negociação em ocorrências policias de alta complexidade
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Negociação em ocorrências policias de alta coTRANSCRIPT
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Negociaoem ocorrncias policiais de alta complexidade
Luis Carlos LimaGilmar Luciano Santos
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NEGOCIAO em ocorrncias policiais de alta complexidade
Luis Carlos Lima
Gilmar Luciano Santos
Primeira Edio novembro 2009
Para aquisio desta obra entre em contato com os autores pelo e-mail
[email protected] ou pelo telefone (31) 9134-0280.
Todos os direitos reservados
Texto Gilmar Luciano Santos e Luis Carlos Lima
Reviso e Produo Editorial Thassa Lacerda (Mtb MG 11200 JP) Francis Bossaert Gilmar Luciano Santos
Colaborao Centro de Oratria Gilmar Luciano
Editorao Grfica Probabilis Assessoria Ltda. / Francis Bossaert [email protected]
Distribuio e Venda Diplomata Livros - [email protected] (31) 3072-3135 / (31) 9675-4773
Impresso Bigrfica Editora - [email protected] (31) 3481-0688
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NOTA DOS AUTORES Caros leitores, esta obra a materializao de alguns anos de
pesquisa e prtica acerca da negociao aplicada s ocorrncias de alta
complexidade nas quais tivemos oportunidades de atuar no Estado de
Minas Gerais.
Quando comeamos a delinear o primeiro curso de negociadores para
a Polcia Militar de Minas Gerais (PMMG) sabamos que no seria fcil
devido ao vago doutrinrio existente no Brasil, s difceis circunstncias
financeiras que passavam os organismos policiais no pas, aliado
ausncia de crdito em se investir em uma rea nova no cenrio da
segurana pblica.
No desistimos e acreditamos que a construo do todo se d com o
primeiro passo e, aps erros e acertos, reunies e discusses,
conseguimos formar duas turmas de policiais que hoje atuam como
negociadores na PMMG.
Terminado o primeiro passo adquirimos experincia, partimos
prtica, participamos de muitas ocorrncias com refns localizados,
pudemos testar teorias, afastar teses, pensamentos e doutrinas
estrangeiras que no so aplicveis ao Brasil, at chegarmos a ousar
traar as linhas que deram origem a este livro.
O ponto de partida foi uma reviso bibliogrfica internacional e anlise
das obras acerca da teoria geral da negociao. Buscamos a prxis, ou
seja, a experimentao do referencial terico nas ocorrncias reais e, o
que ora ousamos colocar neste papel, nada mais do que o fruto daquilo
que cultivamos sol a sol. Cada palavra, cada pensamento aqui
externalizado foi cuidadosamente medido e confrontado para que fosse
levado ao futuro negociador um supedneo terico carregado da
praticidade que tivemos a oportunidade de vivenciar, mas sem termos,
em nenhum momento, a pretenso de sermos os doutores do assunto e
nem os donos da verdade. Apenas queremos apresentar um ponto inicial
para novas pesquisas e aprofundamentos dos leitores e atores das
mudanas sociais e institucionais em todos os nveis.
Queridos leitores, esperamos que apreciem nosso trabalho.
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AGRADECIMENTO
A gradecemos a Deus pela oportunidade de estarmos concretizando este sonho.
A Jesus, nosso mestre e guia.
s nossas famlias pelo apoio e compreenso pelas horas sacrificadas
em prol da concretizao desta obra.
Luis Carlos Lima
Gilmar Luciano Santos
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SUMRIO Nota dos autores .............................................................................................. 5
1 Negociao e seus teoremas .................................................................. 11
1.1 Conceitos bsicos .............................................................................. 11
1.2 Negociao de conflitos pessoais: eu sou meu inimigo...................... 12
1.3 Posturas adotadas por um negociador ............................................... 14
1.4 O poder e as negociaes .................................................................. 17
1.5 Estilos de negociao ......................................................................... 20
1.5.1 Estilo afirmao ....................................................................... 21
1.5.2 Estilo persuaso ...................................................................... 22
1.5.3 Estilo atrao ........................................................................... 24
1.6 Planejamento de uma negociao ..................................................... 26
1.6.1 Prtica da negociao ............................................................. 27
1.6.1.1 Separando pessoas do problema .................................. 27
1.6.1.2 Concentrando-se nos interesses e no nas posies ... 32
1.6.1.3 Invente opes de ganhos mtuos ................................ 35
1.6.1.4 Insista em critrios objetivos ......................................... 36
1.7 Negociando com pessoas difceis ...................................................... 37
1.7.1 No reaja ................................................................................. 38
1.7.2 Desarme seu oponente ........................................................... 39
1.7.3 Mude o jogo ............................................................................. 40
1.7.4 Facilite o sim ........................................................................... 42
1.8 Fechamento e controle de uma negociao ....................................... 43
2 Negociao em ocorrncias policiais de alta complexidade ............... 44
2.1 O negociador, seu papel e responsabilidades .................................... 44
2.1.1 A coleta de informaes .......................................................... 47
2.1.2 Tcnicas de negociao para otimizar a efetividade
do risco (risk effectiveness) ..................................................... 48
2.1.3 Tcnicas de negociao como parte de uma ao ttica coordenada ............................................................................. 48
2.1.4 Perfil do negociador ................................................................. 49
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2.2 Tcnicas de negociao e seus objetivos .......................................... 54
2.2.1 Objetivos da negociao ......................................................... 55
2.2.2 Poltica governamental ............................................................ 56
2.2.3 Tticas de negociao ............................................................. 60
2.2.4 Sndrome de Estocolmo .......................................................... 66
2.2.5 Indicadores de sucesso da negociao ................................... 72
2.2.6 Anlise do causador da crise................................................... 75
2.2.6.1 Mentalmente perturbado ............................................... 76
2.2.6.1.1 Identificao ........................................................... 77
2.2.6.1.2 Como se deve trabalhar com este causador
da crise? ................................................................. 78
2.2.6.2 Criminalmente motivado ................................................ 78
2.2.6.2.1 Identificao ........................................................... 78
2.2.6.2.2 Como trabalhar no caso descrito? .......................... 78
2.2.6.3 Politicamente provocado ............................................... 78
2.2.6.3.1 Identificao ........................................................... 79
2.2.6.3.2 Como se deve trabalhar neste caso? ..................... 80
2.2.6.4 Ocasional/eventual ........................................................ 80
2.2.6.4.1 Identificao ........................................................... 82
2.2.6.4.2 Como trabalhar a situao do causador eventual/ocasional? .............................................................. 82
2.2.7 Apresentao visual do negociador ......................................... 83
Referncias Bibliogrficas ............................................................................ 85
Dados dos autores ......................................................................................... 87
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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1 NEGOCIAO E SEUS TEOREMAS
1.1 CONCEITOS BSICOS
A negociao a primeira alternativa ttica a ser adotada em uma
ocorrncia com refns localizados, podendo ser aplicada com fim em si
mesma (negociao tcnica) ou trabalhada taticamente com as demais
alternativas tticas (negociao ttica). De maneira didtica, dividimos
esta obra em duas partes, sendo a primeira voltada ao estudo geral da
negociao, seus teoremas e prxis. Na segunda parte direcionamos
nosso estudo para a aplicao da negociao nas ocorrncias policiais de
alta complexidade, buscando aliar ao mximo a teoria com a prtica que
j experimentamos.
Alguns autores trazem o conceito de negociao que, para fins
didticos, apenas os apresentaremos sem tecer comentrios.
Para F. G. Matos (2000), em Negociao gerencial, "negociao
importa em acordo e, assim, pressupe a existncia de afinidades, uma
base comum de interesses que aproxime e leve as pessoas a
conversarem."
Para R. B. Fisher (1989), negociao um processo de
comunicao bilateral, com o objetivo de se chegar a uma deciso
conjunta.
Para F. L. Acuff (1993), em How to negotiate anything with anyone
anywhere around the world, "negociao o processo de comunicao
com o propsito de atingir um acordo agradvel sobre diferentes ideias e
necessidades."
Muitos tm sido os conceitos utilizados para definir o termo
negociao. O dicionrio Aurlio (1986) define como negociar o ato de
manter relaes para concluir tratados ou convnios. Define ainda como
ajustar, permutar, trocar. Esses trs verbos bem resumem todas as
possibilidades buscadas quando se voluntria ou involuntariamente,
iniciamos uma negociao.
A palavra negociao tambm pode ser entendida como o processo
de busca da aceitao de ideias, propsitos ou interesses visando o
melhor resultado possvel, de tal modo que as partes terminem, ao fim do
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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processo, conscientes de que foram ouvidas, tiveram a oportunidade de
apresentar toda a sua argumentao e que o produto final seja melhor do
que a soma das contribuies individuais. Denota-se com base nesse
conceito que para que se configurar uma negociao de fato, torna-se
necessrio um acordo entre as partes. Se numa rodada de conversao
no h acordo, no houve negcio. Logo, no houve negociao.
Segundo Fisher (1989), as pessoas negociam para obterem um
resultado melhor do que obteriam se no negociassem. Assim, para que
haja negociao torna-se necessria a existncia de pelo menos duas
pessoas. Ainda que o objeto da discusso sejam os interesses
corporativos de empresas diferentes, pessoas so imprescindveis para
efetiv-la. Definem-se como negociadores as pessoas envolvidas em
demandas correlacionadas que buscam atravs da comunicao,
motivao e administrao de conflitos o atendimento das necessidades
mtuas.
1.2 NEGOCIAO DE CONFLITOS PESSOAIS: EU SOU MEU
INIMIGO
O ser humano, de certa maneira, sofre influncia do estilo de
socializao vivenciada. A forma como nos portamos diante dos conflitos
da nossa vida reflete, muitas vezes, a maneira como fomos criados,
nossa infncia e vida familiar. Ondino Marcondes (1997) menciona que a
expresso de nossas vontades e desejos bloqueada por mecanismos
psicolgicos cujas causas remontam infncia e so produtos de forte
represso. Afirma que durante o processo de socializao a criana vive
uma situao dolorosa que consiste em abrir mo dos desejos e das
primeiras pulses para atravs dos limites impostos pelo meio saltar da
natureza para a cultura, tornando-se scio da sociedade humana.
Abrir mo da individualidade para encaixar-se no convvio social
uma necessidade. Porm, os mecanismos dessa socializao podem
provocar as mais diferentes reaes nos indivduos submetidos a
conflitos.
Um indivduo que tenha recebido uma educao extremamente
repressora pode vir a se negar com tamanha intensidade que se anular
totalmente em funo da vontade dos outros (o que Freud chama de
castrao social). Dificilmente esse indivduo conseguir expor com
competncia suas ideias, j que nem ele acredita muito nelas. Tem por
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conscincia que as necessidades do meio social no so conciliveis com
seus desejos.
Por outro lado, o contrrio tambm pode ser altamente negativo.
Aquela pessoa educada sem limites, com muita facilidade tentar impor
suas vontades pessoais usando, para isso, at instrumentos de
agressividade.
Os extremos so nocivos s pessoas que se dispem a negociar.
No expor ideias e se submeter completamente vontade dos outros
produz uma frustrao constante, longe do ideal de felicidade que deve
permear a vida humana. Da mesma forma, a agressividade e a imposio
de posturas geraro os impasses que encerraro qualquer forma de
dilogo civilizado. E se no h dilogo, no h negociao.
Pode acontecer de tais sentimentos aflorarem num mesmo ser
humano, dependendo das circunstncias em que estiver envolvido. Quem
no viveu momentos de completa apatia diante de circunstncias
imprevisveis? Ou quem no partiu para a agresso, ainda que verbal,
quando pressionado por um problema difcil? Quem j no teve vontade
de matar uma outra pessoa que foi contra suas ideias e ideais?
Esses dois sentimentos podem se manifestar em ns, em situaes
diferentes, por isso a primeira negociao que deve ser desenvolvida
consigo mesmo. Saber dominar os impulsos interiores durante uma
demanda deve ser uma busca diria do profissional negociador.
O equilbrio deve ser constantemente exercitado para que a
capacidade de expor ideias, administrar fraquezas, conhecer foras,
enfim, para que o desenvolvimento de habilidades para atendimento de
seus objetivos seja continuamente aprimorado.
Marcondes (1997) denomina essas pessoas equilibradas como
assertivas. So aquelas que conseguem realizar essa negociao interna
conciliando seus desejos e motivaes com as possibilidades e limites
impostos pelo meio. So aqueles indivduos que respeitam seus limites e
os dos outros, que so capazes de parar antes de atingir os limites
alheios. Homens e mulheres que se preocupam com o que fica de cada
uma das negociaes e que pretendem, ao fim de um trabalho, conquistar
parceiros e no adversrios. H um componente tico bastante
acentuado nos trabalhos efetuados por essas pessoas que buscam
sempre o ganho mtuo e nunca o ganho pessoal em cima de uma perda
do outro lado. preciso ficar atento, portanto, ao que denomina-se
posturas do negociador, como veremos a seguir.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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1.3 POSTURAS ADOTADAS POR UM NEGOCIADOR
De modo geral, os livros sobre negociao tratam de maneira
enftica as posturas possveis dos negociadores. Postura no pode ser
confundida com tticas. Essas esto relacionadas com a forma de se
atingir os objetivos e interesses dos envolvidos no processo. Aquela se
refere a uma posio com relao a ganhar e perder, em suas mais
variveis possibilidades, principalmente reveladas no desejo interior dos
profissionais envolvidos.
Os negociadores podem adotar, geralmente, quatro posturas em
relao ao seu interlocutor:
a) Postura ganha/perde: trata-se da utilizao de todo o arsenal de
poder para explorar ao mximo as debilidades da outra parte.
Considerando a superioridade de alternativas sua disposio, o
negociador utiliza todas as tticas para tirar o mximo de seu
"adversrio". Esfolar pode ser a palavra de ordem, internalizada pela
pessoa que adota tal postura. Waldroop e Butler (2001) indicam como
um dos doze hbitos que ameaam a carreira de um executivo a ideia
de "atropelar agressivamente as pessoas". Afirmam que pessoas
assim acabam se esbarrando no "objeto real imvel", algo que no se
pode arrancar ou passar por cima. Como no esto dispostas a ceder
ou contornar, acabam sendo derrotadas.
b) Postura perde/ganha: ao contrrio da situao anterior, tal postura
evidencia o descrdito e o desnimo de quem est sentado mesa.
Acreditando no ter poder algum para alcanar seus interesses, no
h qualquer esforo ttico para conseguir algum progresso na
obteno de seus objetivos. No h comunicao saudvel entre as
partes e, ao final dos trabalhos, frustrao o sentimento reinante em
quem adotou tal postura. Os mesmos autores que indicam como um
dos doze hbitos do fracasso profissional o agressivo trator
atropelador, tambm se referem aos que evitam os conflitos como
pessoas fadadas derrota. Os panos quentes, como so apelidados,
tm medo do confronto e abandonam seus interesses fugindo da
tenso natural das negociaes complicadas.
c) Postura perde/perde: caracteriza-se pela intransigncia de ambas as
partes. Os negociadores preferem se ver "no fundo do poo" a ceder
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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em algum ponto. A derrota do outro passa a ser o objetivo principal da
disputa, ainda que os dois se vejam na mesma situao. Raiva parece
ser o sentimento mais comum ao final da demanda. Derrota geral, o
resultado comum. Pirraa tambm um vocabulrio presente nestes
casos. Nos casamentos desfeitos, percebemos que sempre aparecem
este tipo de negociadores. Nos tribunais, os divrcios litigiosos so o
retrato das intransigncias das partes. Os envolvidos preferem ficar
anos disputando pequenos detalhes insignificantes a ced-los, cegos
que esto pelo dio que os motiva.
d) Postura ganha/ganha: parceria define este tipo de postura. evidente
uma constatao interior em cada um dos negociadores de que h
uma relao de interdependncia entre ambos. Todos os lados so
conscientes de que no possvel nem desejvel manter algum
perdendo sempre. H uma pr-disposio para a criao de
alternativas visando o atendimento das necessidades do "outro".
Como diz Marcondes (1997), o melhor indicador desta postura a
quantidade de alternativas criativas que surgiram, atestando o quanto
os negociadores foram capazes de enxergar o outro no como um
adversrio, mas como algum que dispe do outro pedao para a
soluo do problema. Relacionamento o resultado final quando esta
postura se acha presente na mesa de trabalho.
A descrio conceitual de cada uma das posturas revela qual a
mais vantajosa de ser adotada. Mesmo nos casos mais difceis, com
interlocutores mais ferozes, a postura ganha/ganha deve sempre ser
perseguida. Nas aes policiais dirias, a postura ganha/ganha tambm
a melhor alternativa. Ela perfeitamente possvel de ser alcanada, tanto
na soluo dos conflitos entre casais quanto nas ocorrncias de alta
complexidade envolvendo refns.
O conhecimento da postura de seu interlocutor de extrema
importncia para o sucesso da negociao. Se por um lado a adoo da
postura ganha/ganha por parte de todos os envolvidos facilita o processo
e alcana as melhores alternativas, caso a outra parte adote outra
postura, no h motivos para desistir do negcio.
Caso o negociador se depare com um interlocutor do tipo ganha/
perde, basta que tome alguns cuidados, no se expondo com
desconfiana, e tudo pode ser resolvido.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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A respeito deste assunto, extremamente rico o artigo do Professor
J. A. Wanderley, publicado em 20011:
Negocie para ganhar
Todo negociador sempre deve negociar para ganhar, mas h duas formas de
ganhar. A primeira s custas da outra parte. A segunda consiste em chegar a
um acordo em que os interesses relevantes das partes sejam atendidos. Quem
procura ganhar s custas do outro, costuma seguir o lema de Ashleigh Brilliant:
Eu sempre ganho. Voc sempre perde. Poderia haver coisa mais justa do que
isso? Quem adota a segunda maneira de ganhar considera que s h bom
negcio quando ambas as partes ganham. Faz uma pequena alterao no
lema de Ashleigh Brilliant, mas que provoca uma alterao radical no seu
sentido: Eu sempre ganho. Voc sempre ganha. Poderia haver coisa mais
justa do que isso? Esta a negociao eficaz, ou seja, a negociao ganha/
ganha. E, nos dias de hoje, com a maior interdependncia entre pessoas,
empresas e instituies, a busca de parcerias, a terceirizao e outras formas
conjuntas de se obter qualidade e produtividade, a negociao eficaz no
somente uma boa idia, mas, sobretudo, uma necessidade.
O que o ganha/ganha? Portanto, preciso que compreendamos algumas
coisas sobre o ganha/ganha, a fim de evitarmos alguns desvios que so
cometidos com muita assiduidade. Inicialmente, devemos ter em conta que o
ganha/ganha ocorre dentro das condies reais e possveis, e no dentro de
condies ideais e inexistentes. Assim, ganha/ganha pode obter o menor
prejuzo possvel, em situaes que so profundamente adversas. Deve-se
sempre buscar o melhor, mas o melhor exequvel.
Igualmente, deve-se ter presente que o bom negociador tem expectativa,
normas e padres de desempenho elevados e, na pior das hipteses, no faz
acordos de que venha a se arrepender. Assim, no resta a menor dvida de
que para isto necessrio muita competncia. E um dos riscos em relao ao
ganha/ganha a sua compreenso ingnua de que se deve ser bonzinho.
Em negociao, ingenuidade significa incompetncia.
Existem alguns princpios que devem ser seguidos pelos negociadores
eficazes na busca do ganha/ganha. Um dos mais importantes o de que o
problema do outro no s problema do outro. Assim, os negociadores agem
como se fossem solucionadores de problemas comuns, sendo a palavra
problema entendida na sua forma mais ampla, compreendendo desde conflitos
e antagonismos, at ganhos a serem auferidos conjuntamente. Desta forma, a
expresso cada um por si no tem espao e, no faz o menor sentido.
O fato que o negociador eficaz , acima de tudo, um negociador competente
e, entre as expresses desta competncia, est a capacidade de atuar com
desenvoltura frente aos negociadores ganha/perde. Para tanto, preciso, entre
outras coisas, conhecer como agem os negociadores ganha/perde. Se voc
______________________________
1 Consultor do Instituto MVC e autor do livro Negociao total.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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no puder identificar e se sair bem face a um negociador ganha/perde, voc,
com toda a certeza, se encontrar em apuros em muitas oportunidades. Surge,
portanto, uma questo de capital importncia. Voc sabe como identificar um
negociador ganha/perde? Bem, um negociador ganha/perde pode ser
identificado porque se utiliza e tem um vasto repertrio daquilo que
designamos por tticas sujas. Existem duas categorias de tticas sujas que
so as falcatruas e as fragilizaes do estado mental. As falcatruas se
constituem em vrias formas de mentiras, dados falsos e informaes
distorcidas, sendo que, no resta a menor dvida, uma forma extremamente
poderosa de mentira a baseada em dados numricos e estatsticas. Segundo
Benjamin Disraeli, primeiro-ministro britnico no tempo da rainha Vitria, h
trs espcies de mentiras: mentiras, mentiras descaradas e estatsticas. Existe
at um livro a este respeito, escrito por Darrell Huff, com o sugestivo ttulo:
Como mentir com estatsticas. As tticas de fragilizao do estado mental
objetivam abalar o ego do outro negociador, minar a sua confiana, causar-lhe
estresse ou provocar expectativas absolutamente irrealistas. Existem muitas
delas, tais como, agredir, debochar e provocar sentimentos de culpa. Todas
essas tticas so tticas construdas de tal modo que s um lado acaba
fazendo concesses reais. O negociador ganha/perde, algumas vezes segue a
1 Lei de Roger que no pecar contra o 11 mandamento. Isto , no ser
pego. Assim, age mais na base do lobo com pele de cordeiro. Outras vezes,
quando acredita que o outro lado no tenha poder de reao, coloca as unhas
de fora, fazendo ameaas e coisas no gnero.
1.4 O PODER E AS NEGOCIAES
Uma das questes mais importantes na arte de negociar est na
correta avaliao do poder de cada negociador. O poder a capacidade
que cada um tem de gerar um maior nmero de alternativas para alcanar
seus interesses. Essa capacidade est relacionada com variveis as mais
diferentes, a saber:
a) O tempo: uma importante fonte de poder para uma negociao.
Quanto maior for o prazo que voc tem para negociar e encontrar
uma soluo, maior poder voc tem, maior nmero de alternativas
podem ser apresentadas na mesa de trabalho.
Analisando o que ocorre numa ocorrncia com refns, verificamos
que a questo do tempo um importante aliado dos negociadores
policiais. Quanto maior for o tempo gasto na conversao, maior a
probabilidade do desenvolvimento da Sndrome de Estocolmo,
consequentemente, menor a probabilidade de violncia contra os
refns. No podemos nos esquecer tambm que, normalmente, o Grupo
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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de Aes Tticas Especiais (GATE) leva, no mnimo, de vinte a trinta
minutos para chegar com as equipes aos locais de crise e gasta mais
vinte ou trinta minutos para instalar o posto de comando, posicionar o
sniper, etc. O tempo neste caso gera poder para a Polcia, est a nosso
favor.
Por outro lado, no gerenciamento de uma manifestao pblica
numa rodovia importante, por exemplo, o tempo atua contra a polcia, j
que quanto mais tempo os manifestantes permanecerem na pista, maior
ser o caos provocado na ordem pblica. A soluo parlamentada deve
ser buscada com urgncia e neste caso no sero muitas as alternativas
viveis de acordo.
Reilly (1997) aconselha que se voc precisa urgentemente de uma
coisa hoje, compre-a amanh. O conselho claro, d uma dica de como
voc pode ser esfolado se seu interlocutor souber da urgncia que te
impulsiona. Ilustrando a importncia dos prazos, esse autor cita a ttica
usada pelos japoneses numa negociao internacional: ao receberem o
representante da empresa no Japo, a primeira coisa que perguntaram
era at quando permaneceria naquele pas. Como o negociador disse que
ficaria por cinco dias, elaboraram uma extensa programao de visitas s
fbricas, jantares, palestras e apresentaes formais. Finalmente, no
ltimo dia, no dia do voo, comearam as negociaes. Qual foi o
resultado? O negociador teve que fazer vrias concesses! Como ele
explicaria empresa, cinco dias no Japo, em hotel cinco estrelas, com
uma diria carssima e no apresentar qualquer trabalho concreto?
O tempo sempre ser uma importante fonte de poder para um dos
lados do processo. A parte com menos poder, sempre estar negociando
contra seus prprios prazos.
b) A necessidade: tambm uma importante fonte de poder em uma
negociao! O mundo inteiro est sofrendo com as ameaas de uma
guerra bacteriolgica (acreditamos que a gripe suna foi um teste de
tal guerra). A demanda por mscaras contra gs vem crescendo em
todo planeta. Outro dia vi na televiso que um empresrio brasileiro
havia quadruplicado seu faturamento em virtude da necessidade
mundial pelo seu produto. Voc no tem muitas alternativas quando
realmente precisa de alguma coisa. Ou paga o preo pedido ou no
consegue satisfazer sua necessidade. No assim que acontece
quando cortamos a alimentao e a gua dos tomadores de refns?
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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medida que essas necessidades bsicas do ser humano
aumentam nos rebelados, no diminuem as exigncias absurdas e
no aumentam as alternativas de um acordo melhor?
Houve uma poca no Brasil em que um carro usado custava mais do
que um novo! Tudo porque a necessidade, aliada incapacidade
das montadoras em abastecer o mercado, tudo em meio a um plano
econmico falido, davam poder aos vendedores de veculos a
exigirem preos abusivos por seus produtos. A correta avaliao das
necessidades dos envolvidos no processo indicar a melhor ttica e
o melhor estilo de negociao a ser implementado.
c) O desejo: uma importante varivel na avaliao do poder de
negociao. A intensidade do desejo em relao aos interesses
decidir quem detm maior poder na "conversa". Imagine que voc
sempre sonhou em comprar um veculo X-5 da BMW. Durante anos
poupou todos os recursos possveis e agora j detm o dinheiro
necessrio. Esse tipo de veculo no fcil de encontrar, portanto,
ao ver um anncio no jornal voc imediatamente telefona e marca
um encontro. Ao se deparar com o modelo voc se apaixona e
demonstra isso. Que tipo de avaliao o dono do carro far? Ser
que ele vai fazer muitas concesses, sabendo de sua paixo pelo
veculo? Claro que no. Neste caso, o poder pende para o lado dele.
d) Informaes: quanto mais se tem conhecimento sobre o "outro
lado" maior a capacidade de gerao de alternativas. Conhecer as
motivaes e as intenes da outra parte permite definir quais
argumentos devem ser enfatizados e quais devem ser desprezados.
Permite identificar blefes e mentiras e desarticul-las durante o
processo. Reilly (1997) enfatiza que a informao a arma mais
poderosa de qualquer negociador. Ele enumera trs categorias de
informao: sobre o outro negociador, sobre a sua posio e sobre a
posio e a percepo do outro negociador.
Durante o processo de negociao, a manuteno da qualidade das
informaes deve ser perseguida. Se foi feita alguma colocao ou
exigncia pela outra parte, deve-se sempre perguntar o porqu, pedir
uma explicao para tal argumento. Isso vai manter-lhe informado e
obrigar a outra parte a justificar suas posies.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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claro que a administrao dessas informaes ser o principal
instrumento para o sucesso almejado. De nada adianta possuir dados se
no se trabalha corretamente com eles.
No livro Como vejo a crise: gerenciamento de ocorrncias policiais
de alta complexidade foram elencados alguns itens importantes,
meramente exemplificativos e no exaustivos, sobre quais informaes
devem ser colhidas acerca do causador, da vtima e da estrutura fsica do
local onde est ocorrendo a crise. Sugerimos uma rpida leitura como
forma de complementar este estudo.
1.5 ESTILOS DE NEGOCIAO
No entender de Gilles Amado (1997), negociar saber adaptar-se
ao ambiente. Essa afirmao relaciona-se evoluo e s mudanas
naturais dentro de um processo de ajuste de interesses. Se neste
processo ningum est disposto a mudar posies, bvio que no
haver acordo.
Saber fazer uma leitura correta do ambiente de uma negociao
levar ao correto diagnstico do poder, dos interesses, das motivaes e,
inclusive, dos temores e das tticas usadas pelo interlocutor. Tal
diagnstico ser fundamental para a definio das tticas de
comunicao entre as partes, visando o alcance de seus interesses.
Considerando que o processo de ajuste se desenvolve atravs da
comunicao, algumas habilidades devem ser perseguidas:
Saber demonstrar seu poder;
Administrar suas fraquezas (saber omiti-las ou domin-las);
Apresentar argumentos de forma diferenciada de acordo com as
caractersticas comportamentais do outro negociador;
Desenvolver comportamentos que gerem confiana, evitando
aqueles que demonstrem o contrrio;
Saber ouvir, prestar ateno. melhor ser um bom ouvinte do
que um bom falante;
Criar um clima de cooperao entre as partes;
Buscar o aumento de seu grau de flexibilidade (capacidade de se
colocar no lugar do outro).
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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Vrias so as denominaes utilizadas pelos doutores no assunto
para identificar os vrios estilos de negociao. Para fins didticos foram
escolhidos dois. O de Marcondes (1997) e o de Fisher, Ury e Patton
(1994).
Marcondes identifica quatro estilos sendo dois focalizados no
contedo e nos interesses em jogo e dois focalizados nos aspectos
pessoais e relacionais dos negociadores. So os estilos focalizados no
contedo:
1.5.1 ESTILO AFIRMAO
No estilo afirmao o negociador alcana seus objetivos usando
assertividade. Os comportamentos tpicos so:
Ser transparente em seus interesses e expectativas;
Colocar suas condies para negociar;
Emitir julgamentos de valor sobre a outra parte;
Explicitar as consequncias positivas e negativas para o outro.
A principal caracterstica deste estilo a transparncia fazendo
presso sobre o outro. A verbalizao geralmente semelhante s
seguintes colocaes:
A minha posio neste caso a seguinte: ...
Penso que voc no est sendo razovel.
Caso voc faa isso, acontecer isso: ...
Os perigos deste estilo, segundo Marcondes, so os
comportamentos de indefinio e imposio. Seriam os extremos na
utilizao deste estilo. Se o negociador no tem objetivos pr-
estabelecidos ou no consegue explicit-los, pode pr tudo a perder
porque pode se colocar na defensiva se autoagredindo, ao no atingir
seus objetivos. Seria a indefinio.
Por outro lado, o excesso pode levar imposio, ou seja, usar de
ameaas e julgamentos agressivos que levam a outra parte "paralisia".
Colocaes como "isso um absurdo", "voc desigual" ou "isso tem que
ser assim!" dificultam a argumentao da outra parte porque so juzos
pessoais definitivos. O resultado pode ser o fechamento de portas para
um acordo ou um acordo injusto que inviabilizar a manuteno dos
relacionamentos.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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ESTILO AFIRMAO
Comportamentos
Adoo de objetivos
alheios
Apesar de possuir
objetivos claros, no
os tornam explcitos
Afirmao
Nvel timo
Imposio
Destruio por excesso
Indefinio
Destruio por falta
Avaliao e julgamentos
oportunos
Expectativas claras
Julgamentos (elogios/
crticas)
Transparncia
Credibilidade e
justia
Probabilidade de
sucesso mtuo
Consequncias
Comportamentos Comportamentos
Avaliaes e
ameaas
paralisadoras
Posies fechadas
e intransigentes
Consequncias Consequncias
Falta de
comunicao
dos interesses
Fraquesa e
autoagresso
Prejuzo
Agressividade e
injustia
Obstruo da
negociao
Prejuzo
O esquema a seguir ilustra o estilo afirmao:
1.5.2 ESTILO PERSUASO
Outro estilo focalizado no contedo e no alcance dos objetivos o
estilo que Marcondes denomina de persuaso. Este estilo caracteriza-se
pelo uso de informao e raciocnio no alcance dos objetivos.
Os comportamentos tpicos desse estilo so: fazer sugestes,
apresentar propostas, argumentar e justificar posies a partir de dados,
fatos ou casos. Um exemplo seria dizer: Considerando que as
estatsticas demonstram um aumento no nmero de assaltos na regio,
proponho uma operao presena ininterrupta.
As propostas so sempre embasadas em argumentos fticos. O
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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problema quando o negociador no est devidamente preparado e
utiliza de argumentos inconsistentes e vazios. Suas propostas so
injustificveis e o debate passa a ser pobre e, s vezes, desconexo. a
negociao inconsistente.
O outro extremo ocorre quando atravs de colocaes rebuscadas,
que objetivam armadilhas, sem uma proposta final, o quadro no evolui
para a negociao produtiva e caracterizado pela rigidez. Podemos
representar este estilo assim:
ESTILO PERSUASO
Comportamento
Nvel timo RgidoInconsistente
Consequncias
Comportamento Comportamento
Consequncias Consequncias
Propostas
apresentadas e no
justificadas
Dados fora do
assunto, perifricos e
incorretos
Propostas
embasadas com
competncia
Sugestes viveis
Argumentos ricos
Argumentos como
armadilhas
Eloquncia frvola
sem propostas
concretas
Debilidade
Inadequao
Disperso
Riqueza de
alternativas
Ponderao
Possibilidade de
anlise
Esterilidade
Improdutividade
Enfretamento
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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Os outros dois estilos denominados ligao e atrao centralizam
seu foco nos aspectos pessoais e relacionais dos negociadores. No estilo
ligao, usa-se a empatia para compreender os objetivos do outro. Os
comportamentos tpicos so:
Demonstrar apoio ao outro;
Pedir sugestes e opinies ao outro;
Escutar com ateno;
Dar importncia s colocaes e sentimentos do outro;
Checar se compreendeu as posies do outro;
Procurar pontos de acordo.
Exemplos de falas utilizadas so:
Deixe-me ver se compreendi sua posio.
Nossas posies coincidem nisso: ...
Gostaria de ouvir sua opinio.
Os desvios deste estilo so o egosmo e o altrusmo. No egosmo, o
negociador demonstra impacincia em ouvir o outro ou escuta-o somente
para buscar argumentos que sustentem sua prpria posio. Na verdade
o foco no est no outro, mas em si prprio.
1.5.3 ESTILO ATRAO
O estilo atrao caracteriza-se pelo envolvimento do outro
negociador. Os comportamentos comuns so:
Estimular e motivar o outro;
Elevar o moral;
Influenciar o outro a partir de seu prprio comportamento;
Reconhecer os prprios erros e limitaes;
Enfatizar qualidades e atributos do outro.
So utilizadas expresses do tipo:
Preciso de um conselho seu... como posso resolver isso?
Tenho certeza de que voc capaz de resolver isso!
A situao difcil, mas vamos aprender com ela.
Os desvios deste estilo, segundo Marcondes, so a frieza e a
seduo. A frieza ocorre quando no h autenticidade na relao e o
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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negociador acredita que expor suas prprias deficincias constitui uma
fraqueza. J a seduo se verifica quando utiliza a prpria exposio com
fins adominar o outro. Este estilo assim se representa:
Esses so os estilos de negociao mencionados por Marcondes. O
conhecimento desses estilos possibilita uma perfeita adaptao ao
ambiente, no s corrigindo posturas pessoais equivocadas como
tambm identificando desvios por parte do interlocutor. Tudo buscando a
construo de uma negociao que atenda aos interesses de todos.
ESTILO ATRAO
Comportamento
Nvel timo SeduoFrieza
Consequncias
Comportamento Comportamento
Consequncias Consequncias
Distncia
Indiferena
Desconfiana
Estmulos
Motivao
Reconhecimento de
erros
Foco nos atributos e
qualidades do outro
Reconhecimento de
falhas inexistentes
Elogios insinceros
Destaques positivos
ilusrios
Isolamento
Apatia
Indiferena
Autenticidade
Energia
Segurana
Falsidade
Manipulao
Descrena
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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1.6 PLANEJAMENTO DE UMA NEGOCIAO
Uma negociao, como j vimos, um processo. Processos ocorrem
no tempo e dependem de planejamento, execuo e controle, como
qualquer atividade administrativa. Isso deve ser mentalizado, absorvido e
conscientizado por todas as pessoas que almejam o ttulo de negociador.
A primeira fase de uma negociao o planejamento. Esta fase
comea com a reunio do maior nmero de informaes possveis sobre
o panorama geral da negociao. Isso quer dizer que deve-se estar bem
claro qual o objeto da discusso, quais so os interesses em jogo,
quem o outro negociador, quais so as suas posies e interesses, qual
o seu nvel de autoridade e deciso e quais so os interesses
adjacentes.
Quando se tem a possibilidade de prever as demandas, tudo se
torna mais fcil. Basta colocar o sistema de informaes em campo e
obter respostas para cada uma das questes mencionadas. Ocorre que,
nas ocorrncias policiais, isso nem sempre possvel. Nem por isso, a
coleta desses dados pode ser desprezada e tcnicas de conversao
devem ser utilizadas para consegui-las. Sugerimos alguns passos para
um bom planejamento de sua negociao:
Avalie o interlocutor: voc est negociando com a pessoa certa?
Essa pessoa tem realmente autoridade para decidir a questo? Essa
pessoa tem capacidade para entender a comunicao utilizada e
apreciar uma boa proposta? Quais so os reais interesses dessa
pessoa? As respostas dessas perguntas iro permitir uma deciso
segura quanto s tticas a serem adotas na mesa de trabalho. Se a
pessoa no tem qualificao ideal para decidir, a ela no devem ser
reveladas, por exemplo, informaes importantes sobre a questo,
principalmente a totalidade de seus interesses. Segundo Marcondes,
essa pessoa pode confundir franqueza com fraqueza e tentar utilizar
artifcios antiticos.
Avalie seu grau de assertividade: assertividade a capacidade de
expressar exatamente o que se deseja. ser capaz de dizer sim e
no, sem se deixar levar pelas presses, manipulaes ou
estratgias do outro. Quem j no foi visitado por um vendedor
habilidoso que, com uma conversa gil e bem colocada,
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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praticamente "nos obrigou" a ficar com uma enciclopdia, uma cota
de clube, etc. Para que voc tenha tranquilidade para negociar, voc
deve saber exatamente o que voc quer e quais so seus objetivos.
Todo negociador, como j vimos, tem poder. preciso saber sua
medida exata. No subestim-lo nem superestim-lo. Contudo,
poder sem assertividade, afirma Marcondes, no se sustenta por
muito tempo. preciso dominar-se e saber expressar essa
confiana. preciso se conhecer. Planeje seus argumentos e linhas
de raciocnio com antecedncia.
Organize suas informaes: se for possvel, escreva cada uma das
respostas das perguntas acima. Principalmente quais so seus reais
interesses. Escrev-los ajudar a no perd-los de vista, quando for
pressionado na mesa de trabalho. Se houver um auxiliar, ensine-o a
manusear as informaes e permanecer em condies de repass-
las quando necessrio. Treine-o tambm a anotar as informaes
importantes surgidas durante o processo denominado execuo da
negociao.
1.6.1 PRTICA DA NEGOCIAO
Vrias so as tticas de negociao, variando segundo o estilo
adotado por cada negociador. Para fins didticos, apresentaremos as
tticas segundo o modelo de negociao por mritos, descritos por
Fisher, Ury e Patthon. Desde j sugerimos a leitura da obras completas,
Como chegar ao sim e Supere o no negociando com pessoas difceis,
nas quais baseamos os conceitos e tticas abaixo resumidas.
Separe as pessoas do problema;
Concentre-se nos interesses, no nas posies;
Invente opes de ganhos mtuos;
Insista em critrios objetivos.
1.6.1.1 Separando pessoas do problema
Pessoas so sujeitas a emoes e sentimentos. Numa negociao
possvel que pessoas fiquem nervosas, irritadas e at agressivas. O
contrrio tambm possvel. Pessoas podem ficar apticas, distradas e
com medo. Qualquer desses sentimentos podem ser prejudiciais a um
acordo, seja de que lado ele se manifestar. Se voc estiver com raiva
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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diante de uma ameaa de seu interlocutor, poder pr tudo a perder. Se
ficar com medo, poder suportar grande prejuzo fazendo concesses
desnecessrias.
O ideal de uma demanda sempre que todos os lados ganhem. A
postura ganha/ganha deve permear todo e qualquer processo de
negociao. Isso importante para a manuteno dos relacionamentos
visando futuros encontros. Ningum que hoje negocia com um tomador de
refns em um presdio pode afirmar que esse ser o ltimo encontro. At
com este tipo de oponente interessante a manuteno de uma relao de
confiana, pois, caso contrrio, na prxima vez que tiver que estabelecer
um novo processo de negociao com ele (outra rebelio) ir faltar
credibilidade e aceitabilidade.
Assim, fundamental que a relao de trabalho seja fundamentada
em percepes exatas, comunicao clara, emoes apropriadas e numa
viso de futuro. preciso conhecer o pensamento do outro lado, com
clareza e objetividade. Para isso:
Ponha-se no lugar do outro (empatia): caso os conflitos de uma
negociao sejam as diferenas entre o seu pensamento e o
pensamento da outra parte, colocar-se no lugar da outra pessoa ir
ajud-lo a entender e formular propostas competentes. O modo de ver
as coisas depende do ponto onde cada um est. Alm disso, todos
tendem a ver o que querem ver. Se voc fizer um discurso sobre
qualquer assunto, as pessoas vo se ater somente naquelas partes
que se identificam com o ponto de vista delas. O resto naturalmente
descartado. Na negociao tambm assim. Cada um s v os
mritos de sua situao. S v o seu lado.
Considerar as percepes do outro ser altamente benfico para a
soluo das arestas de uma demanda. Os mencionados autores
apresentam o quadro abaixo como uma comparao das diferentes
percepes das pessoas quando discutem, por exemplo, um aluguel, na
prxima pgina;
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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interessante notar como a tica das pessoas muda conforme a
posio de cada uma delas. Na situao acima podemos com justia
determinar quem est com a razo? Parece-nos improvvel. Por isso
bastante interessante colocar-se no lugar do outro para compreend-lo.
Compreender no quer dizer aceitar, mas facilita uma reviso das
prprias opinies sobre os mritos da questo em jogo e permite a
reduo das diferenas e reas de conflito.
Discuta as percepes de cada um: a soluo para isso est na
transparncia. preciso discutir com clareza como cada um v o
problema. Mostrar os pontos de acordo ou aquelas percepes que
no incomodam o outro lado um importante investimento para
facilitar o entendimento e a soluo das diferenas.
Surpreenda sempre que possvel: o ambiente em que se passa a
negociao pode ser tenso e desconfiado. As reaes tendem a ser
previsveis. Dar passos que contrariem essa previsibilidade
Percepes do inquilino Percepes do proprietrio
O aluguel est alto demais. O aluguel no aumentado h muito tempo.
Com o aumento dos preos das outras coisas, no posso pagar mais.
Com a elevao dos preos das outras coisas, preciso de uma renda maior no aluguel.
Sei que as pessoas pagam menos por um apartamento igual a esse.
Sei que as pessoas pagam mais por um apartamento igual a esse.
O aluguel deveria ser baixo porque a vizinhana ruim.
Ns, locadores, deveramos elevar os aluguis para melhorar a qualidade da vizinhana.
Sempre pago o aluguel quando ele me pede.
Ele nunca paga o aluguel enquanto eu no pedir.
O proprietrio uma pessoa fria e distante.
Sou uma pessoa discreta. No intrometo na vida dos inquilinos.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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benfico ao processo de busca do acordo. Quando chegar a uma
ocorrncia com manifestantes desconfiados, trate-lhes com cortesia
e deferncia e perceba como a abertura a uma soluo pacfica
parecer mais prxima. As pessoas ainda esperam uma polcia
truculenta para resolver esse tipo de problema.
Salve as aparncias: torne as propostas compatveis com os
valores do outro. Muitas vezes numa negociao, as pessoas
continuam a resistir no porque a proposta seja inaceitvel, mas
porque querem evitar o sentimento ou aparncia de estarem se
curvando ao outro lado. Salvar as aparncias envolve a conciliao
de um acordo parecendo ser a vontade do interlocutor.
Reconhea suas emoes e as do seu interlocutor: negociao
envolve emoes, como medo, tenso, angstia, raiva, frustrao,
ansiedade, irritao e muitas outras. Tanto do seu lado como do
outro. Reconhecer, pensar e meditar sobre elas diminuir sua
influncia. Pergunte-se: Porque estou sentindo isso? Qual a razo
desse medo? Dessa raiva? Fazendo isso elas interferiro menos e
sero dominadas em vez de dominar. Conversar sobre os
sentimentos do outro lado tambm pode evitar que eles interfiram no
trabalho.
Deixe que o outro lado desabafe: em muitos casos, a raiva e o
medo da outra pessoa ser verbalizado em ataques pessoais ou
mesmo desabafos. No permita que isso inviabilize o trabalho.
Concentre-se nos interesses e no nas queixas pessoais. No reaja
a exploses emocionais e permanea centrado nos objetivos que
voc persegue.
Pea desculpas quando errar: o efeito ser semelhante a
surpreender seu oponente com reaes inesperadas.
Outro aspecto fundamental a ser observado o que se refere
comunicao entre as partes. Sem comunicao, no h negociao.
Apesar do assunto j ter sido tratado em matria prpria, vale a pena
relembrar alguns princpios importantes:
Oua com ateno: ouvir no escutar. Escutar se ater s partes
dos argumentos do outro que voc no concorda e se preparar para
rebat-los enquanto o outro ainda fala. Ouvir compreender os
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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interesses da outra pessoa e internaliz-los. Recomenda-se que se
faa pequenas interrupes tais como "Deixe-me ver se entendi
direito... voc est dizendo que..." Tal atitude demonstrar interesse
nos objetivos do outro e facilitar a comunicao. Do contrrio,
acontece o crculo vicioso: ele argumenta, voc contra argumenta
em cima de pontos aleatrios. Supondo que voc no o entendeu,
ele torna a argumentar de modo diferente. Voc reformula sua contra
argumentao. Fica parecendo cachorro tentando morder o prprio
rabo e os trabalhos no rendem.
Fale com clareza: seja objetivo tanto para mostrar que entendeu os
interesses de seu interlocutor como para falar de seus pontos de
vista. Tente reformular os argumentos do outro melhor que ele
mesmo. Isso pode melhorar a comunicao e abrir espao para um
entendimento. Busque solues dentro dos interesses e no das
posies. Negociao no debate. O objetivo no convencer o
outro sobre quem est com a razo. O prmio o alcance dos
interesses mtuos.
Fale sobre voc mesmo e no sobre o outro: declare opinies
sobre os argumentos dentro do impacto sobre voc mesmo. Diga
"sinto-me desapontado" em vez de "voc quebrou sua palavra", diga
"sinto-me ludibriado" em vez de "voc foi desonesto". Contradizer um
ataque fcil. Questionar um sentimento seu muito mais difcil.
Tenha um objetivo ao falar: falar muito nem sempre sinnimo de
ser entendido. Antes de falar, pense nas consequncias de sua fala.
Corrija com tranquilidade quando o outro desvirtuar sua
comunicao. Diga-lhe, por exemplo: "acho que voc no me
entendeu direito" ou "desculpe-me, parece que no me fiz entender
corretamente..."
Enfrente o problema, no as pessoas: seu interlocutor no seu
adversrio. Se isso no puder ser assimilado, o processo no
deslanchar. Mesmo que o relacionamento no seja o desejvel,
importante que fique claro que se os problemas e interesses no
forem tratados como sendo responsabilidade de ambos, no haver
acordo. importante que isso fique claro: "A menos que tentemos
satisfazer os seus interesses, improvvel que cheguemos a um
acordo que satisfaa os meus. Busquemos a soluo juntos."
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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1.6.1.2 Concentrando-se nos interesses e no nas posies
Fisher e seus companheiros, quando iniciam seus comentrios sobre
essa ttica, comentam sobre dois homens numa biblioteca. Um deles
quer a janela aberta e o outro a quer fechada. Ficam ambos a discutir
acerca de quanto a janela tem de ficar aberta... Dois teros, uma fresta e
no chegam a lugar nenhum. A bibliotecria chega e pergunta qual o
problema. Cada um argumenta: "Quero ela aberta para entrar um pouco
de ar..."; o outro diz: "Quero ela fechada para que no entre corrente de
ar." A bibliotecria fecha aquela janela e abre outra em um aposento ao
lado permitindo a entrada de ar sem correnteza.
Esse o grande ideal da negociao por mritos. No interessa as
posies e sim os objetivos. So os interesses que definem o problema e
no as posies. A conciliao dos interesses, em vez das posies,
funciona porque para cada interesse h vrias posies para satisfaz-
lo... Alm disso, atrs de posies opostas h vrios interesses que
podem ser compatveis. Veja este exemplo:
Duas irms brigavam por uma laranja. A primeira posiciona-se
dizendo que a laranja era sua porque a ltima tinha sido da irm. A outra
diz que ela tinha pegado primeiro. A primeira argumentava que estava
guardando, a outra dizia que s porque se interessou, a irm implicava. A
me vendo isso tomou a deciso salomnica: partiu a laranja em duas e
entregou para cada uma a sua metade. A primeira usou as raspas da
casca para fazer um bolo. A segunda chupou o caldo! Se os interesses e
no as posies estivessem sendo discutidas, no haveria qualquer
problema para o acordo!
Como identificar os interesses?
Pergunte por qu? Se a liderana de um movimento
reivindicatrio deseja interromper uma estrada, pergunte quais
so seus reais objetivos. Chamar a ateno da opinio pblica
para a necessidade de uma passarela para evitar atropelamentos
pode ser um objetivo justo. Voc como comandante pode propor
chamar a imprensa e enquanto esta no chega, manter a via
liberada. Quando a imprensa chegar, pode estipular um prazo
para que a via fique interrompida enquanto a mdia cobre a
manifestao. Voc focalizou o objetivo do movimento (conseguir
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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mobilizar a opinio pblica) e no sua posio (interromper a
rodovia).
Pergunte por que no? Se mesmo com essa proposta no houver
acordo, pergunte a si mesmo e se no achar a resposta, pergunte
liderana o porqu no. Poder haver interesses obscuros que
servem de obstculo. Se no caso mencionado tiver um lder que
deseja ser vereador no bairro, um confronto com a polcia pode
favorec-lo como "lutador pelo povo". A passarela um dos
objetivos, mas o reconhecimento tambm o . Alis, as
necessidades bsicas do ser humano so os objetivos mais
poderosos que existem. Maslow elencou as seguintes
necessidades humanas como sendo vitais:
1. Segurana;
2. Bem-estar econmico;
3. Posses;
4. Reconhecimento;
5. Controle sobre a prpria vida.
Imagine que Bill Gates visita a feira de artesanato de Belo Horizonte.
Um arteso, que possui a nica barraca de peas de palha da avenida,
recebe a visita do milionrio que fica impressionado com seus trabalhos.
Comea a negociao para que o arteso baixe os preos e esse no
abre mo de um centavo sequer. Ele tem o poder de ser o nico a fazer
aquelas peas na feira e cr na possibilidade de que entre as centenas de
milhares de pessoas que passarem por sua barraca, haver sempre
quem pague o preo que considera justo. Por isso, no muda sua posio
de maneira alguma. Ocorre que um arteso da barraca ao lado informa
ao colega quem a pessoa com quem est a negociar: Bill Gates, um
dos homens mais ricos e famosos do mundo. Pensando no
reconhecimento, nas possibilidades que lhe abriro se souberem que no
acervo de Bill Gates tem uma obra sua, o arteso muda sua postura e
chega a um acordo que atenda aos interesses de ambos.
Reconhea os interesses do outro como parte do problema. As
pessoas ouvem melhor quando voc realmente as compreende.
Isso as faz pensar em voc como uma pessoa inteligente e
solidria abrindo oportunidade para atendimento dos interesses
comuns. Por trs de uma ao, sempre h uma inteno e essa
o suporte para a iniciativa do negociador de sucesso.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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Coloque o problema antes de oferecer a soluo. uma questo
de lgica. Se voc iniciar uma locuo discorrendo sobre uma
proposta, antes de falar do problema, a outra parte ficar atenta
apenas para saber onde se quer chegar e a respeito de que
interesse voc est falando. No tentar compreender. Se por
outro lado voc comear falando do problema, demonstrando que
conhece os interesses dele e depois apresentar a soluo, obter
a ateno necessria e possivelmente a abertura para a soluo.
No perca tempo com o passado. Fale do futuro. Trocar
acusaes sobre acontecimentos passados muito comum nas
negociaes. Em movimentos reivindicatrios principalmente.
Durante as reunies com sindicalistas, eles sempre se reportam
s aes coercitivas do passado, praticadas pela PM. Quando a
conversa vira jogo de acusaes sobre o que passou, o melhor
dizer: Bom, isso coisa do passado e estamos aqui para
construir algo novo para o futuro. Algo que atenda nossos
interesses! E recomear o assunto focando nos objetivos de
ambas as partes.
Seja rigoroso com o problema e afvel com as pessoas.
aconselhvel ser rigoroso com seus interesses. Negociao no
obra de caridade. A diferena que as energias devem ser
focadas nos objetivos e no nas pessoas. Dois negociadores,
ambos fazendo presso por seus interesses, estimulam a
criatividade um do outro na concepo de opes de acordos
com vantagens mtuas. Diferentemente disso, se os esforos
tiverem direo para as pessoas, a comunicao pode ser
interrompida pelas agresses comuns a esta postura. Empenhar-
se com rigor para atingir seus interesses aumenta a presso no
sentido de se encontrar uma soluo. Estar atento ao interesse e
tratar bem ao outro aprimora relacionamentos e aumenta a
probabilidade de um acordo. Para ser afvel com as pessoas
durante um momento de presso, acusaes ou ameaas, pode
ser usada a tcnica de "denunciar o jogo". Consiste em perguntar
ao outro, por exemplo: "Por que voc est ficando nervoso? No
creio que haja necessidade disso." Seja sempre corts. Firmeza
no quer dizer prepotncia nem arrogncia. Ajuda a focar no
problema, ajuda a manter relacionamentos.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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1.6.1.3 Invente opes de ganhos mtuos
A habilidade de inventar opes um dos maiores talentos do bom
negociador. Contudo, por mais profcua que seja contar com muitas
opes de escolha, poucos negociadores utilizam deste exerccio. Na
maioria das vezes, as pessoas vo para a mesa de negociao com a
certeza que tem a resposta certa e definitiva. Assim, se recusam a pensar
em outras alternativas para atender seus interesses. Outro motivo que o
vcio de se ater a posies cega a capacidade de mud-las, dificultando o
alcance dos objetivos.
importante ter em mente que a melhor negociao no aquela
que diminui a diferena entre o pensamento entre duas pessoas, mas
aquela que troca esses pensamentos por outros que atendam a um maior
nmero de objetivos das duas partes. Algumas dicas para se fazer isso:
Faa uma sesso de sugestes. Se possvel, faa o exerccio da
tempestade cerebral. Se puder faz-lo com sua equipe, tanto melhor.
Consiste em relacionar todas as ideias que vierem sua cabea e
das pessoas que estiverem com voc sobre o problema. No se
preocupe com o julgamento das opes. Isso deve ser feito depois
que todas as ideias j estiverem descritas. Antes da sesso, defina
seus objetivos, selecione a equipe de acordo com suas habilidades,
prepare o ambiente e descontraia os participantes. Defina um
facilitador que coordene a reunio para que todos tenham
oportunidade de falar. Durante a sesso, esclarea as regras
bsicas, proba as crticas e julgamentos e relacione todas as ideias
surgidas. Depois da sesso, assinale as ideias mais promissoras,
faa um aperfeioamento delas e defina como sero colocadas na
mesa de negociao.
Consulte pessoas com especialidades diferentes. extremamente
interessante fazer isso. Colocar seu problema para anlise de outras
pessoas com vises diferentes pode, em muito, aumentar suas
opes de negociao. Ao planejar uma negociao com perueiros,
por exemplo, consultar especialistas em transporte pblico,
advogados e at mesmo polticos, pode aumentar sua capacidade
de gerar alternativas ao uso da fora, indicando outros caminhos que
no a radicalizao. Nas ocorrncias com refns isso j feito com
frequncia e possvel faz-lo em todas as circunstncias.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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Identifique interesses comuns. Durante uma discusso natural que
as pessoas se atenham s questes divergentes e se esqueam dos
interesses comuns. Enumer-los ajuda a circunscrever os pontos
divergentes, demonstrando que a soluo pode no ser to difcil
quanto parece. Torna, portanto, a relao mais amistosa.
Principalmente nos momentos de tenso, relembrar os pontos de
acordo ou os interesses comuns ajuda a amenizar o clima. Pensar no
problema circunscrito, consciente de que j h interesses
harmonizados, agua a criatividade e incentiva a busca por solues.
Coloque vrias opes para escolha do interlocutor. Criar vrias
opes que atendam seus interesses e questionar a preferncia do
outro produz um comportamento interessante. Voc no est
perguntando o que aceitvel e sim o que prefervel. Dada a
resposta, pode-se trabalh-la e formar uma opo de acordo
interessante para ambos. A proposta pode ser aperfeioada pelas
partes at que se vislumbre lucro comum.
1.6.1.4 Insista em critrios objetivos
Critrios objetivos so aqueles que voc pode se balizar para definir
a justia de uma proposta. Na venda de um carro, por exemplo, a tabela
publicada num peridico ou revista especializada pode servir de critrio.
Se o carro estivesse com algum defeito, o critrio poderia ser descontar
do preo da tabela o valor do reparo.
Na verdade, critrios objetivos devem independer da vontade de
qualquer dos lados. Devem ser legtimos e prticos. Devem aplicar-se a
ambas as partes. Para produzir esse tipo de proposta, pode-se usar a
tcnica denominada "um corta, o outro escolhe". Isso funciona com
crianas quando se tem de partir um bolo. Se uma cortar e a outra
escolher, claro que a medida ser igual para ambas as partes.
Para a soluo de impasses, pode-se decidir ainda sobre as
questes sem decidir o papel de cada um no processo. Revezamentos,
nomear um rbitro para deciso ou at mesmo tirar sorte, so critrios
que podem ser combinados e se tornarem objetivos.
Na prtica, uma pergunta pode ajudar a encontrar tais critrios. Na
venda de um carro pode-se dizer o seguinte: "Voc quer um preo alto
pelo carro. Eu quero um preo reduzido. Com que padres objetivos
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podemos achar o preo justo?" O foco da discusso passa a ser os
padres e encontrando-os, a soluo fica mais fcil.
Todo esse processo s possvel se as duas partes desejam
realmente chegar a um acordo. Se uma delas insiste na negociao por
posio, sobretudo a spera, preciso cuidado. Nunca desistir, mas
reformular.
1.7 NEGOCIANDO COM PESSOAS DIFCEIS
Em face da profisso de policial militar, temos grande probabilidade
de encontrar adversrios, oponentes e por que no dizer inimigos que
teremos de transformar em negociadores. Ainda h na sociedade a
herana cultural dos tempos de exceo de que polcia um instrumento
de represso que no sabe usar outro instrumento seno a fora.
preciso mudar essa concepo e surpreender.
Ury (1991) descreve cinco motivaes que podem levar uma pessoa
a recusar-se a cooperar numa negociao. Por trs dos ataques,
agresses e truques sujos pode haver o seguinte:
Raiva e hostilidade;
Medo e desconfiana (convencido de que est certo, se recusa a
ouvir);
No conhece outra forma de negociar;
Ameaa a sua autoestima (ceder seria rebaixar-se e isso ele no
admite);
Vaidade (a melhor ideia foi sua e s isso motivo para no
aceitar).
Para vencer esses comportamentos, o autor enumera cinco barreiras
que devem ser superadas:
Emoes negativas de seu oponente;
Os hbitos de negociao dele;
A intransigncia dele quanto s vantagens do acordo;
O poder que ele demonstra possuir;
As suas reaes.
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Para superar essas barreiras, cinco desafios devem ser vencidos:
Controlar seu comportamento (no reaja);
Romper a resistncia do outro (desarme seu oponente);
Transformar seu oponente em parceiro (mudar o foco);
Salvar as aparncias do outro (facilitar o "sim");
Utilizar seu poder para manter a negociao (dificultar o "no").
Sugerimos algumas atitudes que foram muito teis nas ocorrncias
com refm que atendemos e que podem fazer superar tais desafios:
1.7.1 No reaja
Toda ao provoca reao. Isso uma lei da fsica. Quebrar isso o
desafio. Se em uma negociao o ciclo vicioso da agresso que provoca
outra agresso, e que respondida com outra mais forte, no for
quebrado, no haver acordo! Ento, as trs reaes naturais do ser
humano (revidar, ceder e romper) diante de uma agresso devem ser
descartadas. Revidar estimula a discusso, ceder produz o prejuzo e
romper faz com que todo mundo perca. Ao adotar qualquer uma dessas
atitudes perdemos de vista nossos interesses e fracassamos na tarefa de
negociar.
Ury (1991), citando Heifetz, aconselha como estratgia para
distanciar-se de suas reaes naturais o "subir galeria". Ele descreve a
ttica como se a negociao estivesse acontecendo num palco e voc,
diante das agresses do oponente, sasse dali, subisse ao balco do
teatro e do alto, visualizando aquilo que acontece ali, refizesse suas
emoes e reaes, mantendo-as sob domnio. Isso em termos prticos
pode ser ausentar-se mentalmente da discusso ou mesmo solicitar uma
pausa para ir ao banheiro e refazer seu controle emocional.
Ficar de olho no resultado esperado outra ao fundamental. J
vimos que negociao no imposio de posies, mas satisfao de
interesses. Ao subir galeria, mantenha-se atento aos interesses. Muitas
vezes no possvel manter sua posio, mas possvel atender seus
interesses. Tenha-os arraigado em sua mente.
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1.7.2 Desarme seu oponente
Para desarmar um oponente, oua-lhe com ateno. Isso j foi
mencionado na seo anterior e novamente se aplica aqui. Com pessoas
equilibradas ou com pessoas speras, ouvir uma importante ttica.
Mostre-lhe que est prestando ateno parafraseando e fazendo
perguntas. Respeite os sentimentos dele. Todos temos necessidade de
reconhecimento. Alm disso, sugerimos:
a) Pea desculpas pelos seus erros: no jogo do poder, jamais algum
vai esperar de um policial que reconhea seus erros. uma estratgia
de ouro para desarmar os "inimigos".
b) Demonstre confiana: diante de um ataque ou grito, no se altere,
olhe confiadamente para a pessoa e chame-a pelo nome. O destemor
desarma.
c) Concorde com o que for concordvel: aps ouvir seu oponente,
concorde com o que for possvel e mencione isso. Saber que as
partes tm posies em comum dificulta a continuao dos ataques e
truques. No faa nenhuma concesso, apenas concentre-se nos
pontos em comum.
d) Abuse do sim: diga a palavra "sim" o mximo possvel, sem
concesses. Responda: "sim, o Sr. tem razo neste ponto"; "sim,
concordo com o senhor"; "sim, me parece razovel". Tambm faa
com que ele diga o mximo de sim. Faa perguntas que sabe que ele
dir essa resposta! O "sim" tem um efeito muito positivo na relao de
conversa.
e) Reconhea a autoridade e a competncia do outro: h pessoas
extremamente vaidosas para as quais um simples reconhecimento
abre suas barreiras e facilita um entendimento. Negociando com seu
comandante, faa isso sempre. Diga-lhe claramente: "O Senhor o
comandante. A deciso do Sr!"
f) Expresse suas opinies sem provocao: troque o "mas" pelo "sim,
e..." Quando no concordamos com alguma coisa o natural ouvir e
responder: "Mas isso acontece porque..." Um lder sindical pode te
acusar: "Desse jeito voc est protegendo os empresrios." Ao invs
de refut-lo, diga-lhe: "Compreendo porque pensa assim, acontece
que eles tambm so destinatrios de nossos servios de segurana
pblica e estamos apenas cumprindo a lei." Fazendo isso voc est
defendendo sua opinio sem agredir a dele.
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1.7.3 Mude o jogo
Tomando os cuidados anteriormente mencionados, provvel que
uma abertura conversao tenha se instalado. Se isso realmente
aconteceu, agora hora de reformular a situao. o momento de dizer
aquilo que o outro disse de uma forma a buscar os interesses de ambos.
Como diz Ury (1991), hora de colocar uma moldura nas palavras do
oponente.
Para conseguir isso, faa perguntas voltadas soluo do problema.
Se voc rebater uma colocao de seu oponente com uma afirmao
provvel que ele resista. Se voc fizer perguntas ele ter que pensar e
focalizar os interesses e no as posies. Perguntar "por qu?", como j
vimos, foca o assunto nos objetivos. Essa pergunta pode ter outras
formas como: "O que te preocupa?" ou "Poderia explicar-me porque isso
to importante para voc? Acho que no entendi a causa de isso ter
que ser assim?"
Pergunte "Por que no?", como tambm j comentamos. Se o seu
interlocutor no consegue responder o porqu das coisas, reformule a
pergunta e faa-a questionando: "Por que no pode ser assim?" ou
"Gostaria de compreender a causa de isso no poder ser desta forma."
Novamente tirar seu oponente do conforto de defender posies e o
obrigar a pensar nos objetivos. Se ele ainda for resistente, por medo de
lhe dar poder passando-lhe informaes, reformule a pergunta novamente
e questione: "E se...?" ou "E se ns fizermos assim?" ou ainda "E se isso
acontecesse desta forma?" Novamente no estaria resistindo ao
negociador, mas apenas fazendo com que ele pense.
Pedir conselhos ao outro negociador tambm uma tima ttica.
Todos ns temos um desejo intenso de sermos admirados. Pedir
conselhos uma atitude humilde que engrandece a pessoa solicitada.
Com certeza isso produzir efeitos tremendos. Ele no resistir e pensar
sobre o que foi inquirido. Estar focado nos interesses novamente.
Evite perguntas cuja resposta possa ser um "sim ou no". Esse tipo
de questionamento fecha em uma resposta simples e acabada. Faz-las
de outro modo induz ao raciocnio e evita o conforto das posies
acabadas. Ao contrrio da pergunta: "O sindicato est disposto a
desocupar a portaria?", para a qual voc ouviria um sonoro no, pergunte:
"Qual o motivo do sindicato no desocupar a portaria?" A resposta seria
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fatalmente os interesses que eles tm em fazer piquete, o que proibido
e te daria argumentos objetivos para reformular o quadro.
Ficar em silncio o passo seguinte s tticas acima mencionadas.
Por ter de fazer o outro negociador pensar, provvel que um silncio
incmodo se instale por alguns segundos. Por ser altamente
constrangedor, voc pode ser tentado a falar para aliviar-se e ao outro.
No o faa. Permanea em silncio e deixe o interlocutor pensar. Esse
desconforto ir obrig-lo a colocar verdades para fora, integrando-o no
processo desejvel.
Fazendo perguntas possvel reformular posies, mas isso no
basta. preciso reformular as tticas. Para isso, contorne os obstculos
colocados pelo outro negociador. Isso pode ser feito ignorando o
obstculo. Na negociao de refns isso muito utilizado. Se um
sequestrador estabelece um prazo, por exemplo, uma ttica
simplesmente ignor-lo. Da mesma forma, quando se deseja comprar ou
vender alguma coisa, quando a outra parte diz a clebre frase: " pegar
ou largar", indicando um beco sem sada, ignore-o e continue a buscar
seus interesses.
Testar o obstculo tambm funciona. Ao aproximar o prazo fatdico
imposto por um tomador de refns importante telefonar ou contat-lo
novamente, com um assunto diferente do previsto no prazo, para ver se
ele est mantendo sua promessa. No caso da frase: " pegar ou largar",
voc pode pedir a indicao de um concorrente onde poderia continuar
buscando seus interesses.
Outras tticas muito utilizadas por negociadores difceis so os
ataques. Ataques pessoais, profissionais e ameaas devem ser tratados
de forma semelhante. Ignore o ataque. "Suba galeria", controle seu
mpeto e fixe os olhos nos seus objetivos. Continue a comentar sobre os
interesses. Reformule o ataque, desviando-o de voc para o problema.
Se uma pessoa em uma mesa te chama de incompetente, reformule a
questo perguntando como ela faria para resolver o problema.
No diga "eu, voc" diga sempre "ns". Isso estimula o encontro de
solues ideais e afasta a impresso de competio. Se possvel, procure
sentar-se ou posicionar-se ao lado da pessoa ao invs de ficarem frente a
frente.
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Outro cuidado fundamental que se deve ter com os truques. Alguns
truques so conhecidos no meio. o caso do "bonzinho e vilo". Duas
pessoas se propem a negociar com voc. Uma vai ser extremamente
dura e a outra vai concordar com voc ou sugerir ao scio que faa
pequenas concesses demonstrando apoi-lo. Na verdade, no meio da
tenso do negcio, essa pessoa "boazinha" vai lhe dizer: Vamos acabar
logo com isso..." E lhe induzir a fazer acordos nocivos aos seus
interesses. Para vencer os truques, ignore-os. Mantenha-se firme nos
interesses.
Outra ttica expor os truques. De forma elegante, mostre que voc
tambm conhece a ttica. Fazer perguntas esclarecedoras anula os
truques. Quando algum coloca uma srie de novas informaes na
conversa, visando pression-lo, faa perguntas, tantas quanto forem
necessrias, para verificar a autenticidade. Isso muito comum na
conversa com advogados. Sempre surge um artigo, de uma lei n tal, para
amea-lo em suas convices. Faa perguntas cujas respostas voc j
sabe para ver se h coerncia entre os argumentos ou s h o tradicional
blefe.
Um dos truques comuns tambm o da falta de autoridade. Depois
de todos os detalhes acertados, de voc ter exposto todas as
informaes, de fazer todas as concesses, seu oponente diz que ele no
tem condies de efetivar nada sem consultar superiores. Fazemos isso
na negociao de refns com sucesso. Mas quando conosco, o prejuzo
certo. preciso checar a autoridade e a competncia de deciso a todo
o momento, para evitar o truque.
1.7.4 Facilite o sim
Carnegie (1993), no famoso best seller Como fazer amigos e
influenciar pessoas, aconselha que para obter a cooperao de uma
pessoa fundamental que ela pense que a ideia dela. A vitria em uma
negociao depende muito de como administramos as nossas e as
vaidades da outra parte. Se voc conseguir abrir mo da sua e alimentar
a do outro, sua chances sero tremendas.
Na negociao com pessoas difceis isso muito mais importante.
Dar ao outro o crdito pela soluo facilita sua aceitao. Induzir a outra
pessoa a pensar na soluo conseguido com as tticas anteriormente
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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mencionadas. Fazer com que ela as implemente pode ser mais fcil se
conseguir atribuir a ela os mritos da soluo. Lao Tse, citado por
Carnegie, afirmou h 26 sculos:
A razo porque os rios e os mares recebem a homenagem de
centenas de crregos das montanhas que eles se acham abaixo dos
ltimos. Desse modo podem reinar sobre todos os crregos das
montanhas. Por isso, o sbio, desejando pairar acima dos homens,
coloca-se abaixo deles; desejando estar adiante deles, coloca-se atrs
dos mesmos. Assim, no obstante o seu posto estar acima dos homens,
eles no sentem o seu peso; apesar do seu lugar ser adiantes deles, no
consideram isso uma ofensa. (LAO TSE apud CARNEGIE, 1993)
1.8 FECHAMENTO E CONTROLE DE UMA NEGOCIAO
Depois de um planejamento e uma execuo rduos, saber concluir
e implantar um acordo fundamental. Se isso no for bem feito, todo o
trabalho ir "gua abaixo". Havendo possibilidade, redija o acordo de
forma clara e objetiva, indicando as responsabilidades de cada um.
No caso de ocorrncias policiais, onde tudo acontece muito rpido,
fundamental que se repasse com os envolvidos os pontos acordados e
como sero implementados. Nunca se esquea de que ningum
obrigado a pactuar nada, mas, uma vez acordado, preciso cumprir.
Prometa um passeio a seu filho e na ltima hora cancele e veja o
resultado.
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2 NEGOCIAO EM OCORRNCIAS
POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
2.1 O NEGOCIADOR, SEU PAPEL E RESPONSABILIDADES
Na primeira parte desta obra buscamos trazer informaes
suficientes e gerais acerca do que vem a ser uma negociao e suas
mais diversas variveis. Uma negociao em ocorrncias policiais de alta
complexidade vai seguir a mesma filosofia, sistemtica e tcnica de
qualquer outra negociao, pois, afinal, negociao com refm localizado
pertence ao gnero negociao, respeitadas suas peculiaridades.
Em um processo de negociao com refm localizado vale relembrar
que temos trs facetas: o negociador, o refm e o sequestrador e, neste
mister, o processo deve girar em torno desses elementos para garantir o
sucesso da operao.
imprescindvel ao negociador, antes de falarmos das tcnicas
especficas da negociao com refns localizados, o conhecimento
aprofundado sobre gerenciamento de crises e, neste mister, sugerimos a
leitura do livro Como vejo a crise: gerenciamento de ocorrncias policiais
de alta complexidade, como forma de suplementar as tcnicas aqui
sugeridas.
Antes de se iniciar qualquer processo de negociao importante
relembrar quais so as cinco atitudes iniciais a serem tomadas pelos
profissionais que primeiro chegarem ao local da ocorrncia, que na obra
sugerida acima deu-se o nome de verbos essenciais: conter, isolar,
estabilizar, parlamentar e acionar. Essas aes-resposta so tomadas
quase que concomitantemente, no havendo, na maioria das vezes, uma
perfeita distino temporal ou cronolgica entre elas.
medida que contm a ameaa e isola o ponto crtico, a autoridade
policial j procura estabelecer os primeiros contatos com os elementos
causadores da crise, aps ter feito um autocontrole mental objetivando o
incio da parlamentao e, a, j acionando a equipe especializada em dar
a resposta tcnica, pois, at ento, no temos a negociao e sim um
incio processual de verbalizao.
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H ainda que se falar nas alternativas tticas que so usadas pelo
comando da operao com o objetivo de dar uma soluo aceitvel
crise, que, em sntese, so:
a) Negociao;
b) Agentes no letais;
c) Sniper;
d) Invaso ttica.
Como primeira alternativa ttica e objeto deste estudo, nos
ocuparemos apenas da negociao, que quase tudo no gerenciamento
de crises.
Costuma-se dizer que gerenciar crises negociar, negociar e
negociar, o que, de maneira universal, acabou sendo o lema da
negociao. E, quando ocorre de se esgotarem todas as chances de
negociao, deve-se ainda tentar negociar mais um pouco...
Essa tarefa de negociao, dada a sua primazia, no pode ser
confiada a qualquer um. Dela ficar encarregado um policial com
treinamento especfico, denominado de negociador. O negociador tem um
papel de suma responsabilidade no processo de gerenciamento de crises,
sendo muitas as suas atribuies. Dessa forma, no pode a sua funo
ser desempenhada por qualquer outra pessoa, influente ou no, como
ocorre frequentemente.
Faz parte da histria policial recente do Brasil a utilizao de
religiosos, psiclogos, polticos (como o governador de So Paulo no
caso Slvio Santos) e at secretrios de segurana pblica como
negociadores. Tal prtica tem-se revelado inteiramente condenvel, com
resultados perniciosos para um eficiente gerenciamento dos eventos
crticos, e a sua reincidncia somente encontra explicao razovel no
fato da grande maioria das organizaes policiais do pas no serem
dotadas de uma equipe de negociadores especificamente treinada,
selecionada e com escala exclusiva para esse mister.
Na falta de algum capacitado para negociar, as organizaes
policiais costumam aceitar qualquer um que voluntariamente se apresente
para ser negociador. Uma abordagem mais aprofundada sobre esses
negociadores no-policiais ser realizada mais adiante.
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NEGOCIAO EM OCORRNCIAS POLICIAIS DE ALTA COMPLEXIDADE
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Voltemos, portanto, ao negociador profissional. O papel fundamental
do negociador o de servir de intermedirio entre os causadores do
evento crtico e o comandante da cena de ao. Funciona, portanto, como
um catalisador no processo dialtico que se desenvolve entre as
exigncias dos causadores do evento crtico (tese) e a postura das
autoridades (anttese) na busca de uma soluo aceitvel (sntese).
Tradicionalmente, costumava-se estereotipar a figura do negociador
como a de algum que simplesmente se utilizava de todos os meios
persuasivos ao seu alcance para conseguir a rendio dos elementos
causadores da crise. Quando esse objetivo no era atingido, a tarefa do
negociador estava encerrada e a soluo do evento ficaria a cargo do
grupo ttico (no cenrio norte americano, a SWAT). Era como se as
negociaes e o grupo ttico tivessem duas misses distintas e
excludentes entre si.
Estudos realizados pela Special Operations and Research Unit
(SOARU), da Academia Nacional do FBI, demonstram que essa
concepo revelou-se errnea, visto que os dois grupos tm, de fato, a
mesma misso, isto , resgatar pessoas tomadas como refns, e que tal
misso permanece a mesma ao longo de todo o evento crtico. De sorte
que, se porventura houver a deciso de uso de fora letal, no ser o
caso dos negociadores serem afastados, mas de utilizarem todos os seus
recursos no sentido de apoiar uma ao ttica coordenada. Em outras
palavras, o negociador (ou negociadores) tem um papel ttico de suma
importncia no curso da crise. Esse papel ttico, segundo Dwayne
Fuselier (1995), da Academia do FBI, pode ser desempenhado de trs
maneiras:
1. Atravs da coleta de informaes, durante as negociaes;
2. Atravs do uso de tcnicas de negociao que otimizem a
efetividade do risco (risk effectiveness) de uma ao ttica;
3. Atravs da utilizao de tcnicas de negociao especficas,
como parte de uma ao ttica coordenada.
Vejamos ento como pode se processar, em cada uma dessas
modalidades, o papel ttico do negociador.
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2.1.1 A coleta de informaes
O negociador a mais confivel fonte de informao de que pode
dispor o gerente da crise. Por seu intermdio possvel saber a respeito
da condio mental, do estado de esprito e da personalidade dos
elementos causadores da crise. Alm do mais, pode um negociador
colher preciosas informaes mediante as seguintes tticas:
a) Dilogo com os causadores da crise: a polcia metropolitana de
Londres calcula que 40% do total de informaes de uma crise
obtido por esse meio. Durante o dilogo, o negociador pode obter ou
confirmar informes acerca do verdadeiro nmero de criminosos e de
refns, armas, exigncias, nomes e posio social das pessoas
envolvidas, etc. Em suma, todos os elementos essenciais de
inteligncia de que tratamos.