revista educação em foco

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Indexada em:• BBE: Biblioteca Brasileira de Educação (Brasília, INP)• Latindex: Sistema Regional de Información em Línea para Revistas Científicas de America Latina, el Caribe, España Portugal.Qualis: B2 - Educação

Educação em Foco

Ano 12, n.13 – julho de 2009ISSN 1519-3322

Publicação do Centro de Comunicação da Faculdade de Educação - UEMGCampus Belo Horizonte

[email protected]

Conselho Científico

Almerindo Janela (Universidade do Porto – Portugal), Antônio Carrilo Avelar(Universidade do México), Eneida Maria Chaves (Universidade Federal de São Joãodel-Rey – UFSJ), Francisco Antônio Loyola (Montreal), José Augusto Cardoso Bernardes(Universidade de Coimbra), Adilson Xavier da Silva (UMA/BH), José Carlos Libâneo(Universidade Católica Goiás – UCG), Júlio César Furtado (Centro Universitário daAssociação Brasileira de Ensino Universitário – UNIABEU), Maria Aparecida da Silva(Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG), Maria daConsolação Rocha (Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG), Maria TeresaMachado Duran (Universidade de Camaguey – Cuba), Mauro Henrique NogueiraGuimarães de Abreu (Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), Max Haetinger(Inteligência Educacional e Sistema de Ensino – IESDE), Mirian Paúra Sabrosa ZippinGrispun (Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ), Patrícia Sadovsky (VillaDominico – Universidade de Buenos Aires - Argentina), Vera Lúcia Ferreira Alves deBrito (Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG)

Conselho Editorial

Ana Teresa Drumond Rodrigues (Centro Universitário Newton Paiva), Belkiss AlvesNogueira da Fonseca (Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG), MariaOdília de Simoni (Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG), Santuza Abras(Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG)

Educação em Foco – ano 12, n. 13 (julho/2009)Belo Horizonte: Faculdade de Educação/Campus BH/UEMG,1995

v. : il.; 21 x 15 cmSemestralISSN: 1519-3322

Educação – Brasil – periódicos 2 - Educação – América LatinaPeriódicos: I – Faculdade de Educação/CBH/UEMG

COD - 370

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ISSN 1519-3322

Belo Horizonte2009

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Universidade do Estado de Minas Gerais

ReitoraJanete Gomes Barreto Paiva

Vice-ReitorDijon de Moraes Junior

Chefe de GabineteIvan Arruda

Pró-Reitor de Planejamento, Gestão e FinançasMário Fernando Valeriano Soares

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-GraduaçãoMagda Lúcia Chamon

Pró-Reitora de Ensino de ExtensãoNeide Wood Almeida

EdUEMG – Editora da Universidade doEstado de Minas Gerais

Avenida Coronel José Máximo - 200 - Bairro São SebastiãoCEP: 36.202-284 - Barbacena - MG

Tel.: (32) 3362-7385 - Fax: (32) [email protected]

CapaCentro Design - ED/UEMG

RevisãoTomaz de Andrade Nogueira

Antônio Augusto de Jesus

Projeto gráfico e diagramaçãoMarco Aurélio Costa Santiago

Revisão final e normalizaçãoDaniele Alves Ribeiro

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Faculdade de Educação – Campus Belo Horizonte(FaE/CBH) – UEMG

Diretora do Campus Belo HorizonteSantuza Abras

Diretora da FaEDolores Maria Borges de Amorim

Vice-Diretora da FaELélia Lombardo

Revista Educação em Foco

Centro de Comunicação (Cenc) da FaECBH/UEMG

Rua Paraíba - 29 - sala 704Belo Horizonte - MG - Cep: 30.130-140

Tel.: (31) 3239-5912

Coordenador do CenC e editor responsávelTomaz de Andrade Nogueira

SecretáriosIolanda de Fátima Guilherme

Antônio Augusto de Jesus

Linha editorial

A revista Educação em Foco é editada semestralmente pelo Centro deComunicação da Faculdade de Educação (FaE) - Campus Belo Horizonte- UEMG - através de seu curso de Pedagogia e destina-se à divulgação detrabalhos relacionados a assuntos educacionais, sobretudo aquelesligados à escola pública.As opiniões emitidas nos artigos são de responsabilidade dos autores.Permite-se a reprodução total ou parcial dos artigos desta revista, desdeque citada a fonte.

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Editorial

Em seu 13º número, a revista Educação em Foco revela ummarcante avanço quanto à conquista de seus propósitos e o cum-primento das exigências e determinações para a classificação na-cional de produções científicas: a publicação obteve o “QualisB2” da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior.

Significativas e desafiantes são as contribuições apresentadasaos estudiosos do campo da educação ao longo das abordagensfeitas pelos autores que compõem esta edição.

O agradecimento aos que, com suas produções e pareceres, con-tribuem e colaboram para a consolidação da revista Educação emFoco, publicação da Faculdade de Educação da Universidade doEstado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG).

Os artigos ora publicados revelam os principais focos de interes-ses dos pesquisadores, explicitam suas preocupações com a com-plexidade da educação e da formação do educador e contribuemcom a melhoria acadêmica dos cursos de graduação. Para isso, osautores estimulam contínuas reflexões e posicionamentos orienta-dos por investigações permanentemente pautadas na ampliação deum conhecimento significativo acerca do fenômeno educacional.

Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu, Andréa Cle-mente Palmier, Danielle Ferreira de Magalhães, João Henrique Larado Amaral e Claudia Regina Lindgren Alves, no artigo “A experi-ência do Programa de Educação pelo Trabalho em Saúde da UFMG:o caso da interface saúde/ambiente”, apresentam um relato sobreas ações da linha de trabalho interface saúde/ambiente do Progra-ma de Educação pelo Trabalho em Saúde (PET-Saúde) da Univer-sidade Federal de Minas Gerais e da Secretaria Municipal de Saú-de de Belo Horizonte. Os dados são de uma pesquisa realizada arespeito da percepção da comunidade e dos trabalhadores da saú-

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de sobre as relações entre saúde e ambiente. O projeto, de carátereducativo, e as frentes de trabalho serão utilizadas em proposiçãode ações de saúde da comunidade.

O modelo de avaliação da CAPES é objeto de análise no artigode Maria Auxiliadora Monteiro Oliveira e Maria Virgínia MonteiroTeixeira Freitas. O titulo é “O atual modelo de avaliação daCAPES: seus impactos sobre as vidas profissional e pessoal dosdocentes de um programa de pós-graduação em Letras”. Atravésde um estudo de caso, o artigo evidencia a crítica de professoressobre a valorização da dimensão quantitativa do modelo de avali-ação dos programas de pós-graduação e a excessiva pressão peloaumento de produtividade dos professores, ocasionandosurgimento de síndromes diversas e estresse.

Uma análise do processo de elaboração da Constituição Minei-ra de 1989, no que se refere ao ensino superior e ao processo decriação de universidades públicas estaduais, é a proposta de VeraLúcia Ferreira Alves de Brito no artigo “O ensino superior na Cons-tituição do Estado de Minas Gerais”. A autora defende a hipótesede que o texto final da constituição é resultante de soluções decompromisso entre representantes de fundações privadas e de in-teressados na criação de uma universidade pública estadual.

“A natureza das redes e comunidades virtuais de aprendiza-gem” é o artigo de Jaciara de Sá Carvalho. Em seu texto, a autorabusca, através da revisão bibliográfica, responder a problemáticade como distinguir as redes e comunidades virtuais de aprendiza-gem dos demais agrupamentos do ciberespaço e elas entre si.

No âmbito da formação docente, os estudos realizados pelosautores Santuza Amorim da Silva, Sônia Regina Mendes dos San-tos e Paulo Sérgio Garcia apresentam análises e reflexões resultan-tes de estudos de caso e entrevistas. Os textos abordam, respectiva-mente, questões cruciais como a formação inicial do professor quecuida do ensino da leitura na perspectiva de criar ambientes favo-

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ráveis ao letramento literário; a fruição estética das obras de litera-tura e a formação de leitores críticos e autônomos; a formação deprofessores pesquisadores na tentativa de converter a prática refle-xiva em práxis, visando uma formação docente para a autonomia.Os efeitos de um projeto de “inovação” sobre a formação de profes-sores de ciências foram diagnosticados através de dados coletadosem entrevistas com docentes do ensino fundamental de uma cida-de do estado de São Paulo. Na pesquisa é constatada a redução daformação no modelo da inovação a poucos aprendizados. Taisreflexões são detalhadas nos artigos: “Letramento literário: experi-ências da formação inicial”; “A formação de professores pesquisa-dores: fundamentos para a práxis”; “Inovação e formação contí-nua de professores de ciências”.

No artigo “A fiscalização da aplicação dos recursos vincula-dos à educação: uma análise do papel do Tribunal de Contas doEstado de São Paulo”, Ana Paula Santiago do Nascimento apre-senta uma discussão sobre a aplicação do percentual mínimo dedespesas realizadas por prefeituras na área da educação. Subsidi-ando a discussão, ela analisa textos legais – resoluções, parecerese instruções elaborados pelo Tribunal de Contas do Estado de SãoPaulo (TCE/SP).

Em “Identidade do curso de pedagogia e de seu profissional:cenários de percepções, representações e experiências de formaçãode estudantes”, os autores Frederico Antônio de Araújo, Maria deFreitas Chagas, Maria Inês de Matos Coelho e Vanda TerezinhaMedeiros de Barros apresentam resultados iniciais de uma pesqui-sa. Esta busca compreender nos processos formativos que se de-senvolvem no âmbito do curso de Pedagogia, as disputas históri-cas sobre sua identidade, os conflitos e tensões que marcam a traje-tória da Pedagogia, destacando a formação desse profissional apartir das Diretrizes Curriculares Nacionais da Pedagogia homo-logadas em 2006.

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Os leitores educadores, formadores de professores, pesquisa-dores e demais profissionais preocupados ou interessados com aeducação, suas finalidades e seus rumos, encontrarão nesta 13ªedição da revista Educação em Foco subsídios para suas reflexõese proposições.

Dolores Maria Borges de Amorim

Diretora da Faculdade de Educação

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Sumário

Editorial

A experiência do Programa de Educaçãopelo Trabalho em Saúde da UFMG:o caso da interface saúde/ambienteThe experience of Education Program forWorking for Health, UFMG: the case ofinterface health/environmentMauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu,Andréa Clemente Palmier, Danielle Ferreira deMagalhães, João Henrique Lara do Amaral,Claudia Regina Lindgren Alves

O atual modelo de avaliação da CAPES:seus impactos sobre as vidas profissional epessoal dos docentes de umprograma de pós-graduação em letrasCurrent model of capes evaluation: impact onteacher’s personal and professional lives in agraduate program of literature studiesMaria Auxiliadora Monteiro Oliveira,Maria Virgínia Monteiro Teixeira Freitas

O ensino superior na Constituição doEstado de Minas GeraisHigher education in the Constitution ofMinas Gerais StateVera Lúcia Ferreira Alves de Brito

A natureza das redes e comunidades virtuaisde aprendizagemThe nature of netwoks and virtual learning communitiesJaciara de Sá Carvalho

Letramento literário: experiências da formação inicialLiterary literacy: experience of the initial educationSantuza Amorim da Silva

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Sumário

A formação de professores pesquisadores:fundamentos para a práxisTeacher education researchers: foundationsfor pedagogical praxisSônia Regina Mendes dos Santos

A fiscalização da aplicação dos recursosvinculados à educação: uma análise dopapel do Tribunal de Contas do Estado de São PauloThe review of the application of resourcesrelated to education: reviewing the role of theState of São Paulo Audit OfficeAna Paula Santiago do Nascimento

Inovação e formação contínua deprofessores de ciênciasInnovation and science teachers’continuing educationPaulo Sérgio Garcia

Identidade do curso de pedagogia e deseu profissional - cenários de percepções,representações e experiências de formaçãode estudantesIdentity of Pedagogy Course and itsprofessional - scenarios of students’ perceptions,representations and formation experiencesFrederico Antônio de Araújo,Maria de Freitas Chagas,Maria Inês de Matos Coelho, VandaTerezinha Medeiros de Barros

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A experiência do Programa deEducação pelo Trabalho

em Saúde da UFMG: o caso dainterface saúde/ambiente

Mauro Henrique Nogueira Guimarães de Abreu1

Andréa Clemente Palmier1

Danielle Ferreira de Magalhães2

João Henrique Lara do Amaral1

Claudia Regina Lindgren Alves3

Resumo

O Programa de Educação pelo Trabalhopara a Saúde (PET- Saúde) objetiva qua-lificar a atenção primária à saúde por meioda capacitação dos profissionais em serviçoe da inserção dos estudantes na Estratégiade Saúde da Família. O programa fomentougrupos de aprendizagem tutorial com aparticipação de professores, profissionaise estudantes da área da saúde. Esse relatodescreve as ações da linha de trabalhoInterface Saúde/Ambiente do PET-Saúde daUniversidade Federal de Minas Gerais e daSecretaria Municipal de Saúde, em BeloHorizonte. Os grupos tutoriais foram ca-pacitados segundo os objetivos do pro-grama. Foi realizada uma pesquisa a respei-

1 Professor do Departamento de Odontologia Social e Preventiva da Faculdade de Odontologiada Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tutor do Programa de Educação peloTrabalho em Saúde (PET-Saúde).2 Professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de Veterinária daUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tutora do PET-Saúde.3 Professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federalde Minas Gerais (UFMG). Coordenadora do PET-Saúde.

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to da percepção da comunidade e dostrabalhadores da saúde sobre as relaçõesentre saúde e ambiente, e desenvolvidosprojetos de caráter educativo. Na continui-dade do projeto, serão garantidas as frentesde trabalho já estabelecidas e as informa-ções coletadas pela pesquisa serão utiliza-das na proposição de ações segundo asnecessidades de saúde da comunidade.

Palavras-chave: Tutoria; educação superior;atenção primária à saúde.

1 Introdução

No Brasil ainda predomina na área da saúde a formação profis-sional “alheia ao debate crítico sobre o cuidado à saúde” em ambi-entes fora do contexto do Sistema Único de Saúde (SUS) de formadesconectada da realidade socioepidemiológica da população(BRASIL, 2007a).

No enfretamento desse problema, a Universidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG) é uma instituição pioneira na integração ensino,serviço e comunidade, haja vista a proposta de mudança na forma-ção dos profissionais médicos implementada pela reforma curriculardo curso de Medicina no ano 1975. Posteriormente, no mesmo curso,foram implantados o Internato Rural em cidades do interior de Mi-nas Gerais e os estágios em “ambulatórios periféricos” do municí-pio de Belo Horizonte. Movimentos semelhantes aconteceram noscursos de Enfermagem e Odontologia (UFMG, 2008).

Com as mudanças no modelo assistencial da atenção primáriaà saúde em Belo Horizonte - que desde 2002 está organizado se-gundo a Estratégia de Saúde da Família (PSF) - ampliaram-se asinserções de estudantes da UFMG nos serviços. Corroboram comessa iniciativa, experiências internacionais de integração entreensino e serviços com foco no conhecimento da realidadesocioepidemiológica das comunidades (WHO, 1987; GREER, 2003;BERNABÉ et al, 2006).

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O Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) foi instituído pela Portaria Interministerial nº 1.802 de 26de agosto de 2008 como um dos componentes do Pró-Saúde4 noâmbito dos Ministérios da Saúde (MS) e da Educação (MEC). Oobjetivo é fomentar grupos de aprendizagem tutorial na Estratégiade Saúde da Família.

Constitui-se num instrumento para viabi-lizar programas de aperfeiçoamento e es-pecialização em serviço dos profissionaisda saúde, bem como de iniciação ao tra-balho, estágios e vivências, dirigidos aosestudantes da área, de acordo com asnecessidades do Sistema Único de Saúde –SUS (BRASIL, 2008).

O PET-Saúde também é uma resposta à desarticulação entre asdefinições políticas dos Ministérios da Saúde e da Educação, quetem contribuído para acentuar o distanciamento entre a formaçãodos profissionais de saúde e as necessidades do SUS. O programafortalece o princípio de que o SUS deve ter um papel indutor nasmudanças da formação profissional em saúde de acordo com seusinteresses e necessidades (BRASIL, 1988; CAMPOS et al, 2001).

No campo das políticas públicas para a consolidação do SUS, oPET-Saúde é um instrumento para o desenvolvimento da educa-ção permanente em serviço. Isso porque ele possibilita a articula-ção entre as práticas de ensino e a atenção à saúde, unindo a ges-tão dos serviços e as instituições responsáveis pela formação pro-fissional (BRASIL, 2007a).

Para os cursos da área da saúde, o PET-Saúde permite a abertu-ra de novos cenários de prática real em serviço. Essas práticas sãofundamentais para o desenvolvimento das competências e habili-dades gerais requeridas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais(DCN) em todas as profissões da saúde: atenção à saúde, tomada

4 O Pró-Saúde é um programa que visa à “reorientação da formação profissional, assegurandouma abordagem integral do processo saúde-doença com ênfase na atenção básica, promovendotransformações nos processos de geração de conhecimento, ensino e aprendizagem e de prestaçãode serviços à população” (BRASIL, 2007b, p. 13).

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de decisões, comunicação, liderança, administração egerenciamento e educação permanente.

O vínculo institucional do PET-Saúde na federação é de res-ponsabilidade da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educaçãona Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde (MS). Operacionalmente,o programa constitui-se por meio de parcerias entre as Instituiçõesde Ensino Superior (IES) e as Secretarias Municipais de Saúde(SMSA) com a organização de um ou mais grupos tutoriais de ca-ráter multiprofissional. Esses grupos são responsáveis pelo desen-volvimento dos projetos firmados entre as instituições.

O PET-Saúde da UFMG, em parceria com a SMSA da Prefeiturade Belo Horizonte (PET-Saúde-UFMG/SMSA-PBH), implantou dezgrupos tutoriais no ano de 2009 em unidades básicas de saúde(UBS) do município. Esses grupos atuaram em três campos de inte-resse do SUS: a) Avaliação das Linhas de Cuidado por Ciclos deVida (saúde da criança, da mulher e do idoso), b) Promoção deModos de Vida Saudáveis e c) Interface Saúde Ambiente. Tendo emvista os processos formativos para a qualificação da atenção pri-mária, os grupos tutoriais promoveram uma grande variedade deações segundo as necessidades de cada UBS, principalmente nocampo da promoção à saúde. Os campos de atuação do projetoforam definidos por consenso entre a UFMG e a SMSA.

Na elaboração do projeto PET-Saúde-UFMG/SMSA-PBH, par-ticiparam professores de dez cursos da área da saúde, técnicos daGerência de Assistência (GEAS) e do Centro de Educação em Saú-de (CES) da SMSA-PBH. Em 2009, 14 docentes, 40 profissionaisdos serviços vinculados a 13 UBS, 120 estudantes bolsistas e umnúmero variável de estudantes voluntários participaram do pro-grama. A indicação dos tutores e a seleção dos preceptores e estu-dantes atenderam ao edital publicado pela SGTES.

A seleção de estudantes atendeu à expectativa de participaçãode dez cursos da área da saúde da UFMG, incluindo aqueles queainda não haviam se envolvido com atividades de formação noPSF. Participaram estudantes desde os primeiros períodos da for-

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mação, no sentido de estimular a iniciação à prática profissionaldesde o começo da graduação. A composição dos grupos tutoriaisobedeceu ao critério da maior diversidade de cursos entre os estu-dantes, independentemente da formação do tutor e da área de atu-ação dos preceptores.

A importância da interface saúde/ambiente e a estruturação decampos de prática com articulação entre a saúde pública e o desen-volvimento sustentável têm gerado um processo de discussão deimpacto no Brasil. Um exemplo foi a realização, em 1992, na cida-de do Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas sobre oMeio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92). Na conferência foramlançadas as bases para o desenvolvimento sustentável commelhoria da qualidade de vida e preservação dos ecossistemas(CONAMA, 2008).

No PET-Saúde-UFMG/SMSA-PBH, a linha de trabalho InterfaceSaúde/Ambiente propõe incorporar ao cotidiano dos serviços desaúde e da formação profissional o estudo dos valoressocioambientais na compreensão do processo saúde doença. Esseestudo objetivou relatar o desenvolvimento das atividades dos gru-pos que trabalharam com essa linha durante o ano de 2009.

2 Relato da experiência

A linha de trabalho Interface Saúde/Ambiente foi assumidapor dois grupos tutoriais em três UBS: Jardim Guanabara, NovaYork e São Gabriel.

O plano de trabalho incluiu: um processo de capacitação dosgrupos tutoriais; uma pesquisa, cujo objeto foi a percepção da co-munidade e dos trabalhadores das UBS sobre as relações entresaúde e ambiente; e o desenvolvimento de projetos de cunhoeducativo e de promoção à saúde. Considerando os objetivos doPET-Saúde, as ações de promoção à saúde foram planejadas cole-tivamente e com uma flexibilidade que permitisse a sua adaptaçãoàs questões e cenários específicos de cada UBS.

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O método de trabalho foi centrado na dinamização de grupostutoriais pela mediação pedagógica exercida pelo tutor, sendo oeducando o sujeito do processo de aprendizagem. Quando seoportuniza a identificação das potencialidades individuais, pro-move-se a autonomia, a capacidade de analisar e resolver proble-mas e faz-se a elaboração coletiva do conhecimento (MARTINS,2010). Coube ao tutor orientar os momentos de revisão e avaliaçãodas atividades. No grupo tutorial espera-se do tutor a competênciapara estimular o “aprender a aprender” e a compreensão clara daprática desenvolvida pelos estudantes (BOTTI; REGO, 2008). Asupervisão direta dos estudantes no ambiente de trabalho ficou acargo dos preceptores em acordo com os objetivos e metas defini-dos pelo projeto e previamente pactuados com todo o grupo.

A capacitação dos grupos tutoriais foi no campo dos métodos einstrumentos de pesquisa, na utilização de questionário semies-truturado, construção e análise de banco de dados e elaboração deportfólios individuais.

O portfólio insere-se no projeto como uma oportunidade para oaprendiz organizar uma coleção de suas produções. A atividadeevidencia para ele e para o professor o processo de aprendizagem(VILLAS BOAS, 2004). No desenvolvimento do PET-Saúde, os estu-dantes fizeram o registro das atividades e impressões sobre os fatosmarcantes durante o projeto. Os problemas da realidade do mundodo trabalho na saúde e da aprendizagem em serviço tornaram-seassim objetos da atividade reflexiva dos estudantes, do exercício dapreceptoria e da ação do tutor. Esses problemas caracterizam-se comosituações concretas do mundo da vida ou da produção social dasaúde. Nesse sentido, configuram-se como oportunidades de forma-ção dos futuros profissionais (FEUERWERKER, 2002).

A pesquisa recebeu o título de “Percepções sobre as relaçõesentre saúde e ambiente entre a população da área de abrangência eprofissionais dos Centros de Saúde Jardim Guanabara, Nova Yorke São Gabriel, Belo Horizonte, 2009”. Após a construção de umreferencial teórico sobre o tema, foi elaborado um questionário

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semiestruturado para coleta dos dados. O instrumento de coletafoi pré-testado e validado por meio de metodologia de teste-reteste(GRIEP et al, 2003). A coleta das informações foi realizada duranteo segundo semestre letivo do ano de 2009. A análise dos resultadosfinais do estudo foi apresentada aos trabalhadores das UBS e co-munidades no início de 2010. O resultado das distribuições defrequência das respostas ao questionário tem suscitado forte inte-resse nas UBS no sentido da sua utilização para o planejamento deações na interface saúde ambiente. Esses resultados serão o pontode partida para o trabalho dos próximos grupos tutoriais duranteos anos de 2010 e 2011.

As atividades de promoção à saúde foram pactuadas nos gru-pos tutoriais e realizadas nas áreas de abrangência de cada UBSsob supervisão direta dos preceptores. Foram realizadas reuniõesregulares com a participação dos tutores, preceptores e estudantes,visando avaliar o desenvolvimento das atividades e o planejamen-to de novas intervenções.

O projeto trabalhou com a concepção de cenários de prática oude aprendizagem que não se restringe ao espaço físico, equipa-mentos, objetos e programas das UBS, mas que inclui os sujeitosenvolvidos, a natureza e o conteúdo das práticas.

Cenário de Aprendizagem diz respeito,portanto, à incorporação e à inter-relaçãoentre métodos didáticos, pedagógicos, áreasde prática e vivências, utilização de tecno-logias e habilidades cognitivas e psicomo-toras. Inclui também a valorização dos pre-ceitos morais e éticos orientadores de con-duta individuais e coletivas. Eles se relacio-nam também aos processos de trabalho, aodeslocamento do sujeito e do objeto do en-sino e à revisão da interpretação das ques-tões referentes à saúde e à doença, em quese considera sua dinâmica social (FEUER-WERKER et al, 2000, p. 40).

Ao se propor esse entendimento em relação aos cenários, assu-me-se pensar as atividades formativas em novos parâmetros. Pri-

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meiro, evitou-se fazer dos cenários da comunidade e dos serviçosum prolongamento do espaço intramuros dos cursos. Em segundolugar, trabalhou-se com a concepção de território que implica, alémdo componente geográfico: as condições de vida da população;perfil epidemiológico; acesso aos serviços de saúde; disponibilida-de de equipamentos sociais; grau de mobilização e organização dapopulação; e as ações de caráter intersetorial. Um terceiro aspectoconsiderado foi a oportunidade do trabalho com a equipemultiprofissional (PEDUZZI, 2001; MACEDO, 2007). Também éindispensável que não se repita a prática pela qual a universidadeestabelece unilateralmente o perfil da sua inserção e por vezesdescaracteriza as ações do serviço.

Com essa concepção, foi feito um reconhecimento das ativida-des e atribuições da UBS e uma caracterização socioeconômica,demográfica e epidemiológica das comunidades.

Para a coleta de informações, foram realizadas entrevistas com ostrabalhadores do serviço; acompanhamento do acolhimento do usu-ário, das consultas e de outras atividades de prestação de serviço naUBS; reuniões com os grupos de apoio aos doentes crônicos; encontrocom a Comissão Local de Saúde (CLS) e acompanhamento de açõesna comunidade para controle de zoonoses. Foram realizadas visitasdomiciliares. Os dados populacionais foram disponibilizados noscadastros dos usuários da área de abrangência das UBS.

Essas observações motivaram as seguintes ações: atividades depromoção e prevenção aos agravos de saúde em escolas; estudo,proposição e implementação de estratégias para a corretadestinação dos resíduos sólidos nas UBS; abordagem do tema saú-de e ambiente em grupos de apoio aos portadores de doenças crô-nicas, funcionários da administração e profissionais de saúde quelidam direta ou indiretamente com a população.

As atividades de caráter informativo abordaram diferentes te-mas. Entre eles: as doenças transmitidas por vetores, em especial adengue e a leishmaniose, e os problemas referentes ao descarteinadequado de resíduos. Com o intuito de ampliar o foco na ques-

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tão ambiental, foi realizado um debate com os grupos tutoriaisapós explanação das ações do poder público no Município de BeloHorizonte, na área ambiental.

Na UBS São Gabriel foi realizada a I Semana de Educação emSaúde. Os temas abordados foram escolhidos pela população com oauxílio da CLS e dos trabalhadores da UBS. Participaram das ativi-dades os grupos de portadores de doenças crônicas, os pacientes nasala de espera, representantes das escolas públicas e privadas dobairro (estudantes, professores e diretores), além de profissionais daUBS. Foram produzidos e distribuídos materiais educativos.

Procurou-se permanentemente garantir a pró-atividade de to-dos os componentes dos grupos tutoriais por meio da estratégia dereuniões periódicas, nas quais eram compartilhadas as ações de-senvolvidas, com revisão de estratégias e correção de rumos.

Ao término do período de vigência dos grupos tutoriais, foramrealizadas reuniões de avaliação e apresentação dos resultados dotrabalho nas UBS. De forma geral, a iniciativa do PET-Saúde foiavaliada positivamente.

3 Discussão

Uma das condições necessárias para o alcance de melhores ní-veis de saúde na população é a capacitação de profissionais se-gundo os princípios do SUS. A atuação desses profissionais serámais efetiva quando o planejamento das ações levar em considera-ção as condições gerais de vida da população, a possibilidade deacesso aos serviços, a presença de equipamentos sociais, amobilização e organização social e a articulação intersetorial dosagentes públicos.

Nesse sentido, o PET-Saúde apresenta-se como um instrumen-to de capacitação dos profissionais e estudantes em cenários reais,elegendo como problemas o que é identificado no cotidiano dosserviços e na vida da comunidade. No seu desenvolvimentoprioriza-se a reflexão dos agentes sobre a própria prática e, sendo

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necessário, faz-se a reorientação das ações planejadas. Nesse mo-vimento, estudantes, profissionais do SUS e professores trabalhamem equipe, em campos de conhecimento de domínio comum, agre-gando, de forma colaborativa, habilidades específicas em projetoscoletivos de cunho educativo (DAVINI, 2009).

A formação do estudante para o trabalho nos grupos tutoriaisdo PET-Saúde pressupõe o desenvolvimento da pesquisa aplicadasegundo as necessidades do SUS e a atenção à saúde no nívelprimário onde se incorpora a promoção da saúde. No grupo tutorialé possível o exercício da tomada de decisão, tendo em vista o prin-cípio do custo-efetividade, as condições disponíveis e ogerenciamento das ações e do tempo. Com igual intensidade, de-senvolvem-se as habilidades da comunicação, escrita e leitura naprática cotidiana e na elaboração dos portfólios.

Com essas características, o PET-Saúde tem apresentado fôlegosuficiente para mobilizar as IES e os serviços de saúde, possibilitan-do identificar condições bastante favoráveis para sua continuidade.

Uma avaliação inicial do PET-Saúde-UFMG/SMSA-PBH iden-tifica os seguintes aspectos promissores: a participação signifi-cativa de estudantes das etapas iniciais da formação e a experi-ência adquirida pelos professores na atenção primária de carátermultiprofissional e interdisciplinar, incorporando uma bagagemexpressiva para influenciar positivamente na mudança dos cur-rículos dos cursos. Além disso, a capacitação dos preceptores nasupervisão dos estudantes terá um impacto positivo nos estágioscurriculares em serviço. No campo das ações é valorizada a pro-moção da saúde como campo de prática multiprofissional dostrabalhadores da saúde.

Apresentam-se como ações a serem implementadas com os pró-ximos grupos: identificação de outros equipamentos sociais e maisparceiros na comunidade; o pacto de responsabilidades, obser-vando a capacidade de mobilização e organização da populaçãoadstrita à UBS; e a discussão de alternativas de trabalho que inclu-am outros órgãos e iniciativas de caráter público além da saúde.

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No campo da formação profissional é necessário: ampliar o debateda Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e suaconstrução na rede de atenção; reforçar o referencial das DCN noque propõem como perfil profissional na área da saúde; e identifi-car as possibilidades de ação positiva do PET-Saúde na proposi-ção de outros desenhos curriculares na graduação.

Para os grupos tutoriais que trabalham com a Interface Saúde/Ambiente propõe-se o desafio de incorporar esse campo ao conjun-to de ações orientadas para a qualificação da atenção primária.Essa questão apresenta-se para a educação permanente nos servi-ços e para os cursos de graduação e adquire maior dimensão umavez que é um campo ainda pouco explorado pelos professores,profissionais da rede e estudantes da área da saúde. A magnitudedos aspectos a serem trabalhados apenas se esboçou nos resulta-dos da pesquisa e nas iniciativas de promoção da saúde com o focona interface saúde/ambiente. De forma positiva, algumas possibi-lidades de intervenção no âmbito das escolas dos bairros, nas de-pendências das UBS, nos grupos de apoio aos portadores de doen-ças crônicas e na sala de espera foram rapidamente exploradas,possibilitando uma experiência importante do trabalho entre pro-fissionais de diferentes áreas da atenção à saúde.

O passo seguinte é transformar as informações coletadas pelapesquisa em ações efetivas segundo as necessidades de saúde dapopulação. Porém, não se pode esquecer que as frentes já abertas naabordagem da Interface Saúde/Ambiente precisam ser garantidasquanto a sua continuidade e em uma perspectiva crítica (PEDROSA;CASTRO, 2008).

Com o desenvolvimento do projeto, os preceptores relataramuma maior facilidade na elaboração e enfrentamento dos proble-mas diários dos serviços, melhoria das relações de convivênciana UBS e o exercício de como lidar com estudantes de formaçãodiferente a deles.

Quanto ao método de avaliação dos estudantes, verificou-seque, com diferentes intensidades, houve aplicação na elaboração

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dos portfólios individuais. Com os próximos grupos, existe a ex-pectativa de dinamizar o potencial formador dos portfólios. Tam-bém no campo da avaliação, tutores e preceptores cresceram nodesenvolvimento da habilidade do acompanhamento contínuo dosestudantes, valorizando as oportunidades de feedback.

4 Considerações finais

O PET-Saúde configura-se como uma estratégia para a qualifi-cação da atenção primária com investimentos na educação perma-nente dos profissionais do SUS que atuam na Estratégia de Saúdeda Família e pela inserção de estudantes da área da saúde emambientes reais no SUS. No seu primeiro ano de implantação, oprograma apresentou-se como promissor em relação aos seus obje-tivos nos grupos tutoriais que trabalharam com a Interface Saúde/Ambiente. A composição de caráter multiprofissional dos grupos,articulando ações da universidade e do serviço com a presençados estudantes, foi a primeira experiência dessa natureza para agrande maioria dos atores envolvidos.

No que tange os resultados até agora obtidos, é possível identificarum significativo desenvolvimento de projetos de promoção à saúde eum volume consistente de informações obtidas pela atividade de pes-quisa. Nos cenários das UBS, já é possível identificar resultados bas-tante palpáveis, assim como uma evolução positiva na participaçãodos estudantes segundo os objetivos do PET-Saúde. O mesmo não sepode afirmar quanto ao retorno para os cursos de graduação, uma vezque as mudanças nesse campo acontecem em um ritmo mais lento.Uma estratégia é ampliar a participação dos professores no programae dar visibilidade às experiências com o PET-Saúde pela manifesta-ção dos estudantes no ambiente acadêmico.

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Abstract

The Education Program for Working forHealth aims to qualify the primary healthcare through training professionals inservice, and inclusion of students in theFamily Health Strategy. The program haspromoted learning tutorial groups with theparticipation of teachers, professionals andhealth students. This report describes theactions of Environmental Health researcharea, developed from PET-Saúde of FederalUniversity of Minas Gerais and MunicipalCouncil Health in Belo Horizonte. Thetutorial groups were trained according tothe objectives of the program. A survey wasconducted on the perception of communityand health workers about the relationshipbetween health and environment, andeducational projects were developed. Thework fronts already established will beguaranteed as the project carries on, andthe information collected by the surveywill be used to present actions accordingto the community health needs.

Keywords: Preceptorship; highereducation; primary health care.

The experience of Education Program forWorking for Health, UFMG: the case of

interface health/environment

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O atual modelo de avaliação daCAPES: seus impactos sobre asvidas profissional e pessoal dos

docentes de um programa depós-graduação em letrasMaria Auxiliadora Monteiro Oliveira1

[email protected]

Maria Virgínia Monteiro Teixeira Freitas2

[email protected]

Resumo

Este trabalho analisa o Modelo de Avaliaçãoda CAPES e seus impactos sobre a vidaprofissional e pessoal dos professores de umprograma de pós-graduação em letrasvinculado a uma universidade particular deBelo Horizonte. A pesquisa se desenvolveuno decorrer de 2008 através de um estudode casos que utilizou a análise documentale a entrevista semiestruturada. O programainvestigado é bem avaliado pela CAPES eseus docentes, doutores e pós-doutores sedestacam no cenário acadêmico. A pesquisaevidenciou que todos professores criticaramo referido modelo por valorizar a dimensãoquantitativa em detrimento da qualitativa;questionaram a pressão para aumentar suasprodutividades; afirmaram não dispor detempo para o lazer; informaram sofrer desíndromes de etiologias variadas. Final-mente, alguns professores explicitaram queestão aprendendo a lidar com o estresse ededicando-se mais à família.

1 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); pós-doutora pelaUnicamp e pela Universidade do Porto. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educaçãoda Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG).2 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG).

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Palavras-chave: Atual modelo de ava-liação da CAPES; produtivismo; in-tensificação do trabalho; síndromes deetiologias variadas.

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1 Introdução

Esta pesquisa centra-se no modelo atual de avaliação da CA-PES e nos seus impactos sobre a vida profissional e pessoal dosprofessores de um programa de pós-graduação em letras. O lócusda investigação, desenvolvida no decorrer de 2008, foi um progra-ma de pós-graduação em letras ofertado por uma universidadeparticular confessional situada em Belo Horizonte. Em termosmetodológicos, priorizou-se a realização de um estudo de casos,no qual se utilizou a análise documental e a entrevista semiestru-turada. Os dados coletados pela entrevista foram interpretadosatravés da análise de conteúdo.

Este trabalho segue a seguinte estruturação didática: históriasucinta da pós-graduação no Brasil e trajetória da CAPES, dandoênfase ao seu Modelo de Avaliação; a pesquisa realizada: dadoscoletados e apresentação de algumas considerações finais.

2 História sucinta da pós-graduação no Brasile trajetória da CAPES

2.1 Breve trajetória da pós-graduação

O Brasil em relação aos países europeus, especialmente Fran-ça, Alemanha e Estados Unidos, teve grande atraso no que tangeàs primeiras experiências de estudos pós-graduados. Isso talvezse explique pelo fato de a universidade ter sido instaurada no

É preciso em educação reinventar em conjuntouma ética da rebeldia que reafirme nossapossibilidade de dizer não e que valorize ainconformidade do docente (FREIRE, 1998).

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país muito tardiamente.Assim, historicizando o referido nível de ensino, em 1930, o

ministro Francisco Campos propôs a criação da pós-graduação,tomando por referência o modelo europeu e criando também cur-sos de especialização e aperfeiçoamento (CURY, 2005).

Em 1940, foi utilizado, pela primeira vez, o termo pós-graduação,no Estatuto da Universidade do Brasil e, em 1941, nessa institui-ção, foi implantado um curso de mestrado com a colaboração deprofessores americanos. Pelo Decreto n. 321 de 1946, foram reco-nhecidos cursos de pós-graduação voltados para a formação pro-fissional, ficando os mestrados e doutorados sob a responsabilida-de dos regimentos das universidades.

Gusso, Córdova e Luna (1985) enfatizam que a Universidadede São Paulo, criada em 1935, foi pioneira no campo da pesquisa,sobretudo, devido à colaboração de intelectuais franceses. Atravésda lei n. 310 de 1951, foi criado o Conselho Nacional de Pesquisa(CNP), atualmente, Coordenação do Aperfeiçoamento do Pessoaldo Ensino Superior (CNPq).

Na década de 1950, acordos firmados com os Estados Unidosviabilizaram intercâmbios de alunos e pesquisadores. AnísioTeixeira, na referida década, criou,também, a Campanha de Aper-feiçoamento do Pessoal do Ensino Superior (CAPES) através doDecreto n. 741. Ele visava, sobretudo, a implementação e expansãode centros de aperfeiçoamento e de estudos de pós-graduação.

Na década de 1960, ocorreu um grande crescimento dos cursosde pós-graduação, desencadeado, especialmente, pelo convêniofirmado entre a Fundação Ford e as áreas de Ciências Físicas eBiológicas da Universidade do Brasil. A Universidade Nacio-nal de Brasília, pela lei n. 3.998 de 1961, começou a ofertar cur-sos de pós-graduação e realizar pesquisas e estudos em diferen-tes campos do conhecimento, o que impulsionou o desenvolvi-mento da pós-graduação. Naquele ano, a lei n. 4.024, Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), estabeleceu aparidade entre graduação e pós-graduação no que se refere ao

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caráter sistêmico dos cursos.Finalmente, em 1965, a pós-graduação passou a ser reconhe-

cida como nível de ensino com a veiculação do Parecer n. 977 doConselho Federal de Educação (CFE). Segundo Ludke (2005),esse parecer foi elaborado por Sucupira, fundador da pós-gra-duação no país, determinando, entre outras questões, que omestrado não fosse, necessariamente, pré-requisito para o dou-torado. Em 1968, foi implementada a lei n. 5.540, que instituiu aReforma Universitária. Através dela, foi estipulada a respon-sabilização da CAPES, do CNPq e de outros órgãos públicospela formação e aperfeiçoamento de professores para o ensinosuperior e, ainda, pela definição de uma política nacional e re-gional para o nível de ensino em pauta. Em 1969, o Parecer n. 77do CFE estabeleceu normas reguladoras para o credenciamentodos cursos de pós-graduação stricto sensu.

Mais tarde, em 1975, esse conselho normatizou a “visitainstitucional in loco”, que deveria ser feita pelos especialistas(CURY, 2005). Em 1973, foi elaborado o 1º Plano Nacional dePós-graduação (PNPG). Naquele mesmo ano, foi criado o Gru-po Técnico de Coordenação, que integrou as agências de fomen-to: CAPES, CNPq, FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos) eFUNTEC (Fundo de Desenvolvimento Técnico e Científico). OPNPG incentivou a criação de associações nacionais de pesqui-sa por área de conhecimento e deu ênfase à formação de docen-tes para o ensino superior. O 2º PNPG (1986-1989) priorizou abusca de qualidade dos cursos de pós-graduação, o que levou ànecessidade de institucionalização e aperfeiçoamento dos ins-trumentos de avaliação. O 3º PNPG, implantado em 1990, in-centivou o desenvolvimento da pesquisa, fundamental para ocrescimento nacional, e buscou promover a integração da pós-graduação ao Sistema de Ciência e Tecnologia (KUENZER;MORAES, 2005). A partir do ano de 1990, a Política Nacional deAvaliação tornou-se anacrônica devido, sobretudo, ao aumentodos programas de pós-graduação.

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Em 2001, ocorreu o Seminário Nacional de Pós-graduação,no qual se reconheceu tanto os avanços quanto as lacunas dessenível de ensino: perda de quadros importantes na pós-graduaçãodevido à carência de uma política salarial; insuficiências estru-turais e carências de acervos e recursos para custeio; dese-quilíbrios regionais e intraregionais. À vista dessa realidade econsiderando a absolescência do modelo de avaliação da CA-PES, formulado em 1970, decidiu-se mudar esse modelo confor-me será mostrado a seguir.

2.2 História da CAPES e o novo sistema de avaliação

Conforme já foi exposto, o Decreto n. 29.741 de 1951 criou aCAPES. Sua missão era assegurar a capacitação de pessoal especi-alizado nos níveis tanto da quantidade quanto da qualidade parapromover o atendimento às necessidades e empreendimentos pú-blicos e privados voltados para o desenvolvimento do Brasil (BRA-SIL, 2006).

Segundo Mendonça (2003), a CAPES foi instalada a partir daconstituição de uma comissão dirigida pelo ministro da Educaçãoe secretariada por Anísio Spíndola Teixeira, da qual participaramrepresentantes do Departamento Administrativo do Serviço Públi-co, da Fundação Getúlio Vargas, do Banco do Brasil, da ComissãoNacional de Assistência Técnica, da Comissão Mista Brasil – Esta-dos Unidos, do CNPq, do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística, da Confederação Nacional da Indústria e do Comércio.

Suas atividades foram iniciadas através da implementação doPrograma de Instauração de Quadros Técnicos e Científicos e doPrograma Universitário (PGU). Este se constituiu como a principallinha de ação da CAPES no decorrer da década de 1950 junto àsuniversidades e dele participaram professores brasileiros e estran-geiros. Além disso, o programa ofertou bolsas de estudo e apoio aeventos acadêmico-científicos.

Em 1968, o PGU foi extinto, sendo substituído pelo Conselho

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Consultivo (CC), que se subordinou, diretamente, à presidênciada República. Em 1964 ele se vinculou ao Ministério de Educaçãoe Cultura.

No decorrer das gestões de Suzana Gonçalves (1964-1966) ede Celso Barroso Leite (1969-1974), a CAPES vivenciou um perío-do de instabilidade institucional que dificultou a implementaçãode uma Política de Apoio e Aperfeiçoamento dos Docentes doEnsino Superior.

A partir do Plano de Desenvolvimento Nacional (1972-1974),a CAPES assumiu novas atribuições e conseguiu novos aportesfinanceiros para multiplicar suas ações e melhor intervir na qua-lificação do corpo docente das universidades brasileiras.

O Decreto n. 74.299 de 1974 alterou a estrutura da CAPES.Assim, ela passou a ser um órgão central superior, gozando deautonomia financeira e administrativa, tendo como metas: con-solidar uma Política Nacional de Pós-graduação; promover ativi-dades de capacitação do pessoal do Ensino Superior; gerenciar aaplicação de recursos financeiros e orçamentos; analisar ecompatibilizar normas e critérios oriundos do Conselho Nacio-nal de Pós-graduação. Naquele ano a CAPES transferiu sua sededo Rio de Janeiro para Brasília.

Em 1981, por determinação do Decreto n. 86.791 de 1981, aCAPES tornou-se responsável pela elaboração dos Planos Nacio-nais de Pós-graduação Stricto-Sensu, sendo reconhecida como Agên-cia Executiva do Ministério da Educação e Cultura junto ao Siste-ma Nacional de Ciência e Tecnologia, cabendo-lhe elaborar, avali-ar, acompanhar e coordenar as atividades relativas ao Ensino Su-perior (BRASIL, 2006).

Em 1992, pela lei n. 8.405, a CAPES tornou-se fundação e suasfunções se fortaleceram, sobretudo, em relação ao acompanhamentoe avaliação, criando mecanismos de controle de qualidade eaprofundando seu relacionamento com a comunidade acadêmico-científica.

O governo Collor, através da Medida Provisória n. 150 de 1999,

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extinguiu a CAPES. Isso provocou reações de diversos setores daacademia que se mobilizaram e conseguiram recriar o referido ór-gão através da promulgação da lei n. 8.028 de 1999.

Na atualidade a CAPES vem desempenhando um papel impor-tante na expansão e consolidação dos cursos de pós-graduaçãostricto sensu, além de promover: a avaliação desse nível de ensino; oacesso e a divulgação da produção científica; o investimento naformação de recursos humanos de alto nível no Brasil e no exterior;a cooperação científica internacional.

A lei n. 11.502 de 2007 modificou as competências e a estruturaorganizacional da CAPES. Esta passou a subsidiar o Ministério daEducação na formulação de políticas e no desenvolvimento de ati-vidades de suporte à formação de professores para o magistério nonível da Educação Básica (BRASIL, 2007).

No que se refere ao atual modelo de avaliação da CAPES, objetoprincipal deste estudo, explicita-se que ele abrange dois processos:a avaliação dos programas de pós-graduação e a avaliação daspropostas de cursos novos de pós-graduação. Esses dois proces-sos de avaliação fazem parte de um mesmo conjunto de princípios,diretrizes e normas, compondo, assim, um único sistema de avali-ação que fica sob a responsabilidade dos representantes e consul-tores acadêmicos.

Integrado a esse sistema, situa-se a “Coleta CAPES”, que é umsistema informatizado que visa coletar informações sobre os cur-sos de mestrado acadêmico e profissional e doutorado. Acopladotambém a esse sistema, se posiciona o “Qualis”, que seconsubstancia em uma lista de veículos utilizados para promovera divulgação da produção intelectual dos programas de stricto-sensu. No Qualis são classificados os “produtos” quanto aos âmbi-tos de circulação (local, nacional e internacional) e de qualidade(A, B, C), conferidos por área de conhecimento. Além desses instru-mentos, o modelo de avaliação da CAPES conta com o Sistema deIndicadores de Resultados (SIR), uma ferramenta de apoio à avali-ação da pós-graduação.

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O atual modelo de avaliação da CAPES, implantado no biênio1997/1998, está centrado na produtividade acadêmico-científica,ao contrário do paradigma anterior, que priorizava a docência/formação de professores. Isso tem suscitado muitas críticas equestionamentos da comunidade acadêmica. Segundo Sguissardi(2006), esse paradigma avaliativo tem como pressuposto uma vi-são neoconservadora dos problemas da economia decorrentes,sobretudo, dos princípios que regem o Estado Mínimo. Em sínte-se, esse modelo além de ter deslocado o eixo da avaliação, prioriza:a ideia de programas e não mais de cursos; as linhas de pesquisae sua organicidade com as disciplinas, projetos e produtos depesquisa, teses e dissertações; linhas de pesquisa que definem ospercursos escolares organizados a partir das pesquisas, os semi-nários de pesquisa, a escolha dos orientadores e dos objetos deinvestigação.

Kuenzer e Moraes (2005) afirmam que o novo Modelo Avaliativoda CAPES privilegia a dimensão quantitativa em detrimento daqualitativa, não considerando as diferenças inerentes às váriasáreas do conhecimento. Essas pesquisadoras explicitam que existeuma grande dificuldade para se avaliar os “produtos” da áreaeducacional como, por exemplo, os impactos sociais, políticos ecientíficos de suas pesquisas na promoção da qualidade de vida,na democratização social e econômica, e na preservação ambiental.

Entre outras determinações da CAPES, foram estabelecidos ostempos máximos para titulação de mestrandos e doutorandos. Essefato aumentou os níveis de ansiedade e de intensificação do traba-lho de docentes e seus orientandos.

Segundo Bianchetti e Machado (2007), a efetivação do papelda CAPES no cotidiano dos docentes da pós-graduação é feitaatravés dos “pares” acadêmicos. Isso lhe confere legitimidade“fazendo com que a Política de Governo, se transformasse emPolítica de Estado” (BIANCHETTI; MACHADO, 2007, p. 4), fun-cionando independentemente de quem estiver efetivando essapolítica de avaliação. Segundo esses autores, o atual Modelo de

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Avaliação tem sido contestado, mas os protestos se expressamde forma tímida, pois os docentes dos programas de pós-graduaçãotemem ser prejudicados nos fomentos às pesquisas e nos auxíli-os por eles solicitados.

Nesse cenário, constata-se o acirramento do produtivismovisualizado como um processo de quantificação do trabalho do-cente, legitimado através de instrumentos como Lattes, Qualis eRelatórios de Produtividade Acadêmica (FIDALGO, 2010).

Esse paradigma de avaliação da CAPES tem levado aoprodutivismo, à competição, à Síndrome de Burnout, às doen-ças do trabalho, ao assédio moral, à intensificação do trabalho,à angústia, ao rankeamento e à punição (BIANCHETTI; MA-CHADO, 2007).

Ressalta-se que o trabalho na pós-graduação é intrinsicamentecomplexo, amplo, englobando ensino e, sobretudo, a pesquisa, poiso docente desse nível de ensino tem a obrigação de produzir.

[...] produzir e publicar determinada médiaanual de “produtos” científicos em perió-dicos, classificados pela agência, ou emeditoras de renome; dar aulas na pós-graduação e na graduação; ter pesquisasfinanciadas por agências de fomento quegozem de prestígio acadêmico e prestarassessorias e consultas científicas.(SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR; 2005, p. 18).

3. A pesquisa realizada: dados coletados

Esta pesquisa, reitera-se, tem como lócus de investigação umprograma de pós-graduação em letras vinculado a uma conceitua-da universidade particular confessional. Os dados oriundos daempiria foram coletados no decorrer de 2008.

O objetivo geral desta investigação centra-se na análise doatual modelo de avaliação da CAPES e seus desdobramentos navida profissional e pessoal dos professores de um programa depós-graduação em letras, cujas áreas de concentração são:

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Linguística e Língua Portuguesa. Em termos metodológicos, foirealizado um estudo de casos no qual foram utilizados os instru-mentos da análise documental e entrevista semiestruturada. Oestudo dos dados obtidos pelas entrevistas foi realizado atravésda análise de conteúdos.

3.1 O rosto do programa pesquisado

O Programa de Pós-graduação em Letras investigado foi reco-mendado pela CAPES em 25 de novembro de 1988, sendo instala-do em nível de mestrado no ano de 1989 com apenas uma área deconcentração: Literaturas de Língua Portuguesa. Em 1995, devidoà grande demanda e, sobretudo, considerando duas avaliaçõesfavoráveis da CAPES, foi implementada a segunda área de con-centração centrada na Língua Portuguesa.

Em 2006 foi aprovado pela CAPES o projeto de doutorado emLinguística e Língua Portuguesa. Essa denominação passou a serconferida, também, ao mestrado.

Compõem o corpo docente do programa, 19 professores, todostitulados como doutores e pós-doutores, que possuem considerá-vel número de publicações em livros e periódicos nacionais e inter-nacionais, assessoram órgãos públicos - MEC/SESU (Secretariade Educação Superior), CAPES, INEP (Instituto Nacional de Estu-dos e Pesquisas Anísio Teixeira) e Fapemig (Fundação de Amparoà Pesquisa de Minas Gerais) - e programas do governo federal.Além disso, constituem-se, ainda, como pareceristas ad-hoc daCAPES, CNPq, Fapemig, de periódicos e de eventos acadêmicos.

Na última avaliação da CAPES, o programa obteve nota 5. Essaclassificação fez com que as exigências de produtividade fossemaumentadas para garantir a continuidade dessa avaliação e, sepossível, sua elevação ao número 6.

Na análise das entrevistas realizadas com 19 professores, fo-ram identificadas cinco categorias: nota 5 conferida ao programa;paradigma atual de avaliação da CAPES; produtivismo e acirra-

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mento de síndromes e doenças; espaço para o lazer e formas deresistência ao modelo avaliativo da CAPES.

a) Nota 5 conferida ao programa

Os depoimentos dos professores, aqui identificados com nomesfictícios, evidenciaram a intensificação do trabalho e a exigênciacrescente por um maior número de publicações. Segundo a profes-sora Nijó:

A nota 5 aumentou muito a responsabi-lidade, porque os professores se em-penharam em manter o nível, não é? Elesse empenharam e para se empenhar elestêm de promover a sustentação do pro-grama e dar sua própria contribuição. Essacontribuição significa orientar muitosalunos, dar aula, pelo menos o mínimo, emuitas outras coisas (Nijó).

Para Frigotto (2006), a produção docente se torna determinantepara que os programas de pós-graduação sejam reconhecidos erecredenciados pela CAPES. Caso os professores não consigamatender às exigências produtivistas, poderão ser excluídos do pro-grama, tornando-se, assim, uma vítima do “publicar ou morrer”(EVANGELISTA, 2006, p. 297).

Uma das docentes entrevistadas, assim se expressou:

O fato de termos obtido 5 foi muito bom,um prêmio, afinal, por tudo aquilo queestamos fazendo. A gente fica, então, com asensação de que não se pode deixar a notacair. É uma sensação, uma pressão intensa,pois não é só manter, mas pensar em passarpara 6. É uma competitividade entre osprogramas e até entre nós mesmos. A genteentra nessa competitividade, meio semsentir e, depois, já tá quase louca e cansada,muito cansada, estressada (Aguiar).

Segundo a professora MM,

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[...] aqui o controle aumentou. A toda horase lembra da necessidade de publicar, de darparecer, de fazer relatórios de pesquisa, deconcorrer a novos projetos, de orientarmestrandos/doutorandos, de dar aulas napós e na graduação. Acho que em instituiçãoparticular é muito, muito pior, pois alémdas exigências da CAPES, tem que obedecera lógica, às inúmeras demandas de umainstituição, na qual “manda quem pode,obedece quem tem juízo”. Oh loucura! Hajaenergia! (MM)

Foi-se o tempo em que cada professorcuidava de sua vida profissional, sem tercobranças e pensar no coletivo. O programaé que é avaliado, mas o processo de avaliaçãoleva em conta a contribuição individual, emprol do coletivo e a penalização ou premia-ção atinge não só o professor, mas o pro-grama como um todo (Borges)

b) Paradigma atual de avaliação da CAPES

Segundo Kuenzer e Moraes (2005), o modelo atual de avaliaçãoda CAPES vem aprofundando as mudanças na concepção e nodirecionamento das políticas para esse nível de ensino. Assim, eledetermina duas modificações muito significativas: a priorizaçãoda produção de conhecimentos e a formação de pesquisadores;ênfase centrada nos produtos e na ampla divulgação dos resulta-dos das pesquisas, “fortalecendo, assim, a avaliação e a merito-cracia” (BIANCHETTI, 2006, p. 3).

Sobre o modelo de avaliação em pauta, a professora Nijó, assim,se expressou:

[...] o paradigma acaba exigindo do professormais do que o razoável, ou mais do que oprofessor suporta. Ele é obrigado não só aproduzir muito na área da pesquisa, dapublicação, de participar de eventos, emprojetos, como também é obrigado a acudir

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muitos orientandos. O negócio é publicarnumericamente e a qualidade fica secundari-zada. Antigamente, as pressões eram menorese a gente com calma, sem estresse, faziatrabalhos de maior qualidade (Nijó).

Quando a avaliação era centrada na formação do professor,não havia tanta preocupação em priorizar a produção, pois a ava-liação das pesquisas não se vinculava ao fomento e havia farturade financiamento em relação às necessidades e ao número de can-didatos à pós-graduação. Agora tudo é contado e pontuado e aqualidade pouco importa, porque o que se observa é a imposiçãodo “discurso e das práticas produtivistas, fundadas em critériosquantitativos” (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2005, p. 7).

Nessa direção, coloca-se a fala do professor Boleslau: “trocamosuma perspectiva qualitativa para uma quantitativa. Por outro lado,se você é forçado a publicar em cascata, acaba-se requentando oprato e publicando o artigo com outra cara” (Boleslau). Outra pro-fessora, a Aguiar, afirmou “pesquisar é preciso e a CAPES tem mes-mo de exigir, mas era preciso de mais tempo para produzir com maisqualidade” (Aguiar).

c) Produtivismo e acirramento desíndromes e doenças

A pressão que o modelo de avaliação da CAPES tem exercido so-bre o professor vem provocando sentimentos de solidão e incapacida-de, além da ocorrência de casos constantes de depressão e de pânico.

Para Evangelista (2006), os docentes vivem um constante senti-mento de ter de cumprir as normas e exigências dos programas,traduzidas no slogan “publish or perish”. Nesse contexto, observa-se um sentimento de mal-estar docente que, segundo Cortesão(1998), é só a ponta de um iceberg.

Os depoimentos a seguir mostram essa realidade e o apareci-mento da Síndrome de Burnout, que se consubstancia no esgota-mento emocional, sensação de fadiga crônica, pânico, distúrbios

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do sono, hipertensão e outras manifestações.A professora Ana enfatizou:

Eu acho que a categoria professor adoecemuito. Eu tenho problemas estomacais,insônia direto. Estou num momento muitoestressante. Em setembro, tive um descon-trole de pressão e minha filha adoeceu, foihospitalizada e eu seguro firme a barra,mesmo trabalhando. A todo tempo você sesente sobre pressão e tem de dar conta dasexigências (Ana).

[...] esse produtivismo me afetou muito. Eufiquei hipertensa. O projeto que coordenome obrigou a buscar parceiros externos e eufiquei estressada, com nervosismo eengordei oito quilos. Mas a gente trabalhaaté a exaustão. Eu embora muito cansada,pensei em buscar a Bolsa de Produtividadedo CNPq, mas aí, fui dura comigo: nãoÔmega, não faça o suicídio, é suicídio, depoisque você se credencia, não tem volta, poistem de garantir a produção, mesmo quequase morra. Fiz então, uma opção por mim,sou gente, pessoa, já basta o que façoatendendo a CAPES e a intensificação dotrabalho que uma universidade particularexige (Ômega).

Eu tenho insônia, gastrite nervosa esíndrome do colo do útero irritado emfunção da carga de responsabilidades eexigências do trabalho, da CAPES e dainstituição. Somos muito cobrados e noscobramos muito. Somos testados o tempotodo (Kirin).

[...] você tem de fazer tudo para ontem e odesgaste só aumenta e a gente somatiza. Eunão tinha problema para dormir, agora, sóadormeço com remédios de tarja negra.Tenho me policiado para não trabalhar nofim de semana, pois estou com pressão alta,mas às vezes, tenho de trabalhar e muito!(Joana).

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d) Espaço para o lazer

Apologistas das Tecnologias Informacionais e Comunicacionais(TIC) difundiram que os artefatos tecnológicos proporcionariammais tempo para o lazer, sobretudo, pela redução da jornada detrabalho (DE MAIS, 1999). Essa afirmativa tem se mostrado equi-vocada, pois com as TIC, o trabalho pode ocorrer a qualquer tempoe local, extinguindo as fronteiras entre vida profissional e privada.

Segundo a professora MM:

[...] você trabalha em casa, digitando textos,respondendo uma enormidade de e-mails,dando pareceres em trabalhos. Além disso,o celular toca, até domingo, para pro-blemas de trabalho. É uma pressão doentia.Não estou aguentando mais! Preciso detempo para descansar, estou meio depri-mida, ansiosa, mas como agir? (MM).

Na sociedade contemporânea “time is money” e perder tempopassou a significar dedicar-se à reflexão, ao ócio, ao lazer, enfim, atodas atividades que não sejam ágeis, eficientes e produtivas(FÁVERO, 1999).

Assim se posicionaram alguns professores sobre a questão daintensificação do trabalho:

Alguns de nossos colegas chegam ao pontode hospedar em suas casas alunos do inte-rior; pleno sufoco e falta de privaticidade.O trabalho invade a vida particular e otempo para o ócio fica reduzido ou nulo.A gente não tem tempo de dedicar ao lazer,é só atender à CAPES e às exigências destauniversidade (Nijó).

[...] meu Deus o que estou fazendo? Nãotenho tempo de ir ao cinema e passo o fimde semana trabalhando. E os pareceres quechegam da CAPES e do CNPq? Tenhotentado deixar de trabalhar no final desemana, mas são tantas teses para ler,finalizar relatórios. Aí eu tenho de

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trabalhar o fim de semana inteirinho.Cadê o lazer? (Ana).

[...] trabalho, sou uma máquina. Tem cincoanos que não saio para lugar algum, a nãoser para trabalho. Leio o tempo todo,normalmente, eu não durmo antes das 2ou 3 horas e não acordo depois das 7. Otempo, mesmo assim, não dá. Então, comoter lazer? (VP).

Tenho saudade do tempo que eu traba-lhava até sexta. Agora, com as exigênciasda CAPES, nos finais de semana, eu leio,estudo, escrevo. Quando viajo para algunsdias de férias, levo para o hotel umapastinha com trabalho e o computador,pois sei que depois, se não trabalhar, nãodarei conta. Eu reservo, nessas viagens 2ou 3 horas diárias para trabalhar (Vânia).

e) Formas de resistência ao modelo avaliativo da CAPES

Segundo Bianchetti e Machado (2007), os professores do strictosensu estão a serviço de um capitalismo acadêmico e, para algunsautores, vivencia-se um tempo de pesquisa administrada. Contu-do, nos depoimentos, alguns professores entrevistados considera-ram que existem modos de resistir às determinações da CAPES.

Bianchetti (2008) considera que não é o caso de se posicionar con-tra ou a favor dos critérios de avaliação utilizados pela CAPES paranão correr o risco de cair em uma visão moralizante e esterilizante.

A professora Ana está de acordo com a posição desse pesquisador:

[...] o importante é a gente não entrarcompletamente de cabeça, sem pensar noque está fazendo. É preciso aprender a lidarcom as exigências, eu estou aprendendo.Somos parte da CAPES, mas temos de fazerautocrítica; não é só crítica ao sistema, mastemos de avaliar como estamos lidandocom isso. Acho que temos uma parte deculpa, pois ficamos correndo atrás da

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publicação, sem parar para respirar. Épreciso se autocríticar (Ana).

Segundo Schwartz (2006), as normas prescritas, quase sempre,deixam margem de manobra para o trabalhador criar e recriar ati-vidades, de modo a fazer valer seus saberes e valores.

A professora Pérola considera que:

[...] apesar dos imperativos do calendário,dos prazos a serem cumpridos, das publi-cações e atividades inerentes ao trabalhodocente do stricto sensu, que invadem ostempos da família, do lazer e do ócio, hásempre escolhas a serem feitas. É o sujeitoprofessor com seus próprios valores enormas que deve fazer a gestão de seu tempo(Pérola).

[...] eu não estou fora do mundo. O trabalhotem ocupado a maior parte da minha vida.Eu vou para casa e respondo a oitenta e-mails , mas tenho de lidar com isso, de umaoutra forma, pois é uma questão de saúdemental. Eu tento não adoecer, alimentandobem e freando as demandas. Não sou umapessoa da queixa, porque ela me imobiliza,ela cega a gente. Eu vejo as coisas, masprocuro combatê-las, procuro lidar bem,embora tenha pouco tempo, mas procuroter tempo para viajar e cozinhar o quegosto, disciplinando minha rotina de tra-balho. E isso faz a diferença, pois também,não sou uma professora tarefeira, pois atarefa tem de ser feita a meu favor (Pérola).

[...] eu posso dizer que meu envolvimentocom congressos, pesquisas, com asorientações vem ao encontro do meu desejode participar desse mundo acadêmico.Contudo, eu venho buscando, nessa lógicada avaliação da CAPES, até no ponto doque é benéfico para mim, pois é precisointerrogar sua área e as determinações daCAPES e da universidade, de produzir ouproduzir, mas não me sinto tolhida e o

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escape é trabalhar em parceria com grupode professores pesquisadores, sempreprocurando preservar a minha identidade(Pérola).

Os depoimentos da professora Pérola mostram tanto a políticado “uso de si para si” e a “do uso de si para os outros” (SCHWARTZ,2000) quanto a posição de Sguissardi e Silva Júnior (2005). Segun-do estes autores, existem saídas para romper com a lógica do capi-tal que busca expropriar a identidade docente. Uma delas é a for-mação de grupos de pesquisa, de preferência interinstitucionais,envolvendo alunos da graduação e da pós-graduação.

A professora Luena assim se expressou sobre o trabalho doprofessor do stricto sensu:

[...] eu acho que estamos, cada vez mais,acorrentados. O intelectual, atualmente,não é mais o de antes, está sem lugar, nãovai mais às ruas, ao cinema, ao teatro. Mastemos de conviver com isso e nos contra-por a esse exagero de demandas, reser-vando tempo para curtir a família, passear,divertir (Luena).

Faço psicanálise há 29 anos e isso me ajuda.Eu falo, reclamo em todas instâncias destainstituição, que exige muito de nós, semreconhecer as exigências da CAPES. Procurodiscernir: uma coisa são as relações daqui,institucionais, e outra coisa são as questõesda vida pessoal. Aprendi a separar as duascoisas (MM).

Em síntese, pode-se afirmar que os dados coletados pelas entrevis-tas estão em consonância com os aportes teóricos de muitos pesquisa-dores que vêm investigando o trabalho dos docentes do stricto sensu.

4. Algumas considerações finais

Conforme já explicitado, este trabalho tem como objeto a análisedo modelo de avaliação priorizado, na atualidade, pela CAPES.

Segundo os discursos dos gestores da referida agência, esse

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paradigma se caracteriza pelo cunho diagnóstico e não punitivo.Porém, constata-se que essa propositura não vem se efetivando.

Considera-se que essa realidade,consubstanciada nas exigên-cias do atual Modelo de Avaliação utilizado pela CAPES, vemimpactando os programas de pós-graduação stricto sensu e os seusdocentes. Considera-se que a CAPES deveria, por um lado, ofertarassessoria continuada aos programas de pós-graduação, prestadapor especialistas credenciados e, por outro, realizar parcerias deprogramas de pós-graduação mais tradicionais e consolidados comos programas mais novos.

Questiona-se tanto o sentido altamente homogeneizador domodelo de avaliação que vem provocando a padronização de pro-gramas extremamente diferenciados, violentando as suasespecificidades e características, quanto o fato de todos os progra-mas serem avaliados sob a ótica dos mesmos critérios. Em resumo,o ideal seria que os programas fossem avaliados através de trata-mentos diferenciados, distinguindo os já consolidados dos emreestruturação ou implementados há pouco tempo.

Critica-se, também, a priorização no modelo de avaliação daCAPES, da dimensão quantitativa que se traduz na mensuraçãode “produtos”, desconhecendo a importância de uma avaliaçãoformativa e qualitativa. Nesta última, a ênfase seria dada àcontextualização da proposta dos diferentes programas, conside-rando as suas trajetórias e as contribuições dos seus docentes àsdemandas societárias emanadas do contexto contemporâneo(GATTI et al, 2003).

Certo é que o modelo de avaliação vigente vem impactando otrabalho dos docentes do stricto sensu, afetando sua vida pessoal eprofissional, interferindo nas suas subjetividades, provocando oaparecimento de síndromes de etiologias variadas e fazendo emer-gir o denominado “mal-estar docente”, que se traduz em sentimen-tos de resistência e desistência.

Em termos resumidos, os dados coletados nesta pesquisa revela-ram que: a grande maioria dos docentes não concordou com o mode-

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lo de avaliação, sobretudo, pelo seu cunho quantitativo; muitos do-centes reclamaram da intensificação de seus trabalhos e da buscaacirrada pela produtividade que lhes dificultava a vivência de mo-mentos de descanso, lazer e de encontros com os familiares; muitosprofessores declararam que sentiam frequentemente mal-estares,doenças físicas e psicossomáticas; alguns professores declararamassumir posicionamentos de resistência ao referido modelo de ava-liação; alguns docentes consideraram que trabalhar em uma univer-sidade particular aumentava seus estresses devido as suas exigên-cias, pois, muitas vezes, nela não se reconhece a especificidade e acomplexidade do trabalho dos docentes do stricto sensu.

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Abstract

This paper analyzes the model of CAPESevaluation and their impacts on teacher’spersonal and professional lives in aGraduate Program of Literature, linked toa private university in Belo Horizonte. Theresearch was developed during 2008,through a case study that used thedocument analysis and semi-structuredinterview. The program investigatedreceived good evaluation from CAPES andtheir teachers, doctors and post-docs, excelat academic setting. The research showedthat all teachers criticized: the above modelto value the quantitative dimension, ratherthan qualitative; questioned the push toincrease their productivity, they said didnot have time for leisure, reported sufferingfrom syndromes of different etiologies.Finally, some teachers explained that theyare learning to cope with stress and devotehimself more to his family.

Keywords: Current evaluation model ofCAPES; productivism; intensification oflabour; syndromes etiologies.

Current model of capes evaluation: impacton teacher’s personal and professional livesin a graduate program of literature studies

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O ensino superior na Constituiçãodo Estado de Minas Gerais

Vera Lúcia Ferreira Alves de Brito1

[email protected]

Resumo

Este artigo visa analisar o processo deelaboração da Constituição do Estado deMinas Gerais em 1989, no que se refere aoensino superior e ao processo de criação deuniversidades públicas estaduais. A hi-pótese defendida é que no processolegislativo ocorreram debates significa-tivos entre representantes de fundaçõesprivadas e representantes interessados nacriação de uma universidade pública esta-dual. O texto final da Constituição, resul-tante desse embate, mostra as soluções decompromisso entre os vários interesses. Napesquisa foram consultados documentos,analisadas emendas dos deputados eentrevistados participantes. A indefiniçãojurídica da Universidade do Estado de MinasGerais (UEMG) é destacada como decor-rência dos embates constitucionais entreinteresses públicos e privados.

Palavras-chave: Ensino superior; legislação;políticas educacionais.

Introdução

O objetivo deste trabalho é relatar a pesquisa sobre a criação einstitucionalização da Universidade do Estado de Minas Gerais(UEMG). O enfoque da pesquisa partiu do pressuposto de que ainfluência da origem dessa universidade no debate constitucionalem Minas tornou-se marca característica de seu desenvolvimento.1 Professora do mestrado em Educação da Faculdade de Educação da Universidade do Estadode Minas Gerais (FaE/UEMG). Doutora em Educação.

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Vera Lúcia Ferreira Alves de Brito

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Isso considerando que no processo de formulação de política edu-cacional, interesses diversos se colocaram em luta pela conquistade espaço e na definição dos objetivos e das trajetórias futuras doensino superior.

A Constituição do Estado de Minas Gerais estabeleceu, em 1989,um modelo de universidade com campi diversificados pela incor-poração de fundações privadas localizadas em vários municípiosmineiros. Nos debates que ocorreram durante o processo constitu-inte, os documentos consultados durante a pesquisa identificaramdiferentes propostas para a criação de uma universidade estadual.As propostas foram defendidas por deputados que representavamgrupos de interesses diversos.

A pesquisa identificou quatro grupos de interesse: um formadopor fundações de ensino superior privadas, demandandoestadualização; outro que representava os interesses de dirigentesde federações e associações privadas; o terceiro, de deputados quedefendiam a localização de universidade em sua base eleitoral e oúltimo, de deputados que defendiam a criação de universidadespúblicas estaduais. Após a inserção da criação da universidadeno texto constitucional, segundo o modelo de campi diferenciados,a institucionalização da universidade estadual percorreu longatrajetória durante a qual foram elaboradas leis complementaresque buscavam definir seu perfil institucional. Decorridos mais de20 anos de sua criação, verifica-se que ainda permanecem proble-mas institucionais e jurídicos quanto à sua definição como insti-tuição pública mantida pelo Estado.

Este trabalho busca problematizar as relações entre o ensinoprivado e a universidade pública no momento em que estão emdebate, entre pesquisadores da questão do ensino superior, mode-los institucionais que respondam tanto à demanda por democrati-zação do acesso como às pressões econômicas, sociais e políticascontemporâneas (ZAGO, 2006; MARTINS, 2009; CUNHA, 2004;OLIVEN, 2005; SGUISSARDI, 2005, 2006; MOROSINI, 2006;SOBRAL, 2009).

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A perspectiva de uma universidade autônoma, produtora deconhecimento e formadora de indivíduos teórica e politicamentecríticos está em pauta diante das pressões internas e externas oriun-das de mudanças neoliberais no sistema econômico e no sistemacientífico e tecnológico.

A pesquisa buscou analisar o papel do Estado em face da hipó-tese de pesquisadores do ensino superior brasileiro estar em pro-cesso de transição para um modelo neoprofissional e heterônimo(SGUISSARDI, 2003).

O texto enfoca a questão do ensino superior, procurando evi-denciar o conflito e as articulações entre interesses privados e pú-blicos, que tem perpassado as políticas de ensino superior no Bra-sil como um todo e em especial as políticas de ensino superiorestaduais. Pretende-se, desse modo, contribuir para repensar o lu-gar de uma universidade pública na democratização do ensinosuperior enquanto direito do cidadão e lugar de produção do co-nhecimento, tendo em vista um projeto de sociedade igualitário eemancipador (SANTOS 2005).

Na metodologia da pesquisa, foram utilizadas análises docu-mentais e entrevistas com dirigentes da UEMG e deputados consti-tuintes. Essa abordagem revelou-se significativa para a pesquisa namedida em que as fontes contribuíram para explicitar os interessesdos grupos envolvidos na criação da universidade estadual juntoao processo constituinte mineiro de 1989 e para a compreensão dosmomentos que marcaram a trajetória de sua institucionalização.

Abordando a institucionalização do ensinosuperior em Minas Gerais: sonho adiado

O processo de institucionalização de uma universidade esta-dual em Minas Gerais tem sido tema de prolongado debate devidoao modelo multicampi adotado, que estabeleceu a aglutinação defundações educacionais privadas e públicas em diferentes cida-des. A discussão sobre os motivos dessa forma de criação e da ausên-cia de efetiva absorção pelo Estado das diferentes fundações privadas

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tem levado a diferentes enfoques. As discussões são em torno do seupapel enquanto universidade pública, da situação institucional dasfundações associadas e da alocação dos recursos públicos.

O interesse por decifrar a origem de uma universidade estadualem Minas produziu profícuos trabalhos. Estes legaram um acervosignificativo de dados, diagnósticos e estudos elaborados sobre aConstituinte Mineira de 1989 e permitiram o levantamento de hi-póteses de pesquisa sobre a criação da UEMG. As referências parao trabalho são os documentos presentes nos arquivos da AssembleiaLegislativa, Diagnósticos da Fundação João Pinheiro (1990), Rela-tórios de Comissões da Assembleia Legislativa de Minas Gerais(2000, 2003). Entrevistas com deputados e gestores da instituiçãocompletaram as fontes consultadas.

Como elemento central da presente análise, foi introduzido, nes-se trabalho, o conceito de privatização para explicar o conflito deinteresse entre a perspectiva de uma universidade pública e os inte-resses das fundações de ensino superior privadas nos debates paraa elaboração da Constituição Mineira de 1989. O termo privatizaçãotem significado polissêmico e pode ser definido como a prática decolocar a administração pública a serviço de grupos particulares,sejam econômicos, religiosos ou político-partidários (CUNHA, 1991).

A questão do ensino superior na Constituinte Mineira (1989)mostra a imbricação dos conceitos de público e privado, possibili-tando uma compreensão do embate entre forças contraditórias emjogo. O conceito de privatização apresenta-se como uma questãocentral no trabalho, referenciando a investigação do processo daexpansão privada do ensino superior em Minas, as tentativas nosentido de frear políticas públicas para o setor e o processo compe-titivo do ensino superior privado.

O conceito de publicização fundamenta-se na discussão deuniversidade como bem público e refere-se ao papel da universida-de como instituição social, ao mesmo tempo produtora etransmissora do conhecimento, à qual cabem a criação e o controledos procedimentos metodológicos e técnicos que garantem ao co-

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nhecimento o estatuto científico.Ao tratar do processo de criação da UEMG, sob o enfoque do

processo de expansão do ensino superior privado, analisa-se aparticipação e o posicionamento dos parlamentares na elaboraçãoda Constituição Mineira de 1989 e a inserção de demandas dosetor privado no texto constitucional mineiro e suas presenças nasatuais configurações institucionais da universidade mineira. Cons-tatou-se que a criação de uma universidade estadual em MinasGerais foi, desde o início, objeto de disputa política e jurídica e dereiteradas redefinições e formulações legais para o delineamentode seu perfil institucional. Por esse motivo, a investigação sobre ascircunstâncias de sua criação pode contribuir para a compreensãode seu processo de institucionalização e de sua situação atual.

Uma perspectiva histórica: o sonhode uma universidade pública estadual

Para a compreensão do tema proposto, é importante fazer umaperspectiva histórica sobre as relações do ensino público e priva-do, dirigindo o foco para as fundações educacionais estaduais esuas reivindicações

Tanto as faculdades como as universidades surgiram tardia-mente no Brasil, se comparadas à realidade da América Latinacomo, por exemplo, o México, a Argentina e o Chile. Caracterizadacomo uma instituição fora de época e atrasada em relação a outrospaíses, a primeira universidade não existiu antes de 1920 no Bra-sil. Sua criação deu-se pela aglutinação administrativa de faculda-des pré-existentes, das quais se conservou a organização e a orien-tação profissional. É a interpretação dada por Fávero que afirma:

Permaneceu a orientação profissional doscursos, a estrutura de poder apoiada nacátedra, o caráter elitista do ensino;manteve-se alheia às necessidades da maiorparte da população brasileira e nãoincentivou o desenvolvimento da ciência eda tecnologia (FÁVERO, 1999).

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Em Minas o surgimento de faculdades isoladas também assumiua orientação de formação profissional e a criação de universidadesocorreu sob a forma de aglutinação de escolas. A primeira instituiçãode nível superior criada em Minas foi a Escola de Farmácia de OuroPreto (1839), seguida pela criação da Escola de Minas (1875) e, em1892, já no período republicano, foi criada, também em Ouro Preto, aFaculdade de Direito. Em seguida foi criada a Escola Livre de Odonto-logia (1907) e em 1911, a Faculdade de Medicina, a Escola de Enge-nharia e o curso de Farmácia, anexo à Escola Livre de Odontologia.

A criação de uma universidade no estado de Minas Gerais jáfazia parte do projeto político dos inconfidentes e esteve presente nahistória da educação mineira durante todo o século XX. Somente em1927 foi criada uma universidade em Minas sob a forma de incorpo-ração de entidades privadas. A Universidade de Minas Gerais(UMG), primeira universidade estadual mineira, em seu modelo ini-cial, possuía descentralização e autonomia administrativa e de po-der político, alocando nas Faculdades de Medicina, Direito, Enge-nharia e Odontologia, orçamentos e patrimônios próprios. As carac-terísticas desse modelo eram a autonomia da UMG e a subvençãopor recursos estaduais sob a forma de doação de apólices cujo rendi-mento asseguraria a respectiva manutenção. Constituiu-se, portan-to, como uma instituição privada, com subvenção pública, até suafederalização em 1949, dando origem à Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG). Após a federalização, a lei n. 1.254, de de-zembro de 1950, prevê uma incorporação em etapas, incluindo asfaculdades, gradativamente, na categoria de estabelecimentos man-tidos pela União por um prazo de 20 anos.

A organização das universidades foi definida no Estatuto dasUniversidades Brasileiras, em 1931. Ela estabeleceu uma estruturade aglutinação, exigindo que para a criação de uma universidade,seriam necessárias, pelo mínimo, três faculdades dentre as seguin-tes: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras.Essas faculdades seriam ligadas por vínculos administrativos,embora pudessem manter a sua autonomia jurídica.

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A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lein. 4.024 de 1961, definiu os objetivos do ensino superior como sen-do pesquisa, desenvolvimento das ciências, letras e artes e forma-ção de profissionais de nível universitário, vinculando as profis-sões liberais e a carreira docente à diplomação em nível superior.Na organização de universidades, deveria haver articulação entreensino, pesquisa e profissionalização docente. No entanto, taisobjetivos deveriam ser desenvolvidos em universidades e não es-pecificamente por faculdades isoladas.

No governo militar, a reforma universitária, objeto de intensamobilização política anterior, foi apresentada, em 1968, como re-sultado do trabalho de uma comissão especial formada por acadê-micos e aprovada pelo Congresso Nacional em tempo brevíssimo.Pela lei n. 5.440 de 1968, a universidade é o modelo institucional aser seguido, garantindo como sua função básica a indissocia-bilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Os estabelecimentosisolados deveriam constituir exceção para atender situações espe-cíficas. O sistema federal manteve essa orientação da reforma eampliou de forma controlada as matrículas dos cursos de gradua-ção sem incentivar a criação de faculdades isoladas. Contudo, apósa reforma universitária, o número de estudantes da educação su-perior apresentou uma impressionante expansão. Nessa expan-são acentuou-se a diferenciação entre faculdades isoladas e uni-versidades, públicas e privadas. O grande aumento das matrí-culas de graduação ocorreu no setor privado, em faculdades isola-das de baixo padrão acadêmico, dando lugar a um processo deparoquialização do ensino superior (OLIVEN, 1990).

O processo de expansão do ensino superior em Minas

A expansão do ensino privado apresentou-se de modo peculiarem Minas Gerais no período de 1960 a 1970, quando teve início emtodo o Brasil o processo de acelerada expansão do ensino superiorprivado. O setor privado ampliou-se por meio de instituições não

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universitárias de pequeno porte que passaram a oferecer cursos debaixo custo em carreiras como Letras, Ciências Humanas e, princi-palmente, Ciências Sociais Aplicadas (Direito, Economia, Admi-nistração, Ciências Contábeis). Em seu interior, o setor privadoapresentou crescente segmentação por diferenças nas disposiçõessobre patrimônio, valores de contribuição do alunado e participa-ção de docentes, discentes e comunidade no processo decisório.

No Brasil a literatura mostra que o aumento da demanda porensino superior foi decorrente de diferentes causas, dentre as quaiso processo de urbanização, a ampliação da classe média urbana eo aumento da oferta de ensino médio. O ensino médio público em1960 tinha 412 mil matrículas, o que correspondia a 35% das ma-trículas em relação ao ensino privado. Entre 1960 e 1965, ele ex-pandiu de maneira significativa, atingindo mil e trinta e três matrí-culas em 1965, representando 48% em relação ao ensino privado.Esse aumento da matrícula pública no ensino médio vai originaruma substantiva demanda por ensino superior. O ensino superiorpassou por intenso processo de expansão, passando de 95 mil e691 matrículas em 1960 para 155 mil e 781 em 1965 e 425 mil em1970. O ensino superior público passa de 58 mil e 21 matrículas em1960 para 88 mil e 986 em 1965.

Em Minas apesar da expansão da participação no ensino pú-blico entre 1960 e 1970, a demanda da população jovem não estavasendo absorvida pelo setor público. Isso provocou uma participa-ção do ensino privado nessa dinâmica, estabelecendo-se processosconcomitantes de crescimento do setor público e do privado. Nesseprocesso, destaca-se a existência, também em Minas Gerais, desdeos anos de 1940, de uma rede de instituições católicas que recebiamentão substanciais recursos do Estado (CUNHA, 1985). O períodocompreendido entre o fim dos anos de 1950 e início da década de1960 representa a aceleração da criação de universidades federais,da federalização de instituições isoladas e da criação de institui-ções de ensino superior privadas estaduais (CUNHA, 1989).

O crescimento do setor público se deu, inicialmente, por iniciati-

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va federal. Porém, o setor privado também ampliou muito a sua ofer-ta de vagas para absorver a demanda de estudantes que não conse-guiam vagas nas universidades públicas. A análise de Teixeira éexemplar sobre a questão do público e do privado naquele período:

À primeira vista parece que a tendência é deo particular se fazer público. Mas se aprofun-darmos a análise, vemos que o particularnão é convocado a agir como público, masmuito pelo contrário, é convocado aparticipar dos órgãos públicos no caráter deprivado. Ora, isto é exatamente dar aoprivado as regalias do público (TEIXEIRA,1960 apud CUNHA, 1991)2.

A diversificação e expansão do setor privado são fundamentaispara entender a batalha ideológica e estratégica que se travou, noBrasil e em Minas, em torno da privatização do ensino superior.Em todo o Brasil instituições privadas expandiram-se e controla-ram o ensino superior, transformando-o em ensino de massa. Por-tanto, diversas instituições privadas em Minas e no Brasil tiveramdificuldade em manter-se, reivindicando recursos públicos eencampação pelo Estado, demonstrando que os recursos familia-res não foram suficientes para a manutenção e expansão de muitasinstituições privadas em Minas (DURHAN, 1998).

Em Minas, 20 anos após o período de expansão acelerada doensino privado, a reivindicação por encampação das fundaçõesinstituídas na década de 1960, quando foram criadas inúmerasfaculdades, atingia um número expressivo de instituições. Muitasdelas haviam sido criadas como fundações públicas por decretoestadual, mas instalaram-se como fundações privadas. Destaca-sea data de criação de algumas: Fundação de Ensino Superior dePassos (1963), Faculdade de Letras e de Engenharia de Ituiutaba(1970), Fundação Educacional de Passos (1963), Faculdade de Fi-losofia, Ciências e Letras de Divinópolis (1964), Faculdade de Pa-tos de Minas (1968), Faculdade Filosofia, Ciências e Letras de La-2 TEIXEIRA, A. Um anacronismo educacional. Revista Senhor, Rio de janeiro. Ano 2. n.1, p. 29-30,Jan. 1960.

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vras (1968), Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Carangola(1970), Fundação Vale do Jequitinhonha (1965). Objetiva-se demons-trar que todas essas instituições optaram por serem encampadas ouvinculadas ao Estado.

São essas instituições que reivindicaram, na Constituição Mi-neira de 1989, a subvenção pelo Estado e a vinculação à universi-dade estadual a ser criada. No período da Constituinte Mineira(1988-1989), instituições privadas, devido a dificuldades econô-micas e de gerenciamento, apresentaram situações de insolvência,acumulando dívidas trabalhistas e de encargos sociais, daí decor-rendo suas reivindicações por encampação.

Interesses em conflito na criaçãoda universidade estadual

Os conflitos internos ao setor educacional privado nortearamos debates na Constituição Federal de 1988 (CF/88), reivindican-do e aprovando a diferenciação das instituições privadas em em-presariais de um lado e em comunitárias, confessionais e filantró-picas de outro lado, habilitando apenas as últimas a receberemrecursos públicos mediante algumas condições.

A regulamentação da CF/88 pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB),lei n. 9.394 de 1996, formaliza a instituição pública e a instituiçãoprivada como categorias administrativas, enquadrando nesta últi-ma as instituições particulares de caráter empresarial e as priva-das comunitárias, confessionais e filantrópicas. A LDB definiu tam-bém que à União “cabe a coordenação da política nacional da edu-cação, articulando os diferentes níveis e sistemas de ensino e exer-cendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação àsdemais instâncias” (BRASIL, 1996, art. 8º). Com relação ao ensinosuperior, cabe à União “assegurar processo nacional de avaliaçãodas instituições de educação superior, com a cooperação dos siste-mas que tiverem responsabilidades sobre este nível de ensino”(BRASIL, 1996). E também a incumbência de “autorizar, reconhe-

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cer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursosdas instituições de educação superior e os estabelecimentos do seusistema” (BRASIL, 1996, art. 9º). Define também que essas incum-bências poderão ser delegadas pela União aos Estados que mante-nham instituição de educação superior.

Em Minas, a Comissão Constitucional, em outubro de 1988,inicia a tramitação da Constituição de Minas Gerais. Essa comis-são, responsável por coordenar os trabalhos para a elaboração daConstituição Mineira, estabeleceu várias etapas do trabalho queseriam em síntese: um primeiro Relatório Temático, a elaboraçãodo Anteprojeto pelo relator, a fase de Emendas Parlamentares, aVotação no Primeiro Turno, nova fase de Emendas Parlamentares,Votação no Segundo Turno e Redação Final.

Desde o início dos trabalhos da Comissão Constitucional, nasaudiências públicas, foram identificadas demandas por universi-dades públicas estaduais em regiões específicas e em cidades den-samente povoadas. Por outro lado, as demandas por encampaçãodas fundações privadas e por recursos estaduais também estãopresentes em um número significativo de audiências públicas rea-lizadas no período inicial da constituinte. Lê-se, no primeiro Rela-tório Temático:

Ao Poder Público cabe a integração ao sis-tema estadual do ensino das autarquias efundações educacionais criadas e instituídaspelo Estado ou Município e as universidadese fundações de direito privado que tenhamtido, na criação, ou instituição, a partici-pação do Estado ou do Município (MINASGERAIS, 1989).

A justificativa a essa formulação, que foi posteriormente inclu-ída no texto constitucional, apresenta-se como um discurso quereproduz, de modo equivocado, os dispositivos da ConstituiçãoFederal de 1988. A então recém aprovada Constituição Federal es-tabeleceu a competência da União para a autorização das institui-ções privadas, com uma exceção para as universidades criadas

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pelo Estado há mais de cinco anos e mantidas pelo Poder Público.Entende-se que o discurso elaborado pelos deputados mineirosmostra-se incoerente por aplicar o texto da Constituição Federal afundações privadas não mantidas com recursos públicos.

Contudo, a polêmica se estende à legitimidade do Conselho Esta-dual de Educação para autorizar instituições privadas. A referênciajurídica é a Constituição Federal de 1988 e também a LDB. Esta esta-beleceu com clareza as competências da União e dos estados:

O sistema federal compreende as insti-tuições de ensino mantidas pela União e maisas instituições de educação superiorprivadas; os sistemas estaduais compre-endem as instituições de ensino mantidaspelos respectivos poderes públicos estaduaise mais as instituições de educação superiormantidas por municípios de sua jurisdição,além das instituições privadas de ensinofundamental e médio (BRASIL, 1996, arts.16 e 17).

A interpretação dos constituintes mineiros amplia seu equívo-co jurídico ao incluir, como veremos a seguir, as instituições priva-das sob a supervisão do Conselho Estadual com a alegação queelas haviam sido criadas pelo poder público estadual.

No texto final da Constituição de Minas Gerais não são muitos osartigos que tratam de educação superior. No decorrer do processoconstituinte mineiro, o jogo político demonstrou posições antagôni-cas sobre a implantação de ensino superior público e privado. Nessejogo, foram evidenciadas, na investigação realizada, estratégias e açõespolíticas favoráveis ao ensino privado e ações políticas partidáriaspela promoção ao ensino superior público. Por meio de escolhas paracoordenar o grupo temático da Educação, proposição de emendas esubemendas ao anteprojeto da Constituição Mineira delineou umquadro claro de luta por projetos opostos de ensino superior.

O primeiro grupo advogou a encampação das instituições pri-vadas, a proibição de criação de instituições de ensino superioronde já houvesse entidades privadas, a interpretação equivocada

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da Constituição Federal sobre a supervisão estadual do ensinosuperior privado e, com ênfase, advogou a manutenção de institui-ções privadas sob a supervisão do Conselho Estadual de Educa-ção. O segundo grupo encaminhou as votações a favor da criaçãode instituições de ensino superior público, ou situadas em váriospontos do estado de Minas Gerais ou especificamente defendendoa criação da Universidade do Estado de Minas Gerais e da Univer-sidade Estadual de Montes Claros. O texto final resulta de um acor-do que foi acertado por meio de compromisso e que resultou, nodecorrer da elaboração da Constituição de Minas Gerais, em com-plexo processo de aprovação, rejeição e substituição de emendasao anteprojeto da Constituição Mineira.

O texto finalmente aprovado em 1989 inclui poucos artigos sobreo ensino superior, dentre os quais se destaca o artigo 199. O caputrepete a Constituição Federal de 1988, definindo a autonomia dasuniversidades e o princípio de indissociabilidade entre ensino, pes-quisa e extensão. O parágrafo único desse artigo inova, expressandoresultados do acordo que agrupou, num mesmo artigo, reivindica-ções do grupo das fundações privadas e dos deputados que reivin-dicavam universidade pública em diversas regiões do estado:

§ Único - Na instalação das unidades daUniversidade Estadual de Minas Gerais, ouna encampação de entidades educacionaisde ensino universitário, levar-se-ão em conta,prioritariamente, regiões densamente po-voadas, não atendidas por ensino públicosuperior, observada a vocação regional.(MINAS GERAIS, 1989).

O parágrafo único acima não define nem a criação, nem aencampação, mas para os pesquisadores desse tema, aponta parao confronto entre posições de conflito: posições defensoras ou dacriação de uma universidade estadual ou posições defensoras daencampação de fundações já existentes. Assim, o conteúdo desseparágrafo sela o pacto a que haviam chegado os debates. Apenasno Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e não

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no corpo do texto constitucional é estabelecida a criação da UEMG,demonstrando a dificuldade de se estabelecer um consenso entre acriação de uma universidade pública e as reivindicações das fun-dações privadas

Art. 81-Fica criada a universidade do Estadode Minas Gerais sob a forma de autarquia,que terá sua reitoria na capital e suasunidades localizadas nas diversas regiõesdo Estado.§ 1º Serão instaladas no prazo de dois anoscontados da promulgação da Constituiçãodo Estado e absorvidas como unidades daUniversidade do Estado de Minas Geraisas entidades de ensino superior criadas ouautorizadas por lei e ainda não instaladas.§ 2º- O Estado instalará a universidade quetrata este artigo no prazo de setecentos evinte dias a contar da data da promulgaçãode sua Constituição (MINAS GERAIS, 1989).

Portanto, as fundações educacionais não estão ainda mencio-nadas, mas o artigo remete a elas ao estabelecer, de modo genérico,a instalação e a absorção, como unidades da universidade estadu-al, as entidades de ensino superior criadas ou autorizadas por leie ainda não instaladas.

O artigo 82 do ADCT é mais específico e trata das fundações edas condições de institucionalização de duas universidades: a Uni-versidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e Universidade Esta-dual de Montes Claros (Unimontes). O parágrafo primeiro estabele-ce a encampação das fundações educacionais de ensino superiorinstituídas pelo Estado ou com sua participação, outorgando-lhesprazo de 180 dias para que optassem pela absorção como unidadesda UEMG ou pela extinção dos vínculos com o poder público.

§ 1º - As fundações educacionais de ensinosuperior instituídas pelo Estado ou com suaparticipação poderão manifestar-se noprazo de cento e oitenta dias contados dapromulgação da Constituição por uma dasseguintes opções:

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I - absorção, como unidades, pela Univer-sidade do Estado de Minas Gerais, na formaprevista no § 1º do artigo anterior;II - extinção dos vínculos existentes com o Poderpúblico Estadual, mediante alteração dos seusestatutos, permanecendo sob a supervisãopedagógica do Conselho Estadual deEducação, nos termos da constituição, desdeque não tenham recebido recursos públicosestaduais até a data de sua promulgação.§ 3º - Fica transformada em autarquia, coma denominação de Universidade Estadualde Montes Claros, a atual Fundação NorteMineira de Ensino Superior (MINASGERAIS, 1989).

O inusitado é a formulação dada, vinculando as fundações edu-cacionais privadas ao Conselho Estadual de Educação. A formu-lação dada pela Constituição por um lado define a criação da UEMGe da Unimontes como autarquias de regime especial, caracteriza-das como pessoas jurídicas de direito público, patrimônio e receitapróprios, autonomia didático-científica, administrativa e discipli-nar, incluída a gestão financeira e patrimonial. Portanto, definidasinstitucionalmente como universidades públicas. Por outro lado, alegislação estabeleceu, desde o início, uma estrutura diferenciadacom relação à UEMG, com a possibilidade de absorção de faculda-des privadas isoladas e a possibilidade de agregar novas funda-ções privadas localizadas em vários municípios mineiros.

Regulamentação e instalação da UEMG

Em 1990 o Conselho Estadual de Educação relaciona onze fun-dações que optaram pela absorção como unidade da UEMG e estru-tura a reitoria da instituição sem, no entanto, implantar a universi-dade. A lei n. 11.539 de 1994 definiu uma estrutura diversificada eincluiu a possibilidade de absorver fundações localizadas em vári-os municípios mineiros. Somente após a LDB, foi autorizado o fun-cionamento da UEMG pelo Decreto Estadual n. 39.115, de 02 de

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outubro de 1997. O Decreto Estadual n. 40.359, de 1999, credencioua universidade pelo prazo de cinco anos e incluiu também os campifundacionais agregados de Campanha, Carangola, Diamantina,Divinópolis, Ituiutaba, Lavras, Passos, Patos de Minas e Varginha.Essas fundações foram estabelecidas juridicamente como agrega-das sem, contudo, serem absorvidas pelo Estado.

Em depoimento à Comissão de Educação da AssembleiaLegislativa (MINAS GERAIS, 2000) o professor Boson, então reitorda universidade, informou que a não absorção decorreu do fato deas fundações não estarem financeiramente saneadas, estando al-gumas em débitos com o INSS. Portanto, a absorção seria impró-pria. O vice-reitor, Antônio Faria (MINAS GERAIS, 2000) nessemesmo depoimento, afirmou que foi fundamental o papel da UEMGno desenvolvimento das fundações. Como agregadas à universi-dade, as fundações tiveram pela primeira vez acesso aos recursosda Fapemig para projetos de pesquisa e programas de qualifica-ção. Isso porque cerca de 80 a 90% do que se arrecadava com men-salidades nas fundações eram gastos com despesa de pessoal.Desse modo, pouco sobrava para investimento e qualificação.

A conclusão a que chegou o grupo criado em 2000 pelaAssembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais enfatizou anecessidade de alocação sistemática de recursos orçamentários efinanceiros que permitissem o cumprimento integral da tríplicefunção de ensino, pesquisa e extensão da UEMG, de suas agrega-das e da Unimontes.

Em decorrência desse posicionamento, foi aprovada a EmendaConstitucional n. 47, de 2000, que destinou 2% da receita orçamen-tária anual do Estado para a manutenção da UEMG e Unimontes.O custeio das fundações privadas continuou a ser realizado deforma limitada, por cotas mensais, ao mesmo tempo em que perma-necia o ensino pago e o financiamento do quadro de professorespelas fundações.

Em Comissão da Assembleia Estadual dois anos depois (MI-NAS GERAIS, 2003), foi definida uma nova forma de vinculação: a

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instituição associada, mantendo-se relação de cooperação mútuaentre as entidades privadas, que permaneceram nessa condição, ea universidade pública. Assim, extinguiu-se o vínculo jurídico atéentão existente. Essa alteração substantiva da situaçãoinstitucional das fundações então consideradas agregadas à UEMGsó ocorreu em 2005. A Emenda Constitucional n. 72, de 2005, deuàs fundações o estatuto de associadas, que se mantém até hoje.

Questiona-se a viabilidade desse modelo e os interesses queperpassaram sua formulação. A hipótese dessa pesquisa é quevários fatores são responsáveis pelo interesse das fundações pri-vadas em vincular-se à universidade estadual. Dentre eles, avinculação ao Conselho Estadual de Educação, o aporte de recur-sos públicos, a dificuldade das fundações privadas de acesso aofinanciamento para pesquisa e a competitividade entre institui-ções, exigindo níveis mais altos de empreendimentos. Em 2000 e2001 duas unidades transformaram-se em Centro Universitário:Varginha e Lavras, rompendo seus vínculos com a UEMG e tor-nando-se autônomas.

Interpretação dos dados da pesquisa

A formulação de leis decorre de pressões dos diferentes interes-ses que se transformam em embates entre deputados, os represen-tantes desses interesses. Pressões por ensino público, dos empre-sários de ensino, regionais e de interesses eleitorais buscam a in-serção de suas reivindicações no texto legal. Tal inserção não sefaz sem conflitos e sem a defesa de propostas diferenciadas pelosparlamentares. Na presente pesquisa sobre o ensino superior naelaboração da Constituição Mineira de 1989 foram identificadosos seguintes focos dos grupos:a) interesses locais dos representantes majoritários de municípiosespecíficos para que fossem inseridos no texto constitucional ospleitos pela criação de universidades públicas estaduais em dife-rentes regiões de Minas;

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b) os interesses de fundações privadas, criadas por lei estadual,mas estabelecidas como instituições privadas;c) os interesses específicos de associações de dirigentes de escolasprivadas para que não fossem instaladas universidades onde jáexistissem escolas superiores e para serem supervisionados peloConselho Estadual de Educação.

Nas justificativas das emendas dos parlamentares foram identifi-cados três grupos envolvidos na disputa e que expressaram, em seusdiscursos, justificativas legitimadoras que podem ser agrupadas nosseguintes argumentos contra a criação de ensino superior público:I. a necessidade de ser evitada a sobreposição de recursos edesequilíbrios na relação oferta-procura, constituindo-se as funda-ções num caminho mais eficaz para o aproveitamento da rede deensino já existente. Argumento que demonstra explicitamente os in-teresses dos dirigentes das instituições privadas, ciosas das restri-ções à expansão do ensino privado que instituições de ensino públi-co poderiam oferecer;II. a necessidade de reorganização do sistema estadual de ensinosuperior com a integração das instituições espalhadas pelo Estado,chegando-se a um esboço mais enxuto que facilitaria a administra-ção das instituições. Argumento não comprovado, pois não houveplanejamento para uma reorganização do sistema estadual e não secomprovou o enxugamento e a facilidade da administração;III. a suposta manutenção da integridade geofísica do estado emperigo de fragmentação. Esse argumento não foi comprovado pornão se confirmar iminência real de desmembramento do Estado;IV. a necessidade de regionalização e interiorização do ensino supe-rior. Argumento falacioso, pois a regionalização poderia ser realiza-da por instituições pública.

A análise desses argumentos revela um exemplo significativodas acirradas disputas nos processos legislativos. Neles se ex-pressam complexas relações do poder que envolvem tensões en-tre interesses de natureza distinta – dentre eles os interesses pú-blicos e os privados.

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Considerações finais

É na perspectiva privada que, desde a década de 1990, ocorreua expansão do ensino superior em Minas Gerais bem como emtodo o Brasil. As instituições públicas ficaram estagnadas em nú-mero de instituições e em verbas para a expansão das existentes.Esse duplo processo de estagnação/expansão é desafiador parapesquisadores da história da educação e instiga a reflexão sobre opapel histórico e social que assumiu o ensino superior nas diferen-tes regiões do país.

O papel da universidade, como definido nesta pesquisa, funda-menta-se na produção do conhecimento, na formação humana ena interlocução com demandas sociais voltadas para o interessepúblico, contrapondo-se à mercantilização do ensino superior.

A pesquisa apresentada busca sinalizar para as complexas re-lações entre interesses mercantis e o Estado enquanto mantenedordas instituições públicas responsáveis pela pesquisa científico-tecnológica, pela formação profissional e pela construção de no-vas relações de poder regionais (FERNANDES, 1984).

É necessário destacar que amplos processos de expansão e deprivatização que vêm ocorrendo na educação superior poderão serexaminados em pesquisas específicas para que se percebam ou-tros processos regionais que decorrem de formulação legal e dascomplexas relações entre os interesses públicos e privados.

Atualmente em Minas, como em toda região Sudeste, processosintensos de privatização vem ocorrendo. E é importante conheceros fatores políticos, culturais e empresariais que viabilizam umsetor privado rentável e competitivo. Compreender também a de-manda por formação universitária e as necessidades regionaispoderá contribuir para a definição mais clara do papel do ensinosuperior na região.

Os aspectos trabalhados nesta pesquisa sobre os conflitos entreinteresses públicos e privados na elaboração da Constituição Minei-ra, em perspectiva histórica, são, certamente, apenas sinalizadores

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para a problemática da universidade hoje. Contudo, eles desafiampesquisadores a investigar as situações locais com a finalidade dese pensar a construção de uma política nacional de ensino superior,tendo em vista uma universidade autônoma, solidária e com decisi-vo papel social na superação da desigualdade social.

Nessa perspectiva questiona-se: quais seriam as funções de umauniversidade estadual frente aos desafios do contexto atual? Osnovos cenários de flexibilização do trabalho exigem modificaçõesem seu programa de formação? Que referenciais teóricos podemcontribuir para a visão de uma universidade sintonizada com odesenvolvimento social?

O papel da universidade no processo de desenvolvimento eco-nômico de Minas Gerais é relevante como um instrumento de de-senvolvimento regional e de desenvolvimento humano, contrapon-do-se às novas tendências que visam fazer da universidade ape-nas um instrumento de inserção competitiva no mercado. A pre-sença de políticas regionais de educação superior poderá consoli-dar centros de pesquisa, de inovação e formação profissional, acres-centando um novo elemento para a implementação de estratégiaslocais e regionais de desenvolvimento sustentável. Nessa perspec-tiva, é necessário garantir às universidades autonomia, recursosfinanceiros e debate amplo para resistir às pressões internas e ex-ternas por transformar a universidade em instituição heterônomae neoprofissional.

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Higher education in the Constitutionof Minas Gerais State

Abstract

This article aims to analyze the drafting ofthe 1989 Constitution of Minas Gerais State,for the higher education and the process ofcreating State public universities. Thedefended hypothesis is that advocated in thelegislative process significant discussionstook place among representatives of privatefoundations and representatives who areinterested in building a statewide publicUniversity. The Constitution final text resultsfrom this struggle is analysed showing thesolutions of commitment between thevarious interests. In the research wereconsulted documents, examined amendmentsof Deputies and interviewed participants. Thelegal grey area of the University of the Stateof Minas Gerais is highlighted as a resultof collisions constitutional between publicand private interests.

Keywords: Higher education; legislation;educational policies.

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A natureza das redes ecomunidades virtuais

de aprendizagem

Jaciara de Sá Carvalho1

[email protected]

Resumo

Este artigo é parte do resultado de umapesquisa de mestrado (CARVALHO, 2009a)apresentada à Faculdade de Educação daUniversidade de São Paulo. Observamostrês agrupamentos do ciberespaço (umarede social, uma rede de aprendizagem on-line e uma comunidade virtual de apren-dizagem) e realizamos revisão biblio-gráfica para responder à seguinte proble-mática: “Como distinguir as redes e comu-nidades virtuais de aprendizagem dosdemais agrupamentos do ciberespaço? Eelas entre si?” Para a primeira questão, ainvestigação aponta os seguintes ele-mentos: objetivo educativo explícito, pro-posta/projeto inicial e a presença de profes-sor(es). Para a segunda, os laços estreitos, acooperação frequente e o compromissoentre os participantes das comunidadesvirtuais. Esta é uma reflexão sobre a natu-reza dos agrupamentos de aprendizagemdo ciberespaço.

Palavras-chave: Rede de aprendizagem on-line; aprendizagem em rede; comunidadevirtual de aprendizagem; educação adistância; colaboração.

1 Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP) eespecialista em Gestão de Processos de Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da USP(ECA/USP). Coordenadora do Setor de Educação a Distância do Instituto Paulo Freire, onde tambémé pesquisadora do Programa Educação para a Cidadania Planetária. Docente do curso deespecialização (lato sensu) Tecnologias na Aprendizagem do Centro Universitário Senac/SP.

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1 Introdução

Criado a partir do trabalho colaborativo de grupos de pessoas, ociberespaço2 expressa vocação para abrigar incontáveis agrupamen-tos, diversos e distintos como a natureza humana. Parte desses agru-pamentos tem recebido o nome de “redes de aprendizagem on-line”e “comunidades virtuais de aprendizagem”. Uma vez que a apren-dizagem é intrínseca ao homem em variados tempos, lugares e situ-ações, todos os agrupamentos do ciberespaço podem proporcioná-la. Mas o fato de que há aspectos em comum na diversidade nãoretiraria a necessidade de estabelecer diferenças entre os agrupa-mentos: não se deve confundir multiplicidade com indistinção.

A problemática surgiu por meio do incômodo que sentíamosquanto ao uso indiscriminado das expressões “rede de aprendiza-gem on-line” e “comunidade virtual de aprendizagem” nos proje-tos de educação em que atuávamos. Não se trata de preciosismo,mas de sabermos que as palavras são signos ideológicos e que seuuso formata a realidade (BAKHTIN, 1981). Se nossos pensamentosexistem por intermédio de signos, problematizar essas expressõescontribui para agirmos mais criticamente em projetos desenvolvi-dos no ciberespaço.

Sabendo que a pesquisa científica destina-se – não somente – àampliação dos conhecimentos acerca do que já se conhece, estetrabalho apresenta uma reflexão a partir das seguintes questões:Como distinguir as redes e comunidades virtuais de aprendiza-gem das demais comunidades e redes sociais do ciberespaço? Comodistinguir as redes de aprendizagem entre si?

Sendo este nosso objetivo geral, tínhamos, ainda, alguns objeti-vos específicos:� Realizar uma revisão bibliográfica a respeito do conceito de rede,comunidade, rede social e comunidade virtual de aprendizagem.� Levantar elementos encontrados nas redes e comunidades virtu-

2 Ciberespaço designa um espaço para além da internet como Rheigold explica: “o espaço conceptualonde se manifestam palavras, relações humanas, dados, riquezas e poder da tecnologia de CMC[Comunicação Mediada por Computadores]” (RHEIGOLD, 1996, p. 18).

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ais de aprendizagem que possam proporcionar uma distinção des-ses agrupamentos em relação a outros, assim como característicasque diferenciem as redes de aprendizagem das comunidades deaprendizagem no ciberespaço.� Examinar as dinâmicas dos agrupamentos de aprendizagem e aação do professor nesse contexto.

A exposição dos objetivos e da problemática indica a complexi-dade do objeto de pesquisa, que surgiu com o advento da comunica-ção mediada por computadores. Por ser um fenômeno novo e com-plexo, a investigação apresenta-se como uma costura realizada comestudos dos campos da educação, comunicação e sociologia. A di-versidade dos agrupamentos encontrados no ciberespaço só pode-ria ser analisada a partir de um paradigma que considera amultiplicidade. O pensamento complexo contribui para que se tentedistinguir sem desarticular, associar sem reduzir (MORIN, 2006).

A investigação foi desenvolvida em nível de mestrado3 (CAR-VALHO, 2009a) e permitiu identificar elementos que distinguem:1) “redes” das “comunidades” virtuais (de aprendizagem ou não);2) redes e comunidades virtuais “de aprendizagem” dos demaisagrupamentos do ciberespaço. Esses dois pontos serão, de formaresumida, tratados neste artigo. A pesquisa proporcionou, ainda,mapearmos indicadores de formação de comunidades virtuais emsituação de aprendizagem que podem ser conferidos em outro tra-balho (CARVALHO, 2009) ou na dissertação (CARVALHO, 2009a).

2 Distinção entre “rede social” e“comunidade” no ciberespaço

A partir da ideia de nós e interconexões, Marteleto define redesocial como “um conjunto de participantes autônomos, unindoideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados”(MARTELETO, 2001). Em detrimento às estruturas hierárquicas,as pessoas em rede valorizam os elos informais e as relações entre

3 Sob orientação do professor doutor Nílson José Machado, na linha de pesquisa Linguagem eEducação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

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elas. E, assim, “os indivíduos, dotados de recursos e capacidadespropositivas, organizam suas ações nos próprios espaços políti-cos em função de socializações e mobilizações suscitadas pelo pró-prio desenvolvimento das redes” (MARTELETO, 2001).

As pessoas em rede trocam e compartilham ideias de formafluída e aberta enquanto seus interesses forem os mesmos do con-junto. Elas criam um sistema aberto e dinâmico cuja estrutura écapaz de se “expandir de forma ilimitada integrando novos nósdesde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desdeque compartilhem os mesmos códigos de comunicação [...]”(CASTELLS, 1999, p. 566).

Recuero (2005) parte da análise de “redes sociais”, baseada nasociometria e na Teoria dos Grafos (DEGENNE; FORSÉ, 1999) que,por sua vez, tem suas bases nas décadas de 1960 e 1970(WELLMANN, 1988) para caracterizar rede social “como um con-junto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos) esuas conexões [...]. Essas conexões são entendidas como os laços erelações sociais que ligam as pessoas através da interação social”(RECUERO, 2005, p. 4), uma intersecção entre os modelos matemá-ticos e os estruturais-funcionalistas. Ela apresenta uma propostade modelo de estudo das comunidades virtuais (compreendendo-as como redes sociais) a partir de diálogos entre as teoriassistêmicas, cibernéticas, a ciência das redes e os estudos sociais.

A estrutura, a organização e a dinâmica dos processos da redesocial são levantadas como elementos fundamentais para o estudodos sistemas. Segundo Recuero (2005), a “estrutura” é o que umgrupo tem de mais permanente nos modos de agir e das relaçõessociais. A “organização” trabalha com as relações, o conjunto deelementos que faz parte da estrutura, constituindo a substância doextrato social. Já a “dinâmica” diz respeito às adaptações e modifi-cações pelas quais as redes passam ao longo do tempo, das quaispodem se destacar seis: ruptura e agregação; comportamentos emer-gentes; adaptação e auto-organização; sincronia; clusterização eprocessos de cooperação; competição e conflito. “Cooperação” seria

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o principal elemento distintivo entre as redes sociais on-line e ascomunidades.

A interação que é cooperativa pode gerar asedimentação das relações sociais, propor-cionando o surgimento de uma estrutura.Quanto mais interações cooperativas, maisforte se torna o laço social desta estrutura,podendo gerar um grupo coeso e orga-nizado. Na organização da comunidadevirtual, portanto, é necessário que existauma predominância de interaçõescooperativas, no sentido de gerar e mantersua estrutura de comunidade (RECUERO,2005, p. 14, grifo nosso).

Assim, no que diz respeito à organização, verifica-se a “forma-ção de uma comunidade” em redes sociais cuja estrutura apresen-ta laços fortes que a mantêm. Ao redor deles, existiriam laços fra-cos, compostos de integrantes que poderiam fazer parte do grupoou não. Temos observado nas redes sociais e comunidades virtu-ais que pesquisamos a organização sugerida por Recuero. Vemosque uma comunidade virtual pode situar-se dentro de uma redesocial no ciberespaço, mas também constituir-se comunidade comoum todo, o que poderia ser encontrado em agrupamentos com nú-mero reduzido de participantes, mas não se restringindo a ele.

Parece-nos, ao chegar neste ponto, que a distinção entre redesocial on-line e comunidade virtual estaria na intensidade dos ele-mentos fundamentais das redes. Diríamos que nas comunidadesvirtuais encontramos: laços fortes que formam um grupo sólido;cooperação constante entre os integrantes; alto grau de adaptação,auto-organização e sincronismo.

As interações nas redes sociais on-line, por sua vez, apresentari-am características mais ligadas ao próprio conceito de rede, flui-das, multidirecionais, ilimitadas. O que não significa que não pos-samos encontrar cooperação entre as pessoas das redes sociais,mas que a cooperação apareceria de forma esparsa por conta doslaços fracos que os unem.

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3 A pesquisa

Além de revisão bibliográfica, em que os autores anteriormentecitados aparecem, a pesquisa foi realizada a partir da observaçãode três agrupamentos do ciberespaço. Em dois deles – a lista dediscussão “Blogs Educativos” e o curso “Ensinando em Ambien-tes Virtuais 1 (EAV1)” – a observação foi participante, uma vez queesta pesquisadora se incorporou aos agrupamentos, participandode suas atividades e ficando próxima aos membros (MARCONI;LAKATOS, 1996).

Em relação ao curso, no entanto, sentimos ainda a necessidade derealizar uma entrevista e aplicar questionários para obtermos infor-mações que não puderam ser observadas. O procedimentoinvestigativo para análise do terceiro agrupamento, a rede POIEs (Pro-fessores Orientadores de Informática Educativa) do Butantã, é clas-sificado como “observação sistemática”, na qual o observador nãoparticipa, mas, tendo consciência do que procura, destaca na situaçãoo que seria mais importante frente a seus objetivos.

A rede de aprendizagem on-line POIEs o Butantã4 foi um agru-pamento desenvolvido por meio do Portal EducaRede em feverei-ro de 2008, a partir de iniciativa da responsável pela formaçãodos POIEs da Diretoria Regional de Educação do Butantã, órgãoda Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. ElayneFernandes Moura Leite tinha como objetivo formar 42 educado-res da região para atuarem como POIEs – o professor que fica nolaboratório de informática das escolas municipais paulistanas,onde desenvolve projetos com os alunos. Realizamos uma análi-se quantitativa e qualitativa das mensagens trocadas durante omês de junho de 2008, considerando, também, a organização doespaço virtual e outros conteúdos publicados.

A lista de discussão Blogs Educativos5 – a qual esta pesquisa-dora ingressou no início de 2008 – em 23 de junho do mesmo ano,

4 Disponível em <http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?id_comunidade=147>. Acessoem 12 ago. 2008.5 Disponível em <http://br.groups.yahoo.com/group/blogs_educativos/>. Acesso em 06 fev. 2008.

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reunia 530 integrantes para troca de experiências entre professo-res dos ensinos fundamental, médio e superior, pesquisadores so-bre tecnologia na educação, sobre o uso da internet e da web, alémde discutir as inúmeras possibilidades educacionais dos weblogse de diferentes ferramentas de aprendizagem. Também nesse caso,foram analisadas mensagens trocadas, a organização do ambientevirtual (a ferramenta Yahoo Grupos) e conteúdos publicados, alémda experiência como integrante da lista.

O curso Ensinando em Ambientes Virtuais 1 (EAV 1) é umadisciplina oferecida pelo Programa de Pós-Graduação da Facul-dade de Educação da Universidade de São Paulo. Participamos docurso como aluna no período entre março e junho de 2008, quandodesenvolvemos a “observação participante”. Analisamos os mes-mos pontos dos outros dois agrupamentos, além de aplicarmosquestionário a três tutores e realizarmos entrevista com a respon-sável pelo curso, a professora doutora Vani Moreira Kenski. Essadisciplina semipresencial reuniu 31 alunos em torno de uma pro-posta colaborativa para que, em rede on-line, aprendessem a ensi-nar em ambientes virtuais. As atividades a distância foram desen-volvidas nas plataformas Moodle e Teleduc6.

Nos três agrupamentos pesquisados, nosso olhar debruçou-se,principalmente, sobre o “diálogo” entre os participantes. É por meiodele que os participantes interagem, confeccionam laços, trocam in-formações, produzem conhecimentos, colaboram uns com os ou-tros. “O diálogo, que é sempre comunicação, funda a colaboração”(FREIRE, 2005, p. 193). Isso porque o diálogo não impõe, não mane-ja, não domestica; seu compromisso é com a autonomia.

O diálogo coloca em destaque a palavra. E o que são os ambien-tes virtuais destinados ao ensino/aprendizagem sem ela? Os pro-cessos educativos que apenas disponibilizam textos para leiturados alunos tornam o ambiente um rico mural, mas sem vida. Os

6 O processo a distância envolveu três ambientes virtuais de aprendizagem, cujos endereços,acessados no período, são: <http://www.siteeducacional.com.br/moodle/course/view.php?id=5>, <http://ip.netup.com/teleduc/cursos/aplic/index.php?cod_curso=15> e <http://labspace.open.ac.uk/course/view.php?id=3313&loginguest=true>

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espaços virtuais vivos, nos quais a aprendizagem é visível, seriamaqueles que destacam a palavra dos participantes e colocam o diá-logo como personagem principal.

4 Redes e comunidades de“aprendizagem” no ciberespaço

Redes sociais, de relacionamento, comunidades virtuais... Mui-tos são os nomes para classificar os agrupamentos do ciberespaço.Sabemos que grande parte deles reúne pessoas interessadas em no-vas aprendizagens por meio da troca de informações. Participantesque têm em comum o gosto pela pesca, por exemplo, compartilhamdicas sobre a melhor isca e uso de ferramentas para capturar peixes.Os “educadores-blogueiros”, da lista de discussão “BlogsEducativos”, dialogam sobre como inserir um vídeo em seus blogs,como usar o computador em sala de aula etc. A aprendizagem é umprocesso inerente à existência humana e pode surgir das mais diver-sas situações e contextos como nas redes sociais on-line.

No entanto, também podemos encontrar no ciberespaço agrupa-mentos criados com fins educacionais, vinculados ou não a institui-ções educativas, mas que apresentam um “objetivo educativo explí-cito”. Nessas redes, é possível perceber que há um planejamentoprévio, um ou mais responsáveis por estimular e provocar a apren-dizagem do grupo, algumas discussões e atividades que visam al-cançar as finalidades inicialmente expostas e a abertura do grupopara novas proposições dos participantes ao longo do processo.

Encontramos esses elementos nas chamadas “redes e comuni-dades virtuais de aprendizagem”: agrupamentos do ciberespaçoorganizados para um processo de ensino/aprendizagem. Emboraessas características possam ser mapeadas em ambas, as redes ecomunidades de aprendizagem se distinguem pelo fato de que acomunidade apresenta laços fortes e compromisso entre os partici-pantes, além da cooperação mais frequente do que nas redes, comovimos anteriormente.

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Os elementos mapeados nos levam a perceber que, nas redes deaprendizagem on-line, encontramos um “processo de ensino-apren-dizagem”, mesmo que ele seja diferente do escolar, com relaçõesmais horizontais, dinâmicas e fluidas – características das redescomo sistema. Trata-se de ensino porque esse conceito está relacio-nado a um “esforço intencional e orientado de pessoas, grupos ouinstituições para formar ou informar os indivíduos” (FILATRO, 2007,p. 46). Quando o ensino alia-se à “Comunicação Mediada por Com-putador”, temos redes de aprendizagem, segundo Harasim: “A apli-cação de qualquer dessas tecnologias de Comunicação Mediada porComputador ao processo de ensino se faz por meio das redes deaprendizagem” (HARASIM et al, 2005, p. 45).

No processo de ensino, encontramos situações didáticas, ouseja, “um conjunto de circunstâncias com atividades particulares,nas quais as pessoas se encontram em determinado momento e serelacionam com outras pessoas, objetos e aspectos da realidade”(FILATRO, 2007, p. 46) – nas redes de aprendizagem on-line, essascircunstâncias podem ser encontradas.

Ao tratar do “processo de ensino” nesse contexto, as autorascontribuem para que possamos mapear elementos que possam dis-tinguir os agrupamentos do ciberespaço que costumam ser chama-dos de “aprendizagem”. No entanto, ressaltamos que o “processode ensino” é também “de aprendizagem” porque “ensinar inexistesem aprender e vice-versa” (FREIRE, 1996, p. 23).

A dialogicidade como proposta para trabalho em ambiente vir-tual começa antes do “estar em rede”. Inicia-se com o educador aose perguntar em torno do que vai dialogar com os participantes.

“Para o educador-educando, dialógico,problematizador, o conteúdo programáticonão é uma doação ou uma imposição – umconjunto de informes a ser depositado noseducandos –, mas a devolução organizadadaqueles elementos que este lhe entregou deforma desestruturada” (FREIRE, 2005, p. 96).

Sendo baseado no diálogo, o processo de ensino-aprendizagem

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nas redes e comunidades virtuais seria bastante flexível, uma vezque elas se caracterizam pela dinamicidade e fluidez. Rigidez eautoritarismo não teriam espaço em uma rede de pessoas, já queela dependeria do envolvimento e participação de todos para exis-tir. Partindo desse pressuposto, o planejamento da aprendizagemvisaria dar início às ações da rede, apontando alguns caminhospara que o grupo atinja seus objetivos.

A qualquer momento, os participantes poderiam influir naspropostas didáticas apresentadas e na forma como o projeto estásendo desenvolvido, apresentando sugestões. Se a maioria concor-dasse, haveria até mesmo uma mudança de rumo, de objetivo a seralcançado. As pessoas são a estrutura e a organização do sistemaredes sociais. Se não houver participação nas decisões, não pode-ríamos falar em rede, mas em teia, onde há um núcleo: alguém quepensa e decide pelos demais.

Embora existam ambientes virtuais mais voltados para o desen-volvimento de redes de aprendizagem, elas podem existir por meiodas mais variadas ferramentas disponíveis no ciberespaço. Umalista de discussão, um blog, e-mails e outras ferramentas de comuni-cação e armazenamento são meios para o desenvolvimento dessasredes e não poderiam ser considerados elementos distintivos.

Assim, as redes de aprendizagem on-line não se desenvolvemapenas em ambientes virtuais criados para fins educacionais. De-pendendo do uso, a rede social orkut pode abrigar uma rede oucomunidade de aprendizagem, por exemplo. As característicasdistintivas, portanto, seriam:� objetivo educativo explícito;� uma proposta inicial para a aprendizagem;� um ou mais professores entre os participantes da rede.

Durante palestra em São Paulo, Pierre Lévy defendeu a presençado professor nas redes virtuais de aprendizagem, embora não sereferisse a ele por esse nome. “Não acredito que haja uma pura es-pontaneidade em aprendizagens escolares. Ela precisa ser organi-zada. As únicas redes que funcionam sem mediador são as de entre-

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tenimento” (LÉVY apud CARVALHO, 2007).Outra razão para chamar os agrupamentos com as características

levantadas de redes de aprendizagem on-line deve-se ao fato de queelas ofereceriam melhores condições para que seus participantes cons-truam conhecimento, visto que apresentam um processo de ensino.

Para Machado, na construção de conhecimento, “sempre sãonecessários disciplina, ordenação, procedimentos algorítmicos,ainda que tais elementos não bastem, isoladamente ou em conjun-to, para compor uma imagem dos processos cognitivos” (MACHA-DO, 2000, p. 133). A aprendizagem pressupõe a elaboração de co-nhecimento por parte do sujeito, um nível acima da simples trocade informações, do compartilhamento entre os integrantes.

No entanto, os agrupamentos do ciberespaço destinados àaprendizagem são sistemas complexos e seria pretensioso de nos-sa parte afirmar que todas as redes de aprendizagem on-line, semexceção, possuiriam as características por nós apontadas. É neces-sário considerar, ainda, que o ciberespaço está em permanente cons-trução e alteração pelas pessoas que o ocupam. O que apresenta-mos como elementos das redes de aprendizagem podem não serencontrados daqui a algum tempo.

Tendo como objetivo apresentar uma distinção em relação àsdemais redes no ciberespaço, definiríamos as redes de aprendiza-gem da seguinte maneira:

As redes de aprendizagem online sãoagrupamentos localizados no ciberespaçoque apresentam características de umprocesso de ensino-aprendizagem: objetivoeducativo explícito, planejamento inicial eum ou mais professores entre os integrantesda rede, que só existe e se mantém se houverinteração e abertura para que os partici-pantes influenciem o processo (CAR-VALHO, 2009a, p. 67).

Esse entendimento foi construído a partir de revisão biblio-gráfica, do exame de redes e comunidades que compõem esta in-vestigação e de nossa experiência no acompanhamento de proje-

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tos educativos e colaborativos desenvolvidos no ciberespaço. Apartir dos elementos mapeados, “classificamos” a lista de discus-são Blogs Educativos como uma rede social (virtual), o agrupa-mento POIEs do Butantã como uma rede de aprendizagem on-line eo grupo formado no curso Ensinando em Ambientes Virtuais 1(EAV1) como uma comunidade virtual de aprendizagem.

Os dois últimos apresentaram as características distintivas dosagrupamentos “de aprendizagem” localizados no ciberespaço. OEAV1 começou como uma rede de aprendizagem on-line. Com otempo, mas também graças às estratégias metodológicascolaborativas desenvolvidas, os laços entre as pessoas estreitaram-se e o compromisso entre elas surgiu, provocando a transformaçãoda rede em uma comunidade virtual de aprendizagem. A forma-ção da comunidade virtual de aprendizagem entre professora, tu-tores e alunos foi constatada a partir do mapeamento de algunsindicadores: reciprocidade permanente, compromisso implícito,iniciativa, informalidade, colaboração e intervenção pontual doprofessor (CARVALHO, 2009, 2009a).

Pretende-se relacionar as redes (e comunidades) “de aprendi-zagem” on-line ao que é explícito, intencional, à imagem da narra-tiva e do filme em contraposição às cenas isoladas e aos fragmen-tos, à informação e ao tácito nas demais redes sociais do ciberespaço.

4.1 Todos os cursos on-linesão redes de aprendizagem?

A partir do entendimento construído, diríamos que os cursoson-line podem ser entendidos como redes ou comunidades de apren-dizagem quando estimularem a interação entre professores e alu-nos e entre os estudantes, apresentando flexibilidade e estandoaberto às propostas dos participantes.

Há cursos com propostas mais abertas. Oprofessor cria alguns materiais, atividades,questões e os alunos se organizam naescolha dos tópicos, dos materiais, das

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pesquisas, da produção. São cursos maiscentrados na colaboração dos alunos do queno professor e pressupõem alunos commuita maturidade, motivação e capacidadede aprender juntos (MORAN, 2008).

Porém, no ciberespaço, é possível encontrar cursos que nãofuncionam na estrutura de rede; não apresentando dinamismo efluidez. Eles não poderiam ser chamados de redes de aprendiza-gem. Empresas que oferecem treinamentos e atualizações a seusfuncionários, por exemplo, nem sempre privilegiam a interação ealcançam os objetivos definidos previamente. O que se pretendeaqui não é atribuir valor, mas apontar que há diferenças na dinâ-mica educacional encontrada no ciberespaço.

5 Rede e conhecimento

As redes de aprendizagem on-line são sistemas complexos porqueassim é a relação entre as pessoas e delas com o contexto e o objeto deaprendizagem. São complexos porque há incertezas, ordem, desor-dem, sínteses, resistências, interferências, múltiplos significados.

Assim também é o conhecimento, uma construção que articulafragmentos, que depende de desconstrução, reconstrução, interpreta-ção do objeto e da realidade, e exige processos de auto-organização ereorganização mental.

Em uma época marcada pelo fenômeno rede (ROSENTHIEL,1998), as ideias de conhecimento e de rede mostram confluências.Alguns autores, como Machado (2004), passam a adotar a metáfo-ra do “conhecimento como rede de significações”, revelando suassimilaridades:

De fato, a idéia de conhecer encontra-se cadavez mais associada a conhecer o significado,sendo o significado de algo caracterizadopor meio das relações que podem serestabelecidas entre esse algo e o resto domundo. Construir conhecimento seria, pois,construir uma grande rede de significações,

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em que os nós seriam os conceitos, as noções,as idéias, em outras palavras, os significados;e os fios que compõem os nós seriam asrelações que estabelecemos entre algo emque concentramos nossa atenção e as demaisidéias, noções ou conceitos; tais relaçõescondensam-se em feixes, que, por sua vez,se articulam em uma grande rede(MACHADO, 2004, p. 89).

Para Machado, “o hipertexto7 é talvez uma metáfora válida paratodas as esferas da realidade em que significações estejam em jogo”(MACHADO, 1993, p. 25). Lévy (1993) aponta as seguintes cara-cterísticas do hipertexto: metamorfose, heterogeneidade,multiplicidade e de encaixe das escalas, exterioridade, topologia emobilidade dos centros. Elas nos ajudam a mapear algumas dinâ-micas que ocorrem nas redes de aprendizagem on-line.

5.1 MetamorfoseA rede hipertextual está em constanteconstrução e renegociação. Ela pode permane-cer estável durante certo tempo, mas estaestabilidade é em si mesma fruto de umtrabalho. Sua extensão, sua composição e seudesenho estão permanentemente em jogopara os atores envolvidos, sejam eles huma-nos, palavras, imagens, traços de imagens oude contexto, objetos técnicos, componentesdestes objetos, etc (LÉVY, 1993, p. 25).

Os participantes de uma rede de aprendizagem on-line estãopermanentemente em negociação, sem ela não seria possível con-viver e aprender com os demais. A estabilidade seria fruto dasnegociações e das dinâmicas da rede para manter e/ou acolhernovos integrantes. Além disso, nas redes de aprendizagem on-line,cada contribuição compartilhada pode transformar o sentido e oentendimento do outro, apresentando relações que contribuam para

7 “Uma forma não-linear de apresentar e consultar informações. Um hipertexto vincula as informaçõescontidas em seus documentos (ou ‘hiperdocumentos’, como preferem alguns) criando uma rede deassociações complexas através de hyperlinks ou, mais simplesmente, links” (COSTA, 1999, p. 254).

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o conhecimento que está em construção.

5.2 HeterogeneidadeOs nós e as conexões de uma rede hipertextualsão heterogêneos. Na memória serãoencontradas imagens, sons, palavras, diversassensações, modelos etc, e as conexões serãológicas, afetivas etc. Na comunicação, asmensagens serão multimídias, multimodais,analógicas, digitais etc. (LÉVY, 1993, p. 25).

O ciberespaço oferece às redes de aprendizagem possibilidadesde trabalhar com diversos formatos: imagens, sons, vídeos, entreoutros, reunindo-os em um só lugar, embora as interações entre osparticipantes, elemento fundamental de uma rede on-line, aconteçabasicamente pela palavra digitada. A heterogeneidade também podeser relacionada às pessoas que compõem a rede de aprendizagem.Cada nó seria representado por uma pessoa diferente e única. Asingularidade de cada integrante torna a rede rica em diversidade,contribuindo com a aprendizagem para além do objetivo explícito.

5.3 Multiplicidade e de encaixe de escalasO hipertexto se organiza de modo “fractal”,ou seja, qualquer nó ou conexão, quandoanalisado, pode revelar-se como sendocomposto por toda uma rede, e assim pordiante, indefinidamente, ao longo da escalados graus de precisão (LÉVY, 1993, p. 25).

Podemos pensar os nós a que Lévy se refere como as “falas” dosparticipantes na rede. Cada uma delas pode ser uma porta de en-trada para debates e novos significados. Além disso, os conteúdoselaborados pelos participantes de uma rede de aprendizagem on-line, se permitidos para visualização de qualquer pessoa nociberespaço, podem contribuir para aprendizagem de quem acessá-la – o que poderíamos entender como um efeito de propagação.Citamos, como exemplo, o COLEARN8- Comunidade de Pesquisa

8 Disponível em <http://labspace.open.ac.uk/course/view.php?id=1456>. Acesso em 10 jul. 2008

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sobre Aprendizagem Colaborativa e Tecnologias -, cujo conteúdopode ser acessado por qualquer internauta.

5.4 ExterioridadeA rede não possui unidade orgânica, nemmotor interno. Seu crescimento e suadiminuição, sua composição e suarecomposição permanente dependem deum exterior indeterminado: adição denovos elementos, conexões com outrasredes, excitação de elementos terminais(captadores) etc. (LÉVY, 1993, p. 26).

O princípio de exterioridade transporta-nos para o fato deque as redes de aprendizagem on-line podem crescer ou dimi-nuir em número de participantes com muita rapidez. Há redesde aprendizagem que são abertas e aceitam participantes aqualquer momento. A cada novo integrante, novas contribui-ções, o que caracteriza o conhecimento em construção. Outrasredes, como cursos de graduação oferecidos a distância, têmum número limite e ainda podem diminuir com o abandono dealguns participantes. A marca de volatilidade da rede de apren-dizagem on-line está intrinsecamente ligada à manutenção dointeresse pela aprendizagem, assim como o seu despertar (nocaso do ingresso).

5.5 TopologiaNos hipertextos, tudo funciona por proxi-midade, por vizinhança. Neles, o curso dosacontecimentos é uma questão de topologia,de caminhos (LÉVY, 1993, p. 26).

Quanto menor a distância entre os participantes de uma redede aprendizagem on-line, maior as chances de construção deconhecimento, uma vez que na aprendizagem em rede on-linenão bastam informações, mas também relações de proximidadeque envolvam atenção, companheirismo, afeto. A significação,principalmente em meio virtual, onde nem sempre é possível

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ver expressões faciais, passa pelos sentimentos manifestados,por exemplo, por meio de emoticons9.

5.6 Mobilidade dos centrosA rede não tem centro, ou melhor, possuipermanentemente diversos centros que sãocomo pontas luminosas perpetuamentemóveis, saltando de um nó ao outro,trazendo ao redor de si uma ramificaçãoinfinita de pequenas raízes, de rizomas,finas linhas brancas esboçando por uminstante um mapa qualquer com detalhesdelicados, e depois correndo para desenharmais à frente outras paisagens de sentido(LÉVY, 1993, p. 26).

Cada participante da rede é um centro e todos eles são funda-mentais para o conhecimento dos outros integrantes, uma vez que aaprendizagem em rede baseia-se na interação. A atenção dada acada centro pode variar ao longo do processo uma vez que as pesso-as são mais do que “alguém” na rede: ao se manifestarem diante dogrupo também representam conteúdos/ideias a serem discutidas.

Ainda quanto à mobilidade dos centros, seria interessante pen-sarmos também que uma rede de aprendizagem on-line pode ser aporta de entrada para a internet. E, nesse sentido, ela integra odesenho “contra-hegemônico” do ciberespaço. Segundo Silva (2008)“contra-hegemônico porque cada um entra e configura a rede comobem entender” (SILVA apud CARVALHO, 2008)10.

Bento Silva (2008) explicou que a página da escola, do profes-sor e/ou do aluno pode ser o centro do ciberespaço, à medida queas pessoas utilizam essas páginas para nele entrarem. “Se na

9 “Forma de comunicação paralingüística, um “emoticon”, palavra derivada de emotion (emoção)+ icon (ícone) (em alguns casos chamado smiley) é uma seqüência de caracteres tipográficos, taiscomo: :), ou ̂ -^ e :-); ou, também, uma imagem (usualmente, pequena), que traduzem ou queremtransmitir o estado psicológico, emotivo, de quem os emprega, por meio de ícones ilustrativos deuma expressão facial. Exemplos: (i.e. sorrindo, estou alegre); (triste, chorando), etc.” Disponívelem <http://pt.wikipedia.org/wiki/Emoticon>. Acesso em 10 jul. 2008.10 Bento Silva, vice-presidente do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho(Portugal), pesquisa as relações entre a educação, a tecnologia e a comunicação e foi entrevistadopela autora.

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Internet a escola tem um bom projeto, um bom site11, neste site temmateriais e projetos atrativos, essa escola pode assumir acentralidade. Essa escola pode ser desejada, visitada, partilhadapor pessoas de qualquer parte do mundo” (SILVA apud CARVA-LHO, 2008). Por isso é que se fala cada vez mais de “redes localiza-das”, o “cruzamento do local com o global”.

Para Bento Silva (2008), por mais distante que uma escola pos-sa estar – em relação à sua situação territorial física –, e apresenteum potencial de ação reduzido, “na rede, o limite é infinito, nolimite e interesse de seus projetos” (SILVA apud CARVALHO, 2008).A possibilidade de ser o centro do ciberespaço valoriza o trabalhodo professor, do aluno e da escola.

6 Professor: o nó robusto

Como base para o desenvolvimento de projetos em redes deaprendizagem on-line, a metáfora do conhecimento como “rede designificações”, a partilha de um projeto coletivo e a intencionalidadeeducativa, temas a que Machado (2000, 2004) tem se dedicado. Oautor também destaca a participação do professor nesse contexto,enquanto outros acreditam ser dispensável, uma vez que a ideia derede remete à de simetria, de pares. Não somos contrários a estaimagem, mas ressaltamos que a relação de igualdade em situaçãode aprendizagem, visando ao cumprimento de um projeto, exigiriaassimetria em alguns momentos. Exige alguém ou mais de um par-ticipante que se apresenta como um nó robusto, que fortalece arede/comunidade.

Qualquer pessoa da rede poderia ser professor desde que de-tentor de algumas competências. O professor que aqui tratamosseria o mesmo defendido pela maioria das concepções pedagógi-

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11 Site é “um conjunto de páginas da Web que façam parte de um mesmo URL ou ‘endereço’. A idéiade site está relacionada à idéia de ‘local’, o que na verdade é um tópico complexo em se tratandode um espaço virtual criado por uma rede distribuída que lida com hiperdocumentos. Creio quea maneira mais simples de entender ‘site’ é pensar que um site corresponde a um hiperdocumento,com todas as suas imagens, vínculos e referências, mesmo que esse hiperdocumento possa ter,potencialmente, o tamanho e a complexidade de uma grande enciclopédia” (COSTA, 1999, p. 258).

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cas desde meados do século XX, contrária à transferência de co-nhecimento e que entende o docente como um potencializador daaprendizagem e também como um discente. O desafio continuasendo o professor conseguir “tecer significações”, “mediar rela-ções”, “mapear relevâncias”, “narrar”, “ser tolerante” e “ter auto-ridade”. Essas competências defendidas por Machado (2004) sãosimilares às apontadas por Freire (1996), para quem ensinar exigerespeito aos saberes e à autonomia do educando, a substituição dapalavra pelo exemplo, a reflexão e crítica sobre a prática, liberdadee autoridade, diálogo.

Apesar das mesmas competências, a ação do professor nociberespaço precisa ser reconfigurada. Como um cartógrafo, ele maisaponta onde os participantes podem encontrar respostas do que asentrega; mais mobiliza a rede para realizar um projeto do que con-centra as atenções sobre si; e, principalmente, adota estratégias paraestimular a interação entre os participantes, uma vez que, em situa-ção de aprendizagem, não seria fácil encontrar participação.

Por vontade própria, mas também estimulado por políticas pú-blicas, o professor-autor (PRETTO, 2007) poderá descobrir comoensinar, usando ferramentas tecnológicas, sem considerá-las ape-nas animadoras do processo de ensino. No entanto, para isso, se-ria necessária uma “aguda consciência em relação à natureza cul-tural das máquinas e suas linguagens” (SCHWARTZ, 2007). Prettoe Assis apostam na organização em rede e em “um forte repensardos valores, práticas e modos de ser, pensar e agir da sociedade”(PRETTO; ASSIS, 2008, p. 82) para que a articulação entre culturadigital e a educação seja concretizada.

7 Considerações finais

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) são aindaum desafio para nós, educadores e pesquisadores que,compromissados com nosso tempo, buscamos o permanente aper-feiçoamento de práticas, de sermos e de estarmos no mundo. Com

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extrema rapidez, novas tecnologias, expressões e sugestões de prá-ticas se apresentam à educação. Mas, com que propósito?

Freire (1984) perguntava-se: A máquina está a serviço de quem?Ele nos provoca a problematizarmos as práticas educativas pormeio das TICs como as que se desenvolvem em redes e comunida-des virtuais de aprendizagem examinadas neste artigo. Nesse sen-tido, acreditamos que, ao buscar distinguir e compreender a natu-reza desses agrupamentos, esta pesquisa contribui para estarmos“em dia” com o momento em que vivemos, mas sem nos subjugar-mos ao discurso tecnológico inquestionável.

Intencionalidade, colaboração e laços são palavras que nos aju-daram a distinguir as expressões redes e comunidades virtuais deaprendizagem. Elas estão estreitamente ligadas ao que acredita-mos ser a educação, a linguagem dos vínculos que se relacionacom seu tempo. Em nosso tempo, não podemos ignorar a existên-cia do ciberespaço como potencializador de processos educativosbaseados no diálogo e na construção coletiva, como nas redes ecomunidades virtuais de aprendizagem. Devemos questionar suaintencionalidade como educadores e cidadãos que somos.

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Abstract

This article is part of the result of a Master’sDegree research (CARVALHO, 2009a)presented to the College of Education ofUniversity of São Paulo. We observed threecyberspace groupings (one social network,one online learning network and onevirtual learning community) andaccomplished bibliographical revision toanswer this questions: “How to distinguishthe online learning networks and thevirtual learning communities from theother groupings of cyberspace? And howto distinguish them from each other?” Forthe first question, the investigationindicates the following elements: expliciteducative objective, inaugural purpose andteacher´s presence. For the second, narrowties, frequent cooperation and commitmentbetween members of the virtualcommunities. This is a cogitation about thenature of cyberspace learning groupings.

Keywords: Online learning networks;learning in network; virtual learningcommunities; distance education; colla-boration.

The nature of netwoks and virtuallearning communities

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Letramento literário:experiências da formação inicial1

1 Este artigo é resultado de uma pesquisa desenvolvida com o apoio do Programa de Apoio àPesquisa (Papq) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).2 Doutora em Educação. Professora da Faculdade de Educação - Campus Belo Horizonte -Universidade do Estado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG)

Santuza Amorim da Silva2

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Resumo

O presente texto propõe-se a analisar eproblematizar aspectos relacionados àformação inicial do pedagogo para adinamização da leitura na escola, tendocomo foco a leitura literária e a formaçãodo leitor nas séries iniciais do ensino fun-damental. A questão norteadora interrogaa formação inicial do pedagogo e sua relaçãocom o preparo do professor que cuida doensino da leitura na perspectiva de criarambientes favoráveis ao letramento lite-rário, propiciar a fruição estética das obrasde literatura e formar alunos leitores críticose autônomos. Tais reflexões resultam deuma pesquisa cuja estratégia metodológicaadotada foi o estudo de casos e a realizaçãode entrevistas com discentes e docentes docurso de pedagogia da Faculdade deEducação da Universidade do Estado deMinas Gerias (FaE/UEMG) no sentido deelucidar as práticas de formação e o modocomo os futuros mestres integram em suaspráticas de estágio e os conhecimentosadquiridos no curso.

Palavras-chave: Leitura; letramento lite-rário; formação inicial.

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I A leitura literária no contexto da escola

Atualmente, é reconhecida a importância da literatura infantilna formação do sujeito como leitor. A literatura infantil tem o poderde constituir, para a criança, um elo lúdico entre o mundo do ima-ginário, do símbolo subjetivo, e o mundo da escrita e dos signosconvencionalizados pela cultura. A experiência simbólica e a im-portância da literatura é reificada cada vez mais por autores queacreditam que ela também desempenha a função de promover ademocracia cultural na contemporaneidade. Para Soares:

A leitura literária democratiza o ser humanoporque mostra o homem e a sociedade emsua diversidade e complexidade, e assim nostorna mais compreensivos, mais tolerantes– compreensão e tolerância são condiçõesessenciais para a democracia cultural(SOARES, 2004, p. 31).

Entretanto, para que a literatura possa estar presente na vida deuma criança, acredita-se que, juntamente com os exemplos e estí-mulos familiares, a maneira como a escola vive e convive com ostextos literários tem um papel preponderante nessa formação. Seconsiderarmos a escola como campo fértil, onde ocorre a produçãoda leitura e de leitores, torna-se relevante o papel do professor. Eledeve apresentar sensibilidade a uma forma de expressão que o levenão apenas a transmiti-la, mas a vivê-la com as crianças.

Alguns autores3 advogam que a literatura permite ao indivíduoem formação alcançar um autoconhecimento e uma compreensãodo mundo que o cerca, possibilitando-lhe o acesso à cultura, aopotencial criador do seu pensamento e a uma visão crítica da rea-lidade e do mundo que o envolve. O encontro com esse gêneropropicia às crianças e aos adolescentes a possibilidade de ampli-ar, transformar e enriquecer sua experiência de vida e, além disso,encontrar respostas e sentidos para suas emoções e conflitos. Con-forme Coelho, “a literatura infantil é antes de tudo, literatura; ou

3 Ver Zilberman (2005), Abramovich (1991).

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melhor, arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, ohomem, a vida, através da palavra” (COELHO, 2000, p. 27).

No entanto, vale dizer que o conceito de literatura infantil ain-da é bastante discutido nos meios acadêmicos. Embora muitos re-conheçam seu papel formador de sujeitos críticos e engajados soci-almente, existem questionamentos sobre a sua existência como “altaliteratura”, tendo em vista que o complemento infantil já a coloca-ria em desvantagem diante de outros tipos de literatura, conceben-do-a como gênero inferior.

De acordo com Zilberman (1982), a literatura infantil surge naFrança no século XVII e começa a ser direcionada para o públicoinfantil no século XVIII, período em que a família burguesa encontra-va-se assentada em uma ideologia fundada no individualismo, naprivacidade e na promoção do afeto entre os cônjuges e os filhos. Atéentão, os livros eram produzidos para os adultos e adaptados para opúblico infantil. Naquele período, nasceu uma nova concepção deinfância na qual a criança passou a ser considerada um ser diferentedo adulto, com necessidades e características próprias. O apareci-mento da literatura infantil derivou, então, da ascensão da famíliaburguesa e do novo status conferido à infância naquele momento.

Esse contexto social faz com que a escola passe a constituir umimportante elo entre a criança e o mundo. Para isso, a pedagogia,que naquele período encontrava-se em ascensão, utilizava-se da li-teratura infantil como um de seus principais instrumentos no pro-cesso de formação da criança, no sentido de inculcar-lhe valores enormas de comportamento social.

Essa perspectiva utilitarista da literatura infantil parece atraves-sar o tempo. Hoje, apesar do entendimento de que a mesma tem im-portante função na formação do leitor, não é raro detectar na práticaque ela ainda continua vinculada à função utilitário-pedagógica. Talconcepção ainda se manifesta nos discursos sobre a literatura infantile juvenil. Isso porque, embora a máxima seja a formação do gosto e oprazer pela leitura, ainda prevalece a marca do caráter formador oucomo uma possibilidade para o ensino da língua no contexto escolar.

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Quando se trata do percurso da literatura infantil brasileira,Becker (2001) relata que ela foi marcada pela novidade das obrasde Monteiro Lobato. Este trouxe uma nova roupagem para o gêne-ro e aumentou substancialmente o número de produções literáriasdestinadas ao público jovem. Contudo, a autora assinala que ocaráter pedagógico permanece.

Sabe-se que, comumente, a leitura literária, quando trabalhadana sala de aula, quase sempre é compreendida como um pretextopara o ensino da gramática. Nos últimos anos, várias discussõesforam empreendidas no sentido de resgatar outro lugar para essegênero de leitura. Dentre muitos estudos, há aqueles que reconhe-cem a impossibilidade de evitar o processo de escolarização, po-rém, que esse ocorra de forma a pautar-se em

critérios que preservem o literário, quepropiciem ao leitor a vivência do literário,e não uma distorção ou uma caricatura dele[...] que conduzisse eficazmente às práticasde leitura literária que ocorrem no contextosocial e às atitudes e valores próprios doideal de leitor que se quer formar (SOARES,1999, p. 47).

A maioria dos pesquisadores reconhece o papel da literatura naaprendizagem da leitura e da escrita. No entanto, para que isso pos-sa se concretizar de forma satisfatória, a mediação do professor éessencial para conduzir as práticas e as ações com a leitura no espa-ço escolar. De acordo com Soares, a literatura é inadequadamentetrabalhada na escola devido ao fato de que a prática adotada

se traduz em sua deturpação, falsificação,distorção, como resultado de uma pedago-gização ou uma didatização mal compreen-didas que, ao transformar o literário emescolar, desfigura-o, desvirtua-o, falseia-o,desenvolvendo no aluno “resistência ouaversão ao ato de ler” (SOARES, 1999, p. 21).

Desse modo, torna-se significativo verificar como se dá a forma-ção de futuros professores que possivelmente serão os responsá-

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veis por orientar e formar alunos leitores, no sentido de assumirjunto a outras instâncias formadoras a “educação do gosto”, con-forme a proposta defendida por Lajolo (1995). Este autor contribuiainda para o contexto desta pesquisa, ao defender que:

A literatura é porta para variados mundos quenascem das várias leituras que dela se fazem.Os mundos que ela cria não se desfazem naúltima página do livro, na última frase dacanção, na última fala da representação nemna última tela do hipertexto. Permanecem noleitor, incorporados como vivência, marcosda história de leitura de cada um (LAJOLO,2001, p. 450).

Assim, a literatura possibilita uma interação com o mundo.Entende-se, para fins deste trabalho, que a leitura literária não seencontra desvinculada da realidade circundante. Nesse sentido,ela está circunscrita às práticas de letramento social – uma práticacultural inserida na diversidade da dinâmica cultural na qual vivea criança, o adolescente e o jovem.

II Os achados da pesquisa

Tendo em vista a importância da mediação da escola e de seusagentes nas trajetórias de formação de leitores, compreende-se ocontexto da formação inicial dos pedagogos, futuros mestres dasséries iniciais, como um espaço de mediação dos saberes e dosconhecimentos que os formandos irão mobilizar em suas práticasde estágio e posteriormente como profissionais da educação. En-tende-se que há uma forte relação entre a universidade, lócus daformação, e a escola, lócus do fazer, do trabalho docente. Apresen-ta-se, então, a necessidade de se averiguar as práticas de formaçãoadotadas no curso de Pedagogia em relação ao objeto em discus-são. Com isso, pretendem-se elucidar as dificuldades com que sedefrontam os cursos de formação inicial de professores e o modocomo os futuros mestres integram, em suas reflexões e práticas, osconhecimentos adquiridos no curso.

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Este estudo se insere no quadro das abordagens qualitativas depesquisa, a qual nos permite apreender as interpretações que ossujeitos fazem de suas vivências e experiências e, ao mesmo tempo,compreender como elas foram ressignificadas. Nesta análise, seráutilizado o estudo de casos, de caráter descritivo-analítico, comouma estratégia de pesquisa que melhor se ajusta às indagaçõesformuladas. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas comseis alunas que se encontravam nos últimos períodos do curso dePedagogia e com duas professoras formadoras responsáveis peladisciplina que trata de aspectos da leitura literária na escola. Cabedestacar que as alunas entrevistadas se constituíram de um grupoque em seus projetos de intervenção no estágio docente trataram detemáticas afetas à formação do leitor e da leitura literária. A obser-vação das práticas ocorreu em duas intervenções.

É importante salientar que a seleção das discentes nos três tur-nos tornou-se um problema quando se identifica que a maioria dosalunos que cursavam o sétimo e oitavo período optavam por traba-lhar com temáticas relacionadas as outras áreas como: meio ambi-ente, saúde, jogos matemáticos e outros. Ao serem indagados arespeito dessas escolhas, declararam que a escola e as professorasque os receberam não solicitaram nenhuma intervenção na árearelacionada ao ensino da linguagem como letramento literário oumesmo a alfabetização.

Obviamente, tal constatação causou-nos estranheza, tendo emvista que, na atualidade, são inúmeras as queixas de docentes dasséries iniciais no que tange ao ensino da leitura e da escrita. E apartir disso, a indagação a respeito das orientações dessas esco-lhas tornou-se importante no contexto de nossas buscas.

2.1 A perspectiva das alunas cursistas

A maioria das alunas que concedeu as entrevistas pertencia aosétimo núcleo formativo, sendo que apenas uma cursava o oitavo(último) núcleo formativo. Algumas delas fizeram a intervençãoem pequenos grupos de três a quatro alunas. Desse grupo, todas

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afirmaram que a opção em trabalhar essa temática na intervençãodecorreu de diversos fatores como expressam suas falas4.

Pensávamos a priori trabalhar com aalfabetização em si [...] pegar aqueles casosmais gritantes, as crianças com maioresdificuldades e trabalhar com elas até mesmoseparadas de outras que já eram alfabe-tizadas. Mas, assim, foi no mês de abril tinhavários eventos, datas comemorativas, dia dolivro, aniversário de Monteiro Lobato, diado índio, Tiradentes [...] aí por sugestão daprópria professora que queria fazer umaapresentação no dia do livro [...] Então,vamos escolher uma literatura e esmiuçar etrabalhar com as crianças a questão doserros, da Língua Portuguesa, e a professorasugeriu que a gente trabalhasse a Bo-nequinha Preta (Francisca).

Bem, nem era minha intenção fazer estaintervenção em literatura não, porque euainda não sabia o que eu queria. Ai foi aprofessora [da classe] que sugeriu e eu aceiteia proposta (Marcelaine).

[...] onde eu atuei a professora era formadaem Linguística, ela dava ênfase nos pro-cessos de alfabetização, usando a literaturae era uma turma de sete anos, estavam noprocesso silábico, quase alfabetizados [...]então, depois de uma semana de observação,eu pedi sugestões a professora e eu vi queela estava trabalhando com criação de textos[...] então, sob a orientação da professoraSara [formadora] a gente resolveu realizarum trabalho com fábulas (Eunira).

Foi uma opção da professora. A professorada turma que nos sugeriu, devido àspreocupações dela. Ela viu essa necessidadee nos comunicou (Rafaela e Jacqueline).

Tudo indica que, embora nas conversas com alunos do cursomuitos tenham dito que não havia demanda das escolas e por isso4 Não foi utilizado pseudônimo na identificação das falas.

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não apresentam propostas nessa direção, a opção pela temáticanão partiu da iniciativa dos estagiários, mas da escola e do incen-tivo da formadora do curso de pedagogia. Nas declarações, obser-va-se ainda que eles pareciam inseguros para atuar com a temáticae, não fosse pelo apoio e suporte lhes dado pelo professor orientador,não se arriscariam a esse trabalho:

O que facilitou foi que a professora[formadora] nos deu muito suporte nodesenvolvimento desse trabalho, indicoulivros e todo o referencial teórico, no caso dafaculdade, e a própria professora da escolaonde foi feito o estágio nos ajudou também(Rafaela e Jacqueline).

Olha muito difícil [...] um fator facilitador foia professora aproveitar aquele momentohistórico e trabalhar com a literatura, oambiente da escola estava sendo preparadopor causa das datas comemorativas, estavamtodos envolvidos com isso, e a gente foienvolvido com eles nesse trabalho. O estudoda língua portuguesa e o conteúdo de didáticae de psicologia auxiliaram muito. (Francisca)Sob a orientação da professora [formadora],a gente resolveu aplicar um trabalho comfábulas, que é um texto curto para essa faixaetária e que já havíamos estudado no curso(Eunira).

Olha, minha intervenção foi em literaturainfantil, mas fiquei muito em dúvida noinício, incerta, mas, a professora [da classe]me ajudou (Marcelaine).

Como se vê, é preponderante o auxílio dos formadores e dosconteúdos disciplinares vistos na formação inicial para que as alu-nas possam atuar em seus estágios de formação. Entretanto, elasavaliam que a formação no curso não dá o devido suporte para queos alunos se sintam seguras nos estágios, parece faltar uma orien-tação de cunho teórico-metodológico mais consistente:

Olha, eu acredito que a carga horária dada

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nesses períodos ainda é pequena. A gentetrabalha com um universo de alfabetizaçãomuito amplo. A gente não conseguiu verteorias, trabalhar com metodologias maisaplicadas, com a literatura [...]. A gente vaipara o estágio e vê que há uma queixa geral,que as crianças não sabem ler, não sabemescrever, dá para perceber essa necessidade[...] acho que os estagiários não trabalhamcom a temática pela insegurança, nuncaatuaram na docência, sentem dificuldade depropor uma prática [...] então é muito fácileu fazer uma intervenção mais pontual sobredengue, sobre comportamento, porque façoali um joguinho, é mais rápido [...] então, euacho que a formação deixa a desejar (Eunira).

Falta formação, falta muita formação dopedagogo para trabalhar com essas questõesda leitura (Francisca).

Os dados revelaram que ainda há uma tendência de se traba-lhar com a literatura como pretexto, ou seja, quando o texto literá-rio não deve ser utilizado no sentido pedagógico ou a serviço decontextos interdisciplinares, como se vê nesse trecho do depoimentode uma das alunas: “trabalhamos com um livro que se chama oSegredo da Lagartixa. Através dele, exploramos os valores muitotrabalhados hoje, e naquela turma precisava ser resgatada a ques-tão do respeito”. Ao que tudo indica, algumas fábulas tambémforam utilizadas com a mesma intenção.

Evidentemente, diante dessa constatação, cabe retomar uma ques-tão que atravessa o debate no campo da formação de leitores naescola e que este texto não poderia deixar de trazer à baila. No quediz respeito aos usos, observam-se muitas divergências. Há, por umlado, aqueles que defendem a leitura despretensiosa, só pelo prazere formação do gosto. Por outro, aqueles que acreditam que não bastaa promoção do lúdico e do clima de prazer, mas que esse ato deveriater um sentido e significado na vida dos indivíduos.

Sendo assim, caberia trazer algumas reflexões de Chartier (2005)para apoiar a busca de práticas que visem antes de tudo a formação

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de futuros leitores. Para a autora, a formação do gosto “trata-se deum verdadeiro aprendizado cultural e é preciso tempo para isso”(CHARTIER, 2005, p. 129). Ela salienta que se de fato a escola estiverinteressada na formação do gosto pela leitura, não pode prometer àcriança ou ao jovem “o prazer imediato e durante todo o tempo”(CHARTIER, 2005, p. 129). A autora chama a atenção para o fato deque, apesar do discurso sobre a leitura pelo prazer de ler, novasopiniões tendem a substituir essa concepção sobre o assunto.

2.2 A perspectiva das formadoras

Duas professoras formadoras5 desses conteúdos foraminterrogadas sobre as práticas de formação do curso nessa área.Clara, a primeira, com larga experiência na docência do ensinofundamental e dez anos no ensino superior. Sua formação é emPedagogia e especialização em Psicopedagogia. Luiza, a segundaformadora, possui menos tempo de experiência docente, habilita-ção em Letras e mestrado em Educação.

As formadoras disponibilizaram o plano de curso da disciplina,intitulada Estudos dos Conteúdos e Metodologia do ConhecimentoEscolar: Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, cuja ementatrata da formação do leitor literário na escola e dos pressupostos,características e funções da produção literária para crianças e jo-vens. Os objetivos explicitados no plano de curso revelam que osprincipais objetivos estão em promover a formação teórico-metodológica concernente às atividades de literatura infantil einfanto-juvenil no ensino fundamental e na pré-escola; analisar ospressupostos da criação literária para crianças e jovens; abordar atrajetória histórico-social da literatura para crianças e jovens e iden-tificar os gêneros e a tipologia textual da literatura infantil e juvenil.

O programa, destinado ao núcleo formativo VII, propõe traba-lhar com conteúdos relacionados ao conceito de literatura infanto-juvenil, os gêneros e a tipologia textual – narrativo, lírico, dramáti-

5 Foram utilizados pseudônimos para identificar as formadoras.

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co, mitos, lendas, fábulas, contos de fadas e as interfaces da produ-ção cultural para crianças e jovens. O referencial teórico da biblio-grafia básica centra-se, sobretudo, nas obras das pesquisadorasbrasileiras Regina Zilberman, Mariza Lajolo e Graça Paulino.

Uma das professoras formadoras, a segunda, explicita que a car-ga horária da disciplina é insuficiente para aprofundar a discussãoe que os próprios alunos reclamam. Estes apresentam muitas dúvi-das em relação à prática e ela admite que prefere ficar “focada noteórico e às vezes esquece um pouquinho da questão prática do dia-a-dia” (Luiza). Admite, porém, que os alunos “adoram literatura,ficam muito envolvidos com o conteúdo: eu fiz um trabalho comaquele texto da Magda Soares, escolarização da literatura e eles fala-ram que começaram a ter um olhar reflexivo, que passaram a questi-onar essa relação do texto como pretexto” (Luiza).

Decidiu-se observar algumas aulas dessa disciplina e uma delasaconteceu integrada com a disciplina de Literatura e Artes. Na oca-sião, como havia uma preocupação com a preparação para o está-gio, foi realizada, com as alunas do VII núcleo formativo, a oficina“História cifrada” e uma proposta de intervenção no estágio quepudesse tratar dos diferentes gêneros trabalhados: obra teatral, poe-ma, conto, novela, filme, crônicas, parlendas, fábulas e canções.

Uma das professoras formadoras, Clara, se utiliza de produ-ções de intervenções de turmas anteriores com a temática e os rela-tos que constam desses relatórios para estimular os discentes atu-ais em suas práticas de intervenção. Essa formadora enfatiza queestá preparando e incentivando os alunos para, em seus estágios,apresentarem trabalhos que demonstrem interfaces da literaturacom outras áreas do conhecimento como, por exemplo, literatura,imagem, música e cinema. No entanto, apesar de ter clareza sobrea necessidade e as demandas da escola por intervenções na áreada Matemática e da Linguagem, reconhece que nem sempre os alu-nos optam por essa temática em suas intervenções. Ao ser indagadasobre os poucos projetos de intervenção que foram identificadosem relação à temática nas turmas dos sexto e sétimo núcleos

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formativos, Clara explica que:

o que dificulta é que a maioria não trabalha,não tem nenhuma experiência de docência, eeles ficam muito assustados de ter quealfabetizar ou de ter que trabalhar comortografia, de ter que trabalhar com aprodução de texto ou com a literatura. Elesnão se sentem assim muito fortalecidosteoricamente e intelectualmente nessa área.Eles ficam um pouco assustados, ficam muitoatrás da gente para ajudá-los a fazer essaintervenção [...] dá o que pensar porque àsvezes preferem trabalhar com outras áreascomo ecologia, ou outra coisa mais no auge,como o fenômeno bullying [...] eu não sei se éporque mudou o perfil, porque, por exemplo,aqui no quarto período tem apenas duasalunas que são docentes [...] quando eu meformei, em 1995, era exatamente o contrário[...] fazia o curso de Pedagogia paraaprimorar, para avançar, enriquecer, agora,mudou completamente (Clara).

A professora acrescenta ainda que quando se trata de estágiosem ambiente escolar, a grande maioria desses alunos não apresen-ta motivação. Percebe-se que há um interesse crescente por outrosespaços:

para ser pedagogo hospitalar, trabalhar comrecreação, pedagogo de empresa e issoenfraqueceu o trabalho que eu fazia paraformar leitores. Porque eles não queriamfazer estágio na escola. Só que agora na novalegislação dos cursos de Pedagogia, nossoaluno vai ser docente das séries iniciais, entãoeu acredito que nós vamos resgatar isso aícom a docência. Resgatar os métodos dealfabetização, vamos resgatar a literatura,resgatar como despertar o prazer de ler,porque não tem mais lugar no curso dePedagogia para essa especialização que tinhaantes, né? O novo currículo vai contemplar eo aluno vai sair docente, pedagogo docente.

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Então eu acho que está na hora de reveressas questões [...] (Clara).

Ao analisar as temáticas escolhidas para a construção damonografia, parece que essa tendência permanece. No ano de 2008,essa realidade não era diferente. Ao examinar os títulos dasmonografias que estavam em andamento, observa-se que astemáticas transitavam em torno da pedagogia empresarial, educa-ção a distância, bullying, tecnologia educacional, inclusão, etnia,dentre outros. Vale destacar que durante o primeiro semestre de2008, dentre as 65 monografias nos núcleos formativos VI, VII eVIII, somente foram encontradas quatro propostas de monografiasque dialogavam com a área da linguagem e dessas apenas umafocava a questão da leitura e da formação do leitor.

Ambas as entrevistadas acreditam no papel do professor naformação de leitores na escola, “ao mostrar interesse pela leitura,apresentar a leitura, propiciar momentos de ida à biblioteca, co-nhecer o acervo, os autores, os enredos”. Uma delas vai além e dizque: “todos os professores são formadores de leitores [...] eu achoque todas as áreas deveriam formar esse aluno, não só a LínguaPortuguesa, porque só ela é muito pouco e não existe nem a discipli-na literária, ela está dentro de conteúdos da Língua Portuguesa”.

3 À guisa de conclusão

Observa-se que nos relatos encontram-se algumas das explica-ções para a compreensão da baixa expressividade dos temas afe-tos à área da linguagem entre os estagiários do curso de Pedago-gia. É importante salientar que outro fator que se soma a isso é quegrande parte do alunado que atualmente busca a Pedagogia nãopossui nenhuma experiência ou algum contato com a docência, oque demandaria uma formação mais consistente e aprofundadade aspectos didáticos e metodológicos.

Essa formação mais consistente tratada aqui vai ao encontro dareflexão de Gatti, que realizou uma pesquisa em diferentes cursos

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de Pedagogia do país. Ela constata que os conhecimentos relativosà formação profissional específica tende a predominar:

Aspectos teóricos, aqueles que fundamen-tam as teorias de ensino nas diversas áreas,contemplando pouco as possibilidades depráticas educacionais associadas a essesaspectos. As disciplinas trazem ementasque registram preocupação com as justi-ficativas sobre o porquê ensinar, o que, decerta forma contribuiria para evitar queessas matérias se transformassem em merosreceituários. Entretanto, só de forma muitoincipiente registram o quê e como ensinar.Um grande número de ementas registrafrases genéricas não permitindo identificarconteúdos específicos. Há instituições quepropõem o estudo dos conteúdos de ensinoassociados às metodologias, mas, aindaassim, de forma panorâmica e poucoaprofundada (GATTI, 2009, p. 40).

Com isso, a autora quer salientar a necessidade de aprofundarconteúdos que fundamentem o desenvolvimento de saberes e com-petências que são necessários à prática docente. Mas cabe indagarse a formação inicial tem dado conta de formar o professor quecuida do ensino da leitura na perspectiva de criar ambientes favo-ráveis ao letramento literário, propiciar a fruição estética das obrasde literatura e formar alunos leitores críticos e autônomos.

Os resultados encontrados indicam que as práticas de forma-ção vivenciadas pelos alunos do curso de Pedagogia, no que tangeà área do letramento, ainda que privilegiem o trabalho com aspec-tos do ensino da literatura na escola, não os têm feito optar poressas questões no momento de executar a intervenção no estágio.Algumas das explicações dos estudantes para a falta de interven-ções nessa temática é que as escolas não têm apresentado tais de-mandas. Por outro lado, alguns docentes formadores têm levanta-do a hipótese de que parte significativa do alunado não se sentedevidamente preparada para tais intervenções. Estas demandari-am outras vivências e experiências que o atual perfil dos estudan-

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tes não contemplaria.Em suma, talvez a formação inicial de docentes devesse tomar

para si o que Belintane recomenda para a formação continuada:“em um programa de formação contínua, a escola deve ser o pontode partida de todas as decisões” (BELINTANE, 2003, p. 20), ouseja, entende-se que a escola deve ser uma referência concreta paraas propostas curriculares que são engendradas nos cursos de Pe-dagogia na área da linguagem e do letramento. Assume-se comopressuposto a defesa de uma relação mais sólida e transversal en-tre universidade e escola, entre formação e trabalho, e uma reflexãosobre como se dão as possibilidades de interlocução entre os sabe-res e conhecimentos da formação inicial e os saberes e experiênciasmediados pelas práticas e pelo estágio.

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Literary literacy: experienceof the initial education

Abstract

This text analyzes and questions the aspectsrelated to the pedagogue’s instruction topower reading inside the schools, focussingon literary reading and the reader’seducation during the first grades of theelementary school. The point is how thepedagogue manages to train the teacherwho deals with the little student’s readingabilities, creating a propitious environmentto the literary literacy, providing anaesthetic fruition of the books andeducating critical and autonomousstudents/readers. Such reflections comefrom a research whose methodologicalstrategy was the case study and theaccomplishment of interviews withstudents and teachers of the PedagogyCourse, so as to make clear the instructionpractices and how the future masters jointogether the knowledge, that they gotduring the course, throughout their periodas trainees.

Keywords: Reading; literary literacy; initialinstruction.

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A formação de professorespesquisadores: fundamentos

para a práxis

Sônia Regina Mendes dos Santos1

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Resumo

O artigo relaciona conceitos fundamentaispara a profissionalização docente como oreconhecimento dos saberes advindos daprática, a concepção de trabalho docenteancorado em processos investigativos e aquestão da práxis pedagógica. Analisa aperspectiva da formação dos professorescomo profissionais reflexivos e investiga-dores, suas distorções e críticas. Questionase é possível que a prática reflexiva e apesquisa componham o trabalho docente ecom qual propósito isso pode e deve serrealizado. Diante da possível subordinaçãoda teoria e da reflexão da prática, discutealguns princípios ou argumentos quepodem ser reunidos em prol de uma trans-formação efetiva dos sentidos que se possadar à prática reflexiva em favor da possi-bilidade desta converter-se em práxis emprol de uma formação docente para aautonomia.

Palavras-chave: Professor pesquisador;ensino reflexivo; práxis.

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora adjuntada Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (UERJ) – Mestrado em Educação, Culturae Comunicação das Periferias Urbanas

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1 A pesquisa e a busca por uma identidadeprofissional do professor

Desde a segunda década do século XX, a profissão docentevem sendo organizada em torno de duas dimensões: corpo espe-cífico de técnicas e conhecimentos e um conjunto de valores éticos(NÓVOA, 1987). Esse retrato do professor profissional não ficouestático e nos anos subsequentes a 1960, foi se caracterizando peladesprofissionalização marcada pelo fosso entre a concepção e aexecução, estandartização das tarefas baseadas nas característi-cas técnicas do trabalho docente e consequente desvalorização doprofessor. Nóvoa (1987) considera que contribuíram para adesprofissionalização dos professores, as incertezas diante dasmissões da escola e do papel que assumiu na reprodução culturale na formação das elites.

A desprofissionalização marca a perda do valor do trabalho doprofessor. O trabalho docente passa a ser determinado por outrosatores. Os professores, cada vez mais, passam a esperar que lhesdigam o que fazer numa referência clara à desvalorização e perdade status profissional.

Nos anos 1980, um novo ímpeto na profissionalização docenteocorreu com o reconhecimento de que o ensino é uma atividadeprofissional que se apoia num sólido repertório de conhecimentos.Os professores, como práticos reflexivos, veem a prática profissio-nal como um lugar de formação e de produção de saberes(ZEICHNER, 1993; TARDIF, 2002).

A percepção de que os professores compõem uma categoria pro-fissional de um fazer vocacionado e de formação pautada na razãotécnica prescritiva foi sendo superada pelo reconhecimento da ri-queza de experiências que reside na prática dos bons professores.

A racionalidade técnica predominante na formação detinhaconhecimentos formalizados e interpretava a ação docente comolimitada à escolha dos meios mais adequados à resolução eficazdos problemas. Na visão tradicional, há uma separação entre teo-

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ria e prática. As teorias existem nas universidades e a prática exis-te apenas nas escolas. Esperava-se que o professor aplicasse a teo-ria na sua prática, sem o necessário reconhecimento do saberadvindo da prática do professor.

Diante de uma concepção reflexiva da profissão docente(ZEICHNER,1993; SHÖN, 2000, TARDIF, 2002), a formação deprofessores reúne disposição e capacidade de estudar a maneiracomo os professores ensinam, principalmente para que possamajudar futuros professores a enfrentarem a complexidade do seuexercício profissional. As ciências da educação passam a estimu-lar uma atitude investigativa dos professores e, nas áreas de for-mação de professores, emergem as práticas de formação-ação eformação-investigação (PEREZ-GOMEZ, 1992).

A prática reflexiva é vista como espaço de experimentação, deinvestigação, de entendimento e de enfrentamento de situaçõescomplexas. Trata-se de momento de confrontação entre a realidadee o conjunto de esquemas teóricos e de convicções do profissional.Por essa perspectiva, a atuação do professor rompe com a dicotomiaentre o pensar e o fazer, experimenta na situação a elaboração deuma nova compreensão para mudá-la.

Para Shön (2000), os processos de formação deveriam pautar-sena reflexão, na ação e sobre a ação. O autor indaga sobre qual oconhecimento intuitivo que pode descrever e analisar a interven-ção realizada. Ele destaca que a prática profissional não pode serdescrita segundo um sistema de normas de ação preconcebidas,uma vez que as regras técnicas não são capazes de darem respos-tas a situações diferenciadas, inéditas. A ideia do professor reflexi-vo busca superar a crítica à lógica da racionalidade técnica quemarcou sobremaneira a formação docente. Nessa perspectiva, ateoria é compreendida como um conjunto de princípios gerais econhecimentos científicos, e a prática como a aplicação da teoria edas técnicas científicas. O fundamento necessário para os proces-sos de formação e profissionalização estão na base reflexiva daatuação do profissional.

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O que poderia significar um novo balizamento para o processode formação, entretanto, enfrenta críticas, principalmente, pauta-das na maneira como o conceito de professor reflexivo tem sidoempregado. A defesa da perspectiva dos professores como práti-cos reflexivos rejeita por completo a concepção de que os professo-res aplicam passivamente as reformas educacionais e proposiçõesconcebidas e ditadas por outros atores institucionais situados hie-rarquicamente acima.

Outro aspecto a considerar seria se a reflexão, por si só, tanto noensino quanto na formação, resultaria num ensino melhor. Sob abandeira da reflexão, tem-se limitado o processo reflexivo unicamenteàs estratégias de ensino, excluindo qualquer consideração sobre asperspectivas e valores representados naquilo que é ensinado e, maisraramente, sobre as condições sociais em que isso acontece.

É importante avaliar o tipo de reflexão que deve ser incentivadaem programas de formação e nas escolas identificadas com umimpulso democrático e emancipador. Cabe ainda registrar a insis-tência de que a reflexão dos professores realiza-se num diálogosolitário consigo mesmos. Sem desconsiderar esse aspecto comoessencial, tal enfoque aniquila a reflexão como prática social atra-vés da qual os grupos de docentes possam apoiar-se mutuamente.Nos processos formativos, tais equívocos criam a ilusão da apren-dizagem docente (ZEICHNER, 1993, p. 59).

Contreras (2002) reconhece que a concepção da prática recupe-ra a riqueza das experiências dos professores pouco ou nada valo-rizadas nos meios acadêmicos. Os professores têm teorias que po-dem contribuir para a melhoria do ensino, no entanto, o autor des-taca que a prática reflexiva não se realiza abstraindo-se do contex-to social em que ocorre. Portanto, não se deve restringir ao trabalhodo professor na sala de aula, pois:

Apenas reconhecendo sua capacidade de açãoreflexiva e de elaboração do conhecimentoprofissional em relação ao conteúdo e de suaprofissão, bem como os contextos quecondicionam sua prática e que vão além da

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aula, os professores podem desenvolver suacompetência profissional, entendida maiscomo competência intelectual que não ésomente técnica (CONTRERAS, 2002, p. 84).

A prática reflexiva tem como características a tendência demo-crática, emancipatória e o enfrentamento das situações de desi-gualdade e injustiça dentro da sala de aula.

Reconhecendo o caráter fundamentalmentepolítico de tudo o que os professores fazem,a reflexão dos professores não pode ignorarquestões como a natureza da escolaridadee do trabalho docente ou as relações entreraça e classe social por um lado, e acesso aosaber escolar e sucesso escolar por outro”(ZEICHNER, 1993, p. 26).

A prática reflexiva pressupõe uma situação institucional queconduz a ações coletivas orientadas para alterar as interações nasala de aula, na escola e na comunidade. Mesmo diante doposicionamento crítico quanto à restrição da reflexão restrita àsestratégias de ensino na aula, desconsiderando a influência darealidade social sobre as ações e pensamentos que condicionam aprática profissional, tudo indica que a educação está cercada do“praticismo”2. (KEMMIS,1993; GIROUX, 1997; CONTRERAS,2002). As preocupações com a prática para a construção do saberdocente têm levado a uma banalização do uso do termo reflexão.

Pimenta destaca que “a superação desses limites dar-se-á apartir de teoria(s) que permita(m) aos professores entenderem asrestrições impostas pela prática institucional e histórico social aoensino, de modo que se identifiquem o potencial transformadordas práticas” (PMENTA, 2002, p. 25).

Complementando essa noção, Moraes (2001 apud DUARTE,2004) destaca a importância da apropriação teórica para a forma-ção docente. A autora considera que o movimento prioriza a efici-ência e a construção de um terreno consensual com base na experi-

2 Tendência atual de estabelecer o primado da ação sobre a reflexão, da prática sobre a teoria,da experiência sobre o pensamento.

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ência imediata ou no conceito corrente de “prática reflexiva” e sefaz acompanhar da promessa de uma utopia pragmatista, ou seja,basta o “saber fazer”. A teoria é considerada perda de tempo oumesmo especulação metafísica.

Duarte acredita que “de pouco ou nada servirá mantermos aformação de professores nas universidades se o conteúdo dessaformação for maciçamente reduzido ao exercício de uma reflexãosobre os saberes profissionais, de caráter tácito, pessoal, particula-rizado, subjetivo” (DUARTE, 2004, p. 620).

Para Miranda e Resende (2006), o ideal da formação está condi-cionado a uma sólida formação teórica cujo princípio deveria ser afecundidade da prática social em sua estreita vinculação com amesma teoria, sobretudo, quando ela exerce seu vigor crítico.

Mas não há crítica possível sem a mediaçãoda teoria. Como a teoria não é algo quepossa ser buscado ou constituído para umfim dado (como instrumento), não háalternativa senão assegurar uma formaçãoteórica aos professores. Isso, eviden-temente, custa caro, requer uma mudançacultural de gigantescas proporções,contraria os interesses da indústria culturale, sobretudo, tem o inconveniente de gerarum professorado crítico e reivindicativo,difícil de ser administrado. (MIRANDA;RESENDE, 2004, p. 517).

Ainda segundo as autoras, em função do “praticismo”, tem-secomo consequência o “aligeiramento da formação, a descaracteriza-ção da universidade como agência de formação de professores, abanalização da pesquisa, a redução das condições de autonomia erigor para o exercício da crítica” (MIRANDA; RESENDE, 2004, p. 517).

Atrela-se a esse aspecto a constatação de que as instituiçõesincumbidas da formação inicial de professores, muitas das vezes,organizam-se sob o predomínio de um currículo montado sob alógica disciplinar com conteúdos fragmentados seguidos de mo-mentos de aplicação (MELLO, 2000; BRZEZINSKY, 2008). De modo

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análogo, os projetos de formação continuada assumem o modeloescolar, limitados à oferta de cursos voltados à transmissão de umcorpo de conhecimentos e técnicas definidos como importantespara o exercício profissional.

Mas o que vem mudando na formação do professor para per-mitir a formação de um professor reflexivo? Para Sacristan (2002),é a elaboração de uma metáfora reflexiva que converte os profes-sores em profissionais reflexivos, em pessoas que refletem sobre aprática, além de convertê-los em investigadores que buscam emseu próprio âmbito de trabalho, quando, na verdade, o professorque trabalha não é o que reflete. O professor que trabalha nãopode refletir sobre sua própria prática porque não tem tempo, nãotem recursos.

O que está em jogo efetivamente é que todas essas metáforascoincidem em um princípio que caracteriza a situação atual:

Não há conhecimento firme, seguro, quepossibilite uma prática correta, porque aprática deve ser inventada pelos práticos.Quer dizer, a prática não pode ser inventadapela teoria; a prática é inventada pelospráticos. O problema é saber o papel quecumpre a teoria na invenção da prática(SACRISTAN, 2002, p. 23).

Como alternativa, o autor alerta que a ciência pode ajudar opensamento dos professores, mas transmitir-lhes a ciência nãoequivale a que pensem de maneira diferente. O grande fracassoda formação de professores estaria em que a ciência que lhes éapresentada não lhes serve para pensar. Entretanto, a ciênciapode sim ajudar o professor a pensar, porém é necessário distin-guir o “pensar” da ciência. Pensar é algo muito mais importantepara os professores do que assimilar ciência, porque é algo muitomais complexo do que transmitir ciência. Além disso, nem sequero fazer dos professores é ciência. No melhor dos casos, são disci-plinas científicas, não ciência. Nesse caso, conforme Sacristan(2002), o professor pensa, não de acordo com a ciência, mas de

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acordo com sua cultura.Pode-se observar que a literatura sobre a formação de professores

tem-se deslocado do preparo centrado no domínio de meios eestratégias - buscando a eficácia na consecução dos objetivos es-colares centrada na sala de aula - para uma formação metafóricada reflexão, sujeita a ser analisada com cuidado em relação àspossibilidades que se colocam para a formação docente e para agestão escolar.

Um cuidado essencial é ver com rigor crítico o uso recorrente dotermo “prática reflexiva” como se fosse suficiente para os desafios daprática ou pudesse dar conta dos problemas educacionais comple-xos. O desvio de atenção das questões estruturais educacionais podeprovocar o isolamento individual dos professores, vendo seus proble-mas como só deles, não os identificando como pertinentes à estruturada escola e aos sistemas escolares. Outro aspecto é desconsiderar opeso das raízes culturais das quais se nutrem os professores paraentender como e porque atuam e como se deseja que devam atuar.

O fato de a professora ser mulher introduzum viés na profissão docente. O fato de aprofessora ser da raça negra tambémintroduz um viés na profissão docente etc.Não digo que isso seja negativo ou positivo,mas um viés. Isso quer dizer que o professor,antes de mais nada, é uma pessoa de umacultura que, quando é culta, ensina muitomelhor. E dizer que um professor se nutredas raízes culturais e não da ciência nosobriga a considerar os ambientes deaprendizagem, os contextos nos quais elessurgem e as condições de trabalho em quevai trabalhar (SACRISTAN, 2002, p. 27).

2 As relações entre prática reflexiva, pesquisa e práxis

A prática reflexiva permitiu que os professores fossem reconhe-cidos por suas competências e saberes excluídos do processo deanálise técnica. A inclusão da prática reflexiva como componente

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do trabalho docente é vista como modo de investigar, experimen-tar, refletir sobre essa ação, confrontando o conhecimento acumu-lado e o tácito3 diante de uma situação problema de modo a com-preender e tomar decisões.

Para Ludke, “pelas janelas da reflexão escancaradas por Schön,entraram as idéias da pesquisa junto ao trabalho do professor e dopróprio professor como pesquisador” (LUDKE, 2001, p. 81). A pes-quisa do professor revela-se repleta de dificuldades e tensões emque o consenso limita-se à constatação de que a investigação deveocupar lugar definitivo na formação docente pelas inúmeras pos-sibilidades que permitem integrar o exercício profissional à produ-ção de conhecimentos e saberes.

Gaitan e Maldonado (2008) identificam alguns aspectos sobre opapel da investigação na formação docente. Entre eles merecem des-taque a transcendência do enfoque rotineiro da cotidianidade, aressignificação do trabalho docente, a reconstrução da sua imagem ecomo estratégia de formação docente e eixo transversal do currículo.As autoras tratam a investigação como exercício formativo renovadorda prática, sem que signifique perda de solidez teórico-metodológicaprópria do processo. Reconhecendo que não é suficiente fortalecer ainvestigação no currículo das universidades, apontam para outroscenários: os espaços educativos onde atuam professores. Para tal,consideram que é preciso desmistificar a investigação.

Ao mesmo tempo em que cresce o reconhecimento da pesquisado professor, não há consenso sobre seus rumos, em boa parterelacionada à forma como essas pesquisas alcançam legitimidadeno meio acadêmico sem serem consideradas de segunda categoriadiante da falta de rigor científico (LUDKE, 2001). Como modo decontornar tal dificuldade, emergem, no seio dos debates sobre pro-fessores pesquisadores, duas perspectivas que se completam: aintrodução da pesquisa-ação e as considerações em torno da pes-3 Conhecimentos e competências tácitas são as adquiridas pela experiência. Pelo seu caráterprático, não são passíveis de sistematização teórica e, em função disso, não podem ser ensinadas.Seu desenvolvimento depende da subjetividade, das oportunidades de trabalho e de acesso àinformação, da cultura, das relações sociais vividas por cada trabalhador. São desenvolvidase não adquiridas em processos sistematizados de ensino.

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quisa colaborativa entre universidade e professores.De um modo geral, os autores que optam pela perspectiva da

pesquisa-ação entendem que as intervenções ditadas pela reflexãocontínua visam à resolução dos problemas vivenciados, o alvo sãoas intervenções contínuas no sistema pesquisado. Como os proje-tos de ação são projetos investigativos que abarcam os grupos en-volvidos, a pesquisa-ação emerge quase sempre das pesquisascolaborativas entre pesquisadores e professores.

Pimenta et al destaca que:

Uma tarefa muito importante dos pesquisa-dores foi a de ajudar os professores a desen-volver habilidades de investigar e de inter-pretar. Pesquisar, saber transformar umadificuldade prática numa questão depesquisa, tomar distanciamento em relaçãoà ação para estudá-la, sistematizar e escreverfoi um aprendizado e uma conquista.Montar os projetos exigia entendimento dasquestões a serem investigadas, exigiaseleção dos sujeitos que deveriam serouvidos para garantir a representação dospontos de vista, exigia elaboração deinstrumentos conseqüentes com osobjetivos, critérios de análise e de inter-pretação dos dados. O trabalho de examinaras próprias ações exigia atitudes que osprofessores desconheciam: pesquisar,problematizando as situações práticas;analisando-as a partir de um olhar externo(um texto, uma teoria, o olhar dospesquisadores); ampliando a compreensãocom outras pesquisas; interpretando-as apartir da explicitação de seus significadosmais amplos (educacionais, históricos,políticos, econômicos, culturais, ideológicos);desenvolvendo, enfim, habilidades e atitudesde pesquisa (PIMENTA et al, 2001, p. 14).

De outro modo, Miranda e Resende (2006) analisam que há orisco de fazer com que a pesquisa-ação seja convertida em estraté-gia de políticas públicas com a finalidade de imprimir reformas

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somente no campo da retórica e da ação do professor.

A instituição da pesquisa como práticacomum e generalizada aos professores ouàs escolas desconsidera que ela requersuporte institucional e acadêmico adequado,condições de trabalho compatíveis, além dadisposição e do interesse dos docentes. Semessas condições, pode-se alimentar umaretórica reformista que institui o imperativode que o professor assuma sozinho a decisãoe o risco de se contrapor a uma realidadeque não dá sinais de pretender se transformar(MIRANDA; RESENDE, 2006, p. 517).

Sempre preocupadas com a incompreensão a respeito dapesquisa-ação, Miranda e Resende alertam para a falsa noção deque a atuação deva se orientar para a solução de problemas isola-dos na sala de aula ou escola. Se isso ocorrer, as ações podem ficarcondicionadas à solução de problemas imediatos enfrentados in-dividual ou coletivamente pelos professores. Também podem mas-carar o fato de que efetivas soluções requerem muito mais do quesoluções emergenciais e estão atreladas a mediações históricas,políticas, culturais e sociais construídas coletivamente.

Além disso, limitando-se aos contextos escolares e da sala deaula, a despeito da valorização dos docentes advinda do conceitode professor reflexivo e da relevância das investigações conduzidasna escola para a produção de conhecimento, corre-se o risco de nãose aprofundar nas contradições políticas mais amplas que deter-minam as relações escola e sociedade.

Nesse sentido, a sonhada profissionalização docente há de seracompanhada por alterações significativas nos processos de ges-tão e organização da escola, no pleno engajamento do professornos processos decisórios e na constituição de uma jornada de tra-balho que inclua trabalho coletivo e docência.

Por outro lado, é preciso reconhecer que a profissionalizaçãodocente está inserida num processo mais amplo de visãoemancipatória da educação. Isso requer imediato reconhecimento

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dos conflitos entre os diferentes atores sociais que possuem proje-tos distintos de sociedade, que se apropriam material e simbolica-mente da natureza de modo desigual. A modificação da realidadepela reflexão, pelo autoquestionamento, remetendo da teoria à prá-tica, implica o entendimento de que a prática pedagógica é umapráxis e como tal não se pode reduzir a sua investigação ao estudodas técnicas pedagógicas.

Para Sacristan (2002), atribuem-se ao pós-positivismo - tendên-cia marcante na investigação sobre a formação de professores apóso positivismo - alguns juízos bastante aceitos sobre a prática peda-gógica. Um dos principais argumentos é o de que da “ciência”pedagógica não se pode deduzir a técnica da prática pedagógica.

O pós-positivismo nega a possibilidade deque da ciência se deduza a técnica educativa.Quer dizer, a prática educativa não podeser técnica pedagógica, porque não estábaseada no conhecimento científico e, sereimuito mais agressivo, não pode estarbaseada no conhecimento científico. Aprática pedagógica é uma práxis, não umatécnica. E investigar sobre a prática não é omesmo que ensinar técnicas pedagógicas(SACRISTAN, 2002, p. 22).

De forma que diferenciar prática pedagógica de práxis implicademarcar, por um lado, as características de um empreendimentopedagógico que se desenvolve num tempo e num espaço que visa aum efeito, mas que, em nenhum momento, é portador de uma pers-pectiva de autonomia; e de outro, a marca de um projetoemancipador (IMBERT, 2003, p. 15).

Conforme Imbert (2003), as práticas provêm da técnica e do cál-culo e buscam relações ótimas entre os meios e os fins. Já a práxissignifica uma tensão, um projeto que não se deixa fixar por termosdeterminados, mas abre espaço para um processo indeterminado,não dedutível, que visa alcançar a autonomia. Ao contrário dapedagogia especulativa que lida com o objeto acabado, a classifi-cação e o diagnóstico, pelo conceito de práxis pedagógica, consti-

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tuem um “vir-a-ser” não previsto. Infere-se que ela só existe emrelação ao objeto inacabado, o que abre espaço para a compreen-são da realidade como apreensão parcial, passível de revisão. “Aperspectiva da práxis é a de um fazer criador da realidade e desentidos novos” (IMBERT, 2003, p. 18).

A práxis caracteriza-se pela relação dialética entre teoria e prá-tica. Apoiada no saber, entende-o como provisório, porque a práxis,enquanto tal, faz surgir um novo saber.

No exercício da docência, esse conceito de práxis reforça a im-possibilidade de uma sólida formação teórica se deixar confundirpelo pragmatismo4. Acusa-se o pragmatismo como responsável peloempobrecimento da relação do indivíduo com a realidade: alheio àspossibilidades históricas constituídas, ao processo de construçãode alternativas e ao modo de organização e de vida em sociedade.

Nesse sentido, a práxis deve fundamentar a formação dos pro-fessores. Fundamenta-a para que a teoria e a prática se encontremde modo crítico, descontruindo-se e reconstruindo-se nos espaçose tempos escolares. A questão da práxis na instituição escolar seráde um projeto de autonomia que visa revolucionar uma relaçãocom a instituição, vivida e pensada por um conjunto de práticas,representações e imagens. O projeto de autonomia implica em tra-balhar com esse imaginário sobre o qual a instituição se apoia e,em troca, a instituição o naturaliza. “Trata-se em suma de re-historicizar a instituição, de desnaturalizá-la e ao fazer isso, sereapropriar tanto no nível coletivo quanto individual , das capaci-dades instituintes, ou seja do desejo do poder de se liberar do pesodas fatalidades de todos os gêneros” (IMBERT, 2003, p. 71).

Ainda sobre o tema, Sacristan (2002) resgata que, por mais quepareça estranho, os professores são pessoas que pensam e querem,e não só pensam. Porém, as motivações dos professores têm estadoausente das investigações sobre a formação dos professores. “Para

4 De acordo com essa tese, as ideias são concebidas como instrumentos e planos de ação, previsõesacerca das prováveis consequências de determinada ação, hipóteses que, dependendo de suaeficácia, valor ou utilidade, permitem uma melhor organização da conduta do homem no mundo.No terreno metodológico, portanto, não rejeita a elaboração de hipóteses ou teorias, mas exigeque essas partam dos dados da experiência e apresentem resultados práticos e verificáveis.

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educar é preciso se ter um motivo, um projeto, uma ideologia. Issonão é ciência, isso é vontade, é querer fazer, querer transformar. Equerer transformar implica ser modelado por um projeto ideológico,por um projeto de emancipação social, pessoal etc.” (SACRISTAN,2002, p. 26).

O autor avalia que se deve dar especial atenção aos motivos deação dos professores, uma vez que se tem educado suas mentes,mas não seus desejos. Porém, com relação à investigação sobre aformação, insiste na necessidade de se considerar o habitus5 comoforma de integração entre o mundo das instituições e o das pesso-as. Ainda mais importante do que os motivos, “o habitus é cultura,é costume, é conservadorismo, mas é, também, continuidade soci-al, e, como tal, pode produzir outras práticas diferentes das exis-tentes” (SACRISTAN, 2002, p. 27).

Dessa maneira, acredita-se que a formação do professor reflexi-vo - professor pesquisador - passa pela sua própria crítica, peloencantamento que ele confere à valorização dos saberes advindosda sua experiência docente, mas também pela suspeita do desvioque confere ao caráter complexo das relações de dominação e ex-clusão que caracterizam a sociedade capitalista mundializada.Uma via importante para a formação, pelas inúmeras possibilida-des que confere, será a recondução às questões da práxis. Nestainsurge o imaginário sobre as representações dos docentes, sobre aescola e sobre o seu próprio trabalho, além do embate crítico entreteoria e prática, aspectos potenciais para que se promova a trans-formação da instituição escola e dos homens.

4 À guisa de conclusão

A reflexão sobre a prática pedagógica e a pesquisa busca asse-gurar meios para a gestão dos fazeres, do tempo e das pessoas naescola, cuja preocupação é a produção de um discurso que exime

5 Habitus é um conceito definido por Bourdieu (1983) e concebido como um sistema de esquemasindividuais, socialmente constituído de disposições estruturadas (no social) e estruturantes (nasmentes), adquirido nas e pelas experiências práticas (em condições sociais específicas deexistência), constantemente orientado para funções e ações do agir cotidiano.

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os governantes de responsabilidade e compromissos, segundo Pi-menta (2002). A supervalorização da prática, considerada em simesma, corre o risco de resvalar para o desconhecimento da im-portância da teoria e da reflexão. A prática como objeto de analisecrítica exige uma sólida formação teórica em diálogo com as práti-cas, além da constatação de que se deve “educar não só a razão,mas também o sentimento e a vontade” (SACRISTAN, 2002, p. 27).

Em suma, diante das múltiplas limitações que se impõem aosdocentes no seu fazer cotidiano, as proposições pautadas na práti-ca reflexiva, de onde emerge o professor pesquisador, podem ocul-tar uma nova forma de desviar a análise crítica sobre os fatorespolíticos e sociais que determinam as condições externas da práti-ca docente. As perspectivas para a formação de professores vistoscomo práticos reflexivos focam-se na atuação docente, mais espe-cificamente, na aplicação da teoria e das técnicas científicas nofazer da sala de aula, em que não são abordados nem modificadosos fatores organizacionais que controlam tempo, espaço, interaçõese hierarquias na escola. Além disso, os professores, mesmo sob aégide da possibilidade de autonomia e da retomada da qualifica-ção profissional, veem seu trabalho marcado pela individualização,têm uma formação aligeirada e sofrem a perda de status social.

Acreditando que é possível superar tal perspectiva pela formaçãopara a práxis, ainda é preciso se investigar em que medida a formaçãoe a gestão do trabalho docente podem promover a práxis. Que aspec-tos centrais devem ser adotados para a formação para a práxis?

Para conduzir a práxis, segundo os ensinamentos de Imbert(2002), é necessário comprometer-se com o trabalho de subversãodo desconhecimento instituído nos campos pedagógico, ideológi-co e político. Nesses as pessoas e os entes coletivos perdem suascapacidades autônomas. A desocultação das articulações simbóli-cas e imaginárias da instituição de fato remete a mudanças nonível organizacional, ou seja, o autor explica que há de se realizarnovos arranjos dos seres, dos fazeres, novas combinações de ele-mentos por vezes intocados. “De fato, uma verdadeira mudança

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nas articulações simbólicas da instituição somente pode acontecersendo simultaneamente uma mudança efetiva no registro imagi-nário e vice-versa” (IMBERT, 2002, p. 73). O autor entende que commuita frequência, as mudanças advindas das reformas e inova-ções não produzem ruptura nem no imaginário dos mestres, nemna trama do sentido dos valores e das regras.

Um segundo aspecto preponderante diz respeito à compreen-são de que, num grupo, a práxis como elaboração coletiva das prá-ticas vividas no cotidiano requer um coletivo articulado. Nessesentido, a práxis opera a ruptura com os laços arcaicos advindosdas posições hierárquicas de mando, que prescinde da figura dolíder, pois é no coletivo que os sentidos e imagens são falados,postos em circulação numa rede de trocas. Imbert (2002) acrescen-ta que, no entanto, esse campo coletivo somente se constitui atra-vés dos fazeres materialmente articulados, ou seja, é preciso colo-car em ação instrumentos, dispositivos, elementos que traduzamem palavras a troca, a rede de trocas.

O projeto praxista, em confronto com a perspectiva da formaçãode professores reflexivos, é um desafio: vasculha os sentidos daprática cotidiana, remobiliza os sentidos e as imagens que lhe dãocorpo; institui o grupo cujas imagens e os sentidos possam serfalados, postos em circulação numa rede de trocas; cria e elaboradispositivos que articulam os fazeres em função de novos senti-dos, cuja essencialidade é a autonomia humana.

Portanto, cabe intermitentemente perguntar: qual o projeto defuturo que une e articula os professores como intelectuais? Comoacabamos sendo o que somos agora? O que ainda se pode fazer nocampo da escolarização a partir da reflexão crítica? Possivelmen-te, as respostas encontram-se no processo que desmonta os discur-sos, as ideias e as relações sociais existentes em função do que épossível mudar em contraposição à constatação do que é resultadodas estruturas sociais à que estamos submetidos.

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Teacher education researchers:foundations for pedagogical praxis

Abstract

The article connects key concepts for teacherprofessionalization like the recognition ofthe knowledge originated from practice,the conception of teaching work anchoredin research processes and the question ofpedagogical praxis. It examines theprospect of teachers training as reflectiveand researcher professionals, its distortionsand criticism. It questions whether it ispossible that the reflective practice and theresearch compose the teaching work andfor what purpose it should and can beaccomplished. Faced with the possiblesubordination of the theory and reflectionto the practice, discusses some principlesor arguments which can be gathered inadvantage of an effective transformationof the senses that can be given to reflectivepractice in favor of the possibility of thispractice to be converted in praxis towardsa teacher education for autonomy

Keyword: Formation of teachers;researchers; reflective teaching; bases forpraxis.

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A fiscalização da aplicação dosrecursos vinculados à educação:

uma análise do papel do Tribunalde Contas do Estado de São Paulo

Ana Paula Santiago do Nascimento1

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Resumo

O presente artigo traz uma discussão sobreas instruções, pareceres e resoluçõeselaboradas pelo Tribunal de Contas doEstado de São Paulo (TCE/SP) sobre asdespesas realizadas pelas prefeituras naárea da Educação. Realizou-se umlevantamento e análise em textos legais doTCE/SP, além de pesquisa bibliográficasobre aplicação de recursos e fiscalizaçõesdos tribunais de contas em municípios eestados brasileiros, tentando mapear o quese espera encontrar em tais relatórios.Foram analisados, também, os pareceres eresoluções de quatro municípios paulistas- Santópolis do Aguapeí, Jacareí, Oriente eBauru. Esses municípios tiveram as contasrejeitadas pelo não cumprimento dopercentual mínimo de vinculação para oexercício dos anos de 2006 e 2007.

Palavras-chave: Tribunal de Contas do Es-tado de São Paulo; educação; financiamentoda educação.

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1 Pedagoga e mestranda na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) naárea temática de Estado, Sociedade e Educação. Professora da rede municipal de educação deSão Paulo.

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1 Introdução

O controle da administração pública, conforme Carvalho Filho(2005), representa o conjunto de mecanismos jurídicos e administra-tivos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revi-são da atividade administrativa em qualquer das esferas de poder.

No Brasil, o Poder Legislativo realiza essa fiscalização e revisão,que são fundamentais para o controle baseado no princípio da lega-lidade. À fiscalização compete a verificação das atividades públicasdos órgãos e agentes administrativos e a revisão corrige condutasadministrativas. Esse chamado controle legislativo sob o aspectofinanceiro é feito pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunalde Contas (TC). Sua previsão constitucional encontra-se entre osartigos 70 e 75 da Constituição da República Federativa do Brasil de1988 (CF/88), na seção intitulada “da fiscalização contábil, finan-ceira e orçamentária”, no capítulo relativo ao Poder Legislativo.

O Tribunal de Contas, órgão auxiliar, tem como função atuar nafiscalização contábil, financeira orçamentária, operacional epatrimonial da União, dos estados, do Distrito Federal e dos muni-cípios, bem como das respectivas entidades de administração dire-ta ou indireta e das fundações por eles instituídas ou mantidas,quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação desubvenções e renúncia de receitas.

No Brasil, tem-se o Tribunal de Contas da União (TCU), que éresponsável pelas contas da União – órgãos federais, Câmara dosDeputados Federais e Senado Federal; 27 Tribunais de Contas Es-taduais (TCEs) responsáveis pelas contas de seus respectivos esta-dos e do Distrito Federal, das câmaras dos vereadores e de todos osmunicípios que compõem o estado pelo qual ele é responsável;quatro Tribunais de Contas dos municípios (TCMs) responsáveispelas contas de todos os municípios e das câmaras dos vereadoresdo estado que representam - caso dos TCMs da Bahia, Ceará, Goíase Pará; e ainda dois Tribunais de Contas Municipais (TCMs), quesão responsáveis pelas contas do município e da câmara dos vere-

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adores do local em que está situado - caso de São Paulo e Rio deJaneiro (nos Estados que existem TCMs, o TCE não é responsávelpela conta dos municípios).

A jurisdição do tribunal alcança administradores e demais res-ponsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, além das pessoasfísicas ou jurídicas que, mediante convênios, acordos, ajustes ououtros instrumentos congêneres, apliquem auxílios, subvençõesou recursos repassados pelo poder público.

Um fato que tornou os TCs órgãos fundamentais na atualidadefoi a publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), lei com-plementar n. 101, de 04 de maio de 2000. Essa lei estabelece novasnormas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade nagestão fiscal da União, estados, Distrito Federal e municípios, oque dinamiza a gestão do dinheiro público.

A agilidade eletrônica dos procedimentos licitatórios, as parce-rias com segmentos privados da economia e outras significativasmodificações no agir administrativo que a LRF implantou fizeramcom que os TCs iniciassem uma “campanha” pelo pleno cumpri-mento de seu conteúdo, com fiscalização e instruções normativaspara auxílio dos entes federados.

A LRF fomentou a discussão de orçamento público entre osadministradores, reforçando os mecanismos de controle e transpa-rência, revelando, também, que muitos gestores o encaravam comoum “bicho de sete cabeças” por não o dominarem, cometendo as-sim inúmeros enganos. Nesse cenário, os TCs revelaram-se gran-des aliados com publicações e formações por todo o Brasil.

Na área educacional, como se sabe, os recursos destinados à edu-cação são estabelecidos constitucionalmente, possuindo assim le-gislações e procedimentos específicos tanto na forma de arrecada-ção como na destinação dos recursos. Devendo, ainda, pelo menosuma grande parte deles, passar por acompanhamento e controlesocial. Nesse contexto, os TCs possuem um papel importante naverificação da arrecadação e aplicação desses recursos vinculados,possibilitando um maior rigor por parte dos governantes.

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Reconhecendo esse papel do Tribunal de Contas, este artigotem o objetivo de identificar os procedimentos – análise, orienta-ção, acompanhamento e fiscalização – desse órgão a respeito daaplicação/destinação das verbas vinculadas à educação em qua-tro municípios que estão sob sua responsabilidade.

Para tanto, analisou-se o Tribunal de Contas do Estado de SãoPaulo (TCE/SP), que é responsável pelas contas de todos os muni-cípios paulistas e do próprio estado – com exceção das contas domunicípio de São Paulo que possui tribunal próprio. Levantaram-se as instruções referentes à área de educação desse tribunal, alémde pareceres e resoluções referentes às contas de quatro municípi-os do estado - dois no exercício de 2006 e dois no de 2007 - quetiveram suas contas rejeitadas na primeira análise do TCE/SP.

2 Financiamento da educação e o tribunal de contas

Analisando o histórico do estado de São Paulo, nota-se que asdiscussões sobre a criação de um tribunal de contas responsávelpela fiscalização tanto do Executivo como do Legislativo e Judiciá-rio datam da Primeira República. Porém, só em 1947 institui-sedefinitivamente o TCE/SP. Desde então, ele passou por diversasmodificações, mas sempre existiu.

A Constituição Estadual de São Paulo de 5 de outubro de 1989(CESP/89) possui uma seção específica para regular o TCE. Comsede na capital, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo oterritório estadual, o TCE/SP compõe-se de sete conselheiros nome-ados em conformidade com a CESP.

Os conselheiros são indicados da seguinte maneira: dois, pelogovernador do Estado com aprovação da Assembleia Legislativa,alternadamente entre os substitutos de conselheiros e membros daProcuradoria da Fazenda do Estado junto ao tribunal, indicadospor esse, em lista tríplice, segundo critérios de antiguidade e mere-cimento. Quatro, pela Assembleia Legislativa e um, o último, umavez pelo governador do estado e duas vezes pela Assembleia

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Legislativa, alternada e sucessivamente (SÃO PAULO, 1989, art. 31).Atualmente o TCE/SP é organizado pela lei complementar n.

709, de 14 de janeiro de 1993 que subscreve:

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo,órgão destinado à fiscalização contábil,financeira, orçamentária, operacional epatrimonial do Estado e de seus Municípios,auxiliar do Poder Legislativo no controleexterno, tem sua sede na cidade de São Pauloe jurisdição em todo o território estadual(SÃO PAULO, 1993, art. 1º).

Podem-se resumir as principais atribuições do TCE/SP comosendo: apreciar, julgar e emitir parecer sobre as contas apresenta-das pelo estado e pelos municípios; acompanhar a arrecadação dareceita dos poderes públicos; apreciar a legalidade dos atos deadmissão de pessoal e a legalidade dos atos concessórios de apo-sentadoria, reforma ou pensão; avaliar a execução das metas pre-vistas no plano plurianual, nas diretrizes orçamentárias e no orça-mento anual; expedir instruções gerais ou especiais relativas à fis-calização contábil, financeira, orçamentária,operacional epatrimonial exercida através do controle externo e aplicar, em casode irregularidade, as sanções previstas em lei.

Dentre essas atribuições, o processo de julgamento das presta-ções de contas é o que interessa no presente artigo.

As contas serão julgadas com pareceres favoráveis quando ex-pressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrati-vos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dosatos de gestão do responsável. Favoráveis com ressalvas quandoas contas evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta denatureza formal de que não resulte danos ao erário. E terão parece-res desfavoráveis, as contas em que for comprovada qualquer dasseguintes ocorrências: omissão no dever de prestá-las; infração ànorma legal ou regulamentar; dano ao erário decorrente de ato degestão ilegítimo ou antieconômico e desfalque, desvio de bens ouvalores públicos (BRASIL, 1993, art. 32-33).

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Em seu artigo 30, a lei complementar n. 709 de 1993 indica quehavendo irregularidades, caberá ao tribunal definir a responsabi-lidade individual ou solidária pelo ato de gestão impugnado; ha-vendo débitos, ordenar a notificação do responsável para apresen-tar defesa ou recolher a importância devida e caso não haja débi-tos, determinar a notificação do responsável para apresentar ra-zões ou justificativas.

Partindo dessa análise das contas dos municípios, o TCE/SPorienta as prefeituras na execução dos recursos e, especialmente,sobre a utilização dos recursos vinculados constitucionalmente (edu-cação e saúde) que passaram por diversas modificações no decorrerda história brasileira. Inúmeras instruções do TCE/SP nos últimoscinco anos versam a esse tema, o que indica a preocupação desseórgão para que o cumprimento da vinculação se efetive de fato.

Esse cumprimento constitucional pelos municípios – apontadono artigo 212 da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 (CF/88) – foi tema de estudos realizados por Melchior (1991; 1993; 1997)e por outros pesquisadores como Gomes (1994) e Davis (2001; 2004)entre outros.

Inúmeros estudos revelaram diferentes mecanismos que utilizamos entes federados para o não cumprimento da vinculação. Gomes(1994) aponta como alguns desses desvios a desvinculação inflaci-onária dos recursos, a concentração da execução dos orçamentos aofinal do ano, a cessão de funcionários da educação a outros setores.

Davis (2004) levanta em seus estudos um conjunto de proble-mas que prejudica e diminui as verbas destinadas à educação.Entre eles, a sonegação fiscal, o desvio de recursos, a deficiência nafiscalização pelos TCs, entre outros.

Com o advento do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fun-damental e Valorização do Magistério (FUNDEF)2 em 1996 e aLRF em 2000, o Tribunal de Contas, como já foi mencionado, rea-firmou seu papel orientador aos ordenadores de despesas, con-

2 Foi implantado no Brasil pela Emenda Constitucional n. 14, de 1996, mas só começou a vigorarem 1998. Seu prazo de duração era de 10 anos, expirando em 2006.

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tribuindo, também, para a formação e informação dos conselhei-ros do Conselho de Acompanhamento e Controle Social doFundef/Fundeb3, gestores municipais e população no geral. Issodestacou o seu compromisso com a transparência na gestão pú-blica, como destaca Figueiredo (2002). O autor reforça o papeldesse órgão como um espaço institucional a ser ocupado e possí-vel de trabalhar para a ética na gestão pública e garantir o plenoexercício da cidadania.

Sob o aspecto do republicanismo clássico,da preocupação com a coisa pública querevela a face da cidadania comprometidacom o aperfeiçoamento democrático e o bemestar coletivo construído sobre sólidospadrões éticos, não resta dúvida de que setrata do campo próprio de atuação das Cortesde Contas (FIGUEIREDO, 2002, p. 3).

Como a eleição é a forma de democracia plena na sociedade, osTCs podem e devem contribuir e estimular a criação de novos me-canismos que permitam ao cidadão ter acesso a todas as informa-ções que lhe sirvam de parâmetro para essa escolha correta. O quefica claro é a necessidade de instrumentos “que levem ao cidadãoessas informações, que confiram transparência à gestão da coisapública, que sirvam como verdadeiras agências de accountability,agências de transparência, de responsividade e prestação de con-tas de recursos públicos” (FIGUEIREDO, 2002, p. 3).

3 Metodologia

Para a realização deste artigo, fez-se uma descrição e análise dosdados coletados nos pareceres, instruções, normas e leis do TCE/SP. O campo de coleta de dados compreende todos os municípiosatendidos por esse tribunal. O grupo de estudo selecionado dessa

3 Emenda Constitucional n. 53, de 19 de dezembro de 2006, que institui o Fundo de Manutenção eDesenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb),que atende toda a educação básica, da creche ao ensino médio. Substituto o Fundef, que vigorou de1997 a 2006. O Fundeb está em vigor desde janeiro de 2007 e se estenderá até 2020.

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população se circunscreve a quatro municípios paulistas que tive-ram, inicialmente, suas contas rejeitadas por não atingirem os míni-mos exigidos pelas leis específicas da área educacional.

Delimitou-se que a pesquisa seria realizada com os dados refe-rentes ao ano de 2006 e 2007 – anos mais recentes, que constampareceres disponíveis para consulta on-line.

Os dados necessários ao estudo foram obtidos por meio de aná-lise documental e retirados dos relatórios e pareceres disponíveisnos sites do TCE/SP e das prefeituras e respectivas câmaras devereadores. Buscou-se identificar quais as orientações dadas aosprefeitos e governador.

Como referências bibliográficas foram utilizados estudos re-centes sobre o tema, processos parlamentares em que sugeriramequívocos na aprovação dessas contas pelos tribunais, além daLei Orçamentária Anual (LOA) - na qual cada ente federadoespecifica seus gastos no ano. Finalmente, foram utilizados pa-receres do próprio tribunal sobre as contas da educação e seusmanuais de orientações. A analise servirá para uma breve refle-xão sobre o papel dos tribunais de contas na fiscalização dadestinação das receitas existentes no país.

4 Resultados e discussões

Nos procedimentos, no que se refere ao orçamento destinado àeducação, as prefeituras o enviam para o tribunal até o 5º dia útildo mês subsequente do encerramento do trimestre para publicaçãodas contas em jornal oficial. Enviam também o parecer do Conse-lho de Acompanhamento e Controle Social (CACS) do Fundef, atu-al Fundeb, sobre a repartição, transferência e aplicação dos recur-sos. Os municípios devem manter a documentação referente àsdespesas com educação separadas das demais, em arquivo especí-fico para facilitar a fiscalização. Assim como as folhas de paga-mento dos profissionais do magistério – vistadas pelos conselhei-ros –, os extratos bancários e respectivas prestações de contas vin-

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culadas ao ensino; processos licitatórios, de inexigibilidades e dis-pensas devidamente formalizados caso envolvam recursos do en-sino, contendo os documentos obrigatórios discriminados pela Leide Licitações e Contratos4 e suas alterações; registros contábeis edemonstrativos gerenciais, mensais e atualizados, com destaqueaos recursos repassados e/ou recebidos à conta do Fundef/Fundeb, entre outras coisas.

As instruções específicas para a execução das verbas educacio-nais estão no site do TCE/SP à disposição das prefeituras. Sãoresoluções, instruções e pareceres que contribuem para que os gas-tos sejam executados de maneira correta. Por exemplo, aquilo quese refere à inclusão de gastos com alimentação infantil e uniformesescolares nos mínimos obrigatórios do ensino:

Declara e dá ciência as Prefeituras Muni-cipais que não há possibilidade legal dainclusão de despesas com alimentaçãoinfantil e com uniformes escolares nosmínimos obrigatórios do Ensino, cum-prindo-lhes observar os artigos 70 e 71 daLei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de1996 – Lei de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional (SÃO PAULO, 2008a).

Quanto aos restos a pagar, o TCE/SP é bem explícito em relaçãoà data limite para a aceitação da inclusão desse gasto nas contasdo ano anterior. Declara que só serão aceitos os restos a pagar queforem liquidados até 31 de janeiro do mês subsequente, glosandotodos os outros empenhos com datas posteriores, ainda que existadinheiro nas contas para a liquidação. Esses são apenas dois exem-plos de orientações existentes para as prefeituras, o que faríamossupor que as mesmas dificilmente teriam problemas/dúvidas pararealizar os gastos com educação.

Como objeto desta pesquisa, identificaram-se quatro municípi-os paulistas - Santópolis do Aguapeí e Jacareí para o ano de 2006,

4Lei de Licitação n. 8.666, de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal.Essa lei institui normas para licitações e contratos da administração pública e dá outrasprovidências.

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Oriente e Bauru para o ano de 2007. Esses tiveram as contas noprimeiro parecer do TCE/SP rejeitadas.

Santópolis do Aguapeí possuía, em 2007, uma rede com 505alunos divididos entre a educação infantil (122 na creche e 53na pré-escola) e o ensino fundamental (330 estudantes). Aten-dia 46% dos alunos matriculados no município, enquanto a redeestadual atendia os outros 54%. Como acontece na maioria dosmunicípios, também nesse, a Secretaria Municipal de Educaçãonão era responsável por autorizar as despesas do setor, ou seja,não assinava empenhos e ordens de pagamentos. Na históriarecente de Santópolis do Aguapeí houve, na apreciação do TCE,emissão de parecer desfavorável para o ano de 2004, em virtudeda não aplicação dos mínimos exigidos em educação. Na oca-sião a câmara dos vereadores confirmou o parecer do tribunal.

Em Jacareí a rede municipal contava, em 2007, com 13.579 alu-nos, sendo 6.332 na educação infantil (976 na creche e 5.356 na pré-escola) e 7.247 no ensino fundamental, um total de 42% do alunadoda rede pública do município. Em Jacareí, o secretário autoriza asdespesas de área até o limite de carta convite, tomada de preço econcorrência5. Na história recente do município, houve parecer des-favorável para o ano de 2004 devido ao transporte de alunos e restosa pagar. Porém, essa glosa, votada em 2008, foi rejeitada pela câmarados vereadores que aprovou as contas da prefeitura.

Oriente contava, em 2007, com 208 alunos matriculados na edu-cação infantil da rede municipal. Nesse município, é o prefeito queautorizava as despesas e até o ano de 2003, o município vinhaaplicando um percentual superior aos 25% obrigatórios por lei.

Em Bauru, em 2007, havia 20.810 alunos, sendo 11.866 naeducação infantil (1.819 na creche e 10.047 na pré-escola) e 8.944

5 Modalidades de licitação: Dispensa (para compras ou serviços até R$8 mil e para obras eserviços de engenharia até R$15 mil); convite (para compras ou serviços entre R$8 mil e R$80 mile para obras e serviço de engenharia entre R$15 mil e R$150 mil); tomada de preço (para comprasou serviços entre R$80 mil e R$650 mil e para obras e serviço de engenharia entre R$150 mil e R$1milhão e 500 mil); concorrência (para compras ou serviços acima de R$650 mil e para obras eserviço de engenharia acima de R$1 milhão e 500 mil); pregão presencial (para bens e serviçosde uso comum) e pregão eletrônico (para compras e serviços).

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no ensino fundamental, totalizando 43% do alunado da redepública do município. Em Bauru, o secretário de educação, as-sim como em Jacareí, autoriza as despesas da área, porém semlimitações de valores. No que se refere aos pareceres do TCE/SPdos últimos anos, o município teve parecer desfavorável nosanos de 2002, 2003, 2004 e 2007. A Câmara dos Vereadores jul-gou as contas dos anos de 2002 e 2003, em caráter final, sendofavorável ao parecer do tribunal para as contas do exercício de2002 – rejeitando-as; e rejeitando o parecer do TCE/SP para ascontas do exercício de 2003 – aprovando-as.

O município de Santópolis do Aguapeí teve suas contas aprova-das na reavaliação do tribunal e os municípios de Oriente, Jacareí eBauru continuaram com as suas contas rejeitadas pelo TCE/SP atéjulho de 2009.

Analisando as publicações do TCE/SP, encontram-se dadosque revelam que a aplicação no ensino é algo que causa muitospareceres contrários. Em publicação no Diário Oficial (SÃO PAU-LO, 2007a) o próprio TCE publica que entre as primeiras causas demaior reprovação de contas municipais está a inobservância, pe-las prefeituras, do limite de aplicação dos 25% em Manutenção eDesenvolvimento da Educação (MDE).

4.1 Análise dos casos escolhidos

Uma análise mais aprofundada dos quatro casos escolhidospossibilita a compreensão de como o TCE/SP analisa as contasdas prefeituras e aceita ou não suas justificativas para irregulari-dades com os gastos em MDE.

Um primeiro exemplo demonstra o caso do município deSantópolis do Aguapeí, que teve as contas de 2006 rejeitadas e,após recurso explicando o gasto a menor, obteve parecer favorá-vel à aprovação.

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QUADRO 1Parecer do TCE/SP sobre as contas de Santópolis do Aguapeí parao exercício de 2006

Fonte: Dados do site do TCE. Disponível em: <www.tce.sp.gov.br>. Acessoem: 24 de set. de 2009.

SANTÓPOLISDO AGUAPEÍ

DESFAVORÁVEL

FAVORÁVEL

CONSIDERADAS AS IMPORTÂNCIASRELATIVAS À AQUISIÇÃO DE ÔNIBUS QUEBENEFICIOU ALUNOS DO NÍVEL INFANTIL EFUNDAMENTAL E OS DISPENDIOSCONCERNETES AO PASEP DOS SERVIDORESDA EDUCAÇÃO. ATENDIDO O DISPOSTO NOARTIGO 212 DA CONSTITUIÇÃO FEDERALBEM COMO O CAPUT DO ARTIGO 60, DO ATODAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAISTRANSITORIAS, COM APLICAÇÃO DE 25,39%DAS RECEITAS DE IMPOSTOS NAMANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DOENSINO, SENDO 15,03% NO SETORFUNDAMENTAL.

APLICAÇÃO NO ENSINO ..................... 24,76%ENSINO FUNDAMENTAL .................... 14,62%DESPESAS COM PESSOAL.................... 42,59%

Outro exemplo merecedor de destaque por ter um pareceresclarecedor em relação às causas da não aprovação é o municípiode Jacareí, que teve as contas rejeitadas por não atender os míni-mos exigidos na CF/1988 e normatizações da Lei de Diretrizes eBases (1996).

QUADRO 2Parecer do TCE/SP sobre as contas de Jacareí para o exercício de 2006

Fonte: Dados do site do TCE. Disponível em: <www.tce.sp.gov.br>. Acessoem: 24 de set. de 2009.

NÃO ATENDIMENTO AO ART. 212 DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. ENSINO: APLI-CAÇÃO DE APENAS 23,90% DAS RECEITASADVINDAS DE IMPOSTOS, CONTRARIANDO ASHIPÓTESES DESCRITAS NO ART. 70 DA LDBEN.ENSINO FUNDAMENTAL: INVESTIDO OPERCENTUAL DE 56,83%, DESCUMPRINDO AAPLICAÇÃO DE, NO MINIMO, 60%, CONFORMEEXIGIDO PELO ART. 60 DO ATO DASDISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

JACAREÍ DESFAVORÁVEL

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O parecer é esclarecedor, o agente público que executou os gas-tos e qualquer cidadão consegue identificar qual foi a inconsistên-cia apresentada pelo TC desse município.

O município de Jacareí interpôs um embargo de declaração paratentar reverter a decisão sobre essas contas. O relatório menciona onão cumprimento do percentual mínimo de 25% exigidos constitu-cionalmente, esclarece que o recurso da prefeitura alegava que ascontas que estavam nos restos a pagar completavam o percentualexigido. Porém, esse documento mostra que até 31 de janeiro doano posterior (2007), o município não havia conseguido pagar todaa quantia, restando ainda cerca de R$ 936.013,53 que havia sidoglosado. O valor inicial que faltava para completa os 25% era R$2.816.689,03.

No ano de 2007, dois municípios, Oriente e Bauru, tiveram suascontas rejeitadas e após parecer permaneceram rejeitadas. Vejaabaixo parecer do TCE para Oriente:

ORIENTE DESFAVORÁVEL

NÃO APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE25%, GLOSA DE RESTOS A PAGAR NÃO QUITA-DOS ATÉ 31 DE JANEIRO DE 2008, INADEQUA-DA MOVIMENTAÇÃO DA CONTA DO FUNDEB,INCONSISTÊNCIAS NO REGISTRO DAS CONTASRETIFICADORAS, PREENCHIMENTO INCORRE-TO DOS DEMONSTRATIVOS, NÃO EMISSÃO DEPARECER DAS CONTAS DA EDUCAÇÃO PELOCONSELHO DO FUNDEB, AUSÊNCIA DE PLANODE CARREIRA E REMUNERAÇÃO DO MAGISTÉ-RIO, REPASSES DECENDIAIS EETUADOS EM VA-LOR INFERIOR AO EXIGIDO.

QUADRO 3Parecer do TCE/SP sobre as contas de Oriente para o exercício de 2007

Fonte: Dados do site do TCE. Disponível em: <www.tce.sp.gov.br>. Acessoem: 24 de set. de 2009.

O município de Oriente, além dessas irregularidades no que serefere à educação, também incorreu em falhas no planejamento eexecução fiscal. As incorreções são relacionadas à elaboração daLei de Diretrizes Orçamentárias, no que tange à contemplação dosriscos fiscais, critérios para limitação de empenho e previsão espe-cífica para as políticas de pessoal; autorização na Lei Orçamentá-

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BAURU DESFAVORÁVEL

ria Anual para abertura de créditos suplementares em percentualelevado; na fiscalização das receitas, na qual há diferença nos va-lores contabilizados do Imposto de Veículos Automotores (IPVA) eImposto sobre Produtos Industrializados (IPI); na renúncia de re-ceitas com concessão de incentivos de natureza tributária, caracte-rizando infringência ao disposto no artigo 14 da Lei Fiscal; nadívida ativa com ineficácia nas cobranças judiciais propostas ebaixo índice de recuperação dos créditos; nas despesas com saúde,nas quais a movimentação dos recursos do Fundo Municipal deSaúde ficou em desacordo com a lei federal n. 8.080 de 1990;inexistência de relatórios de gestão dos recursos do fundo e, tam-bém, não emissão de parecer das contas da saúde pelo ConselhoMunicipal, como a não realização de audiências públicas trimes-trais; e ainda nas despesas com precatórios judiciais entre outrasirregularidades.

Outro exemplo que merece destaque por ter um parecer desfa-vorável para as contas de 2007 relacionadas à educação é o muni-cípio de Bauru (QUADRO 4).

APLICAÇÃO DE APENAS 22,23% DA RECEITA DEIMPOSTOS, DESCUMPRINDO O ARTIGO 212 DACONSTITUIÇÃO. INDEVIDA INCLUSÃO NO CÁL-CULO DAS DESPESAS DE R$ 8.340.170,68 RELA-TIVOS AO SALDO DE RESTOS A PAGAR EM 31DE JANEIRO DE 2008. DIFERENÇA, PARA MENOS(R$ 102.159,90), DO SALDO BANCÁRIO CONCILI-ADO DA CONTA FUNDEF EM RELAÇÃO AO SAL-DO FINANCEIRO APRESENTADO EM 31 DE DE-ZEMBRO DE 2007. O SALDO DA CONTA DOFUNDEB APRESENTA SALDO BANCÁRIO CON-CILIADO DE R$454.092,45, CONTRA SALDO FI-NANCEIRO DE R$319.409,46, GERANDO DIFE-RENÇA A MAIOR DE R$134.682,99 EM 31 DE DE-ZEMBRO DE 2007. FALTA DOS REPASSESDECENDIAIS DEVIDOS, NÃO SENDO TRANSFE-RIDOS R$30.725,42. FALTA DE ELABORAÇÃO DEPLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO,DESCUMPRINDO O ART. 2º DA LEI Nº 10.172/01.

QUADRO 4Parecer do TCE/SP sobre as contas de Bauru para o exercício de 2007

Fonte: Dados do site do TCE. Disponível em: <www.tce.sp.gov.br>. Acessoem: 24 de set. de 2009.

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Bauru também possui problemas em outras áreas como no pla-nejamento e execução fiscal, nos quais há irregularidades quanto àtransposição, remanejamento e transferência de recurso, constandode modo genérico no artigo 6º da Lei Orçamentária Anual e contrari-ando o artigo 167, inciso IV da constituição. E ainda na previsão deabertura de créditos adicionais suplementares do orçamento muitoacima da inflação estimada para o período; nas despesas com saúdecom indevida inclusão no cálculo de despesas relativas ao saldo derestos a pagar em 31 de janeiro de 2008 e na tesouraria com a manu-tenção de disponibilidades financeiras em instituições não oficiais,descumprindo o artigo 164, § 3 da constituição.

Após recurso do município, algumas irregularidades foramexplicadas e ponderadas. O relator menciona que as contas se apre-sentam equilibradas e o município cumpriu os mínimos com apli-cação em saúde e em despesas com pessoal. Porém, o não cumpri-mento do mínimo exigido pelo artigo 212 da constituição, que serefere à educação, o compromete integralmente.

O município alega que a diferença está em restos a pagar e com-prova com extratos das contas que possuía dinheiro para cobriressas despesas. No entanto, o TCE/SP entende que não podecomputá-las, pois a existência de lastro financeiro para o paga-mento não é garantia de efetivação das despesas relacionadas -uma vez que estas estão vulneráveis a cancelamentos, falta de li-quidação e utilização das respectivas verbas para fins não perti-nentes à educação.

Como se pode observar, os três municípios que mantiveram assuas contas desaprovadas incorreram em erros semelhantes. Nãoatentaram para recomendações da legislação vigente e das instru-ções do TCE/SP.

O caso de Santópolis do Aguapeí difere dos outros três por ca-racterizar despesa com educação que, a princípio, o TCE/SP jul-gou como não gasto com a educação. Nesse caso o município es-clareceu o gasto e o tribunal aprovou suas contas.

Uma constatação importante versa sobre a transparência com

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que atualmente os órgãos públicos vêm tratando os dados sobreorçamento. Em inúmeros sites, jornais e afins, encontram-se dadossobre os gastos e os investimentos que cada ente federado planeja ourealiza no decorrer dos anos. Atualmente, é mais fácil encontrar eentender como estudar os dados sobre esse tema. Um exemplo dissosão os dados disponíveis no site do TCE/SP sobre cerca dos 644municípios que estão sobre sua responsabilidade, o que possibilitaa fiscalização, in loco, de cerca de 3mil entidades governamentais.

Além desses exames anuais de gestão financeira, o tribunal (2007)verifica, em separado, atos contratuais, admissões de pessoal, apo-sentadorias e pensões, repasses a entidades não-governamentais, alémde determinar, se necessárias, modificações em editais licitatórios.

Dentre as ações para viabilizar a transparência com os gastospúblicos, encontramos no site do TCE/SP dois sistemas: a Audito-ria Eletrônica dos Órgãos Públicos do Estado de São Paulo(ADUESP) e o Sistema de Informações da Administração Pública(SIAPNet). Ambos possibilitam que qualquer cidadão, com acessoa internet, consulte os dados, pareceres e recursos de seu municí-pio. Contribuindo, assim, para uma melhor transparência na di-vulgação da coisa pública como sugere, entre tantas leis, a CF/1988 e a LRF.

5 Conclusões

Analisando os pareceres do TCE/SP, constatamos que a apli-cação no ensino é uma difícil missão. Os municípios têm muitasdificuldades em realizar as despesas de acordo com as legislaçõesvigentes. O TCE/SP, sabendo dessa dificuldade, utiliza de diferen-tes recursos para minimizar tais enganos.

Assim, o tribunal assume uma função pedagógica que contribuipara aperfeiçoar a máquina governamental, trazendo uma maiortransparência aos gastos públicos. Promovendo, anualmente, deze-nas de encontros com agentes políticos e servidores do estado emunicípios jurisdicionados e produzindo manuais básicos que são

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destinados a melhor orientar os que trabalham com a arrecadação eo uso do dinheiro recolhido compulsoriamente da sociedade.

Tais cartilhas de direito financeiro são,periodicamente, revistas e ampliadas à luzde mudanças no regramento legal e nosentendimentos jurisprudenciais, notada-mente os daqui desta Corte e dos tribunaissuperiores da Nação. Neste ponto, impor-tante ressaltar que as posições aqui ditas nãosão, necessariamente, imutáveis, dogmá-ticas, permanentes. E nem poderia serdiferente, conquanto o aprofundamento daanálise legal pode, em algum momento,indicar outros entendimentos (SÃO PAULO,2007b, p. 6).

Outra evidência encontrada nesta pesquisa é a constatação dodestino dos pareceres do TCE/SP. Após a análise das contas, ospareceres são enviados para as câmaras de vereadores dos respec-tivos municípios. Estas têm a função de analisar as contas do mu-nicípio e, consequentemente, o parecer do tribunal para decidir seaprova as contas da prefeitura.

O que se encontra são encaminhamentos difusos por parte dosvereadores. No geral as contas não são julgadas por anos, ficandoa prefeitura com a execução orçamentária em aberto. Dos casospesquisados, procuraram-se informações dos municípios que pos-suíam as contas rejeitadas para o exercício de 2006. Nenhum ha-via sido julgado pela câmara até junho de 2009 com a alegação deque esperavam parecer definitivo do TCE/SP.

Porém, no caso de Jacareí, referentes às contas de 2004, o advo-gado da prefeitura fez uma defesa da aprovação das contas, desta-cando que, embora o parecer do TCE tenha recomendado que acâmara dos vereadores recusasse as contas, as mesmas têm plenascondições de serem aprovadas. O advogado elenca os quatro pon-tos levantados pelo TCE/SP e rebate um a um, explicando quaisforam as razões que os levaram a recusar e quais devem levá-los aaprovar as contas. Antes disso, rebate contundentemente sobre o

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controle externo feito pelo tribunal. Defende que a CF/88, quandoestabeleceu este tipo de controle, o fez como órgão auxiliar, poisjulga que o TC não tem condições políticas de decidir sobre ascontas de um município.

Defende ainda que esse órgão prevê o simples controle, porémjulga que a análise das contas anuais sob responsabilidade dochefe do Executivo deve ser bipartite. Isso significa que o TC, comoum órgão técnico e auxiliar do Poder Legislativo, faz uma análisecontábil e técnica dos documentos apresentados e a decisão finalsobre as contas fica a cargo da câmara municipal.

No final da argumentação, os vereadores votam a favor dascontas da prefeitura, não acatando o parecer do TCE/SP. As argu-mentações a favor das contas revelam a concordância de que oórgão cumpre a sua função técnica e burocrática, ligado a umaanálise formal e estática. Sendo a câmara dos vereadores mais com-petente para analisar essas contas, já que tem uma visão de toda agestão municipal.

O que se pode questionar ao final dessa análise é até que pontoo TC auxilia na correta utilização dos gastos públicos, em especial,os vinculados à educação. Apesar de suas funções estarem clarasna Constituição Federal, o que se nota é um não reconhecimento deseu trabalho efetivo, visto que é um órgão auxiliar, que está subor-dinado ao Poder Legislativo e que pouco pode fazer para encami-nhar ações concretas sobre os gestores que não cumprem a legisla-ção “financeiro-orçamentária”.

Na literatura jurídica, existem indicações de que os TCs nãoseriam órgãos do Poder Legislativo, visto que fiscalizam as contasdestes e por ter seus conselheiros, na própria CF/88, “compara-dos” com os conselheiros do Poder Judiciário. Porém, é clara a suavinculação e subordinação ao Poder Legislativo - visto que está naCF/88, na mesma sessão como já explicitado.

Essa aparente confusão da real função e atuação no quadropolítico-administrativo do país apresenta-se como um ponto a serestudado e discutido. Pensar qual é e qual seria a efetiva contribui-

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ção de um órgão dessa competência na fiscalização dos agentespolíticos brasileiros é algo instigante e provocador.

O que está clara é a importante função que o órgão tem quanto àtransparência na utilização dos recursos públicos, embora nãosendo uma de suas funções constitucionais, ao publicitar os dadosde execução orçamentária. Atualmente, com a ajuda dos TCs, épossível acompanhar trimestralmente as contas dos municípios,estados, Distrito Federal e da União. Outro caráter fundamentalestá relacionado às formações proporcionadas por esse órgão, queesclarece e auxilia na correta utilização dos gastos públicos.

Nos municípios estudados, pode-se constatar que o TCE/SPtem uma atuação importante, como em Santópolis do Aguapeí que,após justificativa da prefeitura, o TCE/SP reviu sua decisão e indi-cou aprovação das contas. O que demonstra que esse órgão não étão burocrático e técnico como argumenta o defensor da prefeiturade Jacareí em ocasião de defesa das contas de 2003.

Nos outros três casos aqui explorados, pode-se afirmar que oTCE/SP tem uma atuação preventiva frente a possíveis incorre-ções nas contas das prefeituras. Têm-se relatos de prefeitos queempenham despesas em restos a pagar, computam nas contas dosexercícios anteriores e após parecer dos TCs, suspendem os empe-nhos. O que o TCE/SP propõe é algo totalmente possível, necessi-tando apenas de organização e planejamento por partes das pre-feituras no decorrer do ano fiscal.

No que se refere às contas da educação, o trabalho do TCE/SPsó vem a contribuir para a fiscalização e acompanhamento dosgastos relacionados a essa área. O seu trabalho, somado aos dosConselhos Municipais e Conselhos de Acompanhamento e Con-trole Social do Fundeb, não esquecendo as ações da sociedade ci-vil, possibilita, cada vez mais, o controle eficaz e eficiente do usodos recursos público existentes.

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The review of the application of resourcesrelated to education: reviewing the role of

the State of São Paulo Audit Office

Abstract

This paper presents a discussion on theinstructions, opinions and resolutionsprepared by the State of São Paulo AuditOffice – (TCE/SP, in the PortugueseAcronym) on the costs incurred bymunicipalities in area of Education. Weconducted a survey and analysis of textslegal from TCE /SP, and bibliographicresearch on application of resources andcontrols of Supreme Audit Institutions inBrazilian cities and states trying to mapwhat one expects to find in such reports.Consideration was, too, the opinions andresolutions of four counties - Santópolis doAguapeí, Jacareí, Oriente e Bauru - that hadrejected the bills for non-compliance withthe minimum percentage of binding for theexercise of years 2006 and 2007.

Keywords: The State of São Paulo AuditOffice; education; education funding.

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Inovação e formação contínuade professores de ciências

Paulo Sérgio Garcia1

[email protected]

Resumo

Anualmente chegam muitas inovações àsescolas, algumas delas interessantes, outrasdescontextualizadas e outras com o obje-tivo de formar professores. É comum, noBrasil, a utilização da inovação parasolucionar problemas relativos à educaçãoe, muitas vezes, utiliza-se o termo paralegitimar projetos ultrapassados epadronizar práticas, desconsiderando adiversidade do contexto sociocultural.Pesquisas sugerem a superação dessemodelo instrumental e sinalizam anecessidade de focar novas estratégias dedesenvolvimento institucional. Este estudoanalisou os efeitos de um projeto deinovação sobre a formação de professoresde ciências. Foram entrevistados 11docentes do ensino fundamental de trêsescolas públicas da cidade de São Caetanodo Sul que participaram de um projeto deinovação no ensino de ciências. Os dadosmostraram que a utilização da inovaçãocomo estratégia de formação de professoresreduz a formação a poucos aprendizados.Alguns fatores redutores identificadosrelacionam-se à falta de apoio aos pro-fessores, de tempo para esses desenvol-verem as mudanças, de recursos materiais e,sobretudo, de continuidade desses projetos.

Palavras-chave: Inovação; mudança; for-mação contínua de professores.

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1 Doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de SãoPaulo (USP).

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Introdução

No Brasil, anualmente, as escolas recebem inúmeras inovaçõese mudanças com vários objetivos, dentre eles, aqueles relaciona-dos à formação de professores. Enquanto os estudos sobre os te-mas têm crescido no país, em outros contextos como no europeu eno norte americano, as contribuições já são bem significativas.

No contexto norte-americano, os trabalhos de Fullan (1992; 1993;2001) foram impactantes para a compreensão da inovação e damudança educacional. Na Europa, as pesquisas de Huberman(1973), Correia (1989), Benavente (1992), Hernandez et al. (2000),Thurler (2001), Carbonell (2002) e Cardoso (2003) trouxeram contri-buições relevantes sobre o tema. No Brasil, Garcia (1980) organizouos primeiros trabalhos relativos à inovação educacional. Relaciona-do ao ensino de ciências, Krasilchik (1980; 2000) fez as primeirasaproximações e reflexões em relação à inovação e ao ensino de ciên-cias. Moreira (1999) apresentou referências para melhor compreen-der a implementação de mudanças na escola, sugerindo a supera-ção do caráter instrumental da inovação, visando essas mudanças.

O termo inovação em educação é, muitas vezes, usado para des-crever melhorias na qualidade de ensino e, também, descrito comoestratégia para a formação dos professores. No entanto, a inovaçãose afasta do pensamento simplista, não tem sentido unidimensionale se caracteriza mais como processo de um produto acabado.

Confundida, muitas vezes, com reforma, modernização ou mu-dança, a inovação tem sua definição mais relacionada a uma mu-dança deliberada e intencional com finalidades de melhorar o sis-tema educativo. Fullan (2001) caracteriza-a como um processo aber-to e multidimensional.

A implementação de inovações é, geralmente, acompanhada dealguns obstáculos (FULLAN; HARGREAVES, 2000), marcada pelacomplexidade e pela impossibilidade de controlar seus efeitos(FULLAN, 2001; CARBONELL, 2002) ou impregnada por um ca-ráter sedutor e enganador (CORREIA, 1989). Dessa forma, a rela-

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ção entre a inovação e a formação de professores não é simples edireta, principalmente, num país como o Brasil, em que adescontinuidade dos projetos caracteriza-se como uma das mar-cas das políticas educacionais.

Embora os objetivos da inovação se relacionem à melhora dosprocessos educacionais, incluindo a formação de professores,muitos estudos já sinalizaram a necessidade de ultrapassar essecaráter utilitário e focar o desenvolvimento institucional. Criando,dessa forma, condições para o desenvolvimento profissional(MOREIRA, 1999). Moreira afirma que não basta implantar inova-ções visando à formação de professores, é preciso ultrapassar essaperspectiva e superar o caráter utilitário das políticas de desenvol-vimento profissional e institucional atreladas às inovações.

A ideia é que a inovação deixe de ser o foco principal para avalorização das escolas, dos professores e dos sistemas de ensino,que, nesse contexto, precisam ampliar suas competências parainteragir de forma crítica com as inovações. Assim, eles poderiamaprender a viver e lidar com os contextos de mudança (MOREIRA,1999; THURLER, 2001).

No entanto, frequentemente, observa-se no Brasil a inovaçãosendo assumida por muitos especialistas e políticos como tendoum fim em si mesma ou como uma estratégia, dentre outras, parasolucionar problemas relativos à educação. Messina (2001), no con-texto da America Latina, já relatava o uso indevido da inovaçãocom o objetivo de legitimar projetos ultrapassados, padronizar po-líticas e práticas, desconsiderando a diversidade dos contextossociais e culturais.

Assim, utiliza-se, muitas vezes, o termo inovação a fim de de-senvolver diferentes tipos de projetos, dentre eles, aqueles com oobjetivo de formação docente. Isso lança a seguinte reflexão: seráque se essas inovações, que são impostas às escolas, contribuempara a formação docente? O objetivo deste estudo é precisamente ode verificar, na visão dos professores e por meio de análise docu-mental, quais são os efeitos de um projeto de inovação sobre a

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formação contínua de professores de ciências. Participaram desteestudo, 11 professores de três escolas públicas que atuavam noensino fundamental II da cidade de São Caetano do Sul, São Paulo.

Um quadro da inovação pedagógica

Com o avanço da ciência e da tecnologia, considerados impor-tantes no desenvolvimento econômico, cultural e social, surgem,principalmente nos Estados Unidos, as primeiras demandas deinovação relacionadas à educação. Com isso, o ensino das ciênci-as ganha maior relevância e é alvo de reformas e mudanças.

Na década de 1950, surgem nos Estados Unidos os primeirosprojetos patrocinados pela National Science Foundation com o objetivode transformar o ensino de ciências, focando na formação científica(HERNANDES, 2000). No decênio de 1960, foram realizados gran-des investimentos em recursos humanos e criados projetos de física,biologia, química e matemática. A proposta buscava nas escolassecundárias jovens talentosos para as carreiras científicas com oobjetivo de formar uma elite que pudesse garantir aos Estados Uni-dos a supremacia na conquista do espaço (KRASILCHIK, 2000).

Na década de 1950, no Brasil, uma das primeiras inovações quesurgiu ficou a cargo do Instituto de Educação, Ciência e Cultura –São Paulo (IBECC) e da Fundação Brasileira para o Ensino de Ci-ências (FUNBEC). As instituições tinham a incumbência de trans-formar o ensino de ciências, tornando-o mais prático e atualizan-do os conteúdos (KRASILCHIK, 1980).

Tem crescido o número de estudos sobre a inovação e a mudan-ça educacional no Brasil. No entanto, eles são mais significativos enumerosos na Europa e nos Estados Unidos.

No contexto europeu, por exemplo, entre os vários trabalhossobre o tema, destaca-se, na Espanha, as reflexões de Gonzáles yEscudero (1987) sobre as teorias e os processos de desenvolvimen-to da inovação. Os autores focaram também o conceito do termoinovação. A pesquisa de Hernandez et al (2000) que reuniu três

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estudos de caso sobre as inovações educativas ao longo do períodode experiência da reforma de ensino espanhola. E o trabalho deCarbonell (2002) que situa a inovação das escolas e dos professo-res na confluência de uma aventura marcada por obstáculos e con-tradições por um lado e, por outro, possibilidades de aprendiza-gem e satisfações.

Na Suíça, os estudos de Huberman (1973) foram significativospara os primeiros entendimentos sobre o tema. O autor examinoucom profundidade o conceito de inovação e o papel daqueles en-volvidos em processos inovativos. No mesmo contexto, Thurler(2001) situou a escola como um nó estratégico de mudanças quepode tanto ser um catalisador da inovação quanto um obstáculo aela. Em Portugal, os estudos de Correia (1989) sobre a inovaçãopedagógica e a formação de professores; de Cardoso (2003), sobreas relações entre as atitudes e a inovação; de Villar (1993) e deBenavente (1992) contribuíram para a ampliação das discussõessobre essa temática.

Nos Estados Unidos e também no Canadá, os trabalhos deFullan (1992; 1993; 2001) trouxeram inúmeras contribuições sobrea inovação e a mudança educacional. Esses estudos foram impor-tantes e originaram novos conhecimentos sobre os significadosdas inovações, as fontes da mudança educacional e os processosde implementação e continuidade, além do papel dos atores - pro-fessores, alunos, diretores, pais etc. - envolvidos nas mudanças etc.

No contexto latino americano, vale salientar o trabalho de Blancoe Messina (2000), que fazem parte da equipe da rede de inovaçõeseducacionais da Organização das Nações Unidas para a Educação,Ciência e Cultura (Unesco) sobre o estado da arte das inovaçõeseducativas. O estudo teve como objetivo fornecer elementos de refle-xão e análise sobre os processos de inovação educativa na AméricaLatina durante a última década do século XX. As autoras, a partir daanálise de 193 programas inovadores, investigaram como as ino-vações são concebidas, desenvolvidas e extintas e quais as princi-pais tendências e diferenças entre os países e regiões.

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No Brasil, ganhou destaque, na década de 1980, o trabalho or-ganizado por Garcia (1980), no qual são discutidos os problemas eas perspectivas da inovação educacional. Esse trabalho trouxe tex-tos críticos sobre a definição da inovação educacional (GOLDBERG,1980), análises críticas das mudanças pedagógicas acontecidasna organização curricular, nos métodos e técnicas de ensino, nosmateriais escolares, na relação professor e aluno e na avaliação(FERRETTI, 1980). Além disso, o trabalho discute os limites e osalcances da inovação (WEREBE, 1980).

Vale citar ainda as pesquisas de Rios (1996). A autora fez umareflexão sobre o significado da inovação no campo educacional, re-fletindo sobre compromisso com o novo ou com a novidade. O estu-do de Mitrulis (2002) examinou as inovações acontecidas no ensinode nível médio, apontando elementos para sua melhor compreen-são e para a criação de políticas de apoio e de orientação para asescolas. Também foram significativas as reflexões de Saviani (1980),que numa abordagem filosófica colocou que a compreensão da ino-vação relaciona-se às diferentes concepções de filosofia da educa-ção. E também as reflexões de Wanderley (1980). Este, numa análisesociológica, afirmou que para um entendimento amplo da naturezada inovação educacional se faz necessário uma apreciação das rela-ções da educação com o contexto social, tendo como ponto de parti-da as dimensões políticas, ideológicas e econômicas.

Especificamente relacionado ao ensino de ciências no Brasil,Krasilchik (1980) fez uma das primeiras análises sobre a inovaçãono ensino de ciências. Ele discutiu os movimentos que tinham comoobjetivo melhorar o ensino. Em outro trabalho, Krasilchik (2000),com o intuito de contribuir e ampliar o estudo de propostas deinovação, fez uma revisão histórica das propostas de reforma doensino de ciências a partir da década de 1950. A autora analisaalguns projetos desde sua idealização nos órgãos normativos comoparte de políticas públicas até o cotidiano das salas de aula. Moreira(1999) refletiu, de forma ampla, sobre a eficácia ou não daimplementação de inovações no sistema de ensino e nas escolas. O

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autor apresentou referências para um melhor entendimento daimplementação de mudanças nas escolas, sistematizando-as apartir de um estudo das reformas de ensino da Espanha e a im-plantação do currículo nacional na Inglaterra e País de Gales. San-tos (2005) analisou as inovações no ensino de ciências e sugeriuinovações voltadas ao modelo de aprendizagem participativa pormeio de investigações cientificas autenticas e do uso das novastecnologias. Por fim, Garcia (2006) discutiu a inovação no ensinode ciências como um elemento de reflexão na formação de profes-sores de ciências.

As primeiras tentativas de implementação das inovações tinhamcaráter prescritivo, pois se acreditava em uma lógica de generali-zação das experiências. Durante algumas décadas, os especialis-tas elaboraram os projetos de inovação com fases definidas paraserem implementados nas escolas. Esse caráter prescritivo, quemuitos dizem não ter mais espaço, ainda está presente em váriasescolas brasileiras.

A década de 1970 traz um novo entendimento sobre as inova-ções, atribuindo destaque ao papel do professor. Passa-se a umanova visão de que sem o envolvimento dos docentes as inovaçõesficariam na superficialidade ou, muitas vezes, essas mudançasacabariam por piorar os processos.

É comum encontrarmos, em geral, na literatura educacional brasi-leira e, em particular, naquela relacionada às ciências, a não diferen-ciação entre os termos inovação, reforma, modernização e mudança.No entanto, apesar da polissemia do termo, a inovação é caracteriza-da como uma mudança deliberada e intencional, objetivando melhoriasno sistema educativo. Sua definição resulta da confluência de umapluralidade de olhares e opiniões. É caracterizada como um processoaberto e multidimensional (FULLAN, 2001).

A modernização está relacionada ao ato de modernizar, ou seja,tornar moderno ou adaptar as necessidades modernas. Ela podeou não trazer algum tipo de melhoria para o ensino. A moderniza-ção, que pode ser considerada no máximo uma mudança superfi-

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cial, liga-se à colocação, por exemplo, de novos microscópios nolaboratório de ciências ou mesmo a reestruturação destes, mas issonão significa inovação. É possível dizer que existe uma relaçãoentre a inovação e a modernização, no sentido que a primeira podedepender da segunda, mas o inverso não é verdadeiro.

Reforma e inovação também apresentam conceitos diferentes.González e Escudero (1987) e Carbonell (2002) dizem que a refor-ma liga-se à magnitude e à extensão, sendo uma mudança em grandeescala concentrada no conjunto do sistema educativo. Enquantoque a inovação situa-se no nível mais real e limitado das escolas edas salas de aula. Hernandez (2000), no entanto, afirma que a dife-rença não deve ser colocada sobre a magnitude e extensão, massim sobre a incidência. As reformas relacionam-se às transforma-ções, por exemplo, da legislação ou dos objetivos de ensino e nãoàs mudanças das estratégias de ensino e aprendizagem.

As reformas têm objetivos políticos, econômicos, sociais e ideoló-gicos e, muitas vezes, são apresentadas como panaceia dos proble-mas educacionais. Elas podem ou não gerar mudanças e melhoriasno sistema educativo. Krasilchik (2000) diz que as maiores mudan-ças sociais, econômicas e culturais se refletem nas escolas e que acada governo, se estabelecem novas ações reformistas.

Por fim, mudança e inovação também são termos diferentes. Amudança, que pode ser ou não impulsionada pela inovação, relacio-na-se à passagem de uma situação ou posição para outra. Ela signifi-ca uma ruptura com a condição inicial e pode apresentar benefícios eameaças àqueles envolvidos no processo. Se, por um lado, as mudan-ças se mostrarem ameaçadoras, as pessoas tenderão a resistir; no en-tanto, se ela for vista como benéfica e envolvida num movimento decolaboração, a resistência será menor. Assim, muitas vezes, as mu-danças externas causam mais ameaças e, consequentemente, maisresistências do que aquelas que surgem internamente.

Messina (2001) acrescenta que a diferença entre mudança e ino-vação reside no campo de conhecimento. A primeira foi inicial-mente uma preocupação da filosofia e depois das ciências sociais

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e naturais, e a segunda se revitalizou na área de administraçãodurante as ultimas décadas do século XIX.

Barraza Macías (2005; 2007), numa análise conceitual do termoinovação educativa a partir dos enfoques conceituais e dos compo-nentes estruturais da definição, afirma que a maioria das defini-ções são descritivas e que o termo está presente em todo o discursoeducativo contemporâneo.

Fullan (2001), Carbonell (2002) e Cardoso (2003) têm definiçõesmuito parecidas para o conceito de inovação. Para esses autores, ainovação liga-se a um conjunto de intervenções, decisões com certograu de intencionalidade e sistematização, que visam a transfor-mar as atitudes, ideias, culturas, conteúdos, modelos e práticaspedagógicas. No entanto, como afirma Blanco e Messina (2000),ainda não há um marco teórico suficientemente desenvolvido so-bre a inovação educativa.

São atributos da inovação: a intencionalidade, a originalidade,a novidade e a racionalidade. Outra característica da inovação éque ela não tem o mesmo sentido e nem os mesmos efeitos sobreaqueles que a promovem e aqueles que a colocam em ação. Seucaráter aberto tem múltiplos significados, despertando diferentesatitudes dos professores, que são manifestadas, em geral, em formade aceitação ou resistência.

Fullan (2001) diz que as inovações possuem um conjunto decaracterísticas interativas que afetam a fase de implementação.Estão entre elas, a necessidade da mudança, a clareza sobre asmetas e os objetivos, a complexidade em relação à dificuldade en-frentada por aqueles que implementam os projetos e a qualidade eoperacionalidade da inovação. O autor cita que as inovações pre-cisam de atenção na qualidade desde o inicio do trabalho.

O processo de inovação e mudança apresenta três fases. A pri-meira é chamada de inicialização e consiste no processo que leva àadoção da inovação. A segunda fase é a implementação, dura maisou menos dois ou três anos e envolve as primeiras experiências detentar colocar as novas ideias ou reformas em prática. A terceira, que

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é uma extensão da segunda, é a continuação. Essa se relaciona àquestão da incorporação e institucionalização das rotinas, bem comose a mudança foi construída ou será descartada (FULLAN, 2001).Fullan diz que essas fases estão interconectadas e que uma afeta aoutra. A mudança, segundo ele, é um processo e não um evento.

O caráter aberto da inovação pode assumir múltiplos significados,despertando nos professores atitudes de aceitação ou resistência.

O conceito de atitude tem sido, segundo Cardoso (2002), umtermo chave para aumentar a compreensão sobre a inovação. Há,segundo essa autora, uma relação particular entre as atitudes e ainovação, pois a inovação perfila-se aos hábitos, rotinas e compor-tamentos institucionalizados já estabelecidos. Essa é a razão dasreações favoráveis ou desfavoráveis a ela. No processo de inova-ção, portanto, abandonam-se certas referências e isso ocasiona in-certezas e perda temporária da competência. Assim, para queuma inovação aconteça, os professores têm de estar abertos e re-ceptivos à mudança, desenvolvendo atitudes favoráveis a sua in-corporação. A autora afirma, ainda, que sendo a inovação um pro-cesso inacabado, mais importante do que o produto, é a disposiçãopermanente de inovar. Desse modo, a condição essencial de umprojeto inovador reside na sua novidade e na sua capacidade demelhorar a prática vigente. Assim, aprender a recomeçar seria aprimeira condição de todos os inovadores.

Segundo Fullan (2001), existem três possibilidades de inovaçãono campo educacional: aquelas relacionadas à utilização de novosmateriais, currículos e tecnologias; o uso das novas abordagens deensino, estratégias e atividades e a possibilidade de mudança nascrenças e pressupostos, que são subjacentes às práticas pedagógi-cas. O autor afirma ainda que as inovações mais bem sucedidasrelacionam-se muito mais à utilização de novos materiais do queàquelas ligadas ao campo das novas abordagens de ensino ou àmudança das crenças dos professores. É muito mais fácil introduzirmateriais do que mudar as crenças e as práticas dos professores. Noentanto, para que as inovações ocasionem mudanças e melhorias

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prolongadas, é necessário interligar as três dimensões.Todos os anos as escolas recebem algumas inovações não deseja-

das geralmente impostas politicamente e, às vezes, desconectadasdo contexto escolar. É possível dizer que a maioria dessas inovaçõesnão estão relacionadas às três dimensões citadas acima e com issoacabam ficando na superficialidade. Fullan (2001) diz que o proble-ma não é a falta de inovações, mas a presença de inúmeras delas, amaioria das vezes, desconectadas, episódicas, fragmentadas e su-perficiais em forma de projetos. Dessa forma, os professores são maisvítimas das inovações do que atores no processo de mudança.

As inovações podem ter diferentes sentidos. As verticais, quesão produzidas por especialistas e prescritas às escolas, podemenfraquecer a autonomia dos professores e instituir a clássica divi-são do trabalho entre aqueles que pensam e decidem e aqueles quefazem. Isso pode, também, diminuir a participação dos professo-res, propiciando a desvalorização do projeto inovativo e colocan-do-o em segundo plano, além de não alterar o ensino e a aprendi-zagem. Dentro dessa lógica vertical, poucos projetos tiveram conti-nuidade. As inovações que têm o sentido contrário, ou seja, hori-zontal, e que, portanto, partem dos professores, tem mais chancesde sucesso e de continuidade (CARBONELL, 2002).

A inovação, muitas vezes, é entendida e assumida por muitosespecialistas e políticos como uma estratégia para os problemaseducacionais, ou seja, como um fim em si mesma. Nesse sentido,ela tem, segundo Veiga (2003), um caráter regulatório ou técnico,sendo entendida como algo regulador, normativo, de controle bu-rocrático e planejamento centralizado, onde as ideias e os ideaisdos professores são deixados de lado. Dessa forma, o termo inova-ção é usado a fim de legitimar projetos descontextualizados daprática pedagógica docente. Resende e Fortes (2004) afirmam queas inovações pedagógicas são vistas como mecanismo salvadordos problemas educacionais e sociais, o que justificaria a entradadesses projetos desnecessários e distantes das reais necessidadesde formação dos professores.

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Essa seria a face oculta da inovação, ou seja, seu caráterescamoteador onde se tenta legitimar ideias e projetos através dodeslumbramento sem, no entanto, mostrar seus reais efeitos ligados,principalmente no Brasil, à falta de continuidade. Correia (1989)comenta sobre o caráter sedutor e enganador da palavra inovação.Sedutor quando a ele se integra o desejo de mudanças e de desenvol-vimento da criatividade. Enganador porque oculta e não estimula aprodução de referências sistematizadas a seus efeitos.

A falta de continuidade dos projetos de inovação, a impossibili-dade de controlar os efeitos, a complexidade envolvida no processo,seu caráter sedutor, dentre outras coisas, têm feito com que autoressugerissem a superação desse modelo instrumental da inovação,onde ela é utilizada como o objetivo de, por exemplo, formar profes-sores. O novo desafio seria o de focar em novas estratégias de desen-volvimento institucional, criando e fortalecendo as condições para odesenvolvimento profissional a fim de que os professores, as escolase os sistemas aprendam a viver e lidar de forma crítica com as inova-ções e mudanças (MOREIRA, 1999; THURLER, 2001).

Fazer da escola um local em que os professores possam refletire conduzir inovações e mudanças adequadas às necessidades deformação. Assim, os docentes passariam, juntamente com os espe-cialistas, a dirigir seus processos de desenvolvimento profissio-nal. Nesse sentido, Fullan e Hargreaves (2000) afirmam que osprofessores têm de exercer um papel central nos processos de mu-dança, pois as reformas fracassam quando esses são ignorados.

O projeto de inovação em questão

O projeto alvo da análise foi uma parceria entre a Secretaria deEducação da cidade e a Universidade de São Paulo.

A inovação, que teve início em 2002, trazia dois grandes objeti-vos: 1) a finalidade de desenvolver um inovativo ensino de ciênci-as, combinando ciências e telecomunicações e integrando materi-ais, experimentos laboratoriais e demonstrações como a troca de

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informações entre escolas do Brasil; 2) a mudança da prática peda-gógica do professor.

Os professores receberam treinamento e um material de apoioimpresso que trazia diretrizes sobre o que eles tinham de realizar.Eles atuariam como orientadores dinâmicos, criando desafios paraseus alunos num ambiente “equilibrador-desequilibrador”. Seumaior desafio seria se tornar um inovador e para isso contava coma possibilidade de trocar informações e experiências com seus pa-res através da internet, podendo acessar o conhecimento de especi-alistas e tendo ainda acesso aos novos métodos de ensino. A elecaberia um papel crítico de aprender a organizar o material a suadisposição para a utilização na sala de aula. Para isso receberiatreinamento, preparo e apoio institucional para ensinar comtecnologia avançada de forma bem sucedida.

O projeto de inovação deveria ser integrado aos conteúdos tra-balhado pelos professores no dia-a-dia e levar os alunos a traba-lhar como colaboradores dentro ou fora das escolas. Nesse traba-lho os estudantes seriam levados a medir, coletar, avaliar, escrever,ler e relatar os dados de forma cooperativa com estudantes de dife-rentes escolas do Brasil e de outras partes do mundo.

O contexto: a cidade, o projeto, as escolas e os professores

A cidade de São Caetano do Sul, onde o projeto foi desenvolvido,tem sido alvo de outros estudos sobre a formação de professores(Garcia et al, 2006; 2009). O município tem aproximadamente 140mil habitantes (2001) distribuídos sobre 15 km2. A cidade tem umarenda média que está entre as mais altas do país, bem com os índiceseconômicos e sociais. A menor taxa de mortalidade infantil do Brasil(11,3 por ano, em 2002), menos da metade da média do país (25,3 porano, também em 2002). Os salários pagos aos professores das esco-las estão entre os maiores do estado de São Paulo.

A cidade de São Caetano tem um dos melhores Índices de De-senvolvimento Humano (cerca de 0,919) do Brasil. Segundo a Or-

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ganização das Nações Unidas (ONU), o município tem o menorÍndice de Exclusão Social do país (0,864). De acordo com o Fundodas Nações Unidas para a Infância (Unicef), a cidade está entre os60 municípios com o maior Índice de Desenvolvimento Infantil(0,895).

Em relação às escolas, cabe salientar que todas elas contavamcom: diretor, assistente de direção, coordenador pedagógico, coor-denadores de área, orientador educacional, coordenador do proje-to e de eventos e enfermeira. Todas elas tinham biblioteca, auditó-rio, sala de artes, salas ambientes, laboratório de ciências, física,química, biologia e informática (que totalizavam mais de 50 com-putadores), além de três ou mais data-shows. Uma das escolas ti-nha, ainda, o selo das escolas solidárias do governo federal e par-ticipava das escolas associadas da Unesco. Cabe salientar que asescolas eram as mais procuradas pelos pais no município devido àqualidade da educação oferecida.

Quanto à formação dos professores, a configuração era a se-guinte: três tinham licenciatura plena (dois em biologia e um emquímica) e oito possuíam licenciatura curta com complementaçãoem: biologia (três), química (dois), matemática (três) (GARCIA et al,2006). A maioria dos professores tinha algum tipo de pós-gradua-ção. Eles atuavam em mais de 20 aulas semanais nas escolas eeram efetivos. No entanto, atuavam também em outras escolas.

Nesse contexto em relação à cidade, as escolas públicas, a forma-ção e as condições de trabalho dos professores, acreditava-se encon-trar boas condições para investigar os impactos do projeto de inova-ção na formação desses professores de ciências.

Metodologia

A questão central deste estudo era: quais foram os efeitos de umprojeto de inovação sobre a formação contínua de professores deciências que atuavam no ensino fundamental II. Para lidar comesta questão, foi utilizada a abordagem qualitativa de pesquisa.

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Segundo André e Ludke (1986), a pesquisa qualitativa interpretaas informações de uma forma ampla dentro do contexto no qual oproblema de pesquisa se situa. Essa pesquisa envolve a obtençãode dados predominantemente descritivos, realçando mais o pro-cesso do que o produto e mostrando mais a perspectiva dos sujei-tos da investigação do que a dos pesquisadores.

No ano de 2004 e 2007, utilizou-se a técnica de entrevista, comroteiro previamente estabelecido, a fim de coletar os dados junto a11 professores de três escolhas públicas municipais. Esses docen-tes participaram do projeto de inovação no município entre os anosde 2002 e 2006.

Em 2007, quando o projeto de inovação já tinha terminado, fo-ram entrevistados os mesmos professores a fim de saber se os apren-dizados e as práticas estavam ainda sendo utilizadas no cotidianodas aulas com os alunos.

Os instrumentos de coleta de dados foram desenhados a fim deconhecer alguns efeitos da inovação sobre a formação dos profes-sores. Quatro categorias foram previamente desenhadas e relacio-naram-se a: 1) situando a inovação; 2) fatores impeditivos à inova-ção; 3) tipo de inovação e 4) origem da inovação.

A primeira categoria, “situando a inovação”, analisou como oprofessor entende e situa a inovação em relação a sua formaçãocontínua. A segunda, “fatores impeditivos à inovação”, descreveuos obstáculos vividos pelos professores para a implementação edesenvolvimento da inovação. A terceira, “tipo da inovação”, veri-ficou quais as dimensões da inovação foram usadas, comparando-as com as já existentes na literatura e propostas por Fullan (2001).A quarta, “origem da inovação”, investigou o surgimento do proje-to e suas implicações na formação docente.

Paralelamente, foram analisados: os documentos da propostade inovação, dentre outras coisas, os objetivos do projeto, as justifi-cativas e os resultados esperados. Analisou-se também o contextodas escolas, em termos de estrutura administrativa e física, e aformação dos professores.

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Análise e discussão dos dados

Por meio da análise dos dados, foi possível compreender umpouco mais sobre a utilização de projetos de inovação com o obje-tivo de contribuir na formação de professores de ciências. Os resul-tados são apresentados abaixo de acordo com as categorias previ-amente estabelecidas.

1. Situando a inovação

Através da análise desta categoria, foi possível compreender queos professores situam a inovação sob uma multiplicidade de concei-tos ligados, principalmente, à mudança, ao novo e ao aprendizado.

Apesar, no entanto, de os professores situarem o aprendizadocomo um dos aspectos importantes da participação no projeto, elesenfatizaram que outros fatores se sobrepuseram a esse, atenuandoo impacto da inovação sobre as práticas pedagógicas. Dentre eles:a) a falta de espaço e tempo para discutir os problemas da implanta-ção e do desenvolvimento da inovação na escola. De fato, muitosprojetos de inovação são literalmente “jogados” para as escolas compouco ou nenhum apoio aos professores. Isso, na maioria das vezes,ocasiona mais problemas do que alternativas de aprendizados;b) a diferença entre as diretrizes da escola e as do projeto. A inova-ção se tornou algo isolado e além daquilo que os docentes já ti-nham que realizar no dia-a-dia. Os professores disseram que issoacabou aumentando a carga de trabalho;c) falta de continuidade. Esse fator foi caracterizado por muitoscomo um dos principais problemas vividos durante o processo,pois a cada ano havia mudanças significativas sem que as primei-ras tivessem sido assimiladas por eles;d) discurso distorcido em relação à prática. Muitos professorescomentaram que o que realmente era realizado no cotidiano dasaulas, o trabalho efetivo com os alunos, era bem diferente das dis-cussões realizadas com os mentores da inovação. Alguns chega-

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ram a dizer que já sabiam o que os coordenadores do projeto queri-am ouvir. Por outro lado, disseram também que algumas de suasreivindicações mais básicas raramente eram atendidas. No entan-to, como salienta Rios (1996), a inovação deve ser entendida comoum compromisso conjunto de várias pessoas com o novo, um pro-cesso de construção coletiva onde todos os atores participam, de-batendo o que necessariamente precisa ser mudado. TambémFullan e Hargreaves (2000) citam que as mudanças que não envol-vem professores e lhes propicie formas de apoio, geralmente, aca-bam por piorar os processos.

Essas questões, segundo os docentes, contribuíram para atenu-ar os efeitos da inovação como estratégia na formação de professo-res e, consequentemente, poucos foram os impactos na mudançada prática pedagógica.

De fato, os dados advindos das entrevistas finais - de 2007,quando o projeto já havia terminado - mostraram que a maioriados professores continuava a atuar de forma ainda “tradicional”:sala de aula, giz, lousa, livro didático etc. Os aprendizados e práti-cas relacionadas ao projeto pararam de acontecer, segundo os pro-fessores, quando os mentores do projeto foram embora. Os quaseseis anos de participação no projeto não foram suficientes paraque as novas práticas pedagógicas fossem incorporadas no con-junto de estratégias dos docentes. Os professores justificaram osfatos dizendo que as pessoas perderam o interesse, o apoio dimi-nuiu e, como disse um dos professores, “temos muitos outros pro-jetos para realizar a pedido da direção”.

Vale citar ainda que nem mesmo os recursos, uso dos computa-dores e da internet, que foram utilizados por vários anos, foramincorporados nas aulas dos professores. Em 2007, nenhum dosdocentes utilizava-os em suas aulas diárias.

Outros estudos já sugeriram, para que os professores pudessemaprender e lidar com as inovações e mudanças, que a escola pas-sasse a ser entendida como local de desenvolvimento profissional,um nó estratégico para a inovação (THURLER, 2001), uma organi-

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zação aprendente (FULLAN; HARGREAVES, 2000; THURLER,2001) ou como comunidades profissionais de aprendizado (LEO,2000; HORD, 1997a; BOYD, 1992; BOYD; HORD, 1994).

2. Fatores impeditivos às inovações

Os obstáculos à implantação da inovação foram agrupados emtrês grupos com os respectivos indicadores: pessoais, profissio-nais e contextuais. Pessoais: falta de interesse, medo e inseguran-ça. Profissional: falta de estímulo, de apoio e tempo, excesso detrabalho, inabilidade daqueles que dirigem o projeto, falta de boavontade da direção da escola, de treinamento (aprendizado) e decompreensão sobre a inovação. Contextuais: falta de recursos fi-nanceiros e materiais, incompetência política e incapacidade demanter a inovação (sustentabilidade).

Existe uma multiplicidade de fatores que obstaculizaram aimplementação da inovação e, consequentemente, a efetiva forma-ção dos professores.

Com relação aos fatores pessoais, podem-se compreender asrespostas dos professores tendo em mente que a inovação se sobre-põe às rotinas e práticas já estabelecidas, ocasionando com issodiferentes reações, dentre elas medo e insegurança. De fato Cardo-so (2002), ao afirmar que existe uma relação entre as atitudes e ainovação, cita que inovar é abandonar determinadas rotinas e, dessaforma, perder algumas referências. A autora afirma que a inovaçãotraz incertezas e, por consequência, perde-se momentaneamentealguma competência e aumenta-se a sobrecarga de informações.Isso significa que a inovação vem acompanhada de riscos profissi-onais e também pessoais.

Os fatores profissionais apontados pelos professores foram afalta de apoio e de tempo, a inabilidade daqueles que dirigem oprojeto, a falta de boa vontade da direção da escola e de compreen-são sobre a inovação, além do excesso de trabalho. Esses são fato-res que se aproximam muito dos obstáculos já catalogados e exis-

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tentes na literatura. Entre eles: a sobrecarga de trabalho (FULLAN;HARGREAVES, 2000), a essência individualista da profissão(FULLAN; HARGREAVES, 2000; THURLER, 2001); a organiza-ção e o funcionamento da escola (THURKER, 2001); o sentido so-bre a inovação (HARGREAVES; EARL; RYAN, 2001; THURLER,2001; FULLAN, 2001); o tamanho da mudança (HARGREAVES;EARL; RYAN, 2001), o tempo (HARGREAVES; EARL; RYAN, 2001;CARBONELL, 2002); a falta de apoio (FULLAN, 2001;CARBONELL, 2002), exclusão dos alunos e pais da mudança(HARGREAVES; EARL; RYAN, 2001), o funcionamento do diretor(THURLER, 2001), as inovações fracassadas (FULLAN;HARGREAVES, 2000; THURLER, 2001), a subutilização das com-petências dos professores (FULLAN; HARGREAVES, 2000).

Os fatores contextuais, encontrados neste estudo, também apre-sentam reflexos atenuantes sobre a formação docente à medidaque a falta de recursos materiais e financeiros e a não continuidadedesses projetos impedem a criação de uma cultura reflexiva quepossa gerenciar as mudanças e a própria formação profissional.

3. Tipo de inovação

Esta categoria investigou as dimensões da inovação que esta-vam sendo utilizadas no projeto, relacionado-as com as já existen-tes na literatura e propostas por Fullan (2001). Esse autor diz que ainovação é multidimensional e que existem pelo menos três dimen-sões ou possibilidades de inovação: 1) aquelas relacionadas à uti-lização de novos materiais, currículos e tecnologias; 2) o uso dasnovas abordagens de ensino, estratégias e atividades e 3) a possi-bilidade de mudança nas crenças e pressupostos, que sãosubjacentes às práticas pedagógicas.

Através da análise documental, em que analisou-se as finalida-des do projeto (introdução de novas tecnologias no ensino de ciên-cias e à mudança na prática pedagógica dos professores), consta-tou-se que nos objetivos da inovação estavam embutidas as três

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dimensões citadas acima. No entanto, nos dados advindos dasentrevistas, os professores reconheceram somente a primeira di-mensão. Eles disseram que através da inovação proposta, realmenteintroduziram novos materiais e novas tecnologias, mas não reco-nhecem diferenças em suas formas de atuar com os alunos. Essedado é relevante, pois segundo Fullan (2001), para que as inova-ções provoquem mudanças e melhorias duráveis, é preciso propore relacionar as três dimensões.

As diferenças entre as dimensões propostas na inovação e aquiloque foi, efetivamente, reconhecido pelos professores pode ter diver-sas causas. Acredita-se que a inabilidade daqueles que dirigiram oprojeto para trabalhar o sentido da inovação, os conflitos e a faltade continuidade sejam algumas dessas causas.

4. A origem da inovação

O projeto de inovação teve origem numa parceria entre a Uni-versidade de São Paulo e a Secretaria Municipal de Educação, as-sim como muitos outros projetos que chegam às escolas, apresen-tando caráter externo e vertical. A inovação foi imposta às escolassem uma prévia consulta para saber se ela era necessária ou nãopara a formação dos professores.

Veiga (2003) chama esse tipo de inovação de regulatória outécnica. Marcada por um caráter regulador e normativo, não consi-dera a diversidade de interesses dos professores e deixa-os de ladoda concepção do projeto. Nesse processo, as preocupações ligam-se à padronização, à uniformidade, ao controle burocrático e aoplanejamento centralizado.

É possível classificar as inovações quanto à origem. Internas ouexternas são para os projetos que se originam dentro da própriaescola ou fora dela. Vertical e horizontal para as inovações quevêem de cima para baixo ou de baixo para cima.

As internas e verticais partem dos coordenadores pedagógicos,da direção da escola etc. As externas e verticais têm origem nas

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secretarias de educação, nas políticas públicas, na mídia, no avan-ço das tecnologias, nas universidades, nas empresas fabricantesde tecnologias, nas exigências do mercado de trabalho, na mudan-ça de legislação, na pressão dos pais. As internas e horizontaispartem dos professores, dos alunos etc.

Carbonell (2002) diz que as inovações horizontais e internastêm mais chances de sucesso e de continuidade, pois a participa-ção dos professores é fundamental.

Algumas implicações finais

Os resultados deste estudo sinalizam a necessidade de se termuita cautela ao assumir e utilizar esse tipo de inovação comoestratégia para a formação de professores de ciências do ensinofundamental. No projeto de inovação pesquisado, os resultadosforam pequenos em virtude do tempo e dos recursos investidos.

As análises advindas das três primeiras categorias “situando ainovação”, “fatores impeditivos” e o “tipo da inovação” mostra-ram que esse modelo instrumental de inovação, aqui analisado,para a formação de professores de ciências, não é suficiente paralevar os docentes a mudanças duradouras em suas práticas peda-gógicas. De fato, esses professores não passaram a desenvolver uminovativo ensino de ciências utilizando as novas tecnologias e tam-bém não mudaram seus modos de agir e atuar com os alunos, esseseram os dois objetivos principais da inovação.

No entanto, há que se destacar que outras variáveis como ascaracterísticas das escolas (cultura) e sua organização são, semdúvida, outros fatores condicionantes da inovação.

Assim, entende-se que essa compreensão da inovação comoestratégia para a formação de professores se articula muito maisno campo do discurso do que na prática, devendo, portanto, sersubstituída por outra que fortaleça a escola e seus docentes.

Os dados advindos da literatura especializada sobre o assuntojá haviam sinalizado a necessidade da mudança do foco da

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implementação de inovações para a ampliação da capacidadeinstitucional de inovar. Moreira (1999) cita que o foco no desenvol-vimento institucional tem por objetivo fazer com que as escolas e osórgãos oficiais locais ampliem suas competências no sentido dediagnosticar e lidar com os problemas e com as inovações, bemcomo criar condições para o desenvolvimento profissional.

Segundo o mesmo autor, focar no desenvolvimento institucionalpor causa do fator descontinuidade das políticas públicas significa,dentre outras coisas, fortalecer as escolas e os professores, questio-nar tanto as reformas que visam padronizar as práticas educativascomo as formas de gestão das reformas e das inovações.

Os resultados deste estudo mostraram, ainda, que a falta decontinuidade, a falta de apoio e de tempo, o funcionamento dodiretor e das equipes pedagógicas, a falta de recursos materiais efinanceiros, as diferenças entre os objetivos da escola e os da ino-vação são alguns aspectos que reduziram os efeitos da inovaçãosobre a formação dos professores. Isso porque a inovação, dentreoutras coisas, necessita de recursos adequados, apoio e, efetiva-mente, ela tem de ser baseada na cultura da colaboração.

De fato a falta de continuidade caracteriza-se como um dos gran-des problemas da educação brasileira em geral e das políticas rela-cionadas ao ensino de ciências em particular. Na opinião dos pro-fessores, esse foi um dos fatores atenuantes dos supostos benefíci-os que o projeto de inovação traria sobre suas formações. Isso vaiao encontro das afirmações de Fullan (1992; 1993) que diz queprojetos de inovação bem sucedidos precisam de ações bem orga-nizadas entre as escolas, os sistemas de ensino locais e as univer-sidades, requerendo para isso pelo menos uma década. Ou seja, énecessário tempo e continuidade para que as mudanças aconte-çam nas organizações das escolas e na formação dos professores.

As implicações deste estudo devem ser consideradas de formamais ampla. As autoridades competentes, que elaboram políticaspara o ensino de ciências, e os especialistas que implementam ino-vações precisam considerar essa realidade. As inovações anuncia-

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das e acontecidas não têm melhorado a formação dos professoresde ciências, que ainda tem no livro texto seu principal apoio (BIZZOet al, 2007), e nem o desempenho dos alunos, o que pode ser vistonos resultados de exames internacionais como é o caso ProgramaInternacional de Avaliação de Alunos (PISA). Em 2006, o Brasilficou na 52º posição no PISA. Se isso não vem acontecendo é preci-so que se questione, dentre outras coisas, esse modelo em que ainovação se constitui no motor para a formação de professores.

Nesse sentido, os professores precisam olhar criticamente paraessas inovações e mudanças, analisando se elas implicam, efetiva-mente, em melhorias de suas formações. Eles devem, dentre outrascoisas, questionar a concepção, os fundamentos teórico-metodológicos, os objetivos, os autores e os implementadores dainovação a fim de fazer um balanço crítico sobre esse contexto. Épreciso compreender como e onde as mudanças irão se processar equem será afetado por elas. Por fim, é necessário ampliar o debatee descobrir a quem, efetivamente, esse tipo de modelo interessa.

É preciso, claramente, o desenvolvimento de novas pesquisaspara compreender mais a respeito dos efeitos dessas inovaçõessobre a formação dos professores de ciências. Estudos que envol-vam, inclusive, um numero maior de professores, outra forma deorganização da inovação, várias escolas etc. No entanto, tendo emvista os resultados deste estudo, é pelo menos possível refletir maisatentamente sobre os discursos daqueles que advogam, proposita-damente ou não, sobre a criação de políticas de formação de pro-fessores, tendo a inovação como estratégia.

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Abstract

Every year arrives at schools manyinnovations some interesting, othersdecontextualized and others with the aim atproviding teachers’ continuing education. Itis common, in Brazil, the use of innovationto solve problems related to education, andoften the term is used to legitimize old-fashioned projects and standardizepractices, ignoring the diversity of socio-cultural context. Studies suggestovercoming this instrumental model andindicating the need to focus on newstrategies for institutional development.This study examined the effects of aninnovation project on the science teachers’continuing education. We interviewed 11teachers from elementary school to threeschools in the city of São Caetano do Sul,who participated in a project of innovationin science teaching. The data showed thatthe use of innovation as a strategy forteachers’ continuing education reduces thelearning process. The lack of support, time,resources and materials, mainly the lack ofcontinuity, are some of these factors thatreduce science teachers’ continuing Education.

Keywords: Innovation; change; scienceteachers’; continuing education.

Innovation and science teachers’continuing education

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Identidade do curso de pedagogiae de seu profissional - cenários de

percepções, representações eexperiências de formação de

estudantes

Frederico Antônio de Araújo1

Maria de Freitas Chagas1

Maria Inês de Matos Coelho2

Vanda Terezinha Medeiros de Barros1

Resumo

O presente artigo apresenta o resultadoinicial de uma pesquisa que buscacompreender os processos formativos quese desenvolvem no âmbito do curso depedagogia da Faculdade de Educação daUniversidade do Estado de Minas Gerais(FaE/UEMG) e que se articulam à(re)construção dos mesmos. Os processosformativos são estudados nas relações comtrajetórias de vida e com a autoria dossujeitos em formação, envolvendo, por-tanto, expectativas, percepções, expe-riências e representações de estudantes. Aoinvestigar “como os sujeitos alunosenvolvidos no processo do curso per-cebem/representam suas experiências deformação”, interessa-nos inicialmente situaras disputas, as polêmicas, as contradições eas regulações que têm marcado a pedagogiacomo campo de formação profissional noBrasil. Para situá-las, estruturamos este

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1 Docente em dedicação exclusiva da Faculdade de Educação do Campus de Belo Horizonte daUniversidade do Estado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG).2 Professora Emérita da Faculdade de Educação do Campus de Belo Horizonte da Universidadedo Estado de Minas Gerais (FaE/CBH/UEMG)

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artigo em três seções. Na primeira, dis-cutimos os marcos de disputas naconstrução histórica de uma identidade dapedagogia como um campo de formaçãoprofissional no Brasil, procurandoevidenciar os conflitos e tensões que vêmmarcando sua trajetória, com ênfase noperíodo a partir de 1980. Na segundaseção, procuramos sintetizar as polêmicasquanto às concepções e às funções dosprofissionais da educação no cerne dasquais a docência é considerada como eixode formação. Na terceira seção, re-construimos as bases dos principaisconceitos que articulam a formação dopedagogo pelas Diretrizes CurricularesNacionais em 2006 e que são osreferenciais da reformulação curricular edas orientações para o curso de pedagogiada Faculdade de Educação - Campus BeloHorizonte - Universidade do Estado deMinas Gerais (FaE/CBH/UEMG) a partirde 2008. Concluímos que esses são oselementos para se definir as categorias einstrumentos de pesquisa em doismomentos com a coorte de estudantes:como ingressantes e como concluintes docurso.

Palavras-chave: Processos formativos;formação humana; políticas de formaçãoprofissional; currículo; pedagogia.

Processos formativos do curso de pedagogia:uma perspectiva de estudo

Este artigo apresenta resultados iniciais de uma pesquisa emandamento, que busca compreender os processos de formação depedagogos, considerando especificamente as expectativas, percep-ções, experiências e representações de estudantes no âmbito docurso de pedagogia da FaE/CBH/UEMG. No contexto da pesqui-sa mais ampla, este texto privilegia um recorte do trabalho já reali-zado, em que são apresentadas as questões investigadas, são dis-cutidos alguns fundamentos principais e os movimentos na cons-

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trução de uma identidade da pedagogia como campo de formaçãoprofissional no Brasil.

Partimos do reconhecimento de que a formação de professorese de pedagogos vem constituindo-se, principalmente a partir dadécada de 1990, em uma das temáticas mais investigadas na áreada educação. Novos enfoques introduzidos orientam-se para com-preender a prática pedagógica e seus saberes, para promover aautoformação e a reflexividade na ação docente. Assim, o profis-sional vai sendo considerado um ator que assume a prática apartir dos significados que ele mesmo lhe dá. Um sujeito que pos-sui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própriaatividade, os quais estruturam e orientam suas ações (TARDIF,2002, p. 230). Em nossa pesquisa, também assumimos ser neces-sário superar a visão homogeneizante e estereotipada da noçãode aluno, dando-lhe outro significado, ou seja, o de pedagogo emformação como sujeito sociocultural. Portanto, é preciso conhecere reconhecer os alunos-sujeitos na construção do currículo docurso de pedagogia. “Trata-se de compreendê-lo na sua diferen-ça, enquanto indivíduo que possui historicidade, com visões demundo, escala de valores, sentimentos, emoções, desejos, proje-tos, com lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são própri-os” (DAYRELL, 1996, p. 140).

Nesse sentido, é importante compreender a complexidade e aespecificidade dos processos globais de formação humana em queo sujeito é considerado na sua totalidade e se forma ao participarda diversidade dos processos sociais. Assim, a questão mais am-pla que orienta o estudo indaga: “Qual o sentido das experiênciasde formação para os sujeitos - alunos - envolvidos no processo docurso de pedagogia da FaE-UEMG?” De forma mais específica,estamos analisando: “como os diferentes aspectos dos processosformativos percebidos e expressos em representações sociais pelosestudantes revelam ou apontam configurações e contradições quan-to à concepção do pedagogo e ao desenvolvimento curricular vol-tado para a formação inicial desse profissional?”

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Identidade do curso de pedagogia e de seu profissional - cenários depercepções, representações e experiências de formação de estudantes

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Destacam-se alguns pontos que fundamentam nossa investiga-ção. Um deles refere-se aos “processos formativos” analisados apartir de vários estudos feitos por autores como Charlot (2000),Pineau (2004) e Silva (2007), como percursos de formação e trajetó-rias de vida, entre os quais os vinculados ao trabalho, que interageme assim evidenciam a relevância da experiência na construção desaberes e na aprendizagem de jovens e adultos. Dessa forma, ospercursos de formação e as trajetórias de vida demonstram que ostempos formadores são demasiadamente importantes para seremreduzidos aos das formações instituídas.

Outro aspecto dos contextos de formação (formais e não-formais)é assinalado por Silva como sendo “a autoria dos sujeitos da/emformação, dimensão fundamental para o seu (auto) reconhecimentosocial e para a (re) construção de identidades” (Silva, 2007, p. 01).Sendo assim, a formação inicial no curso de pedagogia está sendoestudada numa perspectiva ampliada, que abrange processos deaprendizagem e construção de saberes nos diferentes espaços e tem-pos sociais. Essa perspectiva tem papel fundamental na construçãode alternativas, tendo em vista a diversificação de atores, práticas esaberes e a ampliação das experiências de formação. Para isso, ofoco se dirige aos sujeitos em formação: os estudantes.

Ao tratarmos de formação de professores e de pedagogos, a pers-pectiva deste estudo é delineada com base em fundamentos que seencontram em trabalhos de Nóvoa, Schön, Tardif e Sacristán. Essesautores têm configurado esse campo na discussão e nas ações de-senvolvidas no Brasil a partir do final do século XX. Nesses estudos,uma referência fundamental é o reconhecimento e a valorização dosaber docente como uma pluralidade de saberes mobilizados naprática que se constrói no decorrer da trajetória profissional ou ciclode vida dos/as professores/as, sobretudo nas contribuições deGauthier (1999), Tardif; Lessard; Lahaye (1991) e Tardif (2002, 2005).

Outra referência é a escola como locus privilegiado de formaçãoa partir das necessidades reais dos professores, dos problemas doseu dia-a-dia e por processos que promovam a reflexividade na

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ação. São relevantes os estudos de Schön (1995); Nóvoa (1995);Sacristán (1998, 1999, 2000) e Gómez (1995). Esses aportes teóricossão articulados e discutidos na pesquisa, tendo por horizonte umaconcepção crítico-dialética (GADOTTI, 1983) dos processos de for-mação na FaE/CBH/UEMG.

Ao investigar como os sujeitos alunos envolvidos no processodo curso de pedagogia da FaE-UEMG percebem/representam suasexperiências de formação, interessa-nos inicialmente situar as dis-putas, polêmicas e contradições que têm marcado a definição daconcepção, da identidade da pedagogia, das funções dos profissi-onais da educação – pedagogos – e dos atuais princípios do desen-volvimento curricular de sua formação.

Para tal, estruturamos este artigo em três seções. Na primeira, dis-cutimos os marcos de disputas na construção histórica de uma iden-tidade da pedagogia como campo de formação profissional no Brasil.Procuramos evidenciar os conflitos e tensões que vêm marcando suatrajetória, com ênfase no período a partir de 1980. Na segunda seção,buscamos sintetizar a partir de diferentes documentos, que foram ob-jetos de análise, as polêmicas quanto às concepções e às funções dosprofissionais da educação no cerne das quais a docência é considera-da como eixo de formação. Na terceira seção, reconstruimos as basesdos principais conceitos que articulam a formação do Pedagogo pelasDiretrizes Curriculares Nacionais em 2006 e que são os referenciaisda reformulação curricular e das orientações para o curso de pedago-gia da FaE/CBH/UEMG a partir de 2008.

Pedagogia como campo de formação no Brasil:marcos de disputas na construção de uma identidade

Em termos institucionais, a formação de pedagogos no Brasiltem marco inicial com a criação do curso de pedagogia em 1939.Desde então, tem passado por mudanças não apenas de organiza-ção curricular, mas, sobretudo, de concepção do profissional daárea de educação. Segundo Silva (1999), três fases constituem asdiscussões nesse campo: 1) a da “identidade questionada”, de 1939

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a 1972, na qual as funções que eram atribuídas ao curso de peda-gogia foram questionadas no decorrer de regulamentações legaissucessivas; 2) a da “identidade projetada”, de 1973 a 1978, fase emque, inclusive, a extinção do curso foi amplamente especulada; 3) ada “identidade em discussão”, que teve início na década de 1980 ese estende até hoje, alimentada pelos debates gerados a partir daLei de Diretrizes e Bases (LDB), lei n. 9.394 de 1996 e atos governa-mentais ulteriores a ela.

A ameaça de extinção que o curso de pedagogia sofreu em 1976,pelo então Conselho Federal de Educação, foi enfrentada com a resis-tência do movimento nacional de educadores envolvidos na luta emdefesa da escola pública e do curso. Foram definidos princípios deformação e elaboradas orientações para a organização curricular semdicotomizar o curso em habilitações, sugerindo-se eixos curricularese propondo-se que a docência se transformasse na base da identidadedo pedagogo, bem como de todos os cursos que formam profissionaisda educação. Em consonância com as proposições do movimentonacional, a maioria das universidades brasileiras3 passou a implan-tar novos projetos político-pedagógicos, contemplando as indicaçõesadvindas do movimento (BRZEZINSKI, 2005, p. 123).

Embora seja importante a análise do processo histórico da pro-fissão e da formação do pedagogo no país, que deverá ser feita aolongo do desenvolvimento do nosso estudo, focalizamos os ele-mentos que constituem hoje o cenário do curso de pedagogia. Essecampo de formação, ao final dos anos de 1990, se configurava comoespaço dos movimentos que redefiniam o campo pedagógico des-de os anos de 1980 e que questionavam, sobretudo, a fragmentaçãode funções no processo de trabalho educativo e a especializaçãodos profissionais nas escolas (SANTOS, 2008; SILVA, 1999).

Quando falamos de campo, referimo-nos tanto a um “campo deforças”, pois constrange os agentes nele inseridos, quanto a um“campo de lutas” no qual os agentes atuam conforme suas posi-

3 O curso de Pedagogia do Instituto de Educação do Estado de Minas Gerais (IEMG), que nosanos de 1990 se tornou a FaE /UEMG, contemplou as indicações advindas do movimento em seuprojeto político-pedagógico.

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ções, mantendo ou modificando sua estrutura. Essa categoria soci-ológica desenvolvida por Bourdieu (1983) corresponde à realida-de das relações de força entre os agentes ou instituições engajadasna luta ou, se preferirmos, na distribuição do capital específico quepode ser econômico, cultural ou de outra natureza. Para Bourdieu,campos são “espaços estruturados de posições (ou de postos) cujaspropriedades dependem das posições nestes espaços, podendo seranalisadas independentemente das características de seus ocupan-tes (em parte determinadas por elas)” (BOURDIEU, 1983, p. 89).

Para que um campo funcione, é preciso que haja objetos de dis-putas e pessoas prontas para disputar o jogo, dotadas de habitusque impliquem no conhecimento e reconhecimento das leisimanentes do jogo, dos objetos de disputas etc. A existência do habitusé, ao mesmo tempo, condição de existência de um determinado cam-po e produto de seu funcionamento dentro de uma estrutura especí-fica. Portanto, um campo envolve agentes (pessoas, instituições),posições, relações (disputas, estratégias), habitus (conhecimentos,habilidades, atitudes, valores etc) e objetos (o que define a disputano campo). Assim, tratamos de campos econômicos, culturais, cien-tíficos, educacionais, de formação, profissionais, religiosos etc.

Neste estudo estamos tratando do campo de formação de profis-sionais da educação, o que tem sido denominado campo de pedago-gia. Uma análise de Libâneo, em 1997, identificou uma direção deredefinição no campo educacional em que se reafirmava a pedago-gia como campo mais amplo de investigação da prática educativa.Essa perspectiva retomava a compreensão da educação como práti-ca social, o caráter de pedagogia como ciência prática e aintencionalidade educativa como vinculada às qualidades a seremconstruídas no processo mediante o posicionamento crítico-reflexi-vo de professores e alunos.

Outra direção acentuava a precisão e a coerência da ideia dadidática como disciplina prática4, obviamente não no sentido detécnica, mas de tomar como objeto o ensino em situação, voltado

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4 Alguns estudos de autores brasileiros já apontavam nessa direção como os de Candau (1989),Libâneo (1990), Oliveira (1993), André (1994) e Pimenta (1996).

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intencionalmente para a aprendizagem dos alunos.A terceira direção referia-se à crescente adesão às propostas

que concebiam a prática docente como um processo de investiga-ção, tendência para a qual convergiam os adeptos de uma teoriacrítica do ensino ou didática crítica - em relação à qual se aproxi-mavam os estudos da perspectiva crítica do currículo e os do pro-fessor crítico-reflexivo5. Dessa forma, desenvolvia-se a proposta deque os professores construíssem a teoria do ensino por meio dareflexão crítica sobre seus próprios conhecimentos e práticas.

A quarta direção dizia respeito a uma crescente influência deestudos de sociologia da educação que se apoiavam em diferentesteorias e que se relacionavam com temas tais como as relações en-tre escola e cultura, representações sociais, cotidiano escolar, sub-jetividade, linguagem, entre outros. Esses estudos eram incorpora-dos principalmente pelos estudos curriculares críticos, com os quaisa investigação didática teria interlocução.

Como se pode notar, essas quatro direções apontadas porLibâneo (1997) no movimento da didática e do currículo penetra-ram fortemente nos trabalhos da área de formação de professores ede pedagogos. A nova perspectiva de formação, que consistiria emconstruir o conhecimento sobre a prática docente a partir da refle-xão crítica, tomava o lugar da formação docente como um processode atualização que se daria através da aquisição de informaçõesdescontextualizadas da prática educativa do professor. Nesse cam-po tão amplo e que reúne autores tão diversos numa perspectiva quetem sido associada à do professor reflexivo, não há uma unidade; aocontrário, as perspectivas diferenciadas ainda discutem entre si.

Na década de 2000, outra perspectiva que surge é a das compe-tências docentes (PERRENOUD, 2000), havendo, ainda, a sistemati-zação das críticas a essa abordagem. Os aspectos assinalados indi-cam a secundarização do papel da teoria e, consequentemente, dosaber acadêmico na formação do professor, bem como o enfoque indi-

5 Destacam-se as bases em Tardif; Lessard; Lahaye (1991), Schon (1995), Nóvoa (1992), Zeichner(1993), Tardif e Raymond (2000) e estudos apresentados por Silva (1993), Moreira e Silva (1994),Silva e Moreira (1995).

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vidualista da reflexão e da prática docente que concorreriam paraprecarizar a formação docente (DUARTE, 2003; PIMENTA, 2002).

Apontando outro direcionamento, o estudo de Zeichner (1998),que analisa aspectos das inovações na formação de professores doReino Unido, Estados Unidos, Canadá e Austrália, identifica expe-riências de formação de professores “reconstrucionistas sociais edemocráticos — ou em torno de determinadas palavras de ordem -tais como o professor visto como um profissional reflexivo”(ZEICHNER, 1998, p. 80). Essa perspectiva de prática-reflexiva pro-cura ultrapassar a dimensão técnica de ensino e constituir um pro-fissional que compreenda o contexto social mais amplo e que sejacompromissado com a mudança social em direção a uma sociedademais justa e igualitária. Zeichner reconhece, nessa tendência de for-mação reflexiva, uma estratégia para melhorar a formação de profes-sores, uma vez que pode aumentar sua capacidade de enfrentar acomplexidade, as incertezas e as injustiças na escola e na sociedade.

Mesmo reconhecendo as contribuições que as teorizações sobreo professor-reflexivo6 trouxeram, é preciso admitir que elas tam-bém podem incorrer em não-valorização dos conhecimentos teóri-cos, em uma concepção individual de reflexão e na desconsideraçãodo contexto social (LIBÂNEO, 2002). A reflexividade, tal como de-finida por Libâneo (1990, 2002), sinalizava um posicionamento dereflexão crítica contrapondo-se à reflexão neoliberal, no sentido deque aquele está fundamentado filosófica e ideologicamente, assimcomo na capacidade de ser um agente em uma realidade social emconstante construção, preocupado com as contradições e atitudesde cunho social, crítico e emancipatório. Vale ressaltar que, de modogeral, esse campo de estudos com diversidade de abordagens per-mitiu avançar na discussão acerca do processo de construção da

6 A questão do professor como um profissional reflexivo aparece na agenda das duas correntes:dos educadores críticos e dos conservadores. Os críticos pautam-se por uma visão de educaçãocomo um processo de emancipação, de formação de pessoas críticas, capazes de contribuir paraa redução das assimetrias e de diferentes tipos de desigualdades sociais. Os conservadoresconsideram a educação do ponto de vista gerencial, em que padrões são definidos para odesempenho de professores e esses são avaliados tendo em vista o alcance das competências edos objetivos propostos para os alunos, com seu real. (SANTOS, 2008)

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profissionalidade docente, com o foco na formação e no trabalho,na não dissociação da formação profissional, inicial e contínua,na participação dos docentes nas decisões que afetam as escolas enas condições objetivas de trabalho (ALVES, 2007).

Além das tendências de redefinição de concepção e do campode trabalho, bem como do profissional da pedagogia, nos anos de1990, havia clara influência das propostas de estratégias do BancoMundial7 para as políticas de melhoria da qualidade da educaçãobásica. Nas propostas se destacava a qualificação de professores/ascom duas direções: a formação em nível superior para os professo-res das séries iniciais e a formação continuada (TORRES, 1996).

Os professores são o crucial determinante doque está sendo aprendido em suas salas deaula e o compromisso dos professores com amelhoria é essencial para que a mudança tenhaum verdadeiro impacto na aprendizagem.Professores e organizações locais, nacionais einternacionais que os representam, devem,portanto, ter a oportunidade de participar nãosó na implementação da reforma, mastambém no desenvolvimento de novosprogramas (BANCO MUNDIAL, 1999, p. 19).

A ênfase e a reforma na formação de professores tornaram-seaspectos fundamentais para atingir a prioridade de universalizaçãodo ensino fundamental. Uma tendência internacional, ligada àsexigências dos organismos multilaterais, que visam atender aoprocesso de globalização/mundialização, definia como eixos prin-cipais da formação docente contemporânea: a “universita-rização”8/a profissionalização, a ênfase na formação prática/acertificação de experiências, a formação contínua e a pedagogia

7 Essas estratégias impulsionam o que Azevedo analisou como sendo “uma direção dereconversão cultural da escola” (AZEVEDO, 2007, p. 11) em “mercoescola” e à qual se opõe a“reconversão para a emancipação” (AZEVEDO, 2007, p. 11).8 A “universitarização” representa um movimento de absorção das instituições de formação deprofessores pelas estruturas habituais das universidades, departamentos, faculdades ou outros(MAUÉS, 2003). No Brasil esse eixo se concretiza no artigo 62 da LDB que preceitua a formaçãode docentes para atuar na educação básica em nível superior, em curso de licenciatura, degraduação plena, em universidades e institutos superiores de educação. No entanto, admite-seo nível médio, na modalidade Normal, como formação mínima para exercício docente naeducação infantil e o ensino fundamental.

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das competências (MAUÉS, 2003).

As reformas educacionais, a partir do finalda década de 1980, partiram dos mesmosprincípios: as mudanças econômicasimpostas pela globalização, exigindo maioreficiência e produtividade dos trabalhadores,a fim de que eles se adaptem mais facilmenteàs exigências do mercado. Essas reformasapresentam um objetivo político bemdefinido, que envolve a estruturaadministrativa e pedagógica da escola, aformação de professores, os conteúdos aserem ensinados, os aportes teóricos a seremadotados, enfim tudo o que possa estarrelacionado com o processo de ensino-aprendizagem (MAUÉS, 2003, p. 94).

Num sentido mais amplo, como Krawczyk (2002) assinala, umanova governabilidade da educação pública é objeto de busca e seconstrói, então, por duas vias: “profissionalização docente” eimplementação do “gerencialismo nas escolas”. Evangelista eShiroma (2007) apontam que, especialmente nos documentos doBanco Mundial, professores/as e escola são o alvo preferencial dedesqualificação política e profissional.

De um lado, argumenta-se que o professor écorporativista, obsessivo por reajustes,descomprometido com a educação dos pobres,um sujeito político do contra. De outro, que éincapaz teórico-metodologicamente,incompetente, responsável pelas falhas naaprendizagem dos alunos, logo – em últimainstância – por seu desemprego (EVAN-GELISTA; SHIROMA, 2007, p. 536).

Ao lado da construção da menoridade política do professor,outra forma de desqualificação atinge o seu “que fazer” profissio-nal. Isso se revela nas imagens denegatórias em relação a sua pro-fissão como de menor prestígio, alcançável por quem não conse-gue outras funções, e nas classificações de profissional acomoda-do e despreocupado com a qualidade. “Se o professor não era um

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obstáculo, certamente está sendo construído como tal”(EVANGELISTA; SHIROMA, 2007, p. 537). Tudo isso justifica umaação dura sobre os docentes e atiça a mobilização de pais e comu-nidade para “incentivá-los” a dedicar-se à escola e à docência.

Nóvoa (1995) nos fala dessa situação paradoxal da profissãodocente que também ocorria na Europa. Nela, de um lado, há umadesvalorização dos professores e de seu status profissional. De ou-tro, sua permanência no discurso político e no imaginário socialcomo um dos grupos decisivos para a construção do futuro. Oautor, no entanto, ressalta que “nessa arena não se formam somen-te profissionais, produz-se uma profissão” (NÓVOA, 1995, p. 17).Isso é decisivo para mudanças em curso nos sistemas educativos.

Consideramos que as reformas educacionais têm repercutidono trabalho docente. Elas têm promovido uma reestruturação nanatureza e função docente, ultrapassando a atividade em sala deaula, e na gestão da escola, no que se refere à dedicação dos profes-sores ao planejamento, à elaboração de projetos, à discussão docurrículo e da avaliação.

No Brasil, pode-se compreender o eixo doredesenho da política de formação docentee da nova identidade dos professores [...] Amaior autonomia que a política educacionaldos anos 90 concede ao “estabelecimentoescolar” para a organização de suaspropostas pedagógicas, é a razão apontadapara definir competências docentes e aformação necessária para promovê-las. Nareestruturação de um modelo educativodescentralizado, há um novo aspecto daidentidade do professor promovido atravésdo discurso de trabalho na sala de aula e naescola, de formação e de associação entredesempenho para a qualidade erecompensas (COELHO, 2008, p. 11).

Nesse sentido, os conceitos de “docência”, “gestão” e “conhe-cimento” se articulam e compõem o novo perfil do pedagogo, ocu-pando a docência posição hegemônica no interior do curso de pe-

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dagogia, não apenas por ser a sua base, mas por expressar umanova concepção. Essa concepção de docência alargada que dá iden-tidade ao pedagogo e a sua formação relaciona-se às demandas dareestruturação capitalista ou à fase do capitalismo flexível. Estaúltima tem como princípios norteadores a adaptabilidade, apolivalência e a flexibilidade, os mesmos que nortearam as refor-mas na educação brasileira dos anos de 1990.

Vale destacar aqui a tese que compartilhamos e que foi apresen-tada por Giroux (1997). Segundo autor, o professor é intelectual,não meramente um técnico, e é necessário enfrentar o caráter ame-açador das reformas educacionais da década de 1990. As amea-ças, primeiro, demonstram pouca confiança na capacidade dosprofessores de se constituírem como líderes intelectuais. Segundo,elas ignoram o papel dos professores no que tange à formação paraa cidadania. Terceiro, elas reduzem a atuação dos professores aostatus de técnico.

Giroux destaca que a melhor postura dos professores reside emencarar um processo de autocrítica em relação à natureza e finali-dade da sua formação e atuação. Assim, podem unir-se ao debatepúblico com os críticos, enfatizando a posição estratégica que ocu-pam e organizarem-se coletivamente para, dentre outras coisas,lutar por melhores condições de trabalho. O papel de intelectualtransformador, tal como definido por Giroux, se salienta no pro-cesso de luta contra o desenvolvimento crescente de ideologiasinstrumentais que enfatizam uma abordagem tecnocrática para aformação e atuação docentes - e, amplamente, do pedagogo. Issoporque possibilita, ao menos, três contribuições: a oferta de umabase teórica capaz de romper com a marca de que o exercício do-cente é algo meramente técnico9; o esclarecimento dos tipos e con-dições ideológicas e práticas necessárias para que os professoresatuem como típicos intelectuais; e a definição do papel que os pro-fessores desempenham na produção e legitimação de interessespolíticos, econômicos e sociais.

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9 Esse profissional atua para “tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico“(GIROUX, 1997, p. 163).

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Docência como eixo de formação: as polêmicas quantoàs concepções e funções dos profissionais da educação

Como se depreende desta análise, não é de estranhar que, aofinal da década de 1990, a grande polêmica quanto à formação dopedagogo girava em torno da questão da docência como eixo dessaformação. A LDBEN (lei n. 9394 de 1996) dedica o Título VI aosprofissionais da educação, numa perspectiva mais ampla que a deprofissionais do ensino. Essa lei, em seu artigo 61, preceitua que osfundamentos da formação desses profissionais serão “a associa-ção entre teorias e práticas, mediante a capacitação em serviço [...]e o aproveitamento da formação e experiências anteriores em insti-tuições de ensino e outras atividades” (BRASIL, 1996, art. 61)

Refletindo a tendência à “universitarização” da formação dosprofissionais da educação, o artigo 62 da mesma lei - embora admi-ta a formação em nível médio, modalidade Normal, como forma-ção mínima para exercício docente na educação infantil e ensinofundamental - estabelecia para o restante da educação básica, aformação de docentes em nível superior, em curso de licenciatura,de graduação plena, em universidades e institutos superiores deeducação. Os conteúdos da LDB alimentaram as polêmicas no cam-po da formação do profissional da educação quanto à introduçãoda figura dos Institutos Superiores de Educação para responder,juntamente com as universidades, pela formação de docentes paraatuar na educação básica (Art.62). Foi instituído o curso NormalSuperior, destinado à formação de docentes para a educação in-fantil e para as primeiras séries do ensino fundamental, cabendoaos institutos superiores de educação ministrá-los (Art.63, incisoI). Por outro lado, a formação de profissionais de educação paraadministração, planejamento, inspeção, supervisão e orientaçãoeducacional para a educação básica ficou definida em duas ins-tâncias alternativas quais sejam, os cursos de graduação em Peda-gogia ou o nível de Pós-Graduação em Educação (Art. 64).

Em decorrência desses princípios legais, desde 1997 o processo

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de elaboração das diretrizes curriculares para os cursos de gradu-ação foi desencadeado pelo Ministério da Educação (MEC) e peloConselho Nacional de Educação (CNE). Em 1999, o MEC indicoucomissões de especialistas para a elaboração de diretrizescurriculares dos cursos superiores, incluindo as licenciaturas. Re-ferindo-se às regulações relacionadas ao curso de Pedagogia e cri-adas entre 1999 e 2004 no país, Silva (2001) classifica esse tempocomo sendo o dos decretos firmados no âmbito do Poder Executivoe que outorgam uma identidade à formação do pedagogo.

O Decreto Presidencial n. 3.276 de 6 de dezembro de 1999, deter-minou que a formação destinada ao magistério na educação infantile nos anos iniciais do ensino fundamental far-se-á “exclusivamen-te” em cursos Normais Superiores. Face aos protestos, outro decreto,o n. 3.554 de 7 de agosto de 2000, substituiu o termo “exclusivamen-te” por “preferencialmente”. Também nesse período houve grandemobilização pela comunidade acadêmica da Pedagogia que enviouao CNE inúmeros documentos, reafirmando o documento originalPosicionamento Conjunto das Entidades: Associação Nacional pelaFormação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), AssociaçãoNacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd),Associação Nacional de Política e Administração da Educação(ANPAE), FORUMDIR, Centro de Estudos Educação e Sociedade(CEDES) e Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. O docu-mento foi encaminhado na reunião de consulta do CNE com o setoracadêmico em 2001 (SOARES; BETTEGA, 2008).

A tese da docência como base de formação do pedagogo foientão formulada mais claramente no XII Encontro da ANFOPE, em2001. Nele se afirmou que o eixo da formação do pedagogo “é otrabalho pedagógico, escolar e não escolar, que tem na docência,compreendida como ato educativo intencional, o seu fundamen-to” (CAMPOS, 2004, p. 6). Ressaltou-se também que “a docênciaconstitui o elo articulador entre os pedagogos e os licenciados dasáreas de conhecimento específicos abrindo espaço para se pen-sar/propor uma concepção de formação articulada e integrada

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entre professores (CAMPOS, 2004, p. 7).Na crítica às posições defendidas pela ANFOPE e da proposta

de Diretrizes Curriculares da Comissão de Especialistas da Peda-gogia, destacam-se Libâneo e Pimenta (2002). Eles consideram aidentificação do pedagogo com o docente como um equívoco lógi-co conceitual, pois todo trabalho docente é pedagógico, porém, nemtodo trabalho pedagógico é trabalho docente.

Com efeito, o princípio que se tornou lema eo apelo político da Anfope é conhecido: adocência constitui a base da identidadeprofissional de todo educador, todos os cursosde formação do educador deverão ter umabase comum: são todos professores. Conformejá afirmamos, esse princípio levou à reduçãoda formação do pedagogo à docência, àsupressão em alguns lugares da formação deespecialistas (ou do pedagogo não diretamentedocente), ao esvaziamento da teoria pedagó-gica devido à descaracterização do campoteórico-investigativo da Pedagogia e das de-mais ciências da educação, à retirada da univer-sidade dos estudos sistemáticos do campocientífico da educação e, em conseqüência, daformação do pedagogo para a pesquisaespecífica na área e o exercício profissional(LIBÂNEO; PIMENTA, 2002, p. 25-26)

Libâneo e Pimenta (2002) argumentam que a pedagogia é maisampla do que a docência e não pode ser confundida commetodologia. “Não faz sentido, pois o reducionismo da ação peda-gógica à docência, ainda que seja também uma genuína práticapedagógica” (LIBÂNEO; PIMENTA, 2002, p. 34). Também argu-mentam que “[...] valorizar o trabalho docente significa dotar osprofessores de perspectivas de análise, que os ajudem a compreen-der os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais nosquais se dá sua atividade docente” (LIBÂNEO; PIMENTA, 2002, p.42). Por isso, o curso de Pedagogia deveria formar os pesquisado-res e gestores e não o professor, ou seja, deveria haver um bachare-lado em Pedagogia e os professores deveriam ser formados em ou-

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tro curso específico. Por outro lado, como Weber assinala,

[...] a dimensão política do processo deprofissionalização do professorado cons-titui,assim, uma vertente a ser explorada, para queseja possível apreender a comple-xidade deum processo que ultrapassa o debate sobre adocência e a educação escolar, porque tem asmarcas da luta pela construção da democracia(WEBER, 2003, p. 1.147).

A articulação da ANFOPE, ANPEd e CEDES se fez em tornodas duas teses:1- A base do curso de Pedagogia é a docência.2- Por formar o profissional de educação para atuar no ensino,organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacio-nais e na produção e difusão do conhecimento em diversas áreasda educação, o curso de Pedagogia é, ao mesmo tempo, licenciatu-ra e bacharelado (DEFINIÇÃO DAS DIRETRIZES PARA O CUR-SO DE PEDAGOGIA, 2004).

Ao que parece, essa articulação, embora não completamente10,marca a elaboração do parecer CNE/CP n. 05 de 2005, primeiraversão oficial homologada sobre as Diretrizes Curriculares para oCurso de Pedagogia (DCN-Pedagogia). Depois marca o parecerCNE/CP n. 03 de 2006, incluindo a emenda retificativa constantedo parecer anterior, e a resolução CNE/CP n. 01 de 2006, que colo-ca a formação de professor em foco, deixando a formação dopedagogo em segundo plano.

Conceitos articuladores da formação do pedagogopelas Diretrizes Curriculares Nacionais

Com a aprovação das DCN-Pedagogias, no país, em 2006, nãose extinguiram as polêmicas11 que estiveram na base de sua formu-lação em discussões sobre o caráter e a identidade do curso de

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10 A discordância das entidades quanto a vários aspectos das DCN foi explicitada em 2005 noDocumento das Entidades sobre a Resolução do CNE.11 No processo que levou à aprovação das DCN para o curso de Pedagogia, surgiram inúmeras

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pedagogia. Essas discussões deverão ser analisadas com vistas acompreender as diferentes concepções que atravessam, hoje, a for-mação dos profissionais da educação. Há nelas, sobretudo, a di-vergência quanto a uma concepção que valoriza a prática em detri-mento da teoria, “a epistemologia da prática” conforme parecesubjacente ao parecer CNE/CP n. 05 de 2005 (KUENZER;RODRIGUES, 2006) e quanto à redução do campo da pedagogia àdocência para crianças (LIBÂNEO, 2006).

Com as DCN-Pedagogia, instauraram-se novas orientações queassumem a concepção de docência, não se restringindo essa àsatividades pedagógicas de sala de aula. O docente formado nocurso deverá estar preparado para desenvolver todos os tipos detrabalho de natureza educativa. Dessa forma, pretende-se o alar-gamento das funções docentes para além do processo ensino-aprendizagem, significando envolvimento em todas as ativida-des que possam ser compreendidas como trabalho educativo.Assim, a docência, a gestão e o conhecimento caracterizam-secomo os três conceitos articuladores da formação do pedagogo.Como se nota na DCN.

Art. 4º- O curso de Licenciatura em Pedagogiadestina-se à formação de professores paraexercer funções de magistério na EducaçãoInfantil e nos anos iniciais do EnsinoFundamental, nos cursos de Ensino Médio,na modalidade Normal, de EducaçãoProfissional na área de serviços e apoioescolar e em outras áreas nas quais sejamprevistos conhecimentos pedagógicos.Parágrafo único - As atividades docentestambém compreendem participação naorganização e gestão de sistemas einstituições de ensino, englobando:

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posições disputando o conceito pedagogia e a formação do pedagogo. A primeira é a posição do CNE,a segunda foi defendida pela ANFOPE, CEDES, ANPEd e FORUMDIR e a terceira expressa-se noManifesto de Educadores Brasileiros (2005). Das duas forças externas ao Estado, a ANFOPE conseguiuassegurar algumas de suas demandas, particularmente a assunção da base docente como exigênciaa ser cumprida na formação do pedagogo. Entre os autores que defendem essa perspectiva destacam-se Leda Scheibe, Helena de Freitas, Iria Brezinski, Márcia Aguiar. Do lado oposto, estão os signatáriosdo manifesto, Selma Garrido Pimenta, José Carlos Libâneo e Maria Amélia Franco.

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I - planejamento, execução, coordenação,acompanhamento e avaliação de tarefaspróprias do setor da Educação;II - planejamento, execução, coordenação,acompanhamento e avaliação de projetos eexperiências educativas não-escolares;III - produção e difusão do conhecimentocientífico-tecnológico do campo educacional,em contextos escolares e não-escolares(BRASIL, 2006a, art. 4).

Destaca-se nessas diretrizes a articulação, em torno do eixo dadocência, de diferentes funções do pedagogo que antes eram atri-buídas aos especialistas e, agora, aparecem incluídas no amploespectro da gestão. Se por um lado esse “alargamento” das fun-ções do licenciado em pedagogia pode ser interpretado como umapossibilidade de ampliação na autonomia docente e de controlesobre as atividades docentes, por outro, pode se prever uma inten-sificação do trabalho, contribuindo para a degradação das condi-ções em que atuam milhares de professores. A questão crucial é seessas condições possibilitam a profissionalização anunciada.

Compreende-se a docência como açãoeducativa e processo pedagógico metódicoe intencional, construído em relações sociais,étnico-raciais e produtivas, as quaisinfluenciam conceitos, princípios e objetivosda Pedagogia, desenvolvendo-se naarticulação entre conhecimentos científicose culturais, valores éticos e estéticosinerentes a processos de aprendizagem, desocialização e de construção do conheci-mento, no âmbito do diálogo entre diferen-tes visões de mundo (BRASIL, 2006, p. 1).

O sentido da docência é ampliado, uma vez que se articula à ideiade “trabalho pedagógico” a ser desenvolvido em espaços escolares enão-escolares, assim sintetizado no parecer CNE/CP n. 05 de 2005.

Entende-se que a formação do licenciado empedagogia fundamenta-se no trabalhopedagógico realizado em espaços escolares

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e não-escolares, que tem a docência comobase. Nesta perspectiva, a docência écompreendida como ação educativa eprocesso pedagógico metódico e intencional,construído em relações sociais, étnico-raciaise produtivas, as quais influenciam conceitos,princípios e objetivos da pedagogia. Dessaforma, a docência, tanto em processoseducativos escolares como não-escolares, nãose confunde com a utilização de métodos etécnicas pretensamente pedagógicos,descolados de realidades históricasespecíficas. Constitui- se na confluência deconhecimentos oriundos de diferentestradições culturais e das ciências, bem comode valores, posturas e atitudes éticas, demanifestações estéticas, lúdicas, laborais(BRASIL, 2005, p. 7).

Os fundamentos e os contornos dessa formação remetem à com-preensão da complexidade da escola e de sua organização e, parti-cularmente, da gestão da educação em diferentes níveis e contex-tos, o que deve ser propiciado pela investigação no campo educaci-onal. Assim o Parecer CNE/CP n.5 de 2005 preceitua:

A educação do licenciado em pedagogia deve,pois, propiciar, por meio de investigação,reflexão crítica e experiência no planejamento,execução, avaliação de atividades educativas,a aplicação de contribuições de campos deconhecimentos, como o filosófico, o histórico,o antropológico, o ambiental-ecológico, opsicológico, o lingüístico, o sociológico, opolítico, o econômico, o cultural. O propósitodos estudos destes campos é nortear aobservação, análise, execução e avaliação doato docente e de suas repercussões ou não emaprendizagens, bem como orientar práticasde gestão de processos educativos escolares enão-escolares, além da organização, funcio-namento e avaliação de sistemas e de estabele-cimentos de ensino (BRASIL, 2005, p. 6).

Parece-nos que a referência, nesse caso, é feita às áreas de co-

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nhecimento afins que dão subsídios à formação docente e que sãoaplicados. Já os conhecimentos do campo educacional deverãoarticular-se às “práticas profissionais e de pesquisa”, entenden-do-se por práticas “o exercício da docência”, “o trabalho pedagó-gico em escolas”, “o planejamento”, “a coordenação”, “a avalia-ção de práticas educativas em espaços não-escolares” e por pes-quisa produção de soluções que apóiem as práticas (BRASIL, 2005,p. 6). Portanto, pesquisa é subordinada à prática, tomada comoaplicação, associada ao “planejamento, execução, avaliação deatividades educativas” (BRASIL, 2005, p. 6).

Destacamos na formação a questão do conhecimento da escola emsua função social e formativa de educar para e na cidadania, bem comode atuar como agente de conhecimento e de mudança (ou de manuten-ção se for o caso) nas relações sociais, étnico-raciais e políticas.

Para a formação do licenciado em peda-gogia é central o conhecimento da escolacomo uma organização complexa que tem afunção social e formativa de promover, comequidade, educação para e na cidadania. [...]Também é central, para essa formação, aproposição, realização, análise de pesquisase a aplicação de resultados, em perspectivahistórica, cultural, política, ideológica eteórica, com a finalidade, entre outras, deidentificar e gerir, em práticas educativas,elementos mantenedores, transformadores,geradores de relações sociais e étnico-raciaisque fortalecem ou enfraquecem identidades,reproduzem ou criam novas relações depoder [...] (BRASIL, 2005, p. 6-7).

A forma como se propõe a escolha entre reproduzir ou criarnovas relações sociais, bem como entre fortalecer ou enfraqueceridentidades revela que subjacente ao parecer há uma concepçãovacilante do que é conhecer. Se já identificamos a noção de conhe-cimento subjugada às demandas práticas, agora a localizamos nasescolhas de posições ontologicamente equivalentes.

A problematização das DCN- Pedagogia concorre para ampli-

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ar a compreensão da complexidade do campo da pedagogia e dosdesafios teórico-práticos com que as instituições de ensino superi-or, em particular as universidades, deparam-se para materializara reforma do curso na esteira das novas regulamentações legais ena perspectiva de uma formação cidadã. Nesse sentido, tendo porconstituíntes principais a coresponsabilidade e a colaboração,definidores da participação, a concepção de gestão democráticadeve constituir dimensão da formação do profissional em pedago-gia e da prática envolvendo comunicação, discussão, crítica, apre-sentação de propostas e obtenção de consensos e decisões legíti-mas nas instituições educacionais escolares e não-escolares.

Finalmente é central a participação na gestãode processos educativos, na organização efuncionamento de sistemas e de instituições deensino, com a perspectiva de uma organizaçãodemocrática, em que a coresponsabilidade e acolaboração são os constituintes maiores dasrelações de trabalho e do poder coletivo einstitucional, com vistas a garantir iguaisdireitos, reconhecimento e valorização dasdiferentes dimensões que compõem adiversidade da sociedade, assegurandocomunicação, discussão, crítica, propostas dosdiferentes segmentos das instituiçõeseducacionais escolares e não-escolares(BRASIL, 2005, p. 6-7).

No curso de pedagogia da FaE/UEMG, as novas diretrizes fo-ram norteadoras da reformulação curricular e das orientações parao processo de formação de pedagogos a partir de 2008. O currículoimplantado em fevereiro de 1998 vigorará até 201112, habilitando opedagogo para “Docência para a educação básica – anos iniciaisdo ensino fundamental e gestão dos processos educativos da edu-cação básica: administração, planejamento, inspeção, supervisãoe orientação educacional” (FaE-UEMG, 2008)

Falar em estudos sobre a formação do pedagogo parece óbvio,sobretudo quando se pensa na nossa atuação de pesquisadores,12 A turma que ingressou em agosto de 2007 conclui o curso no 1º semestre de 2011.

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todos formados em pedagogia e professores que ministram (ouministraram) aulas no curso de pedagogia da FaE/UEMG. Aten-tos à produção que vem sendo acumulada na área da formaçãodocente a partir da última década do século XX, percebemos arelação de propostas de pesquisa com a diversidade de estudosnessa área e no campo da educação. Notamos a importância dessetema face à análise dos trabalhos do Grupo de Trabalho Formaçãode Professores da ANPEd sobre “Formação de professores no Bra-sil”, na série “Estado do Conhecimento”, em que se constatou “umexcesso de discurso sobre o tema formação e uma escassez de da-dos empíricos para referenciar práticas e políticas educacionais”(ANDRÉ, 2002, p. 13).

Por outro lado, segundo Nunes (2001), há uma tendência aindafraca de considerar como os sujeitos percebem o seu processo deformação e como pensam sobre suas experiências formativas. À vis-ta disso, assumimos o objetivo de explorar com os estudantes suasexpectativas e percepções em relação a essa formação, bem como assuas experiências obtidas e suas representações construídas ao lon-go dessa formação.

Considerações finais

Mais do que conclusões, apresentamos questões e perspectivasdentro dos caminhos da construção da identidade da pedagogia ede seu profissional, bem como dos cenários que se colocam nanossa pesquisa com os estudantes do curso de pedagogia da FaE/CBH/UEMG acerca de suas percepções, representações e experi-ências de formação.

Uma perspectiva clara para nós é que a política de formação depedagogos, tal como a de professores, tem a sala de aula e a escolacomo lugar de fabricação de uma nova identidade de profissionaisda educação, atada às competências para a qualidade, mediado-ra da cultura do gerencialismo e da performatividade do Estado.Da fragmentação e especialização das funções docentes – ensino,

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supervisão, direção, orientação educacional - movimenta-se paraa configuração do “alargamento da função docente”.

Conforme as DCN-Pedagogia, em torno do eixo da docência,articulam-se essas diferentes funções do pedagogo, que passam aser incluídas no amplo espectro da gestão. Identificamos fragili-dades e imprecisões conceituais nessa proposição por privilegiara formação dos professores em detrimento da formação dospedagogos; por privilegiar a prática em detrimento da teoria. Nelavemos o desafio de estabelecer uma formação teórica sólida, combase no conhecimento científico e na pesquisa consolidada, e denão ceder à incorporação da racionalidade técnica ou de exercerum praticismo pedagógico predominante na epistemologia dareforma educacional oficial, na qual se vincula o conhecimentoformativo a uma prática imediatista.

Pode ocorrer uma tendência de cursos configurarem-se maiscomo campo de práticas em detrimento de elaboração, discussão ereelaboração de teorias, ou de forma mais ampla de produção deconhecimento. Dentre as muitas questões quanto ao processoformativo do ponto de vista do projeto político pedagógico de cur-so, considerando aspectos como autonomia e flexibilização, talveza mais importante se refira à definição e ao desenvolvimento dosconteúdos e práticas de formação em relação ao núcleo “docência”.

À vista disso, a importância de nossa pesquisa com estudantesem relação as suas expectativas, percepções, representações e ex-periências de formação no curso de pedagogia. Considerando-seuma coorte de estudantes que ingressaram em fevereiro de 2010,realizaremos o estudo ao longo do processo formativo, para o qualalgumas questões já se destacam a partir deste trabalho. Quaispercepções têm os estudantes da docência como o núcleo formativode trabalho tal como definido na legislação e na propostacurricular? Como é trabalhada (elaborada, aplicada) a teoria? Comose desenvolve a prática? Que características o estudante percebeem si mesmo enquanto profissional sendo formado?

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Frederico Antônio de Araújo, Maria de Freitas Chagas,Maria Inês de Matos Coelho, Vanda Terezinha Medeiros de Barros

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Identidade do curso de pedagogia e de seu profissional - cenários depercepções, representações e experiências de formação de estudantes

Identity of pedagogy course and itsprofessional – scenarios of students’

perceptions, representations andformation experiences

Abstract

This paper presents initial results of aresearch that seeks to understand theformative processes that have beendeveloped within the Pedagogy Course atFAE-UEMG and that are related to the (re)construction of them. The formationprocesses are studied in relationship withlife trajectories and the authorship of thesubjects of and in formation and therebyinvolving expectations, perceptions,experiences and representations of thestudents. By investigating how the subjectsstudents involved in the course perceive /represent their formation experiences, in firstplace we are interested to locate thedisputes, the controversies, thecontradictions and the regulations that havebeen marked Pedagogy as a field ofprofessional formation in Brazil. To situatethem, we structured this paper into threesections. At first, we discuss the milestonesof disputes in the historical construction ofa Pedagogy identity as a field ofprofessional formation in Brazil, seekingto highlight the conflicts and tensions thathave marked its history and emphasizingon the period since 1980. In the secondsection, we synthesize the controversiesregarding the concepts and functions ofeducational professionals at the core ofwhich the teaching is regarded as the axisof formation. In the third section, wereconstructed the basis of the main conceptsthat articulate the formation of thepedagogue by the National CurriculumGuidelines in 2006 which are thebenchmarks of the curriculum reform andthe guidelines for the Pedagogy of FaE/

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CBH / UEMG since 2008. We conclude thatthese are the elements to define thecategories and the research tools in twomoments in the students’ cohort: asfreshmen and as graduates of the course.

Keywords: Formative processes; humanformation; policies of professionalformation; curriculum; pedagogy.

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Normas para publicação

A remessa dos originais deve seguir os seguintes critérios:

1. A revista Educação em Foco é uma publicação semestral do Centro de Comuni-cação da Faculdade de Educação, Campus Belo Horizonte, Universidade do Esta-do de Minas Gerais - UEMG. A publicação aceita para análise trabalhos científicosredigidos em português, espanhol ou inglês relacionados com educação.2. O trabalho será submetido ao julgamento de especialistas do ConselhoEditorial, cujas áreas de competência estão relacionadas com o tema do texto.Os avaliadores não terão conhecimento do nome do autor e vice-versa. Serãopublicados aqueles com pareceres favoráveis.3. O trabalho reflete as opiniões de seu autor e não obrigatoriamente do Con-selho Editorial. Ele deve ser inédito. Uma vez publicado na revista Educaçãoem Foco, o artigo pode ser reproduzido com a indicação da fonte original.4. O trabalho - com suas ilustrações, gráficos, tabelas e referências bibliográ-ficas - deverá ter entre 15 e 20 laudas digitadas em espaço 1,5, em fonte tipoArial, tamanho 12, com 30 linhas de 70 toques (máximo 42mil caracteres).5. Três cópias impressas do artigo deverão ser encaminhadas em uma únicaface e uma cópia digitada no programa Word for Windows, em CD, além deuma declaração, autorizando sua publicação na revista.6. Os trabalhos não serão devolvidos ao autor.7. Na página inicial, deverão constar o título do artigo, o nome do autor/auto-res, titulação, instituição onde trabalha e endereço completo - inclusive e-mail.8. Acompanhando o artigo, dois resumos, um em português e outro em inglêscom, no mínimo 100 e no máximo 150 palavras cada um deles, além de títuloem inglês. Aos resumos devem se seguir três a cinco palavras-chave.9. Ao final do artigo, deve ser colocada a referência pertinente, de acordo coma ABNT.10. Três exemplares do número da revista em que seu trabalho foi publicadoserão fornecidos ao autor.11. As colaborações deverão ser enviadas para o endereço:

Educação em Foco - Centro de Comunicação - CenC - da FaE/CBH/UEMGRua Paraíba, 29 - sala 704 - Belo Horizonte - MG - Cep: 30.130-140

Telefone: (31)3239-5912e-mail: [email protected] e [email protected]

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REVISTA DA FACULDADE

DE EDUCAÇÃO/CBH/UEMG

Título do artigo: __________________________________________

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Número de páginas: _______________________________________

Análise do parecerista: _____________________________________

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Parecer n. ______ Recebido em: ___/___/___ Devolvido em: ___/___/___

Indique sua recomendação para esta matéria:

______ é aceitável ______ sem revisão ______ com revisão no teor ______ com revisão na forma ______ com sugestões______ não é apropriado para a revista

Se necessário, favor listar alguns comentários ou sugestões específicas em umafolha separada.

EDUCAÇÃO EM FOCO

CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS DO ARTIGO SIM NÃO

Assunto tratado adequado à revista

Claramente apresentado e bem organizado

Referências adequadas e relacionadas ao trabalho

Resumo informativo, cobrindo todo o conteúdo (100 a 150 palavras)

Palavras-chave (máximo de cinco)

Número de páginas satisfatório (máximo de 20 laudas)

Conclusões justificadas

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Para obter mais informaçõessobre os títulos da EdUEMG,

visite o sitehttp://eduemg.uemg.br/

Esta revista foi composta em Belo Horizonte para oCentro de Comunicação - CenC da FaE/CBH/UEMG

e impressa em papel off set 75g na tipologia Book Antiqua,corpo 10, entrelinha 14, capa em papel Triplex 250g.