coisas existente’.

13 O autor baseia seu conceito a partir da teoria dos objetos de Edmund Husserl (1859-1938). “A partir de Edmundo Husserl, creador de la fenomenologia, se denomina ‘ontoloiga regional’ o ‘teoria de los objetos’ a la investigación que se ocupa de los ‘entes em su ser’. Esta investigación reduce la totalidad del conjunto ilimitado de los objetos que integram el universo a uma poças famílias o grupos de entes u objetos” (Caballero, 1993, p. 72).

14 Nesse ponto, recorrendo o autor à teoria egológica de Carlos Cossio, pra quem “a ciência jurídica deve estudar a conduta humana enfocada em sua dimensão social, e não a norma jurídica. Considera o direito um objeto cultural, composto de um substrato, que é a conduta em interferência intersubjetiva, e de um sentido, que é o dever de realizar um valor.” (Diniz, 2001, p. 135).

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O conceito de crime apresentado é relevante na medida em que nos conduz ao problema da metodologia (ou do “caminho” cognitivo) apropria-do para conhecer os objetos, pois cada família de objeto requer um método apropriado à índole do objeto, sendo, no caso do crime, como objeto cul-tural egológico, a compreensão o método adequado15. Segundo Jorge Frias Caballero, “dicho método consiste en discurrir desde el sustrato material que le sirve de base al sentido valioso o disvalioso en que radica la esencia, y desde allí nuevamente al sustrato, en uma espécie de movimiento continuado que se há denominado ‘circular’ a través del cual se accede a ala esencia, en un trán-sito y aproximación cresciente y sucessiva; aprehendiéndose así, en definitiva, el sentido valioso o disvalioso” (1993, p. 78). Esse método de compreensão, se-gundo entendemos, remete-nos a uma compreensão tridimensional do crime – como fato, valor e norma –, na linha da teoria de Miguel Reale16.

A partir da noção ôntica do direito como objeto cultual, Miguel Reale sustenta que “o Direito é uma realidade, digamos assim trivalente ou, por outras palavras, tridimensional. Ele tem três sabores que não podem ser separados um dos outros. O Direito é sempre fato, valor e norma, para quem quer que o estude, havendo apenas variação no ângulo ou prisma de pesquisa” (Reale, 1994, p. 121).

A norma jurídica em geral – assim como a norma penal incrimi-nadora em específico – apresenta-se sempre como um modelo de estrutura tridimensional, em que as diversas facetas do fenômeno jurídico estão em relação dialética. Com isso, podemos ter uma “visão integral do direito” – como sustentado por Miguel Reale – bem assim do crime como fenômeno jurídico (cf., nesse sentido, 1994, p. 121). De forma mais detalhada, devemos compreender – na linha do filósofo que (2007, p. 67):

15 Nesse ponto, o autor recorre a Dilthey, Wilhelm (1833-1911). “Filósofo, crítico literário e historiador alemão. (...) Dilthey é especialmente conhecido pelos seus estudos sobre a metodologia das ciências sociais.... Para Dilthey, estas se distinguem das ciências naturais pelo uso do método da compreensão, ou verstehen, pelo qual compreendemos o significado de expressões humanas, como as palavras ou as ações.” (Blackburn, 1997, p. 102).

16 Miguel Reale costuma ser situado entre os filósofos do culturalismo jurídico, ao lado de Carlos Cossio (nesse sentido, cf. Diniz, 2001, p. 131 e ss). “O culturalismo jurídico enfatiza os valoers do direito, sendo que algusn desses valores assumem maior importância sob o influxo de conteúdos ideológicos em diferentes épocas e conforme a problemática social de cada tempo e lugar”. Assim, há em Cossio já uma tendência tridimensionalista do direito, mas, segundo observou Miguel Reale, “é uma tridimensionalidade genérica” (cf. nesse sentido, 1994, p. 40), diversa do tridimensionalismo específico que ele defende (cf. 1994, p. 48).

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a) onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessaria-mente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfi-co, de ordem técnica etc); um valor, que confere determinada signi-ficação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor;

b) tais elemento ou fatores (fato, valor e norma) não existem separa-dos um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta;

c) mais ainda, esses elementos ou fatores não só exigem reciproca-mente, ma atuam como elos de um processo (já vimos que o Direi-to é uma realidade histórico-cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética dos três elemen-tos que a integram17.

A respeito dos três elementos, Maria Helena Diniz explica-nos que “quando se procura combinar os três pontos de vista unilaterais, ou melhor, os resultados decorrentes de estudos levados a cabo separadamente, segun-do aqueles pontos de vistas, configura-se a tridimensionalidade genérica do direito”; noutro sentido, “quanto não se realiza uma simples harmonização de resultado de ciências distintas, mas se analisa previamente, a correlação essencial dos elementos constitutivos do direito, mostrando que se implicam numa conexão necessária, se tem a tridimensionalidade específica, que pode ser estática ou dinâmica e de integração” (2001, p. 143)18.

17 A partir dos elementos constitutivos da teoria – fato, valor e norma – o filósofo relaciona, respectivamente, os planos de eficácia, fundamento e vigência do direito, bem como às concepções científicas do sociologismo jurídico, moralismo jurídico e normativismo jurídico (nesse sentido, cf. Diniz, 2001, p. 142). Em relação ao crime, como fenômeno jurídico, podemos relacionar ao fato, valor e norma, respectivamente, a criminologia, a política criminal e o direito penal (ou dogmática jurídico-penal), como concepções científicas acerca do crime.

18 Nos termos do próprio M. Reale: “Tal concepção cessa de apreciar fato, valor e norma como elementos separáveis da experiência jurídica e passa a concebê-las, ou como perspectivas (Sauer e Hall) ou como fatores e momentos (Reale e recaséns) inilimináveis do direito: é o que denomino ‘tridimensionalidade específcia”, sendo que a de Sauer apresenta mias caráter estático ou descritivo; a segunda se reveste de acentuado cunho sociológico, enquanto a minha teoria procura correlacionar dialeticamente os três elementos em uma unidade integrante, e Recaséns Siches a insere no contexto de sua concepção de logos del razonable”. Para aprofundar-se nessa concepção, cf. Teoria Tridimensional do Direito. – São Paulo: Saraiva, 1994.Segundo a noção de “delito natural” de Garófalo cuja concepção, “em vão, tenta atribuir uma base ontológica segura ao conceito de delito, neutra, livre de valorações e com sustento empírico (conceito “material”)” (Molina; Gomes, 2008, p. 68).

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3.1. A complexidade ontológica do crime

Na linha da teoria tridimensional de Miguel Reale, podemos susten-tar que o crime não é apenas o fato (segundo a idéia de um “crime natural”)19, nem apenas o tipo penal hipoteticamente previsto em lei (crime formal) in-dependente do bem jurídico tutelado e ofendido por uma lesão de fato (crime material). O crime é o conjugado de fato, norma e valor – daí a complexida-de ontológica do objeto (segundo Jorge Frias Caballero, um “objeto cultu-ral egológico”). Com base nessa concepção é que vamos expor o conceito de crime que, sob uma perspectiva jurídico-científica, entendemos necessário à investigação criminal.

i) O fato do crime – “corpus delicti”

A compreensão fática do crime nos exige resgatar o conceito de “cor-pus delicti”20, de acordo com o atual estágio da teoria dos tipos penais em conexão com sua aplicação no processo penal.

Raúl Plascencia Villanueva sustenta que, na doutrina em geral, é possível identificar três sentidos de corpo-delito – como o fato objetivo, tan-to o permanente como o transitório, inserto em cada crime, ou seja, a ação punível descrita em toda e qualquer infração penal; como o efeito material que os delitos permanentes deixam depois de perpetrados; ou, ainda, como qualquer rastro ou vestígio de natureza real, que se conserva como registro da ação material perpetrada. Em síntese, trata-se de identificar o corpo de delito com alguma materialidade em geral (cf. 2004, p. 86 e ss.), distinguindo-se entre delicta facti permanentis e delicta facti transeuntis, segundo deixem ou não vestígios e rastros.

19 Segundo a noção de “delito natural” de Garófalo cuja concepção, “em vão, tenta atribuir uma base ontológica segura ao conceito de delito, neutra, livre de valorações e com sustento empírico (conceito “material”)” (Molina; Gomes, 2008, p. 68).

20 “El cuerpo del delito (corpus delicti) consiste en un añejo concepto, que ubica la doctrina en su raiz em las leyes egrmánicas de la Edad Media, las cuales contemplaban hellas del examen del cuerpo de la víctima. Em Inglaterra se legislo de manera especial. Más tarde, las legislaciones de todos los países aceptaron la necesidad de la comprobación del cuerpo del delito, lo cual povocó que dicho concepto sufriera variaciones sujetas a diveras influencias, algunas derivadas del paso del tiempo y otras propiciadas por la cultura inmersa em el país en cual se adoptó. En el siglo XX el concepto de cuerpo del delito, se tradujo em uma expresión de uso común por los prácticos europeos e incluso por las legislaciones americanas, a tal nível que represento, em su momento, um papel verdaderamente transcendente por su importância em el Estado de derecho, especialmente derivado del principio de legalidad, el cual ahora asume el tipo penal.” (Villanueva, 2004, p. 85).

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Partindo-se dessa concepção, convencionou-se enquadrar os ele-mentos do corpo de delito em três grupos: a) corpus criminis – a pessoa ou coisa sobre a qual se realizou o ato proibido pela lei, como objeto da conduta (sujeito passivo, ou objeto material); b) corpus instrumentorum – os instru-mentos utilizados, as coisas com as quais e cometeu ou tentou cometer o fato delituoso (meios de ação); c) corpus probationem – as chamadas peças de con-vicção, nas quais se encontram vestígios, rastros e sinais deixados pelo sujeito ativo do crime (cf. Villanueva, 2004, p. 88).

A respeito dessa concepção, contudo, Raúl Plascencia Villanueva (2004, p. 89 e ss), chama-nos atenção para o fato de que ela excluí todo e qualquer elemento subjetivo, porque em consonância com uma teoria causal do crime, em que se distinguia em absoluto a face objetiva da subjetiva, esta contida apenas na culpabilidade, bem como da idéia de elemento normativo do tipo. Daí porque a noção de corpo de delito se foi deixando esquecer – embora tão importante para o processo penal – para ceder à noção legal de tipo penal, com ênfase no direito penal. No entanto, sustenta o autor que o corpo de delito constitui ainda um elemento do tipo penal, com respeito ao caráter objetivo deste, apesar dos elementos também subjetivos, normativos e descritivos. Em síntese, o tipo penal seria um continente, em que contido o corpo de delito (cf. 2004, p. 89). Sob essa perspectiva, o corpo de delito con-siste na primeira dimensão necessária, mas não suficiente, da investigação cri-minal, a partir da qual é possível considerar o crime sob os demais aspectos.

Noutro sentido, contudo, encontram-se doutrinas que sustentam que o corpo de delito seja todo e qualquer elemento relativo ao fato do crime, mas não necessária e exclusivamente material, que componha toda a descri-ção típica – seja com elementos objetivos, subjetivos ou normativos21. Não nos parece, contudo, seja essa uma compreensão adequada à investigação cri-minal – não obstante termos de trabalhar com a noção de tipo penal com elementos objetivos, subjetivos e normativos. A questão que se coloca frente a essa noção de corpo de delito – a envolver elementos objetivos, subjeti-vos e normativos – concerne à dificuldade de constatação e demonstração de elementos que não sejam materiais, mas isso é um problema de prova, para o qual precisamos de uma adequada teoria das provas criminais orientada à

21 Nesse sentido, cf. Sergio García Ramírez (apud Urosa Ramírez, 2003, p. 306): “la tendencia moderna de la doctrina mexicana se proncuncia, de plano, en el sentido de referir el cuerpo del delito a los elementos plenários del tipo. Distinguiendo entre los de caráter objetivo, los subjetivos y los normativos, se afima que el cuerpo del delito existe cuando se hallan debidametne integrados tales elementos, en los términos del tipo correspondiente”.

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prática da investigação criminal, em consonância com a teoria dos tipos pe-nais crime que lhe sirva de base, sem desconsiderar qualquer elemento.

No entanto, preferimos considerar o corpo de delito, não como o espe-lho fático completo do tipo penal, sim como fato do crime, ou em termos mais preciso, a evidência fática da prática do crime, tudo que, uma vez externalizado, estando em forma de vestígio ou registro, possa contribuir para a compreensão fática do crime, ainda que não se identifique com todos os elementos objetivos do crime, ou que, mesmo se identificado, haja necessidade de investigar os de-mais elementos – subjetivos e normativos – sem referência ao corpo de delito. Não obstante, é esse corpo de delito que lhe serve de suporte fundamental, pois os elementos subjetivos e normativos não podem ser hauridos do nada, ou em conflito com as conclusões acerca dos elementos objetivos.

O certo, portanto, é que a instância fática, embora possamos recor-rer à noção de corpo de delito, não pode esgotar a compreensão do crime. Embora seja o ponto de partida, não se pode extrair exclusivamente dos fatos a compreensão do crime, embora deles seja necessário partir. É que, sendo o fato um dado do passado (como em geral sói ocorrer na grande maioria das investigações), somente os vestígios deixados pela ação (o que deixou marca – v.g. a lesão de uma ofensa física), ou os registros da ação (ainda que não tenha deixado marca – v.g. a gravação de voz de uma ofensa moral, ou apenas o testemunho de um terceiro que precensiou a ação), é que nos dão notícia de que um crime foi cometido. Assim, parece-nos que o conceito de corpo de delito, indispensável à compreensão fática do crime, não pode, contudo, ser confundido, ou espelhado na noção de tipo, em sua integralidade, de-vendo circunscrever-se aos elementos materiais que, após a prática do crime, a este remetem, sejam para compor o tipo legal, seja para apenas sustentar as circunstâncias em que ele foi cometido, embora estejam fora do tipo. Em síntese, corpo de delito são elementos que representam a externalização da conduta, composta tanto de elementos objetivos que compõem o tipo legal, como de outros que apenas circunscrevem a conduta típica. Os demais ele-mentos do crime, portanto, resolvem-se, não na dimensão fática do crime, mas nas demais dimensões, normativa e valorativa.

Em todo caso, entenda-se em espalhamento absoluto ou parcial com o tipo penal, a compreensão fática do crime nos exige ter em mente que é pressuposto de uma investigação criminal a notícia de um fato (notitia criminis) que possa a ser constatado pelo seu corpo de delito, antes de ser enquadrado

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tipicamente como crime em sentido formal22, pois será ele a base fática de que decorre a possibilidade de concluir acerca de demais elementos do crime.

ii) O tipo de crime – princípio da legalidade

A compreensão normativa do crime nos exige uma noção adequada de tipo penal, a partir do entendimento do princípio da legalidade, como pressuposto essencial da investigação criminal, pois “só é possível verificar empiricamente que se cometeu um delito se, antes, uma convenção legal es-tabelecer com exatidão que fatos empíricos devem ser considerados como delitos” (Ferrajoli, 2002, p. 38). Essa delimitação do âmbito da investigação decorre de uma concepção convencionalista do sistema penal, que se encon-tra em nosso sistema jurídico-penal brasileiro, e se expressa pelo princípio fundamental da legalidade, segundo o qual não há crime nem pena sem lei23, previsto na Constituição Federal, como direito fundamental (art. 5º. XX-XIX), e no Código Penal (art. 1º), como base da fonte exclusiva da norma penal incriminadora, e reflete um ideal político e de justiça, defendido pela doutrinas do Liberalismo e do Estado de Direito, fontes do Constituciona-lismo moderno.

A lei incriminadora, que tipifica a conduta reprovável, para realizar de-vidamente o princípio da legalidade, deve ainda atender a certas exigências que são identificadas na doutrina pelos princípios nullum crimen, nulla poena sine lege scripta; nullum crimen, nulla poena sine lex certa; nullum crimen, nulla po-ena sine lex praevia; nullum crimen, nulla poena sine lege stricta, que podem ser identificados, concisa e respectivamente, como princípio da reserva da lei, ou de reserva legal (ou do monopólio exclusivo do Poder Legislativo em matéria penal); princípio da taxatividade (ou da tipicidade, segundo alguns, relativa à técnica legislativa de tipificação de condutas); princípio da irretroatividade da lei penal (salvo em caso de lei mais benéfica ao réu); e princípio da proibição de

22 Essa primeira exigência poderia ser suficiente para eliminar miríades de investigações criminais fundadas em conjecturas inaptas à constatação ou demonstração, e portanto para sustentar qualquer processo penal, ou sobretudo para admitir ao investigado opor-se concretamente a alguma imputação, em geral tão difusa que impede qualquer defesa efetiva. Daí porque as notícias de crime devem conter requisitos mínimos que justifiquem a investigação criminal, ainda que oriundas de órgãos que em geral detêm poder de requisição.

23 “Enunciado por Anselm von Feuerbacho atavés de la conocida fórmula latina (nulla poena sine lege, nulla poena sine crimine, nullum crimen sine poena legale) aunque no fue creado por El, su moderno origem arranca de la filosofía iluminista del siglo XVIII” (Caballero, 1993, p. 33).

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analogia (relativa à limitação da fonte do direito penal)24.

No âmbito do direito penal, o princípio da legalidade nos remete ao conceito de tipo penal, cuja raiz histórica se encontra no conceito de corpo de delito, vertido para a língua alemã com a denominação de Tatbestand (no século XIX), cujo significado era o fato do delito, seu conteúdo real e obje-tivo, em oposição ao seu conceito abstrato (Degriff), somente alcançando a independência (fase defensiva) pela doutrina do tipo penal de Ernest Beling em 1906 (nesse sentido, cf. Marquez Piñero, 2005, p. 132)25. Em síntese, o conceito de tipo penal evolui na medida em que o direito vai se aprofun-dando teoricamente, a partir da conquistas políticas em torno da liberdade do homem26. Assim, admite-se que no direito penal moderno, o tipo penal constitui a base de todo ordenamento jurídico-penal com função de seguran-ça (nesse sentido, cf. Marquez Piñero, 2005, p. 129 e 133)27.

Rafael Marquez Piñero (2005, p. 130), com base em definição do tipo penal de Olga Islas28, articula um conceito com a seguinte explanação:

a) El tipo es una mera descripción general y abstrata;

b) Su elaboración corresponde exclusivamente al legislador;

c) El tipo regula, tan solo, eventos que tienen la propriedad de ser anti-sociales;

d) El tipo determina que um evento antisocial adquiera relevância penal;

e) Para cada clase de eventos antisociales hay um, y solo um, tipo penal;

f ) Cada tipo penal señala uma, y sólo uma, clase de eventos antisociales;

24 Para aprofundar e melhor entender cada um desses princípios, cf. Caballero, 1993, p. 31 e ss.

25 Para conhecimento da doutrina de Beling, cf. tradução espanhola da obra original, disponível em http://www.bibliojuridica.org/libros/4/1553/3.pdf.

26 Para uma visão completa da evolução do conceito de tipo, cf. Márquez Piñero, 2005, p. 133 e ss, cujo autor assim divide: “1. Fase de la independência; 2. De carácter indiciário; 3. Fase de la ratio essendi de la antijuridicidad; 4. Fase defensiva. La figura rectora de Beling; 5. Fase destructiva; 6. Fase finalista.”

27 Sobre essa função de segurança, o autor se refere às palavras de Mariano Jiménez Huerta, para quem “las figuras típicas geometrizan lo antijurídico, corrigen la intuición, frenan la emoción y proporcionan al derecho penal uma mística noble y uma reciedumbre segura y grandiosa, que corta de raiz los arrebatos de la ira, los despotimos, las arbitrariedades y todos los excesos emotivos ínsitos em la endeble conición humana” (2005, p. 129-130)

28 “El tipo constituye, funcionalmente, uma figura elaborada por el legislador, descriptiva de uma deetrminada clase de eventos antisociales, con un contenido suficiente y necesario para garantizar la protección de um o más bienes jurídicos”.

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g) La necessariedade y la suficiência especifican la lcase de eventos anti-sociales descrita;

h) El tipo delimita, com toda precisión, el âmbito de lo punnible, como consecuencia, permite conocer, com certeza, lo que no es punible;

i) El tipo tiena como funión la protección de bienes jurídicos;

j) Sin la existência previa de um tipo, no hay delito.

O tipo penal, nesses termos, tem para a investigação criminal, em um sentido científico, a relevância de uma hipótese legal previamente deli-mitada, a respeito da qual deve concluir positiva ou negativamente, não se admitindo a inovação hipotética para sustentar uma tese fora dos parâme-tros legais. Sob essa perspectiva, devemos entender que a estrutura dos tipos penais pode influenciar no caráter mais ou menos científico da investigação criminal, pois, quanto mais se faça referência a elementos não objetivamente observáveis, tende a diminuir o espaço de certeza objetiva acerca dos elemen-tos do tipo penal, remetendo a outras formas de constatação e demonstração dos elementos, pois não pode ser exigível demonstrar os elementos subjetivos e normativos igualmente como se demonstram os elementos objetivos.

Disso decorre o necessário caráter fático (ou empírico) das hipóteses le-gais, sem os quais se tornaria impossível proceder com precisão à investigação de certos crimes. O tipo penal deveria, nesse sentido, ser tanto mais objetivo quanto possível. Trata-se de uma questão de qualidade dos tipos penais, sem o que inevitavelmente o princípio da legalidade tende a cair na mera formalida-de e ineficácia, remetendo sempre a juízo de valores sobre pessoas, e não juízo de verificação sobre fatos; ou seja, “a lei não pode qualificar como penalmen-te relevante qualquer hipótese indeterminada de desvio, mas somente com-portamentos empíricos determinados, identificados exatamente como tais e, por sua vez, aditados à culpabilidade de um sujeito” (Ferrajoli, 2002, p. 31).

Não obstante, há tipos penais, cada vez mais no direito penal con-temporâneo, instituídos com base em elementos não-objetivos, alguns até em função de garantia da liberdade do homem29, mas outros por conseqü-ência da pouca técnica legislativa no mister da tipificação penal, ou do afã político de responder com a tutela penal a todo e qualquer problema social30.

29 Nesse sentido, pode-se entender o dolo, como elemento subjetivo implícito em todo crime, que exclui da tutela penal as condutas com base em responsabilidade objetiva.

30 Em contradição com um direito penal mínimo, a política criminal atual ignora o caráter fragmentário

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Daí a relevância de recorrer à noção de pressupostos materiais mínimos do cri-me31, indiscutivelmente importantes para uma adequada investigação crimi-nal, orientada pelo substrato dos tipos penais. Tais pressupostos podem ser identificados nos princípios nullum crimen, nulla poena sine conducta (a) e nullum crimen, nulla poena sine injuria (b)32. Pelo primeiro, exige-se a exis-tência de um fato material, uma conduta exteriorizada; pelo segundo, um resultado que implique uma lesão juridicamente relevante, respectivamente identificados como princípio da materialidade da ação e princípio da lesivi-dade do resultado, que são princípios de ordem garantista substancial33. Em síntese, o tipo penal – seja qual for sua estrutura jurídica – deve ter em seu de-senho legal a previsão de uma conduta material e uma lesão como resultado.

Quanto ao princípio da materialidade da ação, deve-se entender que: “Nenhum dano, por mais grave que seja, pode-se estimar penalmente rele-vante, senão como efeito de uma ação. Em conseqüência, os delitos, como pressupostos da pena, não podem consistir em atitudes ou estados de ânimo interiores, nem sequer, genericamente, em fatos, senão que devem se con-cretizar em ações humanas, materiais, física ou externas, quer dizer, empi-ricamente observáveis – passiveis de serem descritas, enquanto tais, pela lei pena.” (Ferrajoli, 2002, p. 384). Por sua vez, o princípio da lesividade “impõe à ciência e à prática jurídica precisamente o ônus da demonstração. A necessá-ria lesividade do resultado, qualquer que seja a concepção que dela tenhamos, condiciona toda justificação utilitarista do direito penal como instrumento de tutela e constitui seu principal limite axiológico externo” (Ferrajoli, 2002, p.373). Mas aqui também há um problema, vez que há crimes omissivos (sem ação) e formais ou de mera conduta (sem resultado). Esse é uma questão, contudo, que concerne à teoria dos tipos penais – a exigir uma adequada compreensão dos tipos legais orientada às dificuldades práticas da investiga-ção criminal –, bem como a integração da dimensão valorativa do crime, para uma compreensão completa do fenômeno.

e subsidiário do direito penal, tornando-o tanto mais simbólico do que efetivo, na medida em que a inflação legislativa alcança normativamente todos e qualquer problema, mas sem eficácia social.

31 Sobre o tema, cf. BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. RT, 2002. Trata-se de elementos sustentado em estudos de política criminal que têm sustentado a existência de elementos substanciais essenciais para orientar a política legislativa de tipificação dos crimes.

32 A esses princípios a doutrina acresce o nullum crimen, nulla poena sine culpa, ou princípio da culpabilidade, que, segundo entendemos, consiste em matéria reservada à apreciação do Judiciário, como pressuposto de aplicação da pena – questão fora do âmbito de atuação da investigação criminal, destinada a subsidiar uma denúncia e legitimar a instauração do processo penal.

33 Cf., nesse sentido, Ferrajoli, 2002, p. 387 e ss.

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iii) O valor do tipo – o bem jurídico

Toda norma jurídica assimila um valor ético que a política legislativa identificou no âmbito das relações sociais, conferindo-lhe uma tutela jurídica pelo Estado. Sob uma perspectiva moderna dos direitos humanos e fundamen-tais, há sempre um direito implícito na tutela da norma, que se qualifica com um bem tutelado juridicamente. Mais especificamente, devemos entender que o Estado, ao tipificar uma conduta como crime, por um lado limita o âmbito de liberdade de um, por outro aumenta o âmbito de proteção de outro.

É com esse sentido que podemos compreender a tutela penal na di-mensão dos direitos humanos fundamentais, como o que entendemos por-que, no caso da Constituição Federal, há previsão de tipificação de certos cri-mes considerados mais graves (v.g. art. 5º, inc. XLI), em atenção aos direitos das vítimas, entre os demais direitos fundamentais de interesse do criminoso (v.g. art. 5º, XLIX). Trata-se, em última análise, de atender a um princípio que já constava na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, art. XXIV, item 2 (com grifos nossos): “No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclu-sivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.”

A compreensão valorativa do crime, assim, passa necessariamente pela compreensão do bem jurídico tutelado juridicamente pelo direito pe-nal34. Santiago Mir Puig (2007, p. 139) distingue dois conceitos de bem jurí-dico: “(a) no ‘sentido político-criminal’ (de lege ferenda) daquilo que merece ser protegido pelo Direito penal (em contraposição, sobretudo, aos valores apenas morais); (b) no ‘sentido dogmático (de lege lata) de objetivo efetiva-mente protegido pela norma penal vulnerada”, a exemplo da vida, proprieda-de, liberdade, honra. A partir desse conceito, o autor explicita as funções do bem jurídico (além da função de limite do legislador), sustentado existir uma a) função sistemática (na classificação dos diversos crimes previsto no Código Penal); b) função de guia de interpretação (já que exclui do tipo condutas que não o lesionam nem o ponham em perigo); e c) função de critério de medida da pena (conforme a maior ou menor gravidade da lesão).

34 A respeito da questão, cf. “Bem jurídico-penal e Constituição”, de Luiz Regis Prado, Ed. RT.

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Luiz Flávio Gomes, por sua vez, adverte-nos para que não se confun-da o bem jurídico-penal com o objeto material do delito, ou objeto da ação, que é uma coisa física. “O bem jurídico é um conceito jurídico (é resultado de uma valoração); o objeto material é um conceito naturalístico” (2007, p. 384). Ainda, segundo o autor que: “O substrato empírico do bem jurídico é, em outras palavras, uma relação social positivamente aceita que se vincula a uma coisa (material ou imaterial); tem como objeto um bem ou interesse existencial (pessoal), mas essa coisa (a vida, a honra, etc.), para se transfor-mar em um bem jurídico, precisa ser objeto de um interesse humano e ainda depende de uma significação social, é dizer, de uma valoração (positiva do legislador” (2007, p. 383).

A noção de bem jurídico, em sentido geral relevante a todo orde-namento jurídico, no âmbito penal, contudo, somente se completa com a compreensão da fragmentariedade e subsidiariedade, como característica do direito penal. “A fragmentariedade pretende que o Direito penal somente te-nha intervenção diante dos ataques especialmente graves a bens jurídicos que ostentam grande relevância social. (...) A subsidiariedade do Direito penal, por seu turno, significa sua posição de ultima ratio frente aos demais sistemas de controle social formal ou informal.” Tais características que, em geral, são indicadas como orientações para a política criminal legislativa, podem ter na investigação criminal uma função ímpar em relação a tipos penais que não são claros quanto aos limites do penalmente relevante.

Com efeito, em relação a certos tipos penais, para uma adequada compreensão da tutela penal, somente recorrendo à compreensão integral da tutela jurídica, para além das normas penais, podemos delimitar o âmbito do penalmente relevante, não confundido qualquer lesão ao bem como ob-jeto da norma penal35. Trata-se, em síntese, de entender o bem jurídico como instituição do Direito, segundo uma delimitação conceitual legal36. Como

35 Nesse sentido, por exemplo, conferir alguns crimes ambientais, cuja tutela penal não pode ser compreendida sem o conhecimento das demais normas que autorizam certas lesões controladas por órgãos de fiscalização, dentro de limites regulados por outros ramos do direito, sendo às vezes necessário entender o funcionamento administrativo do IBAMA.

36 “As instituições jurídicas são ‘conjuntos de regras de direito organizadas em torno de uma idéia central, que forma um todo sistematicamente ordenado e permanente’. Designam-se assim pessoas e coisas tão diversas quanto o Estado, as associações, as sociedades, os sindicatos, a família, o casamento, a propriedade, os procedimento técnicos, tais como a representação, a instância, as vias de recurso etc.” (Bergel, 2001, p. 229). Em outros termos, é “um conjunto de regras de direito que abarca uma série de relações sociais tendentes aos mesmos fins” (p. 233). Referindo-se à utilidade do conceito de instituição jurídica, o autor explica-nos que: “Ela possibilita reunir em torno de um interesse

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instituição jurídica, o bem jurídico não se limita apenas ao direito penal – sua lesão não se limita ao penalmente relevante. Há outras normas, variadas e dispersas, que em seu conjunto, permite entender o que é permitido, proibido ou obrigatório. Assim, “o conceito de instituição jurídica permite absorver num mesmo complexo jurídico as múltiplas facetas de um fenômeno social, portanto conhecê-lo bem” (Bergel, 2001, p. 232), o que – embora aparente-mente supérfluo para a investigação de crimes corriqueiros (como homicídio e furto, em referência a bens jurídicos assimilados pela sociedade, como a vida e o patrimônio) –, mostra-se essencial para compreender crimes mais complexos (como os relativos a bens supra-individuais, como crimes contra a ordem econômica, a previdência social, o meio ambiente etc)37. Nesse sen-tido, a compreensão valorativa do bem jurídico, como dimensão do crime, em conexão com o entendimento da instituição jurídica em que se insere, é essencial a uma investigação criminal.

3.2. Enfoques investigativos do crime.

O crime – como objeto de investigação em geral – pode ser pesqui-sado por diversas e variadas ciências, sendo comum dar-se a esse conjunto de conhecimento o nome de Ciências Criminais, cuja tríade fundamental é sustentada pela criminologia, política criminal e direito penal (ou dogmática jurídico-penal)38. Segundo Jorge de Figueiredo Dias: “Desde há muito e por toda a parte se reconhece que o ‘crime’ constitui um fenómeno de patologia social diversificado, que releva não apenas de condicionalismos exógenos (ex-ternos, sociais), mas também de substratos endógenos (internos, individuais) componentes da mais complexa de todas as realidades: a realidade humana; que revela do Homem total e da sua condição. Isso faz compreender que, ao longo do séc. XIX, quando se estabeleceu (julgava-se que definitivamente) o estatuto do pensamento científico moderno, o crime se tenha tornado em

comum e de uma mesma inspiração regras dispersas sob rubricas diferentes nos textos ou nos códigos, mas que são complementares pela finalidade e pelo espírito que as animam. (...) Apenas o conceito de instituição jurídica permite absorver num mesmo complexo jurídico as múltiplas facetas de um fenômeno social, portanto conhecê-lo bem” (p. 232).

37 Em tais casos, é possível que se exija conhecer as normas administrativas, ou mesmo o funcionamento de entidades que se destinam a gerenciar a proteção e fiscalização do bem jurídico. Assim, por exemplo, dificilmente será possível investigar um crime previdenciário sem conhecer a instituição previdência social e a estrutura de funcionamento do INSS.

38 Nesse sentido, cf. Molina, 2007, p. 162: “...é hoje opinião dominante a de que a Criminologia, a Política Criminal e o Direito Penal são os três pilares do sistema das ciências criminais, inseparáveis e interdependentes”.

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objecto de uma multiplicidade de ciências. (...) A esse conjunto vastíssimo de disciplinas científicas que têm o crime por objecto chamou Von Liszt a “enciclopédia das ciências criminais” (Dias, 2007, p. 18-19).

i) Direito penal, Criminologia e Política criminal

O Direito penal consiste em um dos meios de controle social for-mal39 que costuma ser definido, sob seu aspecto objetivo, como o conjunto de “normas jurídicas que associam ao delito, como pressuposto, penas e/ou medidas de segurança, como conseqüência jurídica” (Mir Puig, 2007, p. 38), sendo a dogmática jurídico-penal a ciência normativa que tem esse direito por objeto (ciência do direito penal)40. Nesse âmbito, o crime tende a ser investi-gado a partir da norma, da tipificação legal estabelecida pelo legislador acerca de determinadas condutas observadas na sociedade.

A Criminologia, por sua vez, qualifica-se como ciência focada na dimensão fática do crime41. Alfonso Serrano Maíllo (2007, p. 21) a define como “a ciência que se ocupa do delito e do deliquente como fenômeno indi-vidual e social”. Sua atividade principal, segundo o autor, é o estudo das cau-sas do delito (perspectiva etiológica), mas também se interessa pelas formas de responder ao fenômeno delitivo, por prevenção ou controle, bem como pelos quantos crimes são cometidos e em que situação, além dos motivos e meios que conduzem à elaboração das leis.

Na sua relação com o Direito penal, Antonio Garcia-Pablos de Mo-lina sustenta que a Criminologia não opera com o conceito jurídico-penal de crime, em razão das distintas funções com relação ao crime que corresponde a cada uma (cf. 2008, p. 67). Segundo o autor, “o jurista cuida do fato delitivo

39 Nesse sentido, cf. Gomes, 2007, p. 24: “...pode-se definir o Direito penal, do ponto de vista dinâmico e social, com um dos instrumentos do controle social formal por meio do qual o Estado, mediante um determinado sistema normativo (leias, mediante normas penais), castiga com sanções de particular a gravidade (penas e outras conseqüências afins) as condutas desviadas (crimes e contravenções) mais nocivas para a convivência, visando a assegurar, dessa maneira, a necessária disciplina social bem como a convivência harmônica dos membros do grupo”

40 Para uma distinção adequada entre direito penal e ciência do direito penal, Cf. “Conceito e Método da Ciência do Direito Penal”, de Enrique Gimbernat Ordeig, Ed. RT.

41 Segundo Antonio Garcia-Pablos de Molina (2008, p. 32), “cabe definir a Criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplando este como problema individual e como problema social –, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem deliquente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito”.

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como abstração, não de forma direta ou imediata, senão por meio da figura típica prevista na nroma, isto é, valorativamente, normativamente. As defini-ções ‘foramis’ de delito delimitam a intervenção punitiva do Estado, por im-perativo inescusável do princípio da legalidade. O ‘realismo’ criminológico, pelo contrário, libera as disciplinas empíricas destas exigências garantidoras (‘garantistas’) típicas do Direito, reclamando do investigador uma análise to-talizadora do delito, sem mediações formais ou valorativas que relativizem ou obstaculizem seu diagnóstico.” (2008, p. 68)42.

A Política criminal, por fim, “compreende o conjunto dos procedimen-tos pelos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal, aparecen-do, portanto, como ‘teoria e prática das diferentes formas de controle social” (Delmas-Marty, 2004, p. 3-4)43. Como ciência valorativa, na medida em que capta as necessidades sociais sob uma perspectiva decisória, a Política criminal tende a ser uma ponte entre o Direito penal e a Criminologia, colhendo dessa o conhecimento empírico necessário, valorando-o segundo as necessidades so-ciais, e decidindo por normatizar ou as condutas indesejáveis, ou tomar outras decisões, o que nos permite uma compreensão integral do fenômeno delitivo.

Antonio Garcia-Pablos de Molina, nesse mesmo sentido, relacionando essas três ciências, explica-nos que “a Criminologia deve se incumbir de forne-cer o substrato empírico do sistema, seu fundamento científico. A Política Cri-minal deve se incumbir de transformar a experiência criminológica em opções e estratégias concretas assumíveis pelo legislador e pelos poderes públicos. O Direito Penal deve se encarregar de converter em proposições jurídicas, gerais e obrigatórias, o saber criminológico esgrimado pela Política Criminal, com estrito respeito às garantias individuais e aos princípios jurídicos de segurança e igualdade típicos do Estado de Direito” (2008, p. 162). Trata-se em síntese do que Jorge de Figueiredo Dias chama de ciência conjunta do direito penal44.

42 Com isso podemos antever que a investigação criminal participa das duas formas de investigação, criminológica e normativa, sem limitar-se a uma em específico nem descartar o conhecimento de nenhuma delas.

43 “Geralmente atribuída ao professor alemão Feuerbach (1803), a expressão ‘política criminal’ foi durante muito tempo sinônimo de teoria e prática do sistema penal, designando, segundo este auto, ‘o conjunto dos procedimentos repressivos pelos quais o Estado reage contra o crime’. Este ainda é o sentido que lhe dão diversos autores contemporâneos. No entanto, constata-se hoje que a política criminal destacou-se tanto do direito penal quanto da criminologia e da sociologia criminal e adquiriu uma significação autônoma. E ao fundar, em 1975, os Archives de politique criminelle, Marc Ancel imediatamente assinala a necessidade de não reduzi-la ao direito penal e propõe que se veja nela ‘a reação, organizada e deliberada, da coletividade contra as atividades delituosas, desviantes ou anti-sociais’, destacando seu duplo caráter de ‘ciência de observação’ e de ‘arte’, ou de ‘estratégia metódica da reação anticriminal” (Delmas-Marty, 2004, p. 3-4)

44 “Foi mérito de Von Liszt ter criado, na base das especiais relações intercentens entre estes vários

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ii) Investigação criminológica e criminalística

Dentre as ciências criminais, a criminologia, em virtude de sua ênfase na dimensão fática do crime, tende a aproximar-se da criminalística, embora com esta não se confunda, sobretudo em função de suas finalidades próprias e distintas. A criminalística – entendida aqui em seu sentido amplo e originá-rio – como investigação criminal45, corresponde à disciplina fundada por Hans Gross, que a definiu como “o conjunto de teoria que se referem ao esclareci-mento dos casos criminais”, expondo-a como ciência de investigação do crime, posteriormente desenvolvida e ampliada por Edmund Locard, em seu Tratado de Criminalística (nesse sentido, cf. Barberá y Turégano, 1998, p. 24)46.

A investigação criminológica tem metodologia própria das ciências naturais e sociais, em geral com base em método empírico47, mas não necessa-riamente experimental, como nos adverte Antonio Garcia-Pablos de Molina (2008, p. 35). Nesse sentido, adverte o autor que “a observações parece neces-sária, pois o objeto da investigação – ou os fins desta – pode tornar inviável ou ilícita a experimentação e, não obstante, o criminólogo seguirá em condi-

pensamentos do crime (...) o modelo tripartido do que chamou a ciência conjunta (total ou global) do direito penal... Uma ciência conjunta, esta, que compreenderia como ciências autónomas: a ciência estrita do direito penal (ou dogmática jurídico-penal), concebida, ao sabor do tempo, como o conjunto de princípios que subjazem ao ordenamento jurídico-penal e devem ser explicitados dogmática e sistematicamente; a criminologia, como ciências das causas do crime e da criminalidade; e a política criminal, como ‘conjunto sistemático dos princípios fundados na investigação científica das causas do crime e dos efeitos da pena, segundo os quais o estado deve levar a cabo a luta contra o crime por meio da pena e das instituição com esta relacionadas” (2007, p. 20).

45 Nesse sentido, cf. Barberá y Turégano, 1998, p. 23 e ss.: “Criminalítica significa em sentido amplio ‘investigación criminal. (...) el francés CECCLADI (Director del laboratório de la Polícia judicial francesa), llama criminalística al conjunto de procedimentos aplicables a la investigacións y al estudio del crimen para llegar a la prueba. La criminalística es el arte y la técnica de la investigación criminal ( Jean NEPOTE). Esse é o sentido original da palavra, que aqui retomamos, em divergência com o uso vulgar que se estabeleceu no Brasil, limitando-o à investigação pericial.

46 Trata-se de um ramo que se situa no âmbito da ciência policial. “La Ciencia policial es uma Ciencia cnocreta, incluso separada de la medicina, la toxicologia y la psiquiatría legales, cuyo sujeto es muy distinto e el objeto es la criminalística. (...) STOCKIS creador, junto a LAVALEYE, em 1896, en Bélgica del servivio de reconocimiento e identificación, según el método y princípios del bertillonaje e introductor, em dicho país, de la dactiloscopia em 1904, afirma que ‘la Ciencia Policial’ es uma ciência Independiente, hija de la Antropologia y de la Medicina lega. Es uma Ciencia auxiliada por otras. De lo dicho se desprende que la Criminalística requiere el conocimiento y aplicación de métodos científicos a la investiación del delito y de esto trata precisamente, Polícia Científica” (Barberá y Turégano, 1998, p. 24).

47 “La metodologia utilizada em las inestigaciones criminológicas procede de las ciencais sociales y naturales, como, por ejemplo, la sociologia, la psicológica y la biologia. Todas ellas utilizan métodos empíricos de trabajo, es decir, se basan em la observación del mundo que nos rodea, y el estabelecimiento de hipótesis a partir de estas observaciones. Esta metodologia es conocida también como el método hipotético-inductivo” (Garrido, Stangeland, Redondo, 2006, p. 78).

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ções de constatar empiricamente a hipótese de trabalho com as garantias que exige o conhecimento científico mediante outras técnicas não experimentais, assegurando também, assim a confiabilidade do resultado”. Daí o recurso e a métodos e técnicas várias utilizadas pela Criminologia, como a exploração, entrevista, a observação, o questionário etc.48, muitas das quais possíveis de aplicação igualmente na investigação criminalística, pois esta parte inicial-mente de dados objetivos, embora não se limite à investigação fática. Em ver-dade, “la Criminología se enriquece con el acceso a los datos establecidos por la polícia, y la polícia necesita de teorías criminológicas para mejorar su fun-cionamento. Entre la criminalística y la Criminológica existe, entoces, uma simbiosis fructífera para ambas partes”. Com isso, não chegamos, contudo, ao ponto de confundir investigação criminológica e criminalistica, ou fazer dessa um simples ramos da criminologia49.

A investigação criminal, como ciência ou criminalística, “se basa em la aportación de datos – evidencias – tratando de alguna manera de ajustarlos metódicamente em sistemas, de manera que tengan sentido y Sean coherenes com la verdade histórica del delito investigado, mediante um proceso de acumu-lación de antecedentes y su ordenamiento simultâneos, no separadamente. Es la acumulación de datos ordenamente, um recurso para elucidar las incógnitas o para apoyar o rechazar una idea vinculada a um hecho delicitivo” (Barberá y Turégano, 1998, p. 25). Mas a investigação criminal não se limita aos elemen-tos materiais, nem se reduz a investigações periciais. Apesar de o conhecimen-to criminológico auxiliar na investigação criminal, não limita a investigação criminal a ela, ante sua necessária vinculação ao caráter normativo do crime, vinculado à hipótese típica legal Assim, a investigação criminal, em sentido científico, exige de todos quantos a conduzam uma atitude científica.

Manuel Monteiro Guedes Valente (2009, p. 307), a respeito da relação discutida, sustenta que “a investigação criminal e a investigação cri-minológica, mesmo que as queiramos aproximar e determinar como ciên-

48 Para conhecer tais técnicas, cf. Molina 2008, p. 37 e ss, bem como Garrido, Stangeland e Redondo, 2006, p. 82 e ss.

49 Há quem sustente, no entanto, que, pela proximidade, a criminalística seria um ramo, ou uma técnica dentro da Criminologia, desconsiderando a finalidade diversa de cada uma, bem como a necessária compreensão valorativa e normativa do crime. No sentido da vinculação, cf. Garrido, Stangeland e Redondo, 2006, p. 107: “Si llamamos a la criminalística uma ‘técnica’ dentro de la Criminología, y no ciência própria, no es por limitaciones em los métodos que utilizan, sino em su finalidad”; cf. Barberá y Turégano, 1998, p. 23, que define a criminalística como “la Criminología que se ocupa de los métodos y modos prácticos de dilucidar las cincrunstancias de la perpretacións de los delitos e individualizar a los culpables”

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cias exactas, não poderão ser consideradas como tal, apesar de terem como fundamento a procura da verdade dos factos que originam o cometimento de um crime, a sua análise, o estudo do deliquente, da vítima e do controle social.” E ao enfrentar a questão de saber se investigação criminal é o mesmo que investigação criminológica, entre outros pontos suscitados, vai concluir pela distinção em virtude das finalidades diversas. Assim segundo o autor, ao passo que “a investigação criminológica tem como finalidade transformar a criminologia em uma ciência credível no estudo do crime...”, a investigação criminal, por sua vez, “recorrendo a ciências auxiliares, entre as quais se inclui a criminologia, e utilizando quer métodos adequados, quer processos apro-priados de actuação técnicas especializada”, tem por finalidade “reconstituir factos já ocorridos (factos com relevância penal) e descobrir que os produziu – identificar e determinar o objeto do processo e os seus autores –, melhor, fundar os alicerces da realização do Direito Penal” (2009, p. 312)50.

Noutros termos, diríamos que a investigação criminal, conquanto se utilize do conhecimento das ciências criminais, com ênfase na criminologia, e demais ciências, não se limita a estas, e distingue-se pela finalidade própria destinada a sustentar um processo penal, legitimando a denúncia com uma justa causa, e justificando a submissão de um cidadão à condição de réu.

iii) A legitimação do processo pela investigação criminal

Sob essa perspectiva, podemos sustentar que a investigação criminal, com seu resultado provisório (instrução preliminar), contribui para justificar (legitimando) a instauração de um processo penal fundado em um mínimo de elementos probatórios acerca do crime51, evitando que o cidadão seja sub-

50 Acrescenta, ainda, o autor: “A investigação criminal tem como fim último a realização do direito nas prossecuções de defesa da sociedade, do coletivo, que tem o direito de viver em segurança e numa ordem social e internacional que lhe garanta a efectivação plena dos seus direitos e liberdade, ou seja, a realização dos fins e interesses de ordem jurídica, em particular do direito penal e das penas, subjugados a princípios consagrados constitucionalmente que só se alcançam quando se descobre que é que, como é que, quando é que, onde é que, e o porque é que se praticou aquele delito.”

51 Com isso não estamos a sustentar que o inquérito policial seja imprescindível à denúncia, mas que a investigação criminal, seja qual for a sua forma (o instrumentos jurídico-formal), ou mesmo o sujeito investigador, é essencial ao processo penal. Quanto à forma e ao sujeito, trata-se de uma decisão política fundamental, contida na Constituição e realizada nas disposições legais acerca da questão. Quanto ao sujeito, em específico, já há no Brasil intensa discussão em torno da investigação pelo Ministério Público, razão por que não pretendemos multiplicar tais discussões. Aqui, interessa-nos apenas discutir sobre a investigação criminal como conteúdo do instrumento jurídico-formal (seja qual for o sujeito e a forma), questão que, no Brasil, não tem tido tanta atenção pela doutrina.

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metido, diante de qualquer notícia de crime, de forma direta e imediata, a um processo penal52. Esta parece, aliás, ser a concepção que já constava na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, ao considerar a investi-gação criminal “uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata cisão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas” (grifo nosso).

E é para bem legitimar um processo que a investigação criminal re-quer uma teoria jurídico-científica, com cada vez mais certeza acerca do cri-me, de um ponto de vista científico, e mais segurança em relação ao autor, de um ponto de vista jurídico. Para tanto, somente colhendo das ciências criminais, e demais ciências, o conhecimento necessário a uma compreensão integral do crime, poderá desenvolver um método adequado de investigação, tendo em conta a complexidade ontológica do crime com suas diversas di-mensões – fática, normativa e valorativa.

Essa finalidade, contudo, pode ser considerada essencial, porque não vinculativa, na medida em que a investigação criminal pode resultar em justifi-car a não-instauração de um processo, deslegitimando-o, portanto, em razão de sua finalidade própria, que consiste na busca pela verdade – essa sim uma fina-lidade vinculativa. Assim podemos concluir que a investigação criminal possui dupla finalidade: a) externa, que consiste em justificar um processo penal; e b) interna, que consiste em perseguir a verdade acerca dos fatos.

4. Conclusão

Tendo em vista um conceito geral de investigação (segundo noção de J. Dewey, baseada na solução de problemas) e o caráter científico possível de toda investigação (sob a perspectiva pragmática proposta por Luiz Henrique Dutra), bem como todas as questões suscitadas e discutidas concisamente, em conclusão podemos definir que a investigação criminal, atividade pragmática e zetética53 por essência, é uma pesquisa, ou conjunto de pesquisas, administrada es-

52 A angústia de um processo sem conteúdo determinado é exposto por F. Kafka (O Processo), a demonstrar a relevância de se prevenir um tal modelo, porque ofensivo à dignidade da pessoa humana.

53 Nicola Abbagnano (2003, p. 1013) refere-se ao termo zetético, atribuindo-o à corrente céptica, pelo fato de procurar e investigar. Segundo o autor, “esse termo foi primeiramente aplicado por Trasilo para indicar um grupo de diálogos de Platão (...). Em seguida, foi assumido como denominação da atitude

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trategicamente que, tendo por base critérios de verdade e métodos limitados juridi-camente por direitos e garantias fundamentais, está dirigida a obter provas acerca da existência de um crime, tendo por fim justificar um processo penal, ou a sua não instauração, tudo instrumentalizado sob uma forma jurídica estabelecida por lei.

No entanto, insistimos na advertência já pontuada sobre a necessi-dade de criação de um contexto apropriado de investigação científica, cujos elementos somente podem ser alcançados por uma comunidade científica de investigadores criminais, que nos exige um plano institucional, mediante ações dirigidas a esse objetivo, entre as quais podemos sugerir:

(1) A atribuição de competência a um órgão responsável pela coor-denação de ações de pesquisa, mediante identificação dos tópicos relevantes ao aperfeiçoamento da investigação criminal, fomento de atividade de pesquisa e publicação54;

(2) A instituição de programas de pesquisa que fomentem não apenas o es-tudo teórico de conceitos científicos aplicados à investigação criminal, mas igualmente o estudo dirigido e comparado de investigações crimi-nais bem sucedidas que possam servir de modelo de investigação55;

(3) A publicação especializada de artigos e estudos decorrentes das pesquisas referidas56, bem como seminários induzidos sobre pon-tos relevantes identificados, para promover intercâmbio de conhe-cimento entre instituições congêneres57;

(4) Entre outras que concernem a uma comunidade científica em geral58.

céptica: ‘A corrente céptica é chamada de zetética por procurar e investigar; suspensiva pela disposição da alma que, depois da indagação, mantém em relação ao objeto indagado; e dubidativa por duvidar e indagar todas as coisas” (2003, p. 1013). Trata-se, em síntese, do que D. Hume considerou uma espécie de ceticismo antecedente, que teria sido recomendado por Descartes como eficaz proteção contra o erro e o juízo precipitado. Segundo ele, “este ceticismo, prescrevendo uma dúvida universal que abrange tanto o conjunto de nossas opiniões e princípios anteriores como também nossas próprias faculdades, de cuja veracidade — dizem eles — devemos assegurar-nos mediante uma cadeia de raciocínios deduzida de um princípio primitivo que não pode ser enganador ou duvidoso.” (2001, p. 178 e ss.).

54 Atualmente, na Polícia Federal, a Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública (CAESP), da Academia nacional de Polícia (e no futuro, a Escola Superior de Polícia), ocupa esse lugar.

55 A referida CAESP, nesse sentido, tem trabalhado no sentido de instituir um “Programa de Pesquisa Policial”, para estudos desvinculados da pós-graduação, como outro caminho para o desenvolvimento de estudos dirigidos a responder questões pontuais sobre problemas da polícia.

56 A exemplo da Revista Brasileira de Segurança Pública e Cidadania e agora, mais pontualmente, a Revista Brasileira de Ciências Policiais a que se destina esse trabalho.

57 Citem-se, como exemplos, o I Congresso Internacional de Ciência Policial (Bogotá, Colômbia), bem como o I Seminário Internacional de Ciências Policiais, a ser promovido pela Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública (entre 6 e 9 de julho de 2010).

58 Para uma visão completa sobre os elementos que compõem uma comunidade científica, cf. Kneller,

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Somente assim, efetivamente, poderemos falar, no futuro quiçá pró-ximo, em uma investigação criminal científica e uma ciência de investigação criminal, para além de uma mera teorização de sua possibilidade, como aqui suscitada e sustentada. Isso, no entanto, exige o necessário diálogo entre teo-ricistas e praxistas da investigação criminal, no âmbito acadêmico, para che-garmos tanto a uma teoria da investigação criminal, quanto a uma prática da investigação criminal dirigida a certos crimes em particular59.

Eliomar da Silva Pereira

Delegado de Polícia Federal, Especialista em Ciências Crimi-nais, Professor e Pesquisador da Academia Nacional de Poli-

cia, Coordenação de Altos Estudos de Segurança Pública.

E-mail: [email protected].

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1980 (Capítulo 8, A Comunidade Científica), em que o autor discute sobre as instituições (revistas especializadas, conferências etc); a manutenção dos padrões de pesquisa (educação, acesso a instalações de pesquisa etc); o mecanismo de recompensa e competição (p. 182 e ss).

59 Como já podemos observar no desenvolvimento de estudos isolados sobre investigação particulares de certos crimes, no âmbito da Polícia Federal, a exemplo dos crimes financeiros, cibernéticos, previdenciários, ambientais etc.

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Sobre a Revista

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Vol. 1 n. 1, Jan./Jun. de 2010.

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Projeto EditorialCoordenação de Altos Estudos de Segurança Pública

Edição de TextoGilson Matilde Diana

Projeto Gráfico, EditoraçãoEliomar da Silva Pereira

Gilson Matilde Diana

José Gleydiston de Aguiar Rocha

Impressão e EncadernaçãoEquipe SAVI/ SAE/ ANP

ACADEMIA NACIONAL DE POLÍCIACoordenação de Altos Estudos de Segurança Pública

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