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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE ECONOMIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGRONEGÓCIOS E
DESENVOLVIMENTO REGIONAL
PAULO HENRIQUE MONTEIRO GUIMARÃES
O SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS NATURAL EM MATO GROSSO:
UMA ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA
CUIABÁ
2008
ii
PAULO HENRIQUE MONTEIRO GUIMARÃES
O SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS NATURAL EM MATO GROSSO:
UMA ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA
Dissertação apresentada a Universidade Federal de
Mato Grosso, como requisito para obtenção do título
de Mestre em economia no Programa de Pós-
Graduação em Agronegócios e Desenvolvimento
Regional.
Orientador: Prof. Dr. Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo
CUIABÁ
2008
iii
FICHA CATALOGRÁFICA
G963s Guimarães, Paulo Henrique Monteiro O sistema de distribuição de gás natural em Mato Grosso: uma abordagem institucionalista / Paulo Henrique Monteiro Guimarães. – 2008. xvi, 100p. : il. ; color.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Economia, Pós-graduação em Agronegócios e Desenvolvimento Regional, 2008. “Orientação: Prof. Dr. Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo”.
CDU – 338:665.612(817.2)(043)
Índice para Catálogo Sistemático
1. Gás natural2. Gás natural – Mato Grosso 3. Gás natural – Mato Grosso – Aspectos políticos4. Gás natural – Mato Grosso – Aspectos econômicos5. Gás natural – Regulação
6. Gás natural – Mercado – Mato Grosso
iv
PAULO HENRIQUE MONTEIRO GUIMARÃES
O SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS NATURAL EM MATO GROSSO: UMA
ABORDAGEM INSTITUCIONALISTA
Dissertação apresentada a Universidade Federal de
Mato Grosso, como requisito para obtenção do título
de Mestre em economia no Programa de Pós-
Graduação em Agronegócios e Desenvolvimento
Regional.
Aprovado em 16 maio de 2008,
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo - UFMT
_____________________________________________________________
Prof. Dr. José Manuel Carvalho Marta - UFMT
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Edvaldo Alves de Santana - UFSC
v
A minha Mãe,
Por simplesmente tudo.
Ao Prof. Dr. Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo,
Pelas inestimáveis contribuições a minha formação.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar a minha mãe, Ivoni Gomes Monteiro, por infinitos motivos, mas em
síntese, pelo verdadeiro amor, sem o qual não subsistiria a nenhum dos desafios.
A gratidão sem sombra de dúvidas é imensa ao professor, orientador e ouso dizer, amigo, Dr.
Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo, pela compreensão, tempo e paciência dedicados a minha
pessoa na realização deste trabalho.
Devo agradecimentos e grande reconhecimento ao professor e amigo Dr. Benedito Dias Pereira pela
confiança em mim depositada, sendo o principal incentivador da continuidade de minha jornada
acadêmica.
Não poderia deixar de agradecer a todos os professores do mestrado em economia, Programa de
Pós-Graduação em Agronegócios e Desenvolvimento Regional, mas de forma especial, ao Prof. Dr.
José Manuel Carvalho Marta, Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges, Prof. Drª. Sandra
Cristina de Moura Bonjour, Prof. Dr. Arturo A.Z. Zavala, Prof. Drª. Neiva de Araújo Marques,
pelas importantes contribuições a esta pesquisa e a minha formação.
Agradeço também a todos os colegas da 1ª turma do Mestrado em Economia da Universidade
Federal de Mato Grosso pelo aprendizado e convívio, mas de maneira singular, ao Paulo C. Souza,
ao Vitoriano Ferrero Martin, a Luceni Grassi de Oliveira e ao Reinhard Ramminger, pelas diversas
horas na sala de estudo, pelo grande companheirismo durante esta jornada, mas, sobretudo pela
certeza da construção de uma grande amizade. A Mirian, pelas discussões na disciplina de
econometria.
A gratidão é imensa aos professores, Dr. Dirceu Grasel, Dr. Lázaro Camilo Recompensa e ao meu
orientador, Dr. Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo participantes da banca de qualificação por
suas inestimáveis contribuições para avanço deste trabalho.
Não poderia de deixar de agradecer aos membros da banca de defesa, os professores, Dr. Adriano
Marcos Rodrigues Figueiredo, Dr. José Manuel Carvalho Marta, Dr. Edvaldo Alves de Santana,
pelas valiosas sugestões e contribuições, fundamentais para melhoria desta dissertação.
Agradeço a minha família, Ana Paula, Ari Ramos Maciel, Arina Nobre Câmara, Maria Márcia
Câmara e Álvaro Salinas, pelo apoio, compreensão e por me agüentar durante estes anos todos, o
que não é tarefa fácil.
Devo agradecimentos aos Professores da USP, Dr. Décio Zylbersztajn e Dr. Francisco Anuatti Neto
pela indicação de leituras.
vii
Agradeço aos funcionários da Universidade Federal de Mato Grosso, em especial a querida Enildes
e ao Ricardo Realino, pelo incentivo nos momentos críticos.
Por fim, agradeço a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Mato
Grosso pelo apoio. E a todos propositadamente inominados.
viii
“Poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar a
origem de suas próprias convicções. Gostamos de
continuar a crer no que nos acostumamos a aceitar
como verdade. Por isso, a maior parte de nosso
raciocínio consiste em descobrir argumentos, para
continuarmos a crer no que cremos.”
J.H. Robinson.
ix
RESUMO
GUIMARÃES, Paulo Henrique Monteiro, M.S., Universidade Federal de Mato Grosso, Maio de 2008. O Sistema de Distribuição de Gás Natural em Mato Grosso: Uma Abordagem Institucionalista. Orientador: Prof. Dr. Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo
A reestruturação do setor de Petróleo e Gás Natural (GN) no Brasil introduziu mudanças fundamentais na estrutura e operação da indústria do gás natural. No segmento de distribuição várias empresas estaduais foram criadas. Em Mato Grosso, após uma tentativa frustrada de concessão à iniciativa privada a exploração do sistema de distribuição de gás natural, foi criada em 2003 a Companhia Mato-grossense de Gás – MTGÁS e estabelecidas as diretrizes para distribuição. A constituição da concessionária responsável, por meio de legislação estadual, pelo sistema de distribuição em 2003 foi um importante passo para a tentativa de expansão do GN no estado. No entanto, este mercado ainda encontra-se com grandes limitações, com ritmo de crescimento lento e com poucas perspectivas de expansão. O objetivo geral deste trabalho é caracterizar o mercado de gás natural, desde os aspectos políticos, teóricos, institucionais e históricos para entender as razões que levam à subutilização do sistema de distribuição, ou seja, detectar os principais limitadores ao crescimento do mercado em Mato Grosso. Os resultados do trabalho apontam que o pouco dinamismo do sistema de distribuição do GN em Mato Grosso envolve vários fatores, em especial: 1º) ausência de expectativas, sentida pelo pouco interesse da iniciativa privada em investir desde o início do processo de configuração do sistema, inclusive com a licitação de concessão deserta; 2º) o fato de Mato Grosso não possuir reservas provadas de GN, o que eleva ainda mais à dependência de fornecimento da Bolívia ou, em último caso, da Argentina. 3º) exigência de alto nível de investimento para construção de infra-estrutura de redes. 4º) papel predominante da Termocuiabá, o que limita o consumo para outros segmentos, devido, em especial, à capacidade de transporte do gasoduto Lateral Cuiabá. 5º) O grande número de substitutos, concorrentes energéticos, como: GLP, Álcool, diesel, lenha. 6º) os custos de transferência dos energéticos para o GN, no caso do GNV expresso pelo preço do kit Gás, no caso das indústrias, a substituição da matriz energética, de processos e outros equipamentos. As significativas oscilações dos volumes importados implicaram a variação dos gastos de importação, explicada em grande parte, pela destinação do gás natural para geração de energia elétrica no estado, sendo esta fonte utilizada em maior intensidade nos períodos de seca, alternativamente à produção de energia elétrica por meio de fonte hidráulica.
Palavras- chaves: Gás Natural, Mato Grosso, Regulação.Classificação JEL: L10, L43, L51
x
ABSTRACT
GUIMARÃES, Paulo Henrique Monteiro, M.S., Federal University of Mato Grosso, May, de 2008. The Natural Gas Distribution in Mato Grosso: An Institutional Approach. Adviser: Prof. Dr. Adriano Marcos Rodrigues Figueiredo
The reorganization of the Petroleum and Natural Gas sector in Brazil introduced fundamental changes in the structure and operation of the natural gas industry. In the distribution, several State companies were created. In Mato Grosso, after a frustrated attempt of concession to the private initiative, the exploration of the natural gas distribution system began, in 2003, with the Mato Grosso’s Gas Company – MTGÁS. The guidelines for distribution were established through the State’s law. The concessionary responsible for the distribution system was constituted in the same year, and represented an important step to the expansion of GN in the State. However, this market still has limitations, with slow growth rates and with few expansion perspectives. The general objective of this work is to characterize the market of natural gas, from the political and theoretical view, the institutional and also the historical view to understand the main restrictions to this market growth in Mato Grosso. The results of the work point that the little dynamism of the distribution system of GN in Mato Grosso is a result of several factors, mainly: 1st) lack of favorable expectations by the private sector regarding future investments since the beginning of the regulation process; 2nd) The fact that Mato Grosso has not proven GN reserves that increases the dependence of Bolivia supply, or in last case, of Argentina; 3rd) demand of high investments for construction of infrastructure for nets; 4th) the main role of the thermoelectricity in the State, which limits the consumption for other segments and, especially, the capacity of GN transportation of the “Gasoduto Lateral Cuiabá"; 5th) The great number of substitutes such as: GLP, Alcohol, diesel, firewood; 6th) the costs of change of the energy substitutes for GN, including adaptation of auto engines and industry equipments. The significant oscillation of the imported GN volumes resulted in import variation, largely explained by the destination of natural gas for the electric power generation in the State, being this source used in larger intensity in drought periods as an alternative to the electric power produced through hydraulic source.
Key-words: Natural Gas, Mato Grosso, Regulation.JEL Codes: L10, L43, L51
xi
SUMÁRIO RESUMO ........................................................................................................................................... ix
ABSTRACT ........................................................................................................................................ x
LISTA DE QUADROS .................................................................................................................... xiii
LISTA DE TABELAS ..................................................................................................................... xiv
LISTA DE GRÁFICOS ..................................................................................................................... xv
LISTA DE FIGURAS ...................................................................................................................... xvi
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 1
2. EMBASAMENTO TEÓRICO E MÉTODO DE ANÁLISE ........................................................... 7
2.1. Indústrias de Redes ....................................................................................... 7
2.2. Regulação e Monopólios Naturais ..................................................................... 10 Modelos de Regulação Tarifária ............................................................................................... 15
Tarifação a Custo de Serviço .................................................................................................... 16
Tarifação por incentivo ............................................................................................................. 17
2.3. Regulação e a Nova Economia Institucional ........................................................ 18 Marcos Regulatórios no Brasil .................................................................................................. 18
2.3.2 A Nova Economia Institucional ....................................................................................... 21
2.4 Considerações finais do capítulo ..................................................................... 31 3. O MERCADO DE GÁS NATURAL NO MUNDO E NO BRASIL ........................................... 31
3.1. O mercado mundial de Gás Natural ................................................................. 32
3.2 O mercado de Gás Natural no Brasil ................................................................. 36
3.3 Notas sobre a recente relação Brasil - Bolívia .................................................... 41
3.4 Considerações finais do capítulo ..................................................................... 50 4. O MERCADO DE GÁS NATURAL EM MATO GROSSO ........................................................ 51
4.1 Determinantes da oferta de Gás Natural em Mato Grosso ...................................... 52 4.1.1 O processo de construção do GASBOL e do Lateral Cuiabá ......................................... 53
4.1.2 Primeira importação de Mato Grosso ............................................................................. 56
4.1.3 A construção (configuração) do Sistema Distribuição de Gás Natural em Mato Grosso
................................................................................................................................................... 57
4.1.4 A Companhia Mato-grossense de Gás – MTGÁS – Uma Segunda Alternativa ............ 59
4.1.5 O City Gate da MTGÁS .................................................................................................. 61
xii
4.1.6 Centro Oeste Gás LTDA ................................................................................................ 62
4.1.7 O Transporte Virtual no Sistema Distribuição de Gás Natural em Mato Grosso .......... 63
4.2 Determinantes da demanda de Gás Natural em Mato Grosso .................................. 64 4.2.1 Segmento Termelétrico .................................................................................................. 64
4.2.2 Segmento Veículos – GNV ............................................................................................ 72
4.2.3 Outros Segmentos (industrial, co-geração, residencial, matéria-prima) ......................... 76
4.3 Regulação do Setor em Mato Grosso ................................................................ 77 4.3.1 Limitação (questionamento) da Regulação em Mato Grosso ......................................... 79
4.4 Análise de importação do Gás Natural para Mato Grosso ....................................... 80 4.4.1 Contextualização ............................................................................................................ 80
4.5 Limitações para o Desenvolvimento do Sistema de Distribuição de GN em Mato Grosso ..................................................................................................................... 85 4.5.1 Limitações ao desenvolvimento ...................................................................................... 85
4.5.2 Especulações ................................................................................................................... 87
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 88
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................... 91
7. ANEXOS ........................................................................................................................................ 99
xiii
LISTA DE QUADROS
Quadro 3.1 - Marcos relevantes na evolução da Indústria de Gás Natural no Brasil ....................
39
xiv
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.1 – Capacidade Potencial de Transporte, Volume importado e capacidade ociosa de
GN para Mato Grosso – ago/2001 – dez/2006 ..................................................... 5
Tabela 3.1 – Reservas mundiais provadas de gás natural segundo as regiões geográficas, até
31/12/2005 .............................................................................................................
34
Tabela 3.2 – Produção Mundial de gás natural segundo as regiões geográficas, no ano de 2005
35
Tabela 3.3 – Tempo de exaustão das reservas mundiais de gás natural segundo as regiões
geográficas, no ano de 2005 ...................................................................................
36
Tabela 3.4 – Reservas provadas de gás natural (milhões m3) no Brasil, segundo unidades da
federação, em 31/12/2005 .......................................................................................
40
Tabela 3.5 – Produção de gás natural (milhões m3) no Brasil, segundo unidades da federação,
em 31/12/2005 ........................................................................................................
41
Tabela 3.6 – Tempo de exaustão das reservas provadas de gás natural (milhões m3) no Brasil,
segundo unidades da federação, em 31/12/2005 ....................................................
42
Tabela 3.7 – Balanço do gás natural no Brasil – 1999-2005 .......................................................
43
Tabela 3.8 – Importação de gás natural segundo países de procedência (milhões de m3). 1999-
2005 ........................................................................................................................
44
Tabela 3.9 – Preço do GN, nacional e importado – US$/MMBTU (Commodity + transporte) –
3º Trim./1999 – 4º Trim./2006 ................................................................................
49
Tabela 3.10 – Comparação do preço do GN importado pela UTE Cuiabá I e o de mercado
(importado da Bolívia). Preço do GN – US$/MMBTU (Commodity + transporte)
xv
– 3º Trim./2001 – 4º Trim./2006 .............................................................................
50
Tabela 4.1 – Valor devido para repasse do Usuário Livre a MTGÁS, ago/03- nov/05 ..............
63
Tabela 4.2 – Termos de trocas entre GNV e substitutos, nov/2005 – ago/2007 ..........................
76
Tabela 4.3 – Participação de Mato Grosso nas importações brasileiras de GN (103m3) – ago-
2001 a 2006 .............................................................................................................
82
Tabela 4.4. Volume importado de gás natural do Estado de Mato Grosso - 2001-2006
(MBTU) ..................................................................................................................
83
Tabela 4.5 – Gastos de Mato Grosso com a importação de gás natural – 2001 – 2006 ( em
milhões de R$) .......................................................................................................
86
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 3.1 – Oferta interna de energia: Estruturação de participação das fontes (mundo -
2004) ......................................................................................................................
33
Gráfico 4.1 – Taxa de Câmbio Real, 2001- 2006 (R$/US$, base 12.2006=100) ........................
85
xvi
LISTA DE FIGURAS
Figura 4.1 – Figura do Sistema de Distribuição do GN em Mato Grosso ...................................
52
Figura 4.2 – Gasoduto Lateral Cuiabá .........................................................................................
57
1
1. INTRODUÇÃO
A análise dos marcos regulatórios no Brasil é indispensável para a compreensão da
organização da indústria de gás natural ao longo da década de 1990. As transformações na
economia brasileira, a abertura comercial, a privatização de empresas estatais, a desregulamentação
de setores da economia e a austeridade fiscal definiram as bases de funcionamento da economia
nacional e propiciaram, simultaneamente, novos e complexos desafios para os formuladores de
políticas públicas (Salgado e Motta, 2005).
De acordo com Salgado e Motta (2005), o movimento de redefinição do papel do Estado
refletiu, em termos práticos, o retrato da evolução do pensamento econômico, propiciando a
identificação das fontes de distorções que levavam os mercados a funcionar de maneira sub-ótima.
O direcionamento deslocou-se para o desenvolvimento de instituições e mecanismos que atuassem
na promoção de incentivos necessários à atuação eficiente da iniciativa privada e à maximização do
bem-estar.
As Emendas Constitucionais 5 a 9, as quais permitiram a participação privada na oferta de
serviços públicos e o surgimento das agências reguladoras, fruto deste processo de revisão do papel
do Estado na economia brasileira, resultaram em mudanças significativas na indústria de gás
natural nacional.
Para Kerkis (2004), a organização da indústria de gás natural (GN) no Brasil está marcada
por duas fases. Na primeira fase, antes das ondas de privatizações, a indústria estava organizada em
forma de um monopólio estatal da Petrobras, empresa integrada horizontal e verticalmente, com
participação em todas as etapas da cadeia produtiva deste energético, excetuando-se a distribuição,
constitucionalmente atribuída aos Estados. No entanto, apenas os estados do Rio de Janeiro e de
São Paulo contavam com empresas distribuidoras em 1988. A segunda fase é caracterizada por uma
grande reestruturação, com o objetivo de introduzir incentivos e ganhos de eficiência nos vários
segmentos do setor por meio da entrada de capitais privados em lugar do Estado, cabendo ao último
o papel de regulador e indutor de concorrência das atividades.
“A reestruturação do setor petróleo e gás natural no Brasil introduziu mudanças fundamentais na estrutura e operação da indústria do gás natural, que resultaram na redefinição do papel dos vários agentes deste segmento, no que se refere à
2
produção, transporte e distribuição. Especialmente importante foram à abertura do transporte para o acesso a terceiros e o encorajamento a mercados competitivos para o gás natural.” (FERNANDES, 2000:04).
De acordo com o art. 4 da Lei Federal 9.478 – D.O.U 7.8.1997, conhecida como lei do
Petróleo, as atividades de exploração, produção, importação, exportação e transporte permaneceram
como monopólios da União, podendo ser exercidas por empresas estatais e privadas, nacionais e
estrangeiras, mediante concessão ou autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O art. 25
da Constituição Federal atribui aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os
serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua
regulamentação. Este é o novo modelo de organização da indústria de gás natural no Brasil. (ANP,
1997).
Para Fernandes (2000), dois segmentos da cadeia do gás natural, o transporte e a
distribuição, são caracterizados como monopólio natural, mas sempre estiveram em esferas
institucionais diferentes: o primeiro como monopólio da União, exercido exclusivamente pela
Petrobras até a reestruturação do setor, e o segundo como monopólio estadual.
Neste cenário, várias empresas distribuidoras foram criadas. Porém pela necessidade de
investimentos vultosos para a criação de infra-estrutura adequada e, essencialmente, pelo fato das
companhias estaduais serem recentes, foi adotado, na maioria dos estados, o modelo tripartite para a
constituição dessas empresas, com controle nas mãos dos estados, mas com a participação da
Petrobras e de empresas privadas. (Ibid, 2000).
A maior participação do GN na Matriz Energética do Brasil é um fato evidente e ocorre
tanto pelo crescimento da produção nacional quanto pelo aumento das importações. Segundo dados
do MME (2006), no ano de 1999 a participação do GN na matriz correspondia a 4,1%, sendo que
em 2005, esta passou a 9,4 % de toda oferta interna de energia no Brasil. Ainda, existe a meta de
12% de participação do GN até 2010.
Porém, em Mato Grosso, após uma tentativa frustrada de concessão à iniciativa privada da
exploração do sistema de distribuição de gás natural, foi criada em 2003 a Companhia Mato-
3
grossense de Gás – MTGÁS1 e estabelecidas às diretrizes para distribuição através da Lei Estadual
nº 7.939.
A MTGÁS foi constituída sob a forma de Sociedade Anônima, com patrimônio próprio,
autonomia administrativa e financeira, sujeita aos preceitos da Lei Federal nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976. O parágrafo 6º do art. 1º da lei de criação da MTGÁS estabelece que o Estado
de Mato Grosso deve manter o controle acionário da Companhia2.
O Estado de Mato Grosso não possui reservas provadas de gás natural, dessa forma todo o
seu consumo está baseado na importação de outras localidades, especificamente da Bolívia (ANP,
2006a).
Embora não houvesse se constituído formalmente o sistema de distribuição de gás natural
no Estado, a primeira importação deu-se em agosto de 2001, com a finalidade de produção de
energia elétrica pela Usina Termelétrica de Cuiabá I, também conhecida como Governador Mário
Covas, sendo o GN escoado através do gasoduto denominado Lateral Cuiabá, ramal do Gasoduto
Brasil- Bolívia (GASBOL).
No ano de 2001, quando da inserção do GN na matriz energética do Estado, este
representava somente 2,48% da oferta de energia primária e apenas 1,08% da oferta total (energia
primária e secundária). Em 2002, a participação do GN chegou à marca de 16,23% da oferta de
energia primária e 8,45% da oferta total. Os dados de 2003 demonstram que participação do GN
representou 12,33% da oferta de energia primária e 7,06% da oferta total. No ano de 2004 a
participação do GN na matriz energética do Estado representava 11,95 % da oferta de energia
primária e apenas 7,22 % da oferta total. Os últimos dados apresentados no Balanço Energético do
Estado (BEEMT) demonstram que a participação do GN representou 10,37% da oferta de energia
primária e 5,62% da oferta total no ano de 2005. Os dados da matriz energética estadual apontam
uma tendência de menor participação do GN na oferta interna de energia (MATO GROSSO, 2006).
1“A empresa terá por objeto social a exploração, com exclusividade, do serviço público de distribuição de gás natural ou manufaturado canalizado, podendo também explorar outras formas de distribuição, inclusive comprimido ou liquefeito, de produção própria ou de terceiros, nacional ou importado, para uso comercial, industrial, residencial, automotivo, em geração termelétrica ou qualquer uso possibilitado pelo avanço tecnológico no território do Estado de Mato Grosso.” (MATO GROSSO, 2003a) 2 A alienação da MTGÁS poderá ocorrer somente com aprovação da Assembléia Legislativa do Estado.
4
A constituição da concessionária responsável pelo sistema de distribuição de Gás Natural
em Mato Grosso, em 2003, foi um importante passo para a tentativa de expansão do GN no Estado.
No entanto, este mercado ainda encontra-se com grandes limitações, com ritmo de crescimento
lento e com poucas perspectivas de expansão. O contrato da concessão fora assinado em 19 de
fevereiro de 2004, e uma das metas previstas para a concessionária seria a de construção de 58
quilômetros de redes de distribuição, sem a participação de capital de terceiros, em um período de 5
anos a partir da data de assinatura do contrato de concessão, visando atender os municípios de
Cuiabá e Várzea Grande. Tais metas não saíram do papel e não existe nenhuma sinalização que
venham ocorrer (AGER, 2004).
Por outro lado, o que já pode ser mensurado é a subutilização da capacidade de
importação, refletindo ausência de demanda no sistema de distribuição, provavelmente ligada a uma
barreira à entrada associada ao contrato firmado entre a Bolívia e Termelétrica Cuiabá I. A tabela
1.1 apresenta a capacidade potencial de transporte do gasoduto Lateral Cuiabá, bem como, o
volume efetivamente exportado pela Bolívia para Mato Grosso no período de agosto de 2001 a
dezembro de 2006. Também é apresentada a capacidade ociosa, em média para o período igual a
69,34% da capacidade potencial de transporte, indicando uma subutilização deste gasoduto.
Diante desta problemática a presente dissertação busca responder, essencialmente, às
seguintes questões: Se por um lado a ociosidade do gasoduto é elevada e existe grande potencial de
expansão do produto em Mato Grosso, por que o sistema de distribuição (mercado) de gás natural
está subutilizado? Com capacidade ociosa? Por que não se desenvolve em ritmo mais acentuado?
Quais são os limitadores do efetivo aumento de demanda por importações e da expansão do sistema
de distribuição?
As hipóteses do trabalho são: 1) A infra-estrutura é insuficiente – a capacidade do gasoduto
é limitada, existem elevados custos associados ao investimento com maturação de longo prazo,
associados às indústrias de rede; 2) existe instabilidade da oferta ligada a dependência do
fornecimento do GN pela Bolívia; e 3) O papel do sistema de distribuição é secundário, sendo o
principal, vinculado a termeletricidade.
5
Tabela 1.1 – Capacidade Potencial de Transporte, Volume importado e capacidade ociosa de GN
para Mato Grosso – ago/2001 – dez/2006.
Semestre Cap. Potencial 103 m3/sem*
(a)
Importado 103 m3/sem (b)
Cap. Ociosa 103 m3/sem(c) = (a-b)
Capacidade ociosa
(d) = (c/a)
2º sem/2001** 428.400 49.922,3 378.477,7 88,35%
1º sem/2002 506.800 228.259,2 278.540,8 54,96%
2º sem/2002 515.200 227.040 288.160 55,93%
1º sem/2003 506.800 110.826,2 395.973,8 78,13%
2º sem/2003
1º sem/2004
2º sem/2004
515.200
506.800
515.200
305.565,9
105.623,9
209.052,7
209.634,1
401.176,1
306.147,3
40,69%
79,16%
59,42%
1º sem/2005 506.800 119.100,9 387.699,1 76,50%
2º sem/2005 515.200 120.949,9 394.250,1 76,52%
1º sem/2006 506.800 100.346,6 406.453,4 80,20%
2º sem/2006 515.200 121.354,13 393.845,87 76,45%
Total 5.538.400 1.698.041,73 3.840.358,27 69,34%
Fonte: ANP (2006b). * dados resultantes da multiplicação da capacidade de transporte do gasoduto
Lateral Cuiabá, 2,8 milhões M3/dia de GN pela quantidade de dias de cada semestre.** exceto mês
de julho, devido à primeira importação ocorrer somente em agosto.
O objetivo geral deste trabalho é caracterizar o mercado de gás natural, desde os aspectos
políticos, teóricos (estrutura do mercado), institucionais (regulação) e históricos para entender as
razões que levam à subutilização do sistema de distribuição, ou seja, detectar os principais
limitadores ao crescimento deste mercado em Mato Grosso.
Os objetivos específicos são: a) analisar os aspectos teóricos ligados às indústrias de rede,
em especial, aos fatores relacionados à indústria de GN e regulação. b) Caracterizar o mercado de
6
gás natural em Mato Grosso – oferta e demanda, e c) proceder levantamento dos principais agentes
do mercado de GN no Estado, em especial, através da análise dos gastos de importação do
energético.
Considerando-se os objetivos gerais e específicos aqui expostos, o trabalho fundamentou-
se em pesquisa e revisão de literatura coletada na Agência Estadual de Regulação dos Serviços
Públicos Delegados – AGER e ANP; uso de dados secundários; e coleta e análise da legislação
Estadual pertinente e uma análise da importação dos gastos de importação do GN efetuada. Devido
à insuficiência de bibliografia, especificamente, relacionada ao tema do GN em Mato Grosso,
utilizou-se para construção de uma visão histórica a consulta de revistas, magazines e jornais de
circulação local. Sendo esta uma limitação ou custo necessário à formalização de um trabalho
pioneiro sobre o GN no Estado.
No próximo capítulo tem-se a caracterização teórica das indústrias de redes, regulação e
monopólios naturais, Regulação e Nova Economia Institucional. No capítulo terceiro é apresentada
uma síntese das principais características do mercado mundial e brasileiro de gás natural, bem
como, uma breve descrição da recente relação Brasil-Bolívia neste mercado. No capítulo quarto são
expostas as principais características, desde o processo de formação, a regulação deste setor e os
principais entraves ao desenvolvimento do mercado GN em Mato Grosso e a análise dos gastos de
importação de GN para Estado. Por fim, são apresentadas as conclusões.
7
2. EMBASAMENTO TEÓRICO E MÉTODO DE ANÁLISE
O objetivo principal deste capítulo é apresentar as principais características das indústrias
de redes, os aspectos teóricos que justificam a regulação e as principais formas de regulação
tarifária para os monopólios naturais.
2.1. Indústrias de Redes
A primeira impressão que se tem ao falar em indústrias de redes é a de ligação,
interconexão, malhas e a de interdependência dos segmentos. A literatura econômica é importante
para a definição precisa deste conceito. Alguns trabalhos3 apontam que os setores de infra-estrutura
são em sua maioria caracterizados por indústrias de redes.
A implantação de estruturas de transporte, água, esgoto, habitação, fornecimento de
energia e tudo o que permite uma melhoria na qualidade de vida das pessoas estão intimamente
ligados ao processo de desenvolvimento. Estes são setores ditos de infra-estrutura e,
tradicionalmente, se desenvolveram em várias partes do mundo e no Brasil principalmente pela
ação do Estado. Os setores de infra-estrutura são condições indispensáveis para uma economia
avançada.
No Brasil, o setor público funcionou como agente financiador, empreendedor e gestor das
indústrias de infra-estrutura, em especial através da criação de empresas estatais que forneciam os
bens e serviços públicos. Este modelo foi à base do desenvolvimento econômico do país, sobretudo
o industrial, durante o “Milagre Econômico”.
A partir da década de 1990, um grande processo de reestruturação dos setores de infra-
estrutura, ligado aos ideais liberais, tomou conta do debate em vários países, questionando o papel
dos governos no fornecimento dos bens e serviços. Um “novo modelo”, aliás, o ressurgimento do
modelo liberal fora implantado, definindo uma menor participação do Estado e maior participação
da iniciativa privada no provimento dos bens e serviços. O novo papel do Estado neste modelo
restringe-se apenas ao monitoramento e a regulação dessas atividades, por meio da indução de
3 ANP (2001a); Freitas (2004); Salgado e Motta (2005); Dias e Rodrigues (1997).
8
concorrência, controle de preços, ou seja, no estabelecimento de regras para o desenvolvimento e
funcionamento desses mercados.
Grande parte das indústrias de infra-estrutura, em especial as ligadas ao fornecimento de
bens e serviços públicos, são também indústrias de rede, onde diferentes ativos altamente
especializados são combinados de forma a extrair, processar, transportar e distribuir os produtos.
Os estudos de Freitas (2004), ANP (2001a), Costa (2003), Salgado e Motta (2005),
apresentam algumas das principais características das indústrias de rede, entres as principais
destacam-se: a indivisibilidade dos ativos/instalações; a necessidade de superdimensionamento da
infra-estrutura, dada à imprevisibilidade de demanda; economias de escala e escopo; necessidade de
elevado nível de investimento para construção da base de ativos; e presença de externalidades.
Em Dias e Rodrigues (1997), conceituam-se indústrias de rede como o conjunto das
indústrias dependentes da implantação de malhas, redes para o transporte e distribuição ao
consumidor de seus respectivos produtos. As principais características são: necessidade de
equilíbrio entre demanda e oferta, dadas as dificuldades de estocagem; a existência de
imprevisibilidade de demanda que força a manutenção de capacidade ociosa; estrutura de mercado
tipicamente de monopólio natural; economias de escopo estão presentes e são importantes na
coordenação dos produtores nos períodos de muita demanda (período de pico) e nos períodos de
demanda insuficiente (períodos fora de pico); grande parte dos investimentos iniciais apresenta-se
como projetos específicos, caracterizando-se como custos perdidos, irrecuperáveis ou ainda,
afundados (sunk costs); economias de escala presentes; e extensa rede de interconexões fixas,
refletindo pouca flexibilidade em termos de fornecedores para os consumidores.
Para Pinto Júnior (2007), os investimentos em produção e transporte de GN são de grande
volume, requerem elevado prazo para maturação e, uma vez incorridos, a capacidade projetada e
efetiva é, normalmente, fixa; desta forma, aumentos de capacidades não são efetuados de maneira
contínua no tempo, mas de forma discreta.
9
Desde o início do desenvolvimento das indústrias de rede, diversos modelos foram
adotados e modificados em função dos resultados obtidos nos testes empíricos a que estão sujeitas
todas as instituições que fazem parte da vida econômica, política e social.
A intensificação do processo de globalização econômica bem como a crise financeira
atravessada pelo Estado em grande parte dos contextos nacionais acabou configurando um quadro
com níveis crescentes de exigências por parte dos consumidores e, automaticamente, suscitando
uma discussão mais intensa a respeito do modo de organização das indústrias de infra-estrutura, em
especial as organizadas sob a forma de rede, a partir de 1970.
Chevalier (1995) apud Dias e Rodrigues (1997), apresenta cinco modelos básicos de
organização para as indústrias de rede: a) monopólio verticalmente integrado; b) integração vertical
com concorrência na produção; c) concorrência em ambas as pontas (produção e distribuição) com
flexibilidade de integração e livre acesso (open acess) no transporte; d) desverticalização completa
com concorrência nas pontas e empresa única no transporte; e) distribuição mista com
horizontalização das diversas cadeias energéticas e competição inter-energética.
Kerkis (2004) define a indústria de gás natural como um exemplo de indústria de rede,
sendo caracterizada pela presença de distintas atividades organizadas sob a forma de uma rede
física, em que a interconexão é fundamental à sua operação e prestação do serviço.
“As indústrias de rede são um tipo especial de monopólio natural. Nesse tipo de indústria, existe um padrão de interconexão e compatibilidade entre unidades produtivas e tal interconexão é requisito básico para a operação eficaz dessas unidades produtivas.” (BRITTO, 2002 apud FREITAS, 2004, 22).
Segundo Salgado e Motta (2005), a indústria de gás natural trata-se de uma indústria de
rede, e a operação da rede física por dutos de transporte constitui-se tecnicamente um segmento que
se mantém como monopólio natural, devendo ser regulado especificamente, para que exista
concorrência nos demais segmentos da cadeia que sejam potencialmente competitivos.
As atividades da cadeia produtiva da indústria de gás natural são exploração, produção,
transporte, comercialização e distribuição. Dentre estes segmentos da cadeia, as atividades
potencialmente concorrenciais são: as atividades de exploração e produção (E&P) e a
10
comercialização. Já outras são naturalmente monopólios, no caso o transporte e a distribuição
(KERKIS, 2004)
2.2. Regulação e Monopólios Naturais
A regulação4 das atividades econômicas é tão antiga quanto a existência de sociedades
organizadas em Estados. Desde as civilizações antigas, boa parte das normas, regulamentos e leis
vigentes nas diversas sociedades e em diferentes períodos objetivam ordenar a atividade econômica
com a finalidade de garantir a prosperidade geral, ou seja, o bem-estar social. Na realidade as leis,
normas ou no mínimo convenções sociais são condições sine qua non para o funcionamento dos
mercados, dando-lhe a forma e até mesmo o seu conteúdo (ARAÚJO, 1997).
A regulação pode ser vista, de acordo com Baldwin e Cave apud Pinheiro e Saddi (2005),
sob três formas: 1ª) Como um conjunto de comandos normativos com poder coercitivo elaborados
por órgãos criados para este fim; 2ª) Influência estatal deliberada com a finalidade de influenciar o
comportamento social, político e econômico; 3ª) Forma de controle social, onde as regras que
afetam o comportamento social podem ou não ser originárias do Estado.
De maneira simplória a regulação econômica pode ser vista com um conjunto de regras
que limitam ou ordenam as ações dos agentes econômicos inclusive por meio do poder coercitivo
do Estado. Na prática, contudo, é utilizada com bastante freqüência a regulação por incentivo.
Os objetivos da regulação, de acordo com Rigolon (1996), seria o bem-estar do
consumidor, a eficiência alocativa e produtiva, a universalização e a qualidade dos
serviços, a interconexão, a segurança e a proteção ambiental. Os instrumentos
regulatórios são as tarifas, as quantidades, as restrições à entrada e à saída e os padrões
de desempenho.4 Segundo Pinheiro e Saddi (2005:254), regulação não é a mesma coisa que regulamentação, muitos têm utilizado essas expressões como se fossem sinônimos em função do vocábulo regulation. Esses autores entendem ser a regulação realizada em um plano mais elevado e geral de intervenção estatal, enquanto que a regulamentação se refere apenas ao detalhamento normativo desta intervenção. Este conceito será adotado neste trabalho a despeito das diversas definições conceituais formuladas por outros autores.
11
Por que regular? Este é um questionamento de muita relevância e que traz uma profunda
discussão, não só de alcance teórico, mas, essencialmente, de cunho ideológico. Ao se falar de
regulação existe a premissa de que o mercado não é capaz, por si só, de encontrar um ponto de
alocação eficiente para estes bens e serviços, ou seja, as teorias convencionais não dão conta de
explicar o funcionamento no mercado. Esta parte do capítulo busca compreender as razões que
levam o Estado a intervir na economia, regulando as atividades e definindo formas de precificação
para os serviços prestados em regime de monopólio.
Uma das principais justificativas para a regulação econômica é a de superação das
chamadas falhas de mercado, tais como: assimetria de informação, comportamento colusivo,
indivisibilidade do produto, externalidades e outras violações para o equilíbrio geral competitivo de
mercado5. (ARAÚJO, 1997).
As falhas de mercado geram três tipos de ineficiência: a) a ineficiência alocativa, que
ocorre quando os preços distanciam-se dos custos marginais; b) a ineficiência técnica ou produtiva,
quando a produção não se dá ao menor custo possível e c) ineficiência dinâmica, que ocorre quando
uma quantidade insuficiente de recursos é gasta na melhoria tecnológica dos bens e serviços.
Outro tipo de falha de mercado ocorre quando um mercado não é competitivo, ou seja,
quando uma ou mais empresas gozam de poder de mercado6. O monopólio é uma estrutura de
mercado típica que ilustra bem esta situação.
O monopólio é um mercado no qual existe apenas um vendedor e muitos compradores. O
monopsônio é exatamente o oposto, um mercado com muitos vendedores, mas apenas um
comprador. Tanto o monopólio como o monopsônio levam a um quadro de violação do equilíbrio
geral competitivo, pois ambos têm a capacidade de influenciar a formação do preço, um acima e
outro abaixo do seu custo marginal, respectivamente, daí a necessidade de regulação.
5 Nesta estrutura de mercado, com produto homogêneo, informação perfeita, grande número de empresas competindo em condições semelhantes e vendendo para um número também elevado de consumidores, não haveria necessidade de regulação. 6 As empresas que podem estar capacitadas a influenciar o preço e que podem descobrir que é lucrativo praticar um preço acima do custo marginal, detém o que se chama de Poder de mercado.
12
A literatura econômica apresenta um tipo especial de monopólio, o monopólio natural. Este
é caracterizado quando o custo de produção por uma única firma é menor que aquele de várias
firmas. Em uma empresa de gás, por exemplo, a tecnologia envolve custos fixos muito altos –
criação e manutenção de canalização, e um custo marginal muito baixo para ofertar unidades ou
volumes extras deste produto. Quando há grandes custos fixos e custos marginais pequenos, pode-
se obter o chamado monopólio natural.
“O monopólio natural é caracterizado por subaditividade de função custos, situação onde uma única firma, com base na tecnologia disponível, minimiza custos ao produzir um determinado bem ou serviço - C(q)<C(q1)+C(q2)+C(q3)+...+C(qn). A subaditividade da função de custos é atendida unicamente pela presença de economias de escala em empresas monopolistas de produto único. No caso de empresa multiproduto também é necessária à existência de economias de escopo, inclusive podendo ser estas suficientes para determinar a subaditividade de custos da firma.” (PINDYCK e RUBINFELD apud SOUZA JUNIOR, 2005:75).
O monopólio natural é caracterizado por apresentar economias de escala7, ou seja, custos
médios e marginais decrescentes para toda sua produção. Pode-se, assim, arcar com toda a produção
com um custo inferior ao que existiria caso houvesse outras empresas. Nesta situação, esta estrutura
de mercado seria até mesmo preferível à competição, pois existem grandes economias de escala.
Quando economias de escala tornam o monopólio desejável, veremos que o governo pode
aumentar a eficiência, por meio da regulamentação do preço do monopolista.
FIANI (1999) assinala que o monopólio natural é aquele que, quando em presença de
retornos crescentes de escala8, toda a demanda pode ser atendida, a um preço que cubra o custo de
oportunidade, por um único ofertante. Em termos práticos a equação que iguala preço ao custo
marginal implica em preço menor que o custo médio de longo prazo (p=Cmg→p<CmedL), uma vez
que os retornos crescentes de escala determinam que custo médio de longo prazo seja menor que o
custo marginal (Cmg>CmedL). A tarefa do regulador seria então discriminar custos e arbitrar uma
7 Diz-se que uma a empresa apresenta economias de escala quando esta é capaz de dobrar a produção com menos do que o dobro dos custos.8 Segundo VARIAN (2003), os rendimentos de escala, referem-se à maneira como a produção varia à medida que variamos a escala de produção, porém se alterar a proporção dos insumos envolvidos no processo. Se multiplicarmos todos os insumos por uma quantidade “t’ e a produção subir na mesma proporção, tem-se rendimentos constantes de escala”. Já se a produção crescer em uma proporção maior que “t”, teremos rendimentos crescentes de escala. Por fim, se aumentar em uma proporção menor do que “t”, tem-se rendimentos decrescentes de escala.
13
taxa de retorno adequada à sobrevivência da firma monopolista, minimizando suas possibilidades
de extração de renda econômica.
Por outro lado, Baumol e Panzar e Willig (1982) apud Costa (1995), colocaram em xeque
um dos conceitos mais venerados pela teoria neoclássica, a concorrência perfeita, através do que
eles denominaram de mercados contestáveis.
Para Herscovici (2002), Costa (1995), um mercado é perfeitamente contestável quando não
existem barreiras à entrada9 nem à saída.
A contestabilidade do mercado define-se pela ausência de barreiras à saída, ou seja, a
empresa pode sair do mercado sem ter que pagar um custo para isto. A ausência de custos
irreversíveis (sunk cost) constitui uma das condições para que o mercado seja contestável; quanto
maior o volume desses custos irreversíveis, menor a contestabilidade do mercado (HERSCOVICI,
2002).
Em estruturas de mercados oligopolistas ou monopolistas10 a partir do momento que as
hipóteses de livre entrada e saída na indústria são verificadas podem apresentar as mesmas
características que os mercados de concorrência pura e perfeita, no que diz respeito ao bem estar
social, ou seja, o mesmo padrão de eficiência (HERSCOVICI, 2002).
No entanto, se a hipótese de livre entrada e saída não se verificarem, ou seja, os mercados
não forem contestáveis haverá necessidade de regulação. Se não houver uma regulamentação do
monopólio natural, o mesmo produzirá uma quantidade de monopólio (Qm) inferior a que ocorreria
no caso dos mercados concorrenciais. Posto isto, é necessária a regulamentação de preço, ao nível
(Preço sob regulação – Pr), que permita a intersecção da curva de custo médio e da curva de receita
média, ou seja, P = Pr = Cme, assim a empresa não estará obtendo lucro extraordinário ou de
monopólio e seu nível de produção será o mais alto possível, sem que tenha que encerrar suas
atividades.
9 Barreira à entrada entende-se aqueles obstáculos (acesso ao capital, economias de escala, patentes, e outros) que impedem ou dificultam o ingresso de novos concorrentes no mercado.10 Para Herscovici (2002), as leis antitrustes foram estabelecidas para manter essas condições concorrenciais; não obstante, os recentes movimentos de concentração nas telecomunicações e na economia da internet mostram que esta concepção tradicional foi abandonada, em favor da teoria dos mercados contestáveis.
14
Na sua maioria, os monopólios naturais são regulados ou operados pelo governo, ou ambas
as situações. Se a empresa regulada não receber subsídios terá de conseguir lucros não negativos, o
que significa que terá que operar sobre ou acima da curva de custo médio, mesmo que esta seja
ineficiente do ponto de vista de Pareto.
Idealmente, os reguladores governamentais estabelecem o preço que apenas permita a
empresa alcançar o ponto de equilíbrio, ou seja, produzir num nível em que o preço se iguale aos
custos médios (P=Cme). Outra solução é deixar o governo operar o monopólio natural, neste caso a
operação dá-se num nível onde o preço é igual ao custo marginal e fornece um subsídio de
montante fixo para manter a empresa em operação.
Nesta ótica, segundo FERNANDES (2000), a regulação do monopólio natural impõe,
assim, um limite para o retorno do projeto e a minimização do poder de mercado da firma, em que
são eliminados seus ganhos extraordinários, induzindo a produção a custo médio, o que resultará em
maior eficiência, e, portanto, ganhos para a sociedade.
“em cenários caracterizados por significativas economias de escala onde a concorrência dentro dos mercados torna-se inviável, a atividade regulatória visa suprir a falta de competitividade observada, induzindo a aproximação entre o preço e o custo marginal praticados pelo monopolista”. (SOUZA JÚNIOR, 2005: 73)
A regulação tarifária deve cumprir o papel de controle econômico do projeto, garantindo a
rentabilidade do investidor e a preservação do bem-estar do consumidor, especialmente, em
ambiente caracterizado por ausência de competição, como é o caso de um monopólio natural.
“The main principles of legislation on the gas industry are similar in almost all the countries studied (in Latin America). The idea is to give due protection to end-users, bearing in mind the fact that some phases of the gas industry (transport and distribution) represent natural monopolies. In these cases, the State has to intervene to ensure free competition, to prevent possible abuse of dominant market positions, and to promote the continuity and quality of the services provided.” (CAMPODÓNICO, 1999: 147).
A regulamentação de preços é freqüentemente utilizada em relação aos monopólios
naturais. Tem-se, como exemplo, o que acontece com os serviços públicos regionais delegados pelo
15
Estado. Infelizmente, com certa freqüência se torna difícil a determinação exata desses preços na
prática, pois além das curvas de demandas e dos custos da empresa deslocar no tempo e à medida
que o mercado evolui, existe assimetria de informações.
“embora o grau de supervisão regulatória varie nos diversos países do mundo, é do governo o papel de fixação, senão sinalização dos preços a serem cobrados. A tarefa é complexa, tendo em vista o elevado grau de assimetria de informação pró-investidores, que acentua os riscos de abusos do poder de monopólio. A tarifação ainda enfrenta o desafio de atender a eficiência do sistema como um todo, o que, muitas vezes, apresenta tensões quanto à determinação do modelo a ser escolhido.” (FERNANDES, 2000:96).
As empresas que podem estar capacitadas a influenciar o preço e que podem descobrir que
é lucrativo praticar um preço acima do custo marginal, detêm o que se chama de poder de
monopólio.
Não obstante, devido ao custo social do monopólio, a sociedade necessita da
implementação de mecanismos para limitar o poder de monopólio, entre os quais se destacam: leis
antitrustes11, a regulamentação de preços e a regulamentação da taxa de retorno por parte do Estado.
Modelos de Regulação Tarifária
Para Freitas (2004), ao se falar de precificação, existe a premissa de que o mercado não é
capaz, por si só, de encontrar um ponto de alocação eficiente para estes bens e serviços, ou seja, as
teorias convencionais não dão conta de explicar o funcionamento do mercado. Desta forma, surge a
necessidade da intervenção do Estado regulando preços, em especial, em setores estratégicos e de
monopólios naturais, onde há falhas de mercado.
Segundo Fernandes (2000), “a fixação de regras tarifárias podem ser classificadas em dois
grupos principais: 1º Tarifação a custo de serviço e 2º Tarifação por Incentivo”.
O regime tarifário do sistema de distribuição de gás deve tratar não apenas da própria
formação do preço, mas também da forma de seu controle de ajuste e do grau de liberdade de sua
11 As leis antitrustes são regras que proíbem ações que limitem, ou que tenham possibilidade de limitar a concorrência. O poder de monopólio pode ser obtido por meio de fusões ou por meio do controle acionário.
16
variação. Tal sistemática deve contemplar mecanismos que estimulem a eficiência das empresas e
beneficiem os consumidores, permitindo uma harmonização dos interesses de todos os agentes
econômicos envolvidos neste segmento.
Tarifação a Custo de Serviço
Tradicionalmente a regulação pelo custo de serviço através do método de remuneração
pela taxa de retorno é o mais utilizado para tarifação em setores caracterizados por monopólios
naturais. Este tem como fundamento principal, a busca de preços (tarifas) 12 que remunerem os
custos totais, e que contenham uma margem que proporcione uma taxa interna de retorno atrativa
para o empresário (investidor) e justa do ponto de vista do regulador.
Tarifa13 é um termo genérico aplicável a uma multiplicidade de situações. Ex: tarifa de
ônibus, tarifas telefônicas, tarifas de água, tarifas de eletricidade etc. Tarifas em uma visão mais
simples seriam os preços previstos no art. 175 da Constituição Federal, admissíveis nas hipóteses de
serviços públicos delegados (concessão e permissão). (VERLI, 2005).
Diferentes bases de custos podem ser utilizadas para a avaliação dos custos totais, tais
como: a) custos marginais de curto prazo – (short-run marginal costs-SRMC); b) custos marginais
de longo prazo – (long-run marginal costs – LRMC); e, c) custos contábeis médios – (Average
accounting costs – AAC). Este último é o mais usual, dadas as dificuldades metodológicas e
práticas de se considerar os conceitos econômicos SRMC e LRMC, contidos nas duas primeiras
bases.
Segundo Fernandes (2000) existem algumas vantagens e desvantagens no uso deste
modelo. As vantagens observadas na regulação pelo custo de serviço são visíveis nos requisitos
administrativos e comerciais, tais como: a facilidade de implantação, previsibilidade e a
transparência para os agentes. As desvantagens são: assimetria de informações entre regulador e 12 Neste trabalho preço e tarifa serão tratados como equivalentes. Preços é o valor em dinheiro de uma mercadoria. Tarifa seria o valor expresso em dinheiro por um bem ou serviço público.
13 “A palavra tarifa vem do árabe, com sentido etimológico ligado a idéia de pauta de preços de navegação, de direitos alfandegários, que a cidade de Tarife, fundada pelos mouros, exigia dos mercadores quando lá passavam com suas embarcações.” (VERLI, 2005:38).
17
regulado, sobre investimento, serviço a qualquer custo, a possibilidade de subsídios cruzados e de
ineficiência alocativa.
Tarifação por incentivo
A tarifação por incentivo surgiu com o reconhecimento dos problemas enfrentados pela
tarifação pelos custos dos serviços. Foi a forma que permitiu um maior grau de liberdade de gestão
pelas empresas, dentro do regime de monopólio natural.
O objetivo central deste mecanismo é um incremento na performance da firma regulada
através de prêmios ou penalidades, além dos já incorporados pela regulação pelo custo de serviço.
O modelo geral, fixa o preço e uma fórmula de reajustes periódicos, incorporando metas plurianuais
de ganhos de produtividade, fixadas também pelo regulador.
“a idéia central é que qualquer redução real de custos mais acentuada que as metas contratadas podem ser incorporadas pela firma. Dessa forma, quebra-se a relação custo/preço, fazendo com que a empresa tenha incentivo para a redução dos custos, sem que, necessariamente, haja repasse para os preços.” (FERNANDES, 2000:98).
Os principais modelos deste regime se dividem em dois grupos:
1º ) através dos níveis de preços, ou seja, por limite de preço: Price Cap (preço teto); Automatic
Rate Adjustment Mechanism (ARAM); Sliding Scale Plan (SSPs) e a Yardstick Competition (YC).
2º) Através dos níveis de retorno dos lucros, determinados pelo comportamento da firma regulada:
Profit Sharing (PS); Banded Rates of Return ( BROR), Benchmarking (BM) e Capital Costs
Incentives ( CCIs).
Todos estes modelos enquadram-se na Teoria do Agente-principal, onde o regulador tem o
papel de principal, que contrata um agente, a firma regulada, para atuar em seu benefício, já que
esta apresenta um maior conhecimento e capacitação para a resolução dos problemas, minimizando
os problemas com a assimetria de informação entre o regulador e regulado.
18
O processo regulatório é composto por uma rede de relações caracterizadas pela delegação
de tarefas por um principal (o Estado) para um agente (empresa regulada), o que se chama de uma
relação principal-agente. Por outro lado, os eleitores delegam aos políticos (legislativo e executivo)
a tarefa de legislar e tomar decisões. Já os políticos delegam a tarefa de prover alguns serviços de
utilidade pública a agências reguladoras. Estas por sua vez delegam às firmas privadas ou estatais a
tarefa de produzir e distribuir estes serviços (MUELLER, 2003).
Os agentes econômicos e políticos entram nestas relações porque existem ganhos mútuos
de a realizarem. Quando um principal delega uma tarefa para um agente há ganhos potenciais para
ambos os lados. A forma como os ganhos serão divididos depende do poder de barganha e
informação de cada player. No entanto, todas estas transações apresentam riscos para os agentes
econômicos, de modo que estes ganhos só se realizarão se houver salvaguardas que assegurem
ambos contra os perigos inerentes na relação (MUELLER, 2003). Estas salvaguardas são custos de
transação e o ambiente institucional é muito importante para redução destes custos. Dessa forma, a
constituição de marcos regulatórios são importantes para a definição dos investimentos nos diversos
setores da economia. A próxima seção abordará a regulação e alguns aspectos da Nova Economia
Institucional importantes na coordenação das transações econômicas.
2.3. Regulação e a Nova Economia Institucional
Marcos Regulatórios no Brasil
O trabalho de Pires e Godlstein (2001) apresenta uma avaliação das agências reguladoras a
partir da regulação dos setores de energia, telecomunicações e petróleo. Um dos objetivos de tal
trabalho é contribuir na reflexão para aqueles setores que ainda estão implantando os seus
respectivos marcos regulatórios. Para os autores, a transição institucional que o Brasil está
enfrentando nos setores que fornecem serviços públicos, que historicamente, eram caracterizados
por monopólios estatais é fruto essencialmente de: a) escassez de recursos fiscais para
investimentos; b) inovações tecnológicas contrárias a organização industrial tradicional; c)
mudanças políticas e ideológicas que diminuíram a restrição da iniciativa privada em setores
estratégicos.
19
Defendem a tese de que a independência das agências reguladoras permite a separação das
atividades de governo das de Estado, contribui para um ambiente institucional estável e
transparente, com redução dos riscos regulatórios e aumento das possibilidades de atração dos
investimentos.
A prática da regulação implica custos de transação, pois tanto as Agências como as
empresas reguladas, ao negociarem uma falha de mercado, incorrem em custos. A definição de
marcos regulatórios bem definidos, com regras claras de retornos dos investimentos, definição de
critérios técnicos para contratação do corpo funcional das agências, o monitoramento de acesso às
redes e controle da concorrência nos serviços liberalizados, propiciam um ambiente profícuo ao
investimento privado.
Após as ondas de privatizações, o estabelecimento de uma governança regulatória fora
instituída com a criação de Agências Reguladoras com características de independência técnica,
financeira e decisória. No entanto, a transparência na gestão destas deve ser constante, para mitigar
o risco de captura e legitimar suas ações perante a sociedade.
Pires e Godlstein (2001) concluem que as experiências da regulação no Brasil nos setores
estudados apresentam resultados similares a países bem-sucedidos, tais como, o Reino Unido e a
Itália. No entanto, identificam quatro problemas principais: a) Coordenação insuficiente entre as
diversas agências reguladoras; b) indefinição de suas respectivas competências; c) falta de eficácia
das decisões das agências; e, d) inadequação dos contratos e das regras.
A visão da Confederação Nacional da Indústria – (CNI) sobre as Agências Reguladoras e
patamar da regulação no Brasil foi expressa em documento produzido em 2004 e intitulado:
Agências Reguladoras: A experiência Internacional e a Avaliação da Proposta de Lei Geral
Brasileira (OLIVEIRA et al, 2004).
Tal documento alerta que uma arquitetura adequada para as agências reguladoras é
fundamental para o crescimento econômico, pois sem regras claras e confiança nas instituições, o
investimento privado não se realiza. Os principais pontos e reflexões apresentados são:
20
a) A criação de uma lei geral para as agências reguladoras é fundamental para o
crescimento econômico sustentado;
b) A experiência internacional é um marco referencial importante para o desenho do
sistema nacional, tendo em vista seu caráter embrionário;
c) As análises das melhores práticas (best – practices), em especial, dos Estados
Unidos da América (EUA) e da França, apontam que o controle da
discricionariedade das agências reguladoras é atingido por meio de padronização e
da transparência de seus procedimentos de formulação, implementação e alteração
das regulações, guiando-se pelos seguintes princípios: abertura e objetividade,
promoção de livre concorrência e garantia de um equilíbrio justo entre todos os
agentes econômicos, ou players, (consumidores, governo, empresas);
d) O sucesso destas agências está associado a diversos fatores, como: a definição
clara de sua jurisdição e independência; transparência nas ações; otimização na
alocação dos seus escassos recursos na atividade regulatória; um conjunto claro e
racional de políticas e procedimentos na formulação de decisões;
e) A fiscalização do congresso e a coordenação e orientação do Poder Executivo,
vinculativa para agências dependentes e indicativas para as agências
independentes, são importantes (experiência dos EUA);
f) Na França, as agências possuem o poder, ou melhor, a competência jurídica para
editar regras e fiscalizar tais normas, aplicando as sanções previstas em caso de
descumprimento. No entanto, o poder regulamentar está subordinado ao Primeiro-
Ministro;
g) A criação e o funcionamento das agências reguladoras brasileiras ocorre em meio
ao processo de privatização e de redefinição da ação do Estado brasileiro a partir
de meados de 1990. Estas surgiram com forma jurídica de autarquia em regime
especial, vinculadas administrativamente, mas não subordinadas hierarquicamente
aos respectivos ministérios, garantindo sua independência financeira, gerencial,
política e decisória, adquirindo o status de órgãos de Estado;
h) Os mandatos conferidos pela legislação aos dirigentes é um dos itens mais
importantes da regulação. As regras de acesso e recondução devem ser claras,
para que estes não sejam capturados pelo poder político e/ou econômico no
exercício da atividade regulatória;
21
i) Apesar dos avanços ocorridos no sistema de regulação de infra-estrutura no
Brasil, persistem as limitações que afetam os investimentos e dificultam o
crescimento do país. Entre as principais falhas apontadas, temos: falta de regra
definidora de competências, ausência de lócus de coordenação, a morosidade dos
processos decisórios e a inexperiência do Poder Judiciário;
j) Uma série de indicações é apresentada como os requisitos mínimos para
disciplinar o conteúdo da Lei Geral das Agências Reguladoras no Brasil, entre
estes: criação de um órgão fiscalizador das agências reguladoras no congresso, a
definição da duração dos mandatos dos dirigentes e da questão da quarentena,
obrigatoriedade da transparência nas ações, definição clara das competências,
capacitação do Poder Judiciário, participação das agências na formulação de
políticas públicas, entre outros; e,
k) Por fim, as principais sugestões para alterações ao projeto de lei geral para as
agências reguladoras são apresentadas: substituição do contrato de gestão por
mecanismo mais eficaz de fiscalização da atuação das agências; aperfeiçoamento
da figura do ouvidor; manutenção do poder de realizar os processos de outorga em
âmbito interno; defesa da autonomia financeira; criação de mecanismo claro e
previsível para aprovação pelas agências da transferência de concessões,
permissões e autorizações; exigência de análise custo-benefício (economicidade)
de suas ações; criação de varas e câmaras especializadas em matérias regulatórias.
2.3.2 A Nova Economia Institucional
2.3.2.1 Institucionalismo e a Nova Economia Institucional
Conceição (2001) procura evidenciar que existe um núcleo teórico definido, mas nem
sempre convergente entre as diversas abordagens institucionalistas, que pela própria
heterogeneidade de abordagens define “instituições”, ora como normas ou padrão de
comportamento, ora como formas institucionais, ora como padrão de organização da firma, ou,
ainda, como direito de propriedade. A este conjunto de abordagens denominamos de
institucionalismo.
22
A Nova Economia Institucional (NEI) é um dos diversos ramos do Institucionalismo que
floresceu no final do século XIX e que logo veio a ser esquecido devido à grande valorização dos
modelos matemáticos na análise econômica a partir dos anos 20 do século posterior. No entanto, a
abordagem institucionalista foi resgatada nos anos 60 com o status de nova, tendo COASE (1937;
1960) como elo entre o velho e o novo institucionalismo. A NEI tem em WILLIAMSON (1985) e
NORTH (1990) as principais expressões (GUEDES apud MENDES, 2005).
A abordagem institucionalista representou na história do pensamento econômico uma
ruptura com a escola neoclássica. No entanto, se utiliza de muitos conceitos desta escola. Enquanto
a escola neoclássica aborda a economia num cenário estático de equilíbrio, guiado pela
racionalidade e liberdade, o institucionalismo trabalha com o conceito evolucionário de processo e
instituições.
“A tradição institucionalista herdeira de Veblen e Commons trouxe novos conceitos, sem, entretanto, deixar de preservar os traços que lhe são distintivos do pensamento neoclássico. Contudo a compatibilidade com o pensamento de Marx, Keynes e Schumpeter permanece, em muitos aspectos, sustentável. A amplitude e a complexidade do pensamento institucionalista, não podendo ser patrimônio de uma única e exclusiva “visão”, conferem à teia de múltiplas concepções a possibilidade de se avançar em direção a uma “teoria da dinâmica das instituições”.” (CONCEIÇÃO, 2001:86)
A configuração de uma “teoria econômica das instituições” tem avançado ao longo das
últimas décadas com o surgimento de importantes abordagens com ênfase no papel das instituições
e na dinâmica de seu funcionamento, a exemplo: a Nova Economia Institucional, os neo-
institucionalistas, os neo-schumpeterianos ou evolucionários, os regulacionistas, a economia das
convenções e outras, que permitiram avanços teóricos, que ora se rivalizam, ora se complementam,
sem perder o caráter institucional. (CONCEIÇÃO, 2001).
Um dos conceitos fundamentais para se entender a abordagem institucionalista de análise
das organizações é o ambiente, este organizado por quatro teorias principais: da contingência, dos
sistemas, da dependência de recursos e a institucional.
A teoria institucional desdobra-se em três vertentes de análises: sendo a primeira, a
vertente econômica, esta que enfatiza as regras, leis e sanções também conhecidas como pilar
23
regulativo; a outra vertente a política, chamada de pilar normativo; e terceira vertente, a sociológica,
pilar cognitivo, onde se priorizam as análises organizações (SOUZA e GRASEL, 2005).
Na vertente econômica as instituições estabelecem regras, monitoram e sancionam
atividades e regularizam os comportamentos dos agentes econômicos. É justamente nesta vertente
que emergem as atuais Agências de Regulação, novidade no desenho institucional brasileiro,
denotando,
“à relação Estado-Economia, que enuncia o Estado não como um sujeito exterior à economia, nem como um conjunto de instrumentos à disposição de uma classe social, mas como “produto” dos conflitos inerentes às separações sociais, cuja regulação é aberta, parcial e inacabada .(AGLIETTA apud CONCEIÇÃO, 2001)”.
Duas grandes escolas destacam-se a partir dos anos 70, na abordagem institucional da
regulação econômica, é a Teoria Econômica da Regulação e a Teoria da Escolha Pública, esta
também conhecida como public choice.
A primeira teoria originou-se do trabalho de George J. Stigler apresentado em 1971, com
objetivo de explicar o comportamento político através da teoria econômica. A premissa
fundamental é que o comportamento dos políticos é maximizador do interesse próprio. Assim, os
“grupos de interesses” podem influenciar o processo regulatório, prevendo apoio financeiro e outras
formas de benesses para políticos e reguladores, através dos mecanismos de Rent Seeking14 ou
captura de renda.
Para Stigler (2004), em regra a regulação é adquirida pela indústria, além de ser concebida
e operada fundamentalmente em seu benefício.
“os usos potenciais de recursos e poderes estatais para melhorar a condição econômica dos grupos econômicos (tais como indústrias e profissões) são analisados para produzir um esquema da demanda por regulação. As características do processo político, que permitem que grupos relativamente
14 Definida como gastos com esforços socialmente improdutivos para obter, manter ou exercer o poder de monopólio. Envolve atividades de lobby político e até financiamento de campanhas para obter a criação de leis e outras vantagens para dificultar a entrada de potenciais concorrentes no mercado (PINDYCK E RUBINFELD, 2006).
24
pequenos obtenham determinada política regulatória, também são esboçadas para fornecer elementos de uma teoria de oferta de regulação”. (STIGLER, 2004: 23).
A interação entre os conceitos de grupos de interesses e rent-seeking resultou na
contestação da visão de que o Estado, como agente regulador da atividade econômica, estava
voltado fundamentalmente para o bem público. Estas abordagens do processo regulatório ficaram
conhecidas como Teorias da Captura, pois discutem as formas e as consequências da "captura" das
instituições reguladoras do Estado por interesses privados (FIANI, 1999).
Os modelos de Stigler (1971), Peltzman (1976) e Becker (1983) apud Fiani (1999),
“... independentemente de qualquer outra avaliação, deslocaram o eixo do debate sobre regulação econômica para um ponto muito distante da mera correção de "falhas de mercado". Mais especificamente, a questão regulatória tornou-se um objeto de estudo em si mesma, onde a caracterização de grupos dos interesse em uma dada indústria, que se formam visando rent-seeking passou a ser uma etapa fundamental do processo de compreensão das características da atividade de regulação econômica.” (FIANI, 1999: 25).
A outra escola que desenvolve argumentos acerca do fenômeno regulatório nos anos 1970
foi a Public Choice ou Teoria da Escola Pública (TEP). Embora aspectos teóricos dessa corrente
possam ser encontrados em Shumpeter (1976), o postulado comportamental básico da teoria foi
apresentado por Buchanam e Tulloch (1962), além de Downs (1957) e Olson (1965) apud Salgado
(2003). A TEP procura aplicar os postulados básicos da microeconomia neoclássica à compreensão
do funcionamento no campo político (SALGADO, 2003).
A síntese do pensamento da TEP é que seja no mercado ou na política, os indivíduos
comportam-se da mesma maneira, ou seja, movidos pelo egoísmo. Portanto, esta teoria considera
um erro supor que políticas governamentais são conduzidas por motivações alheias aos interesses
individuais. Não por coincidência, os lobbistas, políticos, burocratas, e tecnocratas do setor público,
agem em função de seus próprios interesses, buscando satisfazer grupos e partidos políticos de sua
ligação através do uso da máquina pública, ou seja, de recursos da coletividade.
25
Para Conceição (2001), é possível observar no meio acadêmico uma expansão15 dos
estudos na área conhecida como Nova Economia Institucional – NEI. Ronald Coase é considerado o
pai dessa escola, cujo marco de referência é seu trabalho seminal de 1937, The nature of the firm,
no qual demonstrou como a introdução de custos de transação na análise econômica determina as
formas organizacionais e as instituições do ambiente social. A NEI é uma ramificação do
institucionalismo e preocupa-se, fundamentalmente, com aspectos microeconômicos da firma em
uma abordagem não convencional, mesclada com história econômica, economia dos direitos de
propriedades, sistemas comparativos, organização industrial, entre outros. A NEI tem em
WILLIAMSON (1985) e NORTH (1990) as principais expressões.
Uma das preocupações centrais da NEI diz respeito ao papel das instituições no
desempenho econômico. A abordagem da NEI permite superar várias das limitações teóricas do
arcabouço neoclássico.
Os principais pontos de divergência com o pensamento neoclássico são: a) para a NEI a
premissa de racionalidade ilimitada é equivocada, pois a capacidade cognitiva do homem é
limitada; e, b) a segunda divergência está relacionada ao conceito de firma, estas são consideradas
um “nexo” de contratos, ao contrário, da firma neoclássica, vista somente de uma forma estática.
(ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005:88).
Para Conceição (2001, p.32) foi Ronald Coase quem estabeleceu a crucial conexão entre
instituições, custos de transação e teoria neoclássica. Somente quando inexistem custos de transação
a eficiência neoclássica dos mercados é alcançada, sendo, neste cenário, indiferente os arranjos
institucionais.
Os estudos de Zylberstajn e Sztajn (2005), Azevedo (2000), apontam que NEI é
desenvolvida em dois planos de análise. O primeiro aborda o ambiente institucional - subdividindo-
se, em regras formais, regras informais e direitos de propriedades (as regras do jogo). O segundo
plano trata das instituições de governança (ou os jogadores).
15 “O interesse crescente da academia, no entanto, não se traduz em uma abordagem unificada, havendo diversos programas de pesquisa incluindo instituições como elementos-chave de seus argumentos” (AZEVEDO, 2000).
26
Segundo Douglas North apud (Conceição, 2001: 18 e 19),
“As instituições são restrições humanamente inventadas, que estruturam as interações humanas. Constituem-se de restrições formais (regras, leis, constituições), restrições informais (normas de comportamento, convenções, códigos de conduta auto-impostos) e suas características em fazê-las cumprir. Em conjunto, elas definem a estrutura de incentivo das sociedades e, especialmente, das economias; em conseqüência, são as determinantes da performance econômica”.
Os dois níveis analíticos da NEI, de acordo com Azevedo (2000), são: 1°) A Economia
dos Custos de Transação – ECT, preocupada com a análise de estruturas de governança, definidas
como o conjunto de regras, como contratos entre particulares e normas internas às organizações que
governam um determinada transação (Microinstituições). 2°) O outro nível analítico é dedicado ao
Ambiente Institucional (Macroinstituições), em que se destacam três aspectos ( regras formais,
regras informais e direitos de propriedade).
O principal papel das instituições, entendidas como as “regras do jogo”, formais e
informais que “estruturam a interação social, econômica e política” (North, 1991:97 apud Azevedo,
2000), é restringir a ação humana. O exercício desse papel pode reduzir o custo das interações entre
os seres humanos, constituindo um elemento relevante à eficiência econômica e ao
desenvolvimento.
Macroinstituições são aquelas que estabelecem as bases para as interações entre os seres
humanos. Nesta corrente destacam-se: Steven Cheung16 e Barry Eichengreen e Douglass North17,
nobel de economia, que contribuiu ligando Instituições ao Desenvolvimento Econômico.
Microinstituições são aquelas que regulam uma transação específica. Os destaques são:
Yoram Barzel18 e Oliver Willianson19.
16 CHEUNG, S. N. S. “On the New Institutional Economics”. In Contract Economics, Werin e Wijkander editors. Blackwel Ed., 1992.17 NORTH, D.C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge University Press. 1990.18 BARZEL, Y. Economic Analysis of Property Rights. Cambridge University Press. 1989.19 WILLIAMSON, O. E. The Economic Institutions of Capitalism. The Free Press. 1985.
27
No entanto, ambos os níveis analíticos da NEI partiram de uma referência comum, o
trabalho seminal de Coase (1937)20, nobel de economia, que contribuiu através do estudo da
natureza da firma e do direitos de propriedade, destacando a importância desses aspectos para os
custos de transação. A partir de Williamson (1991), a ligação entre o ambiente institucional e
estruturas de governança permitiu a construção de uma agenda comum de pesquisa, com a criação
da International Society of New Institutional Economics, em 1997. (AZEVEDO, 2000)
A coordenação entre os agentes econômicos é uma característica importante para a redução
dos custos de transação. No entanto, esta não é uma característica intrínseca aos sistemas de
produção.
Na tentativa de reduzir os custos de transação os agentes usam mecanismos para regular
uma determinada transação, denominadas “estruturas de governança”. Como exemplo, tem-se: o
mercado spot, contratos de suprimento regular, contratos de longo prazo com cláusulas de
monitoramento, integração vertical etc. A ECT parte de duas premissas: a) que os indivíduos são
oportunistas; b) e que a racionalidade é limitada. Por oportunismo entende-se que os indivíduos são
considerados fortemente auto-interessados; podendo, se for de seu interesse, mentir, trapacear, ou
quebrar promessas.
Já a premissa da racionalidade limitada deriva da noção de incompletude dos contratos, ou
seja, devido aos limites cognitivos que caracterizam os agentes, não é possível o estabelecimento de
contratos que dêem conta de todas as contingências futuras.
Como é presente o comportamento oportunista, essa renegociação sujeita uma parte ao
risco de que o outro agente aja de maneira oportunista para obter ganhos para si, impondo prejuízo
outra parte. Nas transações econômicas as partes agem precavendo-se do comportamento dos outros
agentes. Coleta de informações, salvaguardas contratuais e a utilização do sistema judiciário são
20 Os dois trabalhos memoráveis de Coase são: The Nature of the Firm (1937) e The Problem of Social Cost (1960), representando pontos focais para o desenvolvimento da NEI.
28
custos incorridos para se proteger da ação oportunista dos demais agentes. Todos estes custos são
custos de transação (ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005).
Na Economia Neoclássica, os direitos de propriedades são perfeitamente definidos e
seguros. Nenhum custo é incorrido na obtenção e defesa dos direitos de propriedades.
(ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005: 91). Coase (1960) apud Scare (2003), relaciona a garantia dos
direitos de propriedade às questões de eficiência econômica.
“ A definição dominante de direitos de propriedade, tanto em Economia como em Direito, é de propriedade como sendo um conjunto de direitos ( bundle of rights) sobre um recurso, que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra a interferência por outros agentes”. (ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005: 92).
Os direitos de propriedade não são absolutos e exigem esforços para que os proprietários
destes obtenham apoio e a proteção tanto dos outros agentes quanto do governo. Como exemplo,
tem-se o caso em que o dono de uma terra tem o direito de vendê-la, deixa-lá como herança ou
subdividi lá. No entanto, não tem o direito de impedir que os outros atirem por cima da sua terra, de
deixar a terra improdutiva, de se apropriar de minerais sob a terra, plantar maconha etc.
(ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005: 92).
Os direitos de propriedades não completamente seguros desestimulam os investimentos, o
que traz impactos importantes no desempenho econômico. Para Scare (2003), quando os direitos de
propriedade não são perfeitamente definidos nem completamente seguros, os custos de transação
são positivos.
As transações econômicas entre os agentes englobam a troca de diversos direitos de
propriedade. Barzel (1997) apud Scare (2003) define duas visões para os direitos de propriedade,
uma jurídica, outra econômica. Na dimensão jurídica os direitos de propriedade são aqueles
reconhecidos e garantidos pelo Estado. Na esfera econômica é visto como a capacidade ou
habilidade que um agente possui de consumir determinado recurso diretamente ou de forma residual
por meio de sua troca.
29
O trabalho de Zylberstajn e Sztajn (2005) aponta que a essência econômica do contrato é o
de promessa. Desta forma os agentes econômicos tendem a realizar investimentos com a redução
dos custos associados às futuras rupturas das promessas. Sendo a firma definida como um feixe de
contratos, estas representam arranjos institucionais que coordenam as transações que concretizam
promessas definidas pelo conjunto de agentes.
No olhar da ECT um contrato é uma maneira de coordenar as transações, propiciando
incentivos para que os agentes atuem de maneira harmoniosa na produção, o que permite que os
agentes independentes tenham incentivos para se engajarem na produção conjunta. Os contratos ou
arranjos institucionais, somados ao ambiente institucional, definem diversos mecanismos de
incentivos, assim como as principais sanções para o não cumprimento das promessas.
(ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005:104)
“Um contrato é um acordo, entre duas ou mais partes, que transmite direitos entre elas, assim como estabelece, exclui ou modifica deveres. Esse tipo de relação manifesta-se concretamente de diversos modos, variando em complexidade, forma, tempo, salvaguardas e capacidade de se fazer cumprir os termos acordados (enforcement)”. (ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005:113).
A teoria dos contratos revela a existência de custos relacionados ao desenho dos contratos,
custos de monitorar a execução, bem como custos para solução dos problemas que surgem a partir
do descumprimento. (ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005:105). Esses são os custos de transação.
Existem diferentes ênfases para análise dos contratos, a apresentada pela teoria da agência,
a da Análise Econômica do Direito, a da Nova Economia Institucional.
A teoria de agência considera a imprevisibilidade de desenhar contratos ótimos pelo fato
da existência de assimetria de informação. No entanto, esta não considera aspectos pós-contratuais,
sendo o papel das cortes indiferentes. Já a Nova Economia Institucional destaca a existência de
custos pós-contratuais devidos aos problemas de oportunismo dos agentes e mensuração. Na
Análise Econômica do Direito, a ênfase dá-se na lei ou a sua aplicação como premissa para alcance
da eficiência e bem-estar dos agentes. O foco de atenção se dá sobre a operação dos tribunais,
diferentemente da NEI, que privilegia os mecanismos privados para o desenho do contrato.
(ZYLBERSTAJN e SZTAJN, 2005: 109).
30
Para Pinto Júnior (2007), os diferentes tipos de contratos na indústria do GN são regidos
pelos critérios de continuidade e duração. Considerando o critério de continuidade, são possíveis
dois tipos de contratos: contrato firme e interruptível. Já pelo critério de duração, existe a
possibilidade de dois contratos, de longo prazo, para contratações superiores há um ano, e contratos
de curto prazo, geralmente para contratações de até seis meses.
As formas de organização industrial e os contratos tradicionalmente firmados na indústria
do GN busca reduzir os riscos dos investimentos necessários para a construção da infra-estrutura de
transporte e distribuição, prevendo a instituição de monopólios territoriais, a utilização de contratos
de longo prazo e política de preços administrados. (PINTO JÚNIOR, 2007).
Os contratos da indústria do GN são importantes instrumentos para se entender o
funcionamento desses mercados. No caso específico de contratos de importação de GN, torna-se
imprescindível o entendimento dos mecanismos de câmbio e comércio exterior, pois são regras
formais e ambiente institucional, em que as transações econômicas de importação do energético são
pautadas.
Segundo Baumann et al (2004:264), as transações comerciais e financeiras entre os países,
com seus sistemas monetários distintos, são intermediadas pela conversão (câmbio) entre suas
moedas, sendo a taxa de câmbio, a taxa em que se dá esta conversão.
A taxa de câmbio é o preço pelo qual as moedas são trocadas um pelas outras. Geralmente
a taxa de câmbio é definida como o preço da moeda estrangeira em termos da moeda doméstica. A
depreciação (apreciação) representa uma redução (majoração) no valor da moeda doméstica,
automaticamente gerando um aumento (redução) no valor da taxa de câmbio (CAVES et al,
2001:295).
Para CAVES et al (2001), existe uma simplificação quando se fala apenas taxa de câmbio
de um país, pois nas realidade, cada país possui várias taxas de câmbio, uma para cada uma das
outras moedas do mundo. A taxa de câmbio efetiva é uma medida ponderada de taxa de câmbio da
moeda doméstica em relação às moedas estrangeiras. Geralmente os pesos utilizados na ponderação
são as participações relativas no comércio com o país doméstico.
31
Como em qualquer outro mercado é fundamental entender a oferta e demanda no mercado
de câmbio. Assim como a oferta e demanda relativa a qualquer produto são funções de seu preço,
pode-se inferir a oferta e demanda de divisas externas como funções do preço da moeda, ou seja, da
taxa de câmbio.
A taxa de câmbio definida como o preço no mercado de câmbio varia em função dos
regimes de cambiais. Basicamente existem dois regimes cambiais: o de taxas flutuantes e o de taxas
fixas CARBAUGH (2004). Sob flutuação pura, o valor da taxa de câmbio deve ser aquele que
equilibra a oferta e demanda de divisas no mercado de câmbio. Em um regime de câmbio flutuante,
o aumento da demanda por divisas externas provoca um aumento na taxa de câmbio, sendo o
inverso também verdadeiro (ceteris paribus). No entanto, em um regime fixo de câmbio, o banco
central precisa intervir sempre que houver muita variação na demanda e oferta (CAVES et al,
2001:297)
2.4 Considerações finais do capítulo
Uma regulação eficiente é desejável para o desenvolvimento dos setores de infra-estrutura
por vários motivos, em especial: a) para prover regras claras e estáveis, particularmente na fixação
das tarifas, ela atenua a incerteza dos investidores e incentiva a entrada do capital privado. b) para
estimulo a competitividade e a eficiência no interior da indústria, ao remover as restrições à entrada,
assegurar o acesso das novas firmas às redes de transmissão e de transporte e fixar tarifas que
incentivem inovações tecnológicas e economia de custos. c) para que a sociedade se beneficie da
eficiência produtiva - economias de escala e minimização de custos - sem incorrer nos custos do
poder de monopólio - fixação de tarifas em níveis superiores ao custo médio.
O próximo capítulo apresentará as principais características do mercado de GN no Brasil e
no Mundo.
3. O MERCADO DE GÁS NATURAL NO MUNDO E NO BRASIL
32
Este capítulo apresenta uma breve síntese das principais características do mercado
mundial e brasileiro de gás natural. Em especial, se apresentam tópicos relativos aos aspectos de
oferta e demanda.
3.1. O mercado mundial de Gás Natural
O gás natural (GN) é um combustível fóssil, basicamente uma mistura de hidrocarbonetos
leves, encontrados em rochas porosas no subsolo, podendo estar associado ou não ao petróleo.
Atualmente é crescente o uso do gás natural na economia mundial e brasileira. Marco Polo teria
presenciado a utilização do GN em um templo no Oriente e também existiriam registros de seu uso
em Roma (50 A. C.) e na China (150 D.C.) (FERNANDES, 2000).
Efetivamente o primeiro centro regular de utilização de gás natural no mundo foi os
Estados Unidos, no início do século XIX. Este tinha uso restrito a algum tipo de aplicação próxima
às reservas, pela falta de infra-estrutura de transporte21. Considera-se o marco do início da indústria
americana de gás natural a criação, em 1889, da Standard Gas Trust, por J. D. Rockfeller, que já
detinha o monopólio do refino nos EUA. Apenas um ano depois, a empresa, que acabou adquirindo
a companhia de J.N. Pew, já detinha uma rede de 300 quilômetros de extensão e distribuía 7
milhões de m3 por dia de gás natural (Ibid: 2000:15).
A indústria mundial do gás natural desenvolveu-se lentamente até a década de 50 do século
XX, com exceção dos Estados Unidos22. No início do século passado o consumo mundial do GN
representava apenas cerca de 1% do total da energia primária comercializada. (Ibid: 2000:16).
Para Fernandes (2000:16), a elevação do preço do petróleo na década de 70 do século
anterior e o aspecto ambiental apelativo foram propulsores do consumo de gás natural, resultando
21 Somente depois do início da chamada “era do petróleo”, com as jazidas do coronel Drake em Titusville, Pennsylvania, é que foi estabelecido o primeiro sistema bem sucedido de transporte de gás por dutos. Construído em 1872, foi um duto de ferro batido de apenas 2,5 polegadas de diâmetro e aproximadamente 8 quilômetros de extensão do poço até a pequena vila.(BARLOW, CONNIE – 1995 apud FERNANDES, 2000).22 Em 1951, os EUA eram responsáveis por 92% da produção mundial comercializada e 95% do Consumo (BNDES (S.D) apud FERNANDES, 2000).
33
na construção de sistemas internacionais de gasodutos interligando países da América do Norte e
Europa aumentando a participação deste energético na matriz de energia mundial.
Atualmente o GN vem ganhando importância na Economia Mundial. É a terceira fonte de
energia primária, precedida somente pelo petróleo e carvão conforme dados relativos ao ano de
2004. (MME, 2006).
Gráfico 3.1 - Oferta Interna de Energia: Estrutura de Participação das Fontes (Mundo -2004)
Fonte: MME, 2006.
As principais reservas mundiais provadas de GN podem ser observadas na Tabela 3.1. No
Oriente médio estão localizadas as maiores reservas provadas de gás natural, com destaque para o
Irã (37,1%), Catar (35,65%), Arábia Saudita (9,57%) e Emirados Árabes Unidos (8,37%), somando
90,69% das reservas desta região.
A segunda maior concentração de reservas mundiais situa-se na Europa e Ex-União
Soviética, com destaque Rússia (55,35%), Reino Unido (8,29%), Noruega (8,01%), Holanda
(5,93%), Uzbequistão (5,25%) e Cazaquistão (2,21%), totalizando 86,4% das reservas desta região.
34
Tabela 3.1: As reservas mundiais provadas de gás natural segundo as regiões geográficas, até 31/12/2005.
RegiõesQuantidade
em Trilhões de m3
Participação relativa
(%)Oriente Médio 72,1 40,08Europa e Ex-União
Soviética
64,0 35,58
África 14,9 8,28Ásia e Pacifico 14,0 8,00América do Norte 7,5 4,17América Central e do Sul 7,0 3,89Total 179,9 100,00Fontes: ANP (2006a).
A América do Norte, África, Ásia e Pacifico conjuntamente apresentam 20,45 % do total
das reservas, sendo que os países de destaque são: os Estados Unidos da América com 5,45 trilhões
de m3; a Nigéria com 5,23 trilhões de m3 e a Austrália com 2,52 trilhões de m3 segundo dados ANP
(2006a).
Com relação à produção mundial de gás natural segundo as regiões geográficas, no ano de
2005, estão distribuídas conforme Tabela 3.2.
Tabela 3.2: Produção mundial de gás natural segundo as regiões geográficas, no ano de 2005Regiões Quantidade em Bilhões de m3 Participação relativa (%)Oriente Médio 292,5 10,58Europa e Ex-União
Soviética1.061,2 38,40
África 163,0 5,90Ásia e Pacifico 360,1 13,03América do Norte 750,7 27,15América Central e do Sul 136,4 4,94Total 2.763,9 100,00
35
Fontes: ANP (2006a).
Embora as maiores reservas provadas de gás natural, estejam localizadas no Oriente
Médio, conforme dados apresentados na tabela 3.1, é na Europa e Ex-União Soviética que a
produção se dá com maior intensidade, com destaque para Rússia, a maior produtora individual do
mundo, com 598 bilhões de m3, cerca de 56,35% da produção desta região e 21,34% em relação à
produção mundial, seguida pela Noruega, 8% da produção desta região, em 2005. (ANP, 2006a).
Na Tabela 3.2 verifica-se 27,15% da produção mundial de GN do ano de 2005 na América
do Norte. É importante ressaltar a participação dos EUA, que foi o 2º maior produtor individual de
GN no mundo, produzindo em 2005 525,7 bilhões de m3, ou seja, 19,01% e 70% da produção da
América do Norte.
No Oriente médio onde estão localizadas as maiores reservas provadas de gás natural, o
destaque na produção de 2005 foram o Irã (29,74%), a Arábia Saudita (23,76%), os Emirados
Árabes Unidos (15,73%) e o Catar (14,77%), somando 84% da produção desta região, segundo
dados da ANP (2006a).
A produção africana de em 2005 representou 5,9% da mundial. Os maiores produtores
desta região foram: Argélia, Egito e Nigéria com 53,86%, 21,28 e 13,37%, respectivamente.
A menor produção mundial do GN ocorre na América Central e Sul, representando em
2005 apenas 4,4% desta. Os maiores produtores desta região em 2005 foram à Argentina, Trinidad
Tobago, Venezuela, Brasil e Bolívia, com participação de 33,42%, 21,25%, 21,18%, 8,97% e
7,62%, respectivamente.
A tabela 3.3 apresenta o tempo de duração das reservas de GN no mundo em anos
considerando o mesmo ritmo de produção e a não descoberta de novas reservas. De acordo com
esses dados verifica-se que mantido o ritmo de produção mundial do GN e não havendo nenhuma
descoberta de reservas, ainda existe o potencial de exploração das atuais reservas por 65,09 anos.
As reservas localizadas no Oriente Médio representam mais de 40% das reservas mundiais,
aliado ao pequeno ritmo de produção, cerca de apenas 10% da produção mundial, é a região com
36
maior tempo para exaustão da reservas atuais do GN, 246,50 anos. A previsão de exaustão das
reservas provadas de GN na América do Norte é de aproximadamente 10 anos.
Tabela 3.3: Tempo de exaustão das Reservas Mundiais de GN segundo as regiões geográficas, no ano de 2005
RegiõesReservas
em Trilhões de m3
Produção
em Bilhões de m3Anos*
Oriente Médio 72,1 292,5 246,50Europa e Ex-União
Soviética64,0 1.061,2 60,31
África 14,9 163,0 91,41Ásia e Pacifico 14,0 360,1 38,88América do Norte 7,5 750,7 9,99América Central e
do Sul7,0 136,4 51,32
Total 179,9 2.763,9 65,09Fontes: ANP (2006a). *dados calculados pelo autor, resultante da divisão das reservas pela produção.
Apesar de na Europa e Ex-União Soviética a produção se efetivar com maior intensidade,
com destaque para Rússia, a maior produtora individual do mundo, a previsão de exaustão de suas
reservas se dará em 60 anos, mantido o mesmo ritmo de produção e não havendo descobertas de
reservas.
As reservas da América Central e do Sul representam conjuntamente apenas 3,89% das
reservas mundiais, sendo a menor participação em nível mundial. O ritmo de produção também é o
menor, 4,94% da produção mundial, mantido esse nível produção suas reservas se esgotarão em
51,32 anos.
3.2 O mercado de Gás Natural no Brasil
Segundo Laureano (2005:90), a história do gás canalizado no Brasil teve início no Rio de
Janeiro em 1851, quando o Barão de Mauá assinou um contrato para iluminação a gás na cidade do
Rio de Janeiro. Neste cenário, em 1854 foi fundada a Companhia de Iluminação a Gás23, que após
três anos fornecia gás para iluminação de 3.027 lampiões públicos, 3.200 residências e três teatros.
23 Em 1865 esta foi vendida para uma companhia inglesa que assumiu os serviços de gás através da Rio de Janeiro Gás Company Limited.(LAUREANO, 2005:90). A distribuição de gás natural somente ocorre em 1982. (CATARINA, 2002:69).
37
Corroborando com este autor, Fernandes (2000:62), Montes (2000:05), Kerkis (2004:11),
confirmam que a indústria do gás no Brasil é centenária, tendo início na cidade do Rio de Janeiro,
em 1851, quando Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, assinou o contrato para iluminação
pública, que determinava a construção de uma fábrica de gás de carvão no centro da cidade e a
instalação de canalizações em perímetros determinados, a Companhia de Iluminação a Gás, atual
CEG – Companhia Distribuidora de Gás do Rio de Janeiro.
Em 1872 ocorreu expansão do uso do gás canalizado para a cidade de São Paulo. A
empresa inglesa San Paulo Gas Company24 recebeu autorização imperial para a exploração dos
serviços de iluminação da cidade (LAUREANO, 2005).
Com a descoberta do petróleo e o GN na Bahia, a partir de 1940, o GN passou a ser
produzido em 1954. Em 1959, o estado já alcançava 1 milhão de m3, e em 1969 ultrapassava os 3
milhões de m3. Nos demais estados do nordeste, a produção só veio a tomar impulso na década de
70, com o desenvolvimento dos campos de Sergipe e Alagoas. A produção total nacional, em 1975,
era de 4.451 mil m3/dia, sendo que o nordeste representava cerca de 99% da produção nacional
( FERNANDES, 2000).
A partir dos choques do petróleo, na década de 70, foi iniciado no Brasil o
desenvolvimento de programas que objetivavam buscar fontes alternativas ao petróleo e seus
derivados no País. Isto explica, em parte, a forte queda da dependência energética desses
energéticos ao longo da década de 80 ANP (2004a).
O mesmo estudo aponta que o petróleo e derivados foram, em grande medida, substituídos
por eletricidade, principalmente para fins industriais. A abundância de recursos hídricos e a
conclusão de grandes empreendimentos em hidrelétricas propiciaram grande reestruturação.
As descobertas na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, fez com a produção nacional
passasse de uma média anual de crescimento de 5% a.a., na década de 70, para 19,5% no período
24 Futuramente conhecida como Comgás – Companhia de Gás de São Paulo, que detém até hoje a maior parcela da distribuição do GN neste Estado. Tal autorização deu-se por meio do Decreto imperial Nº 5.071 - implantação do gás natural somente no final da década de 1980 (CATARINA, 2002:69).
38
80-85. Após este primeiro incremento no período, a Bacia de Campos, a partir de 1994, apresentou
um novo salto significativo na produção de gás, com aumento superior a 50%, enquanto que a
produção no estado da Bahia se mantém constante (FERNANDES, 2000).
Durante a década de 90 foram efetuadas importantes mudanças no setor energético
brasileiro, com a finalidade metas de política energética objetivando a melhoria do bem estar social.
O modelo de abertura ao capital privado do setor de gás natural teve início a partir da Emenda
Constitucional Nº 09, de 1995, que trouxe a quebra do monopólio da Petrobras no setor de petróleo
e gás natural. (ANP, 2004a).
Com o advento da Lei 9.478/97, conhecida como Lei do Petróleo, houve um reforço na
intenção de ampliar a participação privada na indústria de gás natural, criando inclusive a própria
Agência de Regulação do setor, a ANP e o Conselho Nacional de Política Energética – CNPE. O
quadro 3.1 apresenta os principais eventos que ocorrem na indústria nacional de GN.
O advento do Programa Prioritário de Termeletricidade, no ano de 2000, representou um
passo fundamental na história da indústria nacional do GN, ratificando a condição de consumo-
âncora da termoeletricidade para a criação de um mercado de gás natural no Brasil. Este programa
habilitou 49 projetos térmicos prioritariamente, sendo 43 direcionados ao consumo de gás natural
como combustível, com prazo de 2003 para entrada em operação e a potência total prevista de
17.105 MW, sendo 15.319 MW baseados no GN. (ANP, 2001a). Desse total, apenas 10.200 MW se
viabilizaram, mas atualmente, segundo termo de compromisso entre a ANEEL e a Petrobrás, só tem
gás para 3.900 MW.
Quadro 3.1 - Marcos relevantes na evolução da Indústria de GN no Brasil
ANO FATO1953 Lei 2004 – Monopólio de Petróleo: Petrobras1960 Criação do Ministério de Minas e Energia1991 Carta de Intenções sobre Integração Energética entre Brasil e Bolívia
(Petrobras, YPFB e Ministério de Hidrocarbonetos e Mineração da
Bolívia)1993 Contrato de Compra e Venda de Gás entre a Petrobras e a YPFB1995 Emenda Constitucional Nº 09/95 – Fim do monopólio legal da
Petrobras
39
1996 Protocolo de Intenções entre Brasil e Argentina sobre Integração em
Questões Energéticas1997 Lei Nº 9.478 - Criação da ANP e do CNPE. Aprovação do
financiamento, por parte de organismos multilaterais de crédito, do
projeto do gasoduto Bolívia – Brasil1999 Assinatura de contratos de transporte e início de operação comercial no
Gasbol Memorandum de Entendimento relativo aos Intercâmbios
Gasíferos entre os Estados do Mercosul1999 Petrobras foi à pioneira na importação, adquirindo gás boliviano, sendo
este, escoado através do GASBOL2000 Programa Prioritário de Termeletricidade – definição dos projetos
termelétricos integrantes do PPT.2001 O racionamento de energia elétrica foi decretado em 01/07/2001, com
fim em maio de 2002. Fonte: elaborado pelo autor a partir de ANP (2002a), ANP (2004a), ANP (2006b).
A maior participação do GN na Matriz Energética do Brasil é um fato evidente e vem
ocorrendo, tanto pelo crescimento da produção nacional como pelo aumento das importações.
Segundo dados do MME (2006), no ano de 1999 a participação do GN na matriz correspondia a
4,1%, sendo que em 2005 passou a 9,4 % de toda oferta interna de energia no Brasil.
A tabela 3.4 apresenta as reservas provadas de GN no Brasil, discriminadas por Estados.
As maiores reservas provadas de gás natural no Brasil estão situadas nos Estados do Rio de Janeiro,
Amazonas, Espírito Santo e São Paulo, representando cerca 84,2% do total. Merece destaque o
Estado do Rio de Janeiro com 47, 448 % das reservas provadas.
Tabela 3.4: Reservas provadas de gás natural (milhões m3), segundo Unidades da Federação, em 31/12/2005.
Unidades da Federação Quantidade Participação relativa (%)Amazonas 51.465,40 16, 797Ceará 994, 71 0, 325Rio Grande do Norte 17.617,76 5, 750Alagoas 4.608,05 1, 504Sergipe 3.518,62 1, 148Bahia 21.766,57 7, 104Espírito Santo 32.328,55 10, 551Rio de Janeiro 14.5377,60 47, 448São Paulo 28.695,69 9, 366Paraná 14,61 0, 005
40
Santa Catarina 7,31 0, 002Total 306.394,87 100,000Fontes: ANP (2006a).
Com relação à produção de gás natural no Brasil, a maior participação encontra-se na
região Sudeste, respondendo por 50,04% do total (Tabela 3.5). É importante ressaltar, que a região
Centro-Oeste por não apresentar reservas de gás natural automaticamente também não produz.
A região Sul é a que apresenta menor produção, sendo que o Estado do Paraná produziu
0,38% da produção nacional no ano de 2005. Apesar da existência de reservas provadas de gás
natural no Estado de Santa Catarina, não há registro de produção.
Tabela 3.5: Produção de gás natural (milhões m3), segundo Unidades da Federação, em 31/12/2005.Regiões/Unidades da Federação Quantidade Participação relativa (%)Norte 3.587 20,24Amazonas 3.587 20,24Nordeste 5.198 29,34Ceará 111 0,63Rio Grande do Norte 1.317 7,43Alagoas 1.169 6,60Sergipe 618 3,49Bahia 1.984 11,20Sudeste
8.866 50,04Espírito Santo 519 2,93Rio de Janeiro 7.967 44,96São Paulo 380 2,14Sul 68 0,38Paraná 68 0,38Total 17.719 100Fontes: ANP (2006a).
A tabela 3.6 apresenta o tempo de duração das reservas de GN no Brasil em anos
considerando o mesmo ritmo de produção e a não descoberta de novas reservas.
De acordo com os dados da tabela 3.6 verifica-se que mantido o ritmo de produção
nacional do GN e não havendo nenhuma descoberta de reservas, ainda existe o potencial de
exploração das atuais reservas por 17,29 anos.
41
Apesar de o Rio de Janeiro apresentar as maiores reservas provadas de GN, cerca de 50%
das reservas nacionais, também apresenta elevado nível de produção. Se mantido este ritmo suas
reservas se esgotaram em aproximadamente 18,25 anos. Já os Estados de São Paulo e Espírito Santo
são os que apresentam individualmente o maior tempo para exaurir suas reservas se mantido o nível
de produção atual, 75,51 e 62,29 anos, respectivamente.
Tabela 3.6: Tempo de exaustão das Reservas provadas de gás natural em anos, segundo Unidades da Federação, em 31/12/2005.
Unidades da FederaçãoReservas em
103 m3
Produção em
103 m3Anos
Amazonas 51.465,40 3.587 14,35Ceará 994, 71 111 8,96Rio Grande do Norte 17.617,76 1.317 13,38Alagoas 4.608,05 1.169 3,94Sergipe 3.518,62 618 5,69Bahia 21.766,57 1.984 10,97Espírito Santo 32.328,55 519 62,29Rio de Janeiro 145.377,60 7.967 18,25São Paulo 28.695,69 380 75,51Paraná 14,61 68 0,21Santa Catarina 7,31 - -Total 306.394,87 17.719 17,29Fontes: ANP (2006a). *dados calculados pelo autor, resultante da divisão das reservas pela produção.
As reservas do Estado do Amazonas representam 16,79% das reservas nacionais, mantido
seu atual nível produção do GN estas se esgotaram em 14,35 anos.
As situações mais preocupantes são as dos Estados do Sergipe, Alagoas e Paraná, sendo
que a previsão de exaustão de suas reservas são respectivamente, 5,69; 3,94 e 0,21 anos de acordo
com os dados da tabela 3.6.
3.3 Notas sobre a recente relação Brasil - Bolívia
42
A construção do gasoduto Brasil-Bolívia (GASBOL)25 trouxe ao mercado nacional um
impulso decisivo para este setor em especial, como infra-estrutura básica para o processo de
importação, propiciando o surgimento de novos negócios e a multiplicação de projetos de usinas
termelétricas ao seu trajeto (FERNANDES, 2000).
A importação de gás natural no Brasil teve seu início em julho de 1999, regulamentada
pela portaria Agência Nacional de Petróleo – ANP nº 43, de 15 de abril de 1998, onde se estabelece
que a importação de gás natural somente seja efetuada mediante prévia e expressa autorização da
ANP. (ANP, 1998a). A Petrobras foi à pioneira na importação, adquirindo gás boliviano, sendo este
escoado através do GASBOL. Já em Mato Grosso, a importação se inicia em agosto de 2001, sendo
o GN escoado por um ramal do mesmo gasoduto.
Os dados da tabela 3.7, demonstram a existência de crescimento contínuo da oferta de gás
natural desde o ano de 1999, sendo que a participação relativa das importações na oferta total vem
aumentando significativamente, saltando dos 3% no ano de 1999 para a expressiva participação de
34% da oferta total do GN no Brasil em 2005.
Verifica-se que o volume importado no ano de 2005 é quatro vezes superior ao volume
importado no ano de 2000, ano em que se registrou a importação em todos os meses, sendo,
portanto, o primeiro ano passível de comparação.
Tabela 3.7. Balanço do gás natural no Brasil
Especificação Anos1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Importação
(106m3) 400,25 2.210,57 4.603,01 5.269,27 5.946,86 8.086,09 8.997,55 Importação
(%) 0,03 0,14 0,25 0,25 0,27 0,32 0,34Produção
(106m3) 11.855,18 13.282,88 13.998,80 15.525,15 15.792,06 16.971,16 17.699,20Produção
(%) 0,97 0,86 0,75 0,75 0,73 0,68 0,66Total (106m3) 12.255,43 15.493,45 18.601,81 20.794,43 21.738,92 25.057,25 26.696,75
25 A respeito do processo de construção deste gasoduto uma boa referência encontra-se em: MARTA (2002).
43
Fonte: ANP, 2006a. Com adaptações efetuadas pelo autor.
Segundo estudo do BNDES (2006), a alteração do marco regulatório boliviano para
exploração do GN pode ser sentida pela grandeza de sua participação na oferta interna do produto
ao Brasil.
Atualmente, o Brasil importa o GN apenas de dois países, a Bolívia26 e a Argentina. A
Tabela 3.8 apresenta os dados de importação do GN, segundo os países de procedência.
Tabela 3.8. Importação de gás natural, segundo países de procedência (milhões m3). 1996 - 2005
PaísesAnos
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
%/Total 0,00 0,05 0,16 0,09 0,06 0,06 0,04
Argentina 0,00 106,00 753,00 492,00 350,00 451,00 349,00
%/Total 1,00 0,95 0,84 0,91 0,94 0,94 0,96
Bolívia 400,25 2.105,00 3.850,00 4.777,00 5.597,00 7.635,00 8.648,00 Total (a+b) 400,25 2.210,57 4.603,01 5.269,27 5.946,86 8.086,09 8.997,55
Fonte: ANP, 2006a. Com adaptações efetuadas pelo autor.
No ano de 1999, o Brasil importou o GN em sua totalidade da Bolívia. Já no ano de 2000 a
Argentina aparece no cenário com uma representatividade 5% das importações atingindo, no ano de
2001, a marca de 16%, sua maior participação no período apresentado. Este fato deve-se à maior
demanda para a produção de energia elétrica através da Usina Termelétrica de Uruguaiana – RS
neste período, sendo este importado pela empresa Sulgás e escoado pelo Trecho I do gasoduto
Uruguaiana-Porto Alegre. A Bolívia é o maior exportador, representando em média para o período
93,43% das importações brasileiras de GN. A crise da Argentina quase zerou a importação.
26 “Da Bolívia saem quatro gasodutos de exportação, dois para a Argentina (Gasoduto Ramos Bermejo e Gasoduto Campo Duran - Madrejones) e dois para o Brasil (Gasoduto Bolívia-Brasil e Gasoduto Lateral Cuiabá). No atual momento, entretanto, o abastecimento de gás natural advindo da Bolívia está regado de incertezas, dadas as alterações recentes na reestruturação institucional do setor petrolífero boliviano, em particular, e, em maior escala, em função das indefinições de cunho político que ora estão sendo promovidas pelo governo eleito no último ano” (MATHIAS et al, 2006).
44
Segundo estudo da ANP (2004b), a Bolívia27 é um exportador liquido de gás natural e seu
principal mercado é o Brasil, seguido da Argentina. A demanda externa de gás boliviano aumentou
cerca de 237% no período 1999-2002 com o início das exportações para o Brasil via o GASBOL.
A crise de energia elétrica em 2001 forçou o governo a adotar um programa emergencial
de consumo de termelétricas a GN com o intuito de diversificar a fonte de geração elétrica, até
então fortemente dependente da energia hidrelétrica (BNDES, 2006). O advento do Programa
Prioritário de Termeletricidade no ano de 2000 representou um passo fundamental na história da
indústria nacional do GN, ratificando a condição de consumo-âncora da termoeletricidade para a
criação de um mercado de gás natural no Brasil. Este programa habilitou 49 projetos térmicos
prioritariamente, sendo 43 direcionados ao consumo de gás natural como combustível, com prazo
de 2003 para entrada em operação e a potência total prevista de 17.105 MW, sendo 15.319 MW
baseados no GN. (ANP, 2001a). Esta crise energética foi decisiva para a maior participação do GN
na Matriz Energética do Brasil, seja pelo crescimento da produção nacional e/ou do aumento das
importações GN.
Recentemente as alterações do marco regulatório da Bolívia28 para a exploração do GN,
por conta da Lei 3.058, de 17 de maio de 2005, Ley de Hidrocarburos, onde fora instituído o
Imposto Direto aos Hidrocarbonetos, que passou a taxar o GN na “boca do poço” com uma alíquota
de 32%, aumentando consideravelmente a participação do governamental, dos anteriores 18% do
valor bruto da produção para 50% desta, refletiu significativamente na relação comercial Brasil –
Bolívia. (BNDES, 2006).
A Bolívia, que através do GN mantém sua economia, virou o centro das atenções após
decreto da 3ª nacionalização de seus poços petroleiros. O governo de Evo Morales tinha o
compromisso eleitoral e estava em jogo o cumprimento do plebiscito do gás, realizado em julho de
2004, ainda no governo de Carlos Mesa, e ratificado pela lei 3058, de 17 de maio de 2005. O Estado
Boliviano recupera e exercerá através da YPFB o direito de propriedade dos hidrocarbonetos. Todas
27 Cumpre ressaltar que o mercado interno de gás natural na Bolívia é muito pequeno e pouco desenvolvido. (ANP, 2004b).28 As maiores reservas do país se encontram no sul do território boliviano. Os principais campos são: Margarita (operado pela Maxus, empresa subsidiária da Repsol - YPF), San Alberto e San Antônio (operados pela Petrobras Bolívia) e Itaú (operado pela Total Bolívia). Esses quatro campos representam 83,3% das reservas do país. (REAL, 2002)
45
as empresas que exerciam as atividades de exploração e comercialização do GN deveriam
converter, obrigatoriamente, as modalidades de contratos estabelecidas pela nova lei em um prazo
da 180 dias (SANTOS, 2006).
Importantes modificações foram introduzidas pelo Decreto 28.701 (de nacionalização das
reservas) 29, anunciado no dia 1º de maio de 2006. Este teve reflexo imediato nas relações
comerciais entre o Brasil e a Bolívia neste mercado. As principais definições foram: a) a
participação governamental passa a ser ainda maior, representando 82% do valor bruto da produção
(18% de royalties e participações, 32% de imposto direto sobre os hidrocarbonetos e 32% através de
uma participação adicional para a YPFB) para campos que produzem mais de 2,8 milhões de
m3/dia; b) As empresas produtoras de óleo e gás têm que entregar toda a produção à YPFB, que se
encarregará da sua distribuição e comercialização, inclusive, na definição dos seus volumes e
preços; c) Os novos contratos de exploração de gás e petróleo a serem firmados na Bolívia ficam
sujeitos à aprovação e autorização do Poder Legislativo do País. (BNDES, 2006).
A decisão de nacionalização das reservas envolve a definição dos direitos de propriedades.
Assim como na teoria, a indefinição destes direitos desestimulam os investimentos, o que traz
impactos importantes na performance econômica do país. Como os direitos de propriedade não são
perfeitamente definidos nem completamente seguros, os custos de transação são positivos, gerando
reflexos nos investimentos, que decrescem, dado o oportunismo.
Para Moreira et al (2007a), o retorno de políticos nacionalistas nos países sul-americanos30,
gerando perda de atuação dos órgãos reguladores e instabilidade político-institucional, em especial
na Bolívia, principal fornecedor para o Brasil, gera grande dúvida com relação à segurança do
abastecimento para os próximos anos.
Segundo estudo do BNDES (2006), a alteração do marco regulatório boliviano bem como
o descumprimento dos contratos elevaria consideravelmente as incertezas com relação ao
29 Sendo esta a 3ª nacionalização da Bolívia, a primeiro fora realizada em 1937 e a segunda em 1969.
30 A tarefa de harmonização das normas regulatórias é complexa em uma região com grande instabilidade de ordem política, econômica e ideológica. Hoje mais do que nunca a energia é um tema tratado com grande viés diplomático na América do Sul. (MOREIRA e REGRA, 2007).
46
fornecimento e preço do GN boliviano. Neste ambiente, os prováveis impactos nos investimentos
brasileiros seriam: a) redução ou até mesmo cancelamento de investimentos na ampliação do
GASBOL, sendo esta vinculada ao aumento da produção boliviana; b) desaceleração de
investimentos da Malha de Transporte no Brasil, pelo mesmo fator; c) revisão do plano de expansão
dos investimentos das distribuidoras estaduais no Brasil em redes de distribuição; d) aumento
significativo de custos para os grandes consumidores do GN, especialmente, os setores industriais;
e) aceleração dos investimentos na exploração e produção de GN de origem nacional, em especial,
na Bacia do São Francisco, Bacia do Espírito Santo e na Bacia de Santos.
A economia dos custos de transação mostra que a construção de marcos regulatórios bem
definidos, com regras claras de retornos dos investimentos, monitoramento de acesso às redes e
controle da concorrência nos serviços liberalizados, propicia um ambiente profícuo ao investimento
privado. As mudanças no ambiente institucional, com alterações do marco regulatório boliviano,
altera significativamente as regras do jogo e afeta diretamente os contratos.
.
O GN da Bolívia se destina a seis estados brasileiros: São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraná. Os dois primeiros apresentam uma
dependência de (70%) do GN boliviano, sendo os últimos totalmente dependentes. (BNDES, 2006).
Outro relevante impacto está relacionado à proximidade da expiração dos contratos de GN
nacional, que provavelmente convergirão para patamares semelhantes aos importados. Os custos
crescentes do GN importado devem influenciar o preço do GN nacional, o que refletiriam para as
outras distribuidoras estaduais que não utilizam o GN boliviano.
A interdependência entre o Brasil e a Bolívia no mercado do GN, que parecia estar
equilibrada até o início de 2005, volta-se favoravelmente à Bolívia31, que está disposta a maximizar
31 Os projetos de nacionalização da reservas e de fortalecimento da YPFB já faziam parte de todos os programas de governo dos oito partidos que concorriam a presidência da Bolívia. O aumento da tributação e nacionalização da reservas já eram assuntos consolidados, e certamente, a sociedade boliviana iria pressionar para que houvesse a recuperação total, pelo Estado, sobre os recursos energéticos. (SANTOS, 2006).
47
seus ganhos na relação comercial, ciente da grande dependência que o Brasil32 apresenta diante do
energético boliviano.
Para Moreira et al (2007) existe uma insegurança na capacidade de abastecimento do GN,
tendo em vista o contexto de esgotamento da capacidade de ampliação da oferta no curto-prazo e de
incertezas advindas das fontes externas de suprimento. Está evidenciada a preocupação com os
meios de se garantir um abastecimento contínuo e em volumes adequados para o atendimento à
demanda de gás natural no país, o que, obviamente, traz reflexo imediato nas negociações de
volumes e preços, ou seja, nas definições dos contratos.
Com relação ao preço do GN, seja de origem nacional ou importada, este é formado
basicamente por duas parcelas, o preço da commodity e o preço do transporte. O GN geralmente é
comercializado em US$/MMBTU. A Tabela 3.9 apresenta os preços do GN produzido no Brasil e
importado da Bolívia, no período entre o terceiro trimestre de 1999 ao último trimestre de 2005.
Como se observa na tabela 3.9 fora confirmada a expectativa de conversão dos preços do
GN nacional a patamares semelhantes ao GN importado da Bolívia após alterações do marco
regulatório boliviano na exploração do GN com consolidação das medidas listada na Ley de
Hidrocarburos em 2005 e do decreto de nacionalização das reservas em 2006.
A tabela 3.10 apresenta o valor do GN adquirido pela UTE Cuiabá I e o preço de mercado
do GN importado da Bolívia para o período entre o terceiro trimestre de 2001 ao último trimestre de
2006. Observa-se que para todo o período os preços de mercados variaram muito acima do preço
pago pela UTE Cuiabá I a Bolívia. Os preços de mercado atingiram no quarto trimestre de 2005
uma variação superior a 260,00% em relação ao preço pago pela UTE Cuiabá I a Bolívia.
32 Com relação aos riscos envolvidos nas atividades do GN, o Brasil apresenta três tipos de dependências: a) dependência de importação, quase a metade da oferta de GN é proveniente de importação; b) dependência de trânsito, esta associada a malha de gasodutos ainda incipiente, com pouca capacidade ociosa, com pouca flexibilidade para atendimento de demanda eventuais e c) dependência da instalação, inflexibilidade das atuais redes de gasodutos, onde qualquer interrupção ou rompimento em qualquer elo da cadeia gera grandes impactos a todo o sistema.(MOREIRA et al, 2007).
48
Tabela 3.9 – Preço do GN, nacional e importado – US$/MMBTU (Commodity + transporte) – 3º
Trim./1999 – 4º Trim./2006.
Trimestre/ AnoProduzido no
Brasil(a)
Importado da Bolívia
(b)
Variação((b/a)-1)
III. 1999 1,66 2,55 53,61%IV. 1999 1,61 2,85 77,02%
I. 2000 1,95 2,94 50,77%II. 2000 2,00 3,13 56,50%
III. 2000 2,16 3,23 49,54%IV. 2000 2,20 3,35 52,27%
I. 2001 2,17 3,48 60,37%II. 2001 1,97 3,34 69,54%
III. 2001 1,79 3,24 81,01%IV. 2001 1,93 3,19 65,28%
I. 2002 2,06 3,04 47,57%II. 2002 1,85 3,01 62,70%
III. 2002 1,61 3,17 96,89%IV. 2002 1,55 3,32 114,19%
I. 2003 2,23 3,38 51,57%II. 2003 2,65 3,38 27,55%
III. 2003 2,70 3,38 25,19%IV. 2003 2,73 3,38 23,81%
I. 2004 2,74 3,40 24,09%II. 2004 2,80 3,40 21,43%
III. 2004 2,67 3,40 27,34%IV. 2004 2,86 3,40 18,88%
I. 2005 2,98 3,56 19,46%II. 2005 3,21 3,56 10,90%
III. 2005 3,49 3,72 6,59%IV. 2005 4,00 4,29 7,25%
I. 2006 n.d n.d n.dII. 2006 n.d n.d n.d
III. 2006 n.d n.d n.dIV. 2006 n.d n.d n.d
Fonte: BNDES (2006).
49
Tabela 3.10 – Comparação do preço do GN importado pela UTE Cuiabá I e o de mercado
(importado da Bolívia). Preço do GN – US$/MMBTU (Commodity + transporte) – 3º Trim./2001 –
4º Trim./2006.
Trimestre /AnoPreço do contrato da
UTE Cuiabá I (a)
Preços de Mercado do GN importado
da Bolívia(b)
Variação((b/a)-1)
III. 2001 1,19 3,24 172,27%IV. 2001 1,19 3,19 168,07%
I. 2002 1,19 3,04 155,46%II. 2002 1,19 3,01 152,94%
III. 2002 1,19 3,17 166,39%IV. 2002 1,19 3,32 178,99%
I. 2003 1,19 3,38 184,03%II. 2003 1,19 3,38 184,03%
III. 2003 1,19 3,38 184,03%IV. 2003 1,19 3,38 184,03%
I. 2004 1,19 3,40 185,71%II. 2004 1,19 3,40 185,71%
III. 2004 1,19 3,40 185,71%IV. 2004 1,19 3,40 185,71%
I. 2005 1,19 3,56 199,16%II. 2005 1,19 3,56 199,16%
III. 2005 1,19 3,72 212,61%IV. 2005 1,19 4,29 260,50%
I. 2006 1,19 n.d n.dII. 2006 1,19 n.d n.d
III. 2006 1,19 n.d n.dIV. 2006 1,19 n.d n.d
Fonte: BNDES (2006), com alterações efetuadas pelo autor.
O preço do GN importado em outros países do mundo, entre eles Estados unidos,
Alemanha, Espanha, ultrapassaram a marca dos US$ 5/MMBTU, um valor superior a 17 % ao
observado na importação do GN importado da Bolívia e 320% superior ao pago pela UTE Cuiabá I
a Bolívia no mesmo período. (IEA, 2006).
50
3.4 Considerações finais do capítulo
A maior participação do GN na Matriz Energética do Brasil é um fato evidente e vem
ocorrendo, tanto pelo crescimento da produção nacional quanto pelo aumento das importações. A
Bolívia é o principal exportador de GN para o Brasil, o que eleva o grau dependência e afeta as
relações comerciais significativamente. Importantes mudanças institucionais ocorreram na Bolívia,
alterando o marco regulatório da indústria do GN. Estas alterações, bem como o descumprimento
dos contratos, elevaram consideravelmente as incertezas com relação ao fornecimento e preço do
GN boliviano ao Brasil. Em especial, a decisão de nacionalização das reservas envolveu a
definição dos direitos de propriedades. Para a ECT as indefinições destes direitos desestimulam os
investimentos, o que traz impactos importantes no desempenho econômico do país.
No próximo capítulo tem-se a apresentação das principais características, desde o processo
de formação, a regulação e os principais entraves ao desenvolvimento do mercado GN em Mato
Grosso.
51
4. O MERCADO DE GÁS NATURAL EM MATO GROSSO
Este capítulo apresenta as principais características do mercado de gás natural de Mato
Grosso e a regulação deste setor, desde seu processo de formação. A figura 4.1 apresenta uma
síntese da atual configuração do Sistema de Distribuição do GN em Mato Grosso: as fases da cadeia
produtiva do GN (produção, transporte e distribuição); A competência da regulação está dividida
entre estas fases da cadeia, com produção e transporte no âmbito da ANP (e, portanto, da União) e a
distribuição no âmbito da AGER (do Estado); os principais agentes do mercado são identificados
pelas fases da cadeia.
Figura 4.1 - Sistema de Distribuição do GN em Mato Grosso
Concessionária -MTGÁS (City
Gate)
5.Termoelétrico -( Usina Termelétrica Cuiabá I - Usuário Livre)
2.Industrial -( Sadia Oeste)
3. Residencial – sem
consumidores no momento
Consumidores (segmentos da cadeia)
1,2,3,4 e 5
Fornecedora de GN para a
Concessionária - Centro Oeste Gás
Ltda
Transporte Virtual – GNV – MT
País Exportador de GN - Bolívia
Gasoduto Later al
Cuiabá
1.GNV –(5 Postos)
2.Transporte
1.Produção
3.Distribuição
Transportadora – Gasocidente do Mato Grosso Ltda
4.Co-geração e outros – sem consumidores
no momento
AGER
ANP
52
Fonte: dados da pesquisa
4.1 Determinantes da oferta de Gás Natural em Mato Grosso
A regulação das atividades do setor de gás no Brasil é de responsabilidade federal
(produção e transporte) e estadual (distribuição). No âmbito federal, a regulação é feita pela
Agência Nacional de Petróleo – ANP, e suas atividades compreendem: a concessão de áreas de
exploração e produção do petróleo e gás natural, autorização para importação, transporte, refino etc.
Em âmbito estadual a Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Estado
de Mato Grosso – AGER, criada pela Lei Estadual nº 7101, de janeiro de 1999, alterada pela Lei
complementar de nº 66, de 22 de dezembro de 1999, é órgão responsável pela regulação das
atividades de distribuição. Suas atividades compreendem, observada a competência própria dos
outros entes federados: controlar e fiscalizar, bem como, se for o caso, normatizar, padronizar,
conceder e fixar tarifas dos serviços delegados, em decorrência de norma legal ou regulamentar,
disposição convenial ou contratual, ou por ato administrativo do Estado de Mato Grosso. ( MATO
GROSSO, 1999a; MATO GROSSO, 1999b).
Em 28 de Julho de 2003, a Lei Estadual nº 7.939, autorizou o Poder Executivo a constituir
a Companhia Mato-grossense de Gás – MTGÁS e estabeleceu diretrizes para distribuição de gás
canalizado no Estado de Mato Grosso. Cabe ressaltar que esta lei foi regulamentada pelos decretos
1.760 de 31/10/03 e 4.439 de 24/11/2004, respectivamente (MATO GROSSO, 2003a; MATO
GROSSO, 2003b; MATO GROSSO 2004a).
A constituição da concessionária responsável pelo sistema de distribuição de gás natural
em Mato Grosso foi um importante passo para a tentativa de sua expansão no Estado. A próxima
seção apresenta os principais aspectos da oferta de GN e fases de configuração deste mercado.
O Estado de Mato Grosso não possui reservas provadas de Gás Natural, portanto não têm
como produzir este produto. Dessa forma, este energético é importado em sua totalidade da Bolívia.
No caso das atividades importação de gás natural, esta também é de competência federal, sendo
53
regulamentada pela ANP33. A indústria de gás natural no Brasil está dividida em um trinômio:
produção, transporte e distribuição. As atividades de produção e transporte são de competência
federal, sendo que a responsável pela regulação é a Agência Nacional de Petróleo – ANP. Já as
atividades de distribuição são de competência estadual, sendo a regulação exercida pelas Agências
Estaduais, no caso de Mato Grosso pela Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos
Delegados de Mato Grosso – AGER.
Para realizar a importação de GN em Mato Grosso seria necessária a construção de um
gasoduto, e este fora construído em um processo conjunto com o gasoduto Brasil-Bolívia –
GASBOL. A próxima secção detalha o processo de construção do gasoduto que atende o Estado.
4.1.1 O processo de construção do GASBOL e do Lateral Cuiabá
Segundo MARTA (2002:66), o GASBOL deu-se paradoxalmente através de um projeto
não realizado. Tal projeto iniciou-se em 1981 com a subscrição de um acordo entre a Shell e o
Governo Peruano. Para o mesmo autor, isto significava dizer que apesar de ser estudado e discutido
há vários anos, só veio a se realizar como alternativa ao projeto Camisea no Peru, no qual a Shell
era sócia da Móbil em 1993. Conclui que o objetivo hipotético da construção do GASBOL era
alcançar o Peru e de lá alcançar o mercado brasileiro – a economia mais forte da América do Sul e,
portanto, dependia de uma transposição do território e dos interesses da Bolívia.
“o transporte do gás boliviano é da Transredes, cujo controle acionário desde a capitalização – como se chamou na Bolívia a desnacionalização e desverticalização da YPFB. Essa transportadora tem como sócios a própria Shell, com 25%, a Enron com 25%, Fundos de Pensão Bolivianos com 34% e outros 16% pulverizados. Portanto, para viabilizar o negócio de viabilização do gás de Camisea era necessário estabelecer uma “empresa âncora ” – conhecedora de negócios de gás, termelétricas, como foi o caso da Enron.” (Ibid, 2002:66)
33 A Portaria Agência Nacional de Petróleo – ANP nº 43, de 15 de abril de 1998, estabelece que a importação de gás natural somente será efetuada mediante prévia e expressa autorização da ANP (ANP, 1998a ).
54
Atualmente a participação acionária do GASBOL34 é assim composta: Gaspetro (51%),
BBPP Holdings (29%), Transredes (12%),Enron (4%),Shell (4%). Sendo que o diâmetro do duto no
trecho Norte (de Corumbá-MS a Guararema – SP) varia de 24 a 32 polegadas, com extensão de
1.418 km. Já no Trecho Sul (Guararema – SP a Canoas – RS) o diâmetro varia de 16 a 24 polegadas
e com uma extensão de 1.165 km. A capacidade de transporte projetada deste gasoduto é de 30
milhões de m3/dia. Sua operação é realizada pela Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil
S.A – TBG, constituída em 1997, com a finalidade principal de atuar no transporte de gás natural
proveniente da Bolívia. (ANP, 2006b).
O gasoduto no qual é efetuado o transporte do gás natural para Mato Grosso é conhecido
“Lateral Cuiabá”, sendo este um ramal do GASBOL. O Despacho nº 219/98 da ANP, publicado no
D.O.U em 04.06.1998, contém informações precisas sobre o pedido da Empresa GASOCIDENTE
DO MATO GROSSO LTDA. - GASOCIDENTE à ANP, em 07 de maio de 1998, para a construção
do gasoduto Lateral Cuiabá. Neste documento, existe uma breve descrição do projeto, citada a
seguir:
“O gás deslocar-se-á da Argentina através de um gasoduto de propriedade da Transredes, passando pelo gasoduto Bolívia-Brasil (GASBOL) e, em seguida, através do ramal ora em questão (Lateral Cuiabá), a ser operado pela GASOCIDENTE DO MATO GROSSO LTDA.- GASOCIDENTE em sua parte brasileira atingirá a Cidade de Cuiabá. O Lateral Cuiabá se estenderá por aproximadamente 627 km, a partir de sua intersecção com o GASBOL, localizada na cidade boliviana de Rio Grande, sendo 360 km em território boliviano e 267 km, após cruzar a fronteira entre os dois países, em território brasileiro (Estado de Mato Grosso). Em todo este trecho o diâmetro do gasoduto será de 18 polegadas e este será enterrado de tal modo que fique a uma profundidade mínima de 1 m (a partir de sua geratriz superior), sendo sinalizado de forma a indicar claramente sua passagem em cada região. A capacidade de transporte máxima do gasoduto é de 2,8MMm3/dia, consistente com os 2,3MMm3/dia previstos para o atendimento da usina elétrica de Cuiabá. Deste modo, é previsto um excedente de 0,5MMm3/dia de gás natural a ser fornecido ao Estado de MT. O início das operações envolvendo o transporte de gás está previsto para julho/agosto de 1999” (ANP,1998b).
34 Quanto ao início das atividades deste empreendimento, este passou a operar, em agosto de1999, no Trecho Norte - de Corumbá (MS) a Guararema (SP). A entrega do gás natural foi feita, neste período, nos pontos de entrega de Paulínia e Guararema, ambos em São Paulo. No entanto, com a inauguração do Trecho Sul, em março de 2000, o gasoduto entrou em operação plena, desde o Centro-Oeste até o Sul do Brasil, iniciando o transporte de gás natural para os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. (ANP, 2006b)
55
No referido documento é possível detectar que a propriedade do gasoduto é da empresa
ENRON Corp35., sendo que esta possui, indiretamente, 100% do capital Social da Gasocidente.
De acordo com o projeto apresentado pela Gasocidente36 o valor do investimento para a
construção do gasoduto seria financiado por uma combinação de dívidas privilegiadas ("Senior
Debts") de participantes do mercado financeiro internacional e capital alocado pelo próprio
acionista, perfazendo um investimento total de US$ 92 milhões (Ibid: 1998b).
A construção do gasoduto iniciou com uma autorização excepcional e provisória concedida
com validade de 30 dias, ficando condicionada à outorga de autorização definitiva após
comprovação de que o seu objeto social contemplasse, exclusivamente, a atividade de construção e
operação de instalações de transporte37.
Autorização definitiva para a construção deste gasoduto foi concedida a empresa
Gasocidente de Mato Grosso através da Aut. ANP Nº 24, 17/03/99 (D.O.U - 18/03/99), sendo que
esta revogou a anterior (ANP,1999b). Efetivamente a construção do gasoduto foi iniciada no
segundo semestre de 1999 e concluída em junho de 2001.
O gás natural chega a Mato Grosso pelo Gasoduto Lateral Cuiabá, com 267 km de
extensão (referente ao trecho em território brasileiro), ligando o trecho boliviano do Gasoduto
Bolívia-Brasil (GASBOL) a Cuiabá, passando por San Matias (Bolívia), e, no Brasil, pelas cidades
de Cáceres, Poconé, Nossa Senhora do Livramento e Várzea Grande (Figura 4.2).
35 Pelo mesmo despacho é possível verificar a participação desta empresa em diversos segmentos e em várias empresas de distribuição nos Estados da Bahia, Rio de Janeiro, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Paraná e Santa Catarina. Ainda, é destaque no documento a experiência desta empresa no setor de Gás: “Enron tem operado e administrado, por meio de suas afiliadas ou subsidiárias instalações de transporte de gás desde 1930 e, atualmente, é a maior comerciante de gás natural e eletricidade da América do Norte. O sistema de gasodutos da Enron compreende aproximadamente 62.359 km lineares, com diâmetros entre 16 e 36 polegadas” (ANP, 1998b: 02).36 O projeto encaminhado a ANP, continha o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) associado à implantação e operação do gasoduto em questão, o qual foi realizado pela Jaakko Poyry Engenharia Ltda-JPE. 37 A autorização da ANP mencionada é nº 21, DE 1º. 3.1999 - DOU 2.3.1999.(ANP, 1999a). A exigência estabelecida para outorga de autorização definitiva pode ser consultada no art. 6º da PORTARIA ANP Nº 170, DE 26.11.1998 - DOU 27.11.1998.(ANP, 1998c).
56
Figura 4.2 - Gasoduto Lateral Cuiabá
Fonte: GASNET
4.1.2 Primeira importação de Mato Grosso
O gasoduto Lateral Cuiabá iniciou sua operação em agosto de 2001 e atualmente pertence
ao consórcio formado pela Enron (50%), Shell (37,5%) e Transredes (12,5%), sendo operado pela
Gasocidente38 do Mato Grosso (ANP, 2006b).
A primeira autorização39 de importação de gás natural para Mato Grosso foi concedida pela
ANP à Empresa Produtora de Energia (EPE), sendo previsto o início das operações no 1º trimestre
de 2000, com um volume máximo de 2,21 milhões de m3/dia e com opção de compra da Argentina,
destinados à Usina Termoelétrica de Cuiabá (ANP, 1999c). No entanto, a autorização ANP Nº 184,
DE 19.7.2006 – DOU 20.7.2006 revogou a autorização anterior, concedendo nova autorização com
38 A Aut. Nº 118, DE 17 DE JULHO DE 2001- ANP foi a que estabeleceu em seu Art. 1º que a empresa Gasocidente do Mato Grosso Ltda. - GASMAT, ficaria autorizada, nos termos do art. 56, da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, e considerando o atendimento a todas as exigências da Portaria ANP nº 170, de 26 de novembro de 1998, a operar o trecho brasileiro do duto de transporte de gás natural denominado Gasoduto Lateral Cuiabá, com início na fronteira Bolívia Brasil, no município de Cáceres (MT), até a Usina Termelétrica de Cuiabá, no município de Cuiabá (MT), com 267 km de extensão, 18 polegadas de diâmetro e capacidade de movimentação de 2,8 milhões de m³/dia de gás natural. (ANP, 2001b).39 Aut. Nº 124, 09/11/1999 (10/11/1999) e Despacho Nº 305/2004 (02/07/04) (ANP, 2004c).
57
volume idêntico ao autorizado anteriormente, uma nova data de início de importação, agosto de
2001, e o país de origem não mais a Argentina, mas agora a Bolívia (ANP, 2006c).
É importante frisar que estas duas autorizações são exclusivas para o processo de
importação, sendo que as atividades de distribuição são de competência estadual. É necessário
observar que a mudança de Argentina para a Bolívia como país de origem do gás natural
(fornecedor) deve-se a uma expectativa contratual não concretizada da empresa com o primeiro
país, sendo, portanto, necessária uma nova autorização para realização da importação.
O mês de efetivo início da importação de GN para Mato Grosso foi em agosto de 2001.
Têm-se a impressão que a segunda que a autorização ANP nº 184, de 19.07.2006 só autorizou
posteriormente o que ocorreu de fato a 5 anos atrás, pois na primeira autorização a data prevista de
inicio da importação seria pelo menos 16 meses anteriores.
4.1.3 A construção (configuração) do Sistema Distribuição de Gás Natural em Mato Grosso
O Estado de Mato Grosso aderiu ao Programa de Apoio à Reestruturação e Ajuste Fiscal
dos Estados proposto pelo Conselho Monetário Nacional através da Lei nº 6.695 de 19 de dezembro
de 199540, onde algumas das metas estabelecidas seria a implementação de programas41·: de
privatização de empresas estatais; concessão de serviços públicos; controle centralizado de
desempenho de empresas estatais, e reforma patrimonial.
Neste contexto e após a criação da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos
Delegados de Mato Grosso criada pela Lei nº 7101, de janeiro de 1999, alterada pela Lei
complementar nº 66, de 22 de dezembro de 1999, que é órgão responsável pela regulação das
atividades de distribuição de gás canalizado, o Estado Mato Grosso decide autorizar e regulamentar
a concessão da prestação de serviços de distribuição de gás canalizado em área especifica (32
municípios fariam parte dessa área de concessão) através da Lei Estadual nº 7.331 de 27 de
40 Regulamentada pelo decreto nº 752 de 22 de janeiro de 1996.41 O parágrafo único do art. 3ª da mesma lei, estabeleceu que os programas de privatização e de outorga de concessões poderão ser implementados, conforme o caso em convênio com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES ou com o Ministério a que, na esfera da União, sejam os serviços vinculados.
58
setembro de 2000. O prazo deste contrato de concessão teria uma vigência de 20 anos, sendo
prorrogável uma única vez por mais 10 anos se de interesse da futura concessionária.
Dessa forma, o Conselho Diretor de Reforma do Estado de Mato Grosso resolveu através
da Resolução 001 de 10 de janeiro de 2000, autorizar o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social – BNDES, a contratar estudos para a avaliação econômico financeira, bem
como para consultoria jurídica dos serviços públicos de distribuição de gás canalizado no Estado.
Diante desta autorização o BNDES por meio da AGER, lança o edital de licitação na
modalidade de Concorrência, de âmbito internacional, do tipo maior oferta pelo valor da outorga,
com a finalidade de selecionar a proposta mais vantajosa para a delegação de concessão nos 32
municípios referidos no anexo da lei 7.331, de 27 de setembro de 2000.
Esta licitação foi considerada deserta, ou seja, não houve encaminhamento de nenhuma
proposta para obtenção dessa concessão. O que ficou evidenciado naquele momento era que
iniciativa privada não tinha interesse no desenvolvimento da distribuição de gás natural em Mato
Grosso, por motivos, como, o de estruturação das indústrias de redes que exige um capital muito
vultoso e os retornos são de longo prazo. Inexistia naquele momento, na ótica do capital, atrativos
concretos e as expectativas também não eram as mais otimistas para a construção de um novo
mercado.
A impressão que se têm a respeito da visão dos empresários não investir neste mercado
naquele momento é a seguinte: a capacidade de oferta de gás natural fica muito restrita, pelo fato do
gasoduto lateral Cuiabá possuir a capacidade de transporte máxima de 2,8 mil m3/dia e a Empresa
Produtora de Energia – EPE está autorizada a importar o volume de 2,21 milhões de m3/dia
destinados a atender a Usina Termoelétrica de Cuiabá, restando somente apenas o volume de 590
mil m3/dia para outros segmentos, o que é relativamente pequeno em relação ao investimento
exigido e a demanda de gás natural inexistente naquele momento no Estado.
Como uma alternativa de se obter o desenvolvimento deste mercado o Estado de Mato
Grosso cria uma segunda alternativa e estabelece as diretrizes para distribuição de gás canalizado no
Estado de Mato Grosso, no caso desses serviços serem prestados diretamente pelo Estado, de
59
acordo com a Lei nº 7.655 de 16 de abril de 2002. A referida lei também autoriza a Empresa
Produtora de Energia – EPE a utilizar gás canalizado para fins de produção de energia elétrica na
Usina Termelétrica de Cuiabá e estende a utilização para quaisquer outros interessados na utilização
deste energético para qualquer finalidade, desde que atenda os requisitos listados na lei42.
É importante refletir sobre o papel fundamental do dispositivo legal acima, pois a primeira
importação de gás natural registrada no Estado deu-se em agosto de 2001 para atendimento a
produção de energia elétrica da Usina Termelétrica Cuiabá, no mínimo 8 meses antes do autorizado
formalmente pelo Estado para utilização para fins de produção de energia elétrica, a impressão é
fora apenas um documento para legitimar o que já havia se concretizado.
4.1.4 A Companhia Mato-grossense de Gás – MTGÁS – Uma Segunda Alternativa
No desenvolvimento desta segunda alternativa do Estado de Mato Grosso, somente em 28
de Julho de 2003, a Lei Estadual nº 7.939 autorizou o Poder Executivo a constituir a Companhia
Mato-grossense de Gás – MTGÁS43 e estabeleceu diretrizes para distribuição de gás canalizado.
Cabe ressaltar que esta lei foi regulamentada pelos decretos 1.760, de 31/10/03, e 4.439, de
24/11/2004. Em 19 de fevereiro de 2004 foi assinado o contrato de concessão 001/2004 entre o
Estado (poder concedente) e a MTGÁS (concessionária), sendo estabelecido as principais metas da
concessão e os demais direitos e obrigações da partes.
A partir da constituição da concessionária responsável pelo sistema de distribuição Gás
Natural em Mato Grosso, a demanda de gás natural, que era restrita à utilização da UTE Cuiabá I,
passaria por um realinhamento, sendo previsto a distribuição para diversos segmentos, que variam
de acordo com os usos do gás, tais como: Setor Industrial, Setor Residencial, GNV (Gás Natural
Veicular), interruptível, co-geração e matéria prima.
42 Pela utilização do gás, tanto a EPE quanto qualquer outra empresa pagará ao Estado de Mato Grosso a tarifa no valor de R$ 0,0125/m3 (cento e vinte e cinco décimos milésimos de real por metro cúbico) de gás utilizado.( Lei nº 7.655 de 16 de abril de 2002 e decreto nº 5.355, de 25 de outubro de 2002)43 O parágrafo 4º do art. 1º da referida lei estabelece que a Companhia Matogrossense de Gás – MT-GÁS, será uma sociedade de economia mista, de direito privado, constituída sob a forma de Sociedade Anônima com patrimônio próprio, autonomia administrativa e financeira, sujeita aos preceitos da Lei Federal 6.404, de 15.12.76.
60
A princípio a MTGÁS estava autorizada pela ANP por meio da Aut. Nº 229, de
03/08/2004, a importar o gás natural da Bolívia, com um volume diário de 500 mil m3/dia, em
regime firme, destinados a atender os segmentos supracitados de distribuição do gás natural em
todo o Estado de Mato Grosso.
Como o único gasoduto de Mato Grosso é gasoduto Lateral Cuiabá, operado pela
Gasocidente do Mato Grosso, a MTGÁS necessitaria negociar um valor pelo acesso para efetuar a
importação de gás natural. Como o livre acesso aos gasodutos é uma premissa do sistema de
transporte concebido pela Lei do Petróleo, e, por outro lado, como a Concessão do Sistema de
Distribuição de Gás Natural é da MTGÁS, esta não teria muitas dificuldades para a negociação do
acesso.
O livre acesso aos dutos é disciplinada no art. 58 da lei do Petróleo, sendo facultado a
qualquer interessado o uso dos dutos de transporte e dos terminais marítimos existentes ou a serem
construídos, mediante remuneração adequada ao titular das instalações. Caso não exista acordo
entre as partes, a ANP fixará o valor e a forma de pagamento pelo acesso, sendo ainda prioritária a
movimentação dos produtos do titular das instalações.
Se, por um lado, a propriedade do gasoduto Lateral Cuiabá é do consórcio formado pela
Enron (50%), Shell (37,5%) e Transredes (12,5%), a concessão da distribuição é da MTGÁS, ou
seja, a MTGÁS paga um valor de acesso ao gasoduto e recebe dos usuários livres44 uma tarifa pelo
uso da rede de distribuição, no valor de R$ 0, 4288/milhão de BTU (British Thermal Unit) de gás
utilizado, que reajustada anualmente pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE
ou outro índice que venha substituir, indicado pelo Poder Executivo, nos termos do parágrafo 2º do
art.4 da lei 7.939, de 28 de Julho de 2003. Atualmente o único usuário livre é a Empresa Produtora
de Energia LTDA – EPE.
O parágrafo único do art. 18 do Decreto estadual 1.760, de 31 de outubro de 2003,
estabelece que no contrato a ser celebrado entre a MTGÁS e os usuários livres terá um valor
mínimo mensal, equivalente à utilização de um milhão de m3/dia, para os encargos pelo uso da área
de concessão, para fins de proteção de interesse público.
44 A Empresa Produtora de Energia LTDA – EPE que é responsável pela Termelétrica Cuiabá paga somente 80% de R$ 0, 4288/milhão de BTU de acordo o parágrafo 3º do art. 2 da Lei 7.939/2003.
61
4.1.5 O City Gate da MTGÁS
City Gate é uma estação de medição que pode dispor de regulagem de pressão, na qual
uma rede de distribuição recebe gás de uma companhia transportadora ou de um sistema de
transporte. Refere-se ao ponto de entrega ou transferência, no qual o gás passa de uma linha
principal de transporte para um sistema de distribuição local, com ou sem troca de propriedade.
Considerando que até 30/09/2005, data da inauguração do City Gate da MTGÁS, a
importação de GN para Estado de Mato Grosso somente era efetuada pela EPE com a finalidade de
produção de energia elétrica, e esta se enquadra na figura de usuário livre, tendo que repassar 80%
do valor de R$ 0, 4288/milhão de BTU de GN. Considerando, ainda, que o início efetivo de
importação do GN no Estado ocorreu em agosto de 2001 e a MTGÁS fora constituída em 28 de
Julho de 2003 é possível calcular o montante de recursos devidos a MTGÁS pela Termelétrica. A
ANP registra através de boletins mensais o volume de importação de cada duto. Com base nestas
informações é possível verificar que o valor devido de repasse a MTGÁS chega aos R$
9.698.611,75 (nove milhões seiscentos e noventa e oito mil seiscentos e onze reais e setenta e cinco
centavos) - (Tabela 4.1). Exatamente estes recursos que propiciaram a MTGÁS a construção de seu
City Gate ao lado da Usina Termelétrica de Cuiabá no Distrito Industrial.
Com a MTGÁS já constituída formalmente e seu City Gate construído, seria necessário
operacionalizar o início da distribuição de gás para outros segmentos que não o de termeletricidade.
Para isto, no entanto, era necessário o assinar de contrato com fornecimento do gás.
Tabela 4.1 – Valor devido para repasse do Usuário Livre a MTGÁS, Cuiabá-MT, ago/03- nov/05.Mês MMBTU Valor total R$* Valor de repasse R$**
62
ago/03 1.136.850,00 487.481,28 389.985,02set/03 1.135.950,00 487.095,36 389.676,29out/03 1.898.694,52 814.160,21 651.328,17nov/03 2.203.729,95 944.959,40 755.967,52dez/03 2.103.916,45 902.159,37 721.727,50jan/04 1.597.575,53 685.040,39 548.032,31fev/04 1.173.256,25 503.092,28 402.473,82mar/04 225.027,97 96.492,00 77.193,60abr/04 767.512,12 329.109,20 263.287,36maio/04 73.964,94 31.716,17 25.372,93jun/04 117.381,57 50.333,22 40.266,58jul/04 335.136,14 143.706,38 114.965,10ago/04 938.045,51 402.233,91 321.787,13set/04 2.002.760,16 858.783,56 687.026,85out/04 1.719.768,74 737.436,84 589.949,47nov/04 1.523.834,39 653.420,19 522.736,15dez/04 1.140.246,18 488.937,56 391.150,05jan/05 160.798,21 68.950,27 55.160,22fev/05 0 0 0mar/05 722.752,70 309.916,36 247.933,09abr/05 1.205.483,03 516.911,12 413.528,90mai/05 1.205.483,03 516.911,12 413.528,90jun/05 1.078.254,38 462.355,48 369.884,38jul/05 1.117.195,08 479.053,25 383.242,60ago/05 1.039.425,59 445.705,69 356.564,55Set/05 603.804,55 258.911,39 207.129,11out/05 435.732,94 186.842,28 149.473,83nov/05 609.958,97 261.550,41 209.240,33Total 25.999.738,90 11.148.688,04 9.698.611,75Fonte: ANP (2006b). * dados resultantes da multiplicação do volume por R$ 0,4288 com base na
legislação.** 80% do valor total.
4.1.6 Centro Oeste Gás LTDA
O fornecimento de GN para MTGÁS é efetuado pela empresa Centro Oeste Gás LTDA. A
Centro Oeste Gás LTDA está autorizada por meio da Aut. ANP nº 39645, de 25.10.2005, a importar
o volume de 250 mil m3/dia da Bolívia, a partir do 2º semestre de 2005, destinado a atender diversos
segmentos de consumo.
O contrato entre a MTGÁS e Centro Oeste Gás LTDA divide o fornecimento do GN em
duas fases: A primeira é a fase de comissionamento, que compreendeu o período entre 30/09/2005
45 “O prazo de validade desta autorização é de 24 (vinte e quatro) meses, contados de sua publicação, podendo ser prorrogado, mediante a apresentação, pela empresa autorizatária, de justificativa que comprove sua necessidade.” (ANP, 2005a).
63
até 31/12/2005, com um volume contratual de 15.000 m3/dia. A segunda foi denominada fase
operacional, no intervalo de 01/01/2006 à 01/01/2008,46 sendo previsto um fornecimento de 250.000
m3/dia. (AGER, 2005a).
O valor pactuado entre as partes é de U$ 4,00 MMBTU (incluso o custo total de
transporte), fora os tributos incidentes sobre a importação, transporte e comercialização do gás. É
previsto ainda, o reajuste deste valor pela taxa de câmbio a cada 12 meses. Dentre as possibilidades
previstas no contrato, existe a de interrupção prolongada no fornecimento, devido a restrições
operacionais e limitações de capacidade de transporte de gás do gasoduto de propriedade da Gás
Transboliviano S.A na Bolívia. No caso de interrupção, a MTGÁS pagará apenas o maior valor
dentre o volume de gás efetivamente consumido e o programado. Já a Centro Oeste Gás LTDA não
estará sujeita ao pagamento de penalidade pela indisponibilidade do gás (IBID, 2005a).
A despeito de estar autorizada já em outubro de 2005 e possuir um contrato de
fornecimento, somente em agosto de 2006 a Centro Oeste Gás e Serviços Ltda (CGS) iniciou a
importação de gás boliviano, destinado ao Estado de Mato Grosso, em complemento ao volume
importado pela EPE (ANP, 2006b).
Tudo indica que no inicio da operação e da distribuição do GN pela MTGÁS, em particular
do GNV em novembro de 2005, ocorreu com o GN destinado ao atendimento da Usina
Termelétrica de Cuiabá, tendo em vista, que sua fornecedora só efetivou a importação no mês de
agosto de 2006.
4.1.7 O Transporte Virtual no Sistema Distribuição de Gás Natural em Mato Grosso
Para entregar o gás natural que chega ao city gate de propriedade da MTGÁS seria
necessário a construção de ramais para transporte aos consumidores de outros segmentos que não se
enquadram no termelétrico. No entanto, devido à ausência de recursos e estímulo em razão fraco
desenvolvimento do mercado e melhores perspectivas no curto prazo, a construção destas redes
tornou-se inviável economicamente.
46 Existe a possibilidade de prorrogação deste contrato por 2 anos.
64
Como saída e para indução do consumo para outros segmentos, ou seja, para geração de
um processo de massificação e divulgação do GN era necessária uma alternativa de distribuição,
além do que já era consumido pela Termelétrica. Tal saída foi encontrada pelo transporte virtual. A
MTGÁS firmou um contrato de prestação de serviços de compressão47, transporte, descompressão e
entrega de gás natural comprimido com a GNV/MT - Transportes de Gás Natural Ltda, para efetuar
o transporte até os locais de consumo, sendo previsto para os primeiros 4 meses de operação o
transporte de 300.000 m3/Mês a partir da assinatura do contrato, em 21/07/2005. Sendo ainda
previsto, a partir do 5º mês de operação, o transporte de 600.00 m3/Mês. (AGER, 2005b).
A autorização ANP nº 395, de 25.10.2005, autorizou a empresa GNV/MT realizar a
atividade de distribuição de gás natural comprimido (GNC)48 a granel em todo o território nacional
a partir de 26.10.2005, data da publicação no DOU (ANP, 2005b).
O valor definido no contrato foi estabelecido em R$ 0,45 por m3, dentro de um raio de 60
km, para os seis primeiros meses de operação. Sendo incluso no preço todos os custos da GNV-MT,
tais como tributos, contribuições fiscais, salários e outros que decorram, direta ou indiretamente, da
contratação por conta exclusiva da GNV-MT. (AGER, 2005b).
4.2 Determinantes da demanda de Gás Natural em Mato Grosso
4.2.1 Segmento Termelétrico
Termelétrica é o nome dado a uma central que utiliza um ciclo termodinâmico para
geração de energia elétrica. Outras usinas de geração de energia elétrica são: hidrelétrica (turbina
hidráulica), eólica, solar, maremotriz etc. Para se produzir energia elétrica por meio da
termoeletricidade pode-se usar diferentes combustíveis: biomassa e lenha, turfa, carvão, óleo,
petróleo, gás e energia nuclear para produzir o calor do ciclo termodinâmico (POULALLION, s.d).
47 Vigência deste contrato é de 7 (sete) anos , prorrogáveis por mais 7 (sete) anos sucessivos.
48 A portaria ANP nº 243 de 18.10.2000 é que regulamenta as atividades de distribuição e comercialização de gás natural comprimido (GNC) a granel e a construção, ampliação e operação de Unidades de Compressão e Distribuição de GNC. (ANP, 2000a).
65
Em julho de 1994 os governos Boliviano e Brasileiro firmaram Memorando de
Entendimento com diretrizes para que instituições dos dois países desenvolverem estudos com a
finalidade de abastecimento de energia elétrica, a partir de uma planta instalada em território
boliviano, para atendimento aos departamentos de Beni e Santa Cruz, na Bolívia, e Mato Grosso, no
Brasil (CEMAT/ENRON, 1996).
O presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por meio de uma mensagem ao
então Governador de Mato Grosso, Dante Martins de Oliveira (fax – 06. fev.1995), mencionou o
projeto de abastecimento de energia elétrica, a partir de uma planta instalada em território boliviano
para atendimento aos departamentos de Beni e Santa Cruz, que se enquadraria nos objetivos mais
amplos de incentivo a formas de integração que o Brasil vinha perseguindo com seus vizinhos.
Neste sentido, era desejável que se procurasse dar seguimento ao projeto, com base numa ação
conjunta entre o Governo de Mato Grosso, o Ministério de Minas e Energia, a Eletrobrás e o
Itamaraty (Ibid, 1996).
O ofício GG 115/95, de 28 de março de 1995, do governador de Mato Grosso destinado ao
Presidente da República, ressalta que dando prosseguimento aos entendimentos entre os Governos
do Estado e da União acerca do interesse de Mato Grosso na utilização de energia elétrica a ser
gerada na Bolívia, a Centrais Elétricas Mato-grossenses S.A – CEMAT firmou protocolo de
Entendimentos com a Enron Eletric Power Brasil C.V, para estabelecimentos de princípios básicos
e estudo de viabilidade para implantação e operação de uma Usina Termoelétrica a Gás na Bolívia,
e sistema de transmissão necessário para suprimento de eletricidade a Mato Grosso. O governador
solicita apoio do presidente, no sentido de determinar ao Ministério de Minas e Energia a realização
de estudos complementares, por intermédio de ação conjunta ELETROBRÁS/CEMAT a fim de
compatibilizar o planejamento elétrico regional com a alternativa proposta (CEMAT/ENRON,
1996).
A portaria interministerial nº 13 de 15 de agosto de 1995, institui grupo de trabalho
composto por representantes do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério de Minas e
Energia, do Governo de Mato Grosso, da ELETROBRÁS e da Petróleo Brasileiro S.A
(PETROBRAS) que deveria estudar os aspectos pertinentes à integração entre a República
66
Federativa do Brasil e a República da Bolívia, considerando especialmente, o suprimento energético
do Estado de Mato Grosso. (IBID, 1996).
Na Carta nº 997/PR/95 de 4 de dezembro de 1995, os representantes da CEMAT e da
ENRON, apontam ao diretor geral do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
( DNAEE), que a conclusão dos trabalhos da comissão interministerial foi que a opção mais
interessante para o Estado de Mato Grosso consistiria na instalação de usina térmica de ciclo
combinado, com a capacidade de até 450 MW, nas proximidades do município de Cuiabá, resultado
este que coincidiria com os estudos internos de viabilidade da CEMAT e ENRON. Tais estudos
mostraram a atratividade da integração do projeto ao gasoduto Bolívia- Brasil, através de uma
derivação do gasoduto principal até Cuiabá. Ainda, solicitara autorização para elaborar Estudos de
Viabilidade para implantação da Usina Termelétrica, a gás natural, com capacidade instalada de 450
MW. A autorização fora formalizada através da Portaria nº 009, de 15 de janeiro 1996, do DNAEE
(CEMAT/ENRON, 1996).
Em âmbito regional, o governador de Mato Grosso em exercício, José Márcio Panoff de
Lacerda encaminhou a mensagem nº 05/96 para apreciação da Assembléia Legislativa, com a
finalidade de autorizar à CEMAT a participar de sociedade para atuar com Produtora independente
de Energia, objetivando a geração de energia elétrica a partir de Usinas Térmicas, com uso do gás
natural procedente da Bolívia, como alternativa mais eficaz, rápida, confiável e econômica, de
atendimento as necessidades energéticas atuais e futuras do Estado (IBID, 1996).
O segmento Termelétrico é, ainda, o pioneiro e o de maior representatividade no consumo
do gás natural no Estado. Como já mencionado, com a construção do Lateral Cuiabá a primeira
importação de GN deu-se em agosto de 2001 pela Empresa Produtora de Energia - EPE, autorizada
a importar um volume máximo de 2,21 milhões de m3/dia destinados a atender a Usina
Termoelétrica de Cuiabá. Utilizada em maior intensidade nos períodos de seca, alternativamente à
produção de energia elétrica através de fonte hídrica, todo o volume importado para o Estado de
Mato Grosso, desde o início até a efetiva distribuição em novembro de 2005, para outros segmentos
restringiu-se à Usina Termoelétrica de Cuiabá I.
67
Recentemente veio a público a insatisfação do Governo Boliviano com relação ao preço
pago pela Usina Termelétrica Cuiabá US$ 1,19 por milhão de BTU. Evo Morales, presidente
boliviano, “frisa que respeita a liderança e a industrialização do Brasil na América Latina, mas
afirma que o governo boliviano não irá subsidiar esse desenvolvimento com gás barato,
especialmente na região de Cuiabá". Complementa ainda, “que a definição do custo desse reajuste
sobre a energia consumida no Brasil agora está nas mãos do presidente Lula”. (GAZETA, 2007a).
Após a demonstração de grande insatisfação do governo boliviano e até mesmo a ameaça
de corte de fornecimento do GN para o Estado49, foi anunciado em 14.02.2007. “o aumento de US$
1,19 por milhão de BTU (sigla em inglês para Unidade Térmica Britânica) para US$ 4,2. Lula
disse que prometeu a Evo tomar as medidas necessárias para que o valor seja efetivamente
aumentado até abril”. (AGÊNCIA BRASIL, 2007a)
Apesar do anúncio de aumento do preço em fevereiro de 2007, até abril do mesmo ano não
fora efetivado. O presidente da EPE, Carlos Baldi, acreditava que a ameaça boliviana em cortar o
envio para a térmica não passaria de especulação, pois as negociações entre a EPE e YPFB estariam
ocorrendo normalmente e os novos preços não estariam sendo praticado porque não fora assinado
um aditamento do contrato que determinaria o aumento de 253% no preço do GN. “O presidente da
EPE não descarta a possibilidade de o aumento ser retroativo a 15 de abril, quando o contrato for
assinado.” (GAZETA, 2007b)
O aumento preço do GN, que passaria de US$ 1,19 para US$ 4,20, foi acertado pelos
presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Evo Morales em fevereiro 2007 e teve duas datas previstas
para entrar em vigor. A primeira era 15 de abril e a segunda 15 de maio, mas a EPE afirmou nesse
período de negociação que não abriria mão dos 2,2 milhões de m3 e a operação não fora
concretizada.
Mas um impasse, a divulgação por um jornal boliviano no qual o presidente da YPFB,
Guillermo Arequipa , teria anunciado que a YPFB e a EPE assinaram em junho de 2007 um novo e
49 “O aumento foi acertado na quarta-feira (14) durante reunião entre os presidentes Lula e Evo Morales, Rondeu, o ministro de Hidrocarbonetos e Energia da Bolívia, Carlos Villegas, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o chanceler boliviano David Choquehuanca. Segundo Rondeau, a intervenção direta do governo na negociação foi adotada ante as ameaças lançadas por Evo Morales de boicote no fornecimento de gás ao Brasil.” (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007a)
68
provisório contrato50, que teria a validade de três meses, onde fora acertado a retomada do envio
firme dos 2,21 milhões de m3 /dia. No entanto, a respeito desse novo contrato o diretor da EPE,
Fábio Garcia, não confirma a informação divulgada pelo presidente da YPFB, Guillermo Arequipa,
de que o novo contrato de três meses já foi assinado entre EPE e a estatal boliviana. “Trata-se de um
tema complexo que envolve duas empresas e dois governos, por isso ainda estamos na mesa de discussão,
pondera Garcia.” (GAZETA, 2007d).
Devido a esse impasse na definição do preço e a após meses de negociações na tentativa de
equalizar esta situação critica, houve o corte de fornecimento do GN para Termelétrica no mês
junho.
“Problemas operacionais no gasoduto Brasil-Bolívia provocam a redução no fornecimento de gás natural para Mato Grosso. Há três dias, a termelétrica responsável pela maior parte da produção de energia elétrica no Estado parou as atividades. A usina termelétrica Mário Covas pode atender até 70% da demanda energética de Mato Grosso, mas está parada desde o último sábado (16). A paralisação foi provocada por uma diminuição do fornecimento de gás vindo da Bolívia. Parte da energia fabricada na capital mato-grossense é vendida para outros Estados.” (RMTONLINE, 2007)
É interessante ressaltar que apesar da não confirmação de um contrato provisório pelo
diretor da EPE, Fábio Garcia, em 07.08.2007, segundo veiculação do jornal de circulação regional,
a Gazeta,
“O diretor Comercial e de Assuntos Regulatórios da Empresa Pantanal Energia (EPE), Fábio Garcia, afirma que o fornecimento do produto à usina está normal, mesmo com o contrato provisório - que garantia o fornecimento do produto - vencido no dia 31 de julho, data em que as negociações foram retomadas em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. O contrato definitivo entre a Yascimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) e a Transborder Gas Services (TBS) para o envio do gás natural à Usina Governador Mário Covas (Termelétrica de Cuiabá) deve ser assinado até o final deste mês. Conforme Garcia, enquanto o contrato final não for assinado, o pré-contrato será estendido, garantido o abastecimento 1,1 milhão de metros cúbicos (m3) diários, volume suficiente para gerar 240 megawatts (MW).” (GAZETA, 2007e).
50 “A Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) e a Empresa Pantanal Energia (EPE) assinaram ontem o novo contrato para o fornecimento de gás natural à Usina Governador Mário Covas (Termelétrica de Cuiabá). No documento, que terá validade de três meses, ficou acertado a retomada do envio firme dos 2,2 milhões de metros cúbicos (m3) por dia. Esse é o volume determinado no contrato anterior, antes da nacionalização do gás. As informações foram divulgadas pelo La Razón e atribuídas ao presidente da estatal boliviana Guilhermo Aruquipa.” (GAZETA, 2007c).
69
O Clima de instabilidade perdura até o mês de setembro, “A Bolívia determinou a suspensão
da exportação de gás natural destinado à Usina Termoelétrica de Cuiabá (MT).” (AGÊNCIA BRASIL,
2007b).
Em meio à infinidade de indefinições e especulações, o que de fato hoje se evidencia é que
as regras de fornecimento do GN para Mato Grosso não são claras e tão poucas justas, atendendo a
lógica do capital.
As regras do jogo e o ambiente institucional não são propícios ao desenvolvimento do
consumo em outros segmentos, devida à grande instabilidade gerada no setor de consumo
termelétrico e observadas com grande freqüência no ano de 2007. Os acordos e contratos firmados
não são cumpridos.
A Termelétrica está desde o dia 26 de agosto sem gerar energia, pois passa por manutenção
programada. Já no dia 30, após a renovação do contrato provisório de compra e venda de gás
natural entre a operadora da térmica e o governo boliviano, o país vizinho anunciou novo corte no
fornecimento para até o dia 14, mas antecipou que até dezembro terá dificuldades em cumprir o
contrato que prevê o envio diário de 1,1 milhão metros cúbicos. (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007b).
“Representantes do Ministério de Minas e Energia e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se reúnem para definir os critérios e condições para que a usina térmica de Cuiabá volte a gerar energia para restabelecer a confiabilidade do sistema local, já que a térmica com capacidade instalada de 480 megawatts é capaz de suprir 70% da demanda mato-grossense. A planta completa hoje 26 dias de paralisação. Após uma parada de dez dias para manutenção, a usina não registrou mais o fornecimento de gás natural – seu principal insumo – por parte do governo boliviano.” (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007c).
A termelétrica é bicombustível, ou seja, pode ser operada por gás natural ou diesel, no
entanto, a EPE possui um contrato de fornecimento de energia com FURNAS, sendo previsto que a
geração deverá ser a GN. Ademais, a geração a diesel geraria a elevação imediata dos custos de
produção de energia pela térmica.
70
A imprensa local vem divulgando por dias que a interrupção de fornecimento de GN para a
Termelétrica de Cuiabá é o principal fator de desestabilização51 do fornecimento de energia para o
Estado.
Não existe consenso quanto à importância da produção de energia elétrica pela
Termelétrica de Cuiabá para o estado. Para o professor do departamento de Engenharia Elétrica da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Dorival Gonçalves Júnior, a interrupção do
fornecimento de energia elétrica pela térmica não representa um problema para Mato Grosso, pelos
seguintes fatores: O sistema energético do Estado também faz parte do Sistema Interligado
Nacional (SIN), que é formado por empresas de todas as regiões do país, permitindo o intercâmbio
de energia entre as regiões. Já para o professor do departamento de Economia, Dr. José Manuel
Marta, independentemente do potencial hídrico de Mato Grosso, a Termelétrica de Cuiabá tem uma
importância estratégica na produção de eletricidade, a exemplo do ocorrido em 2001, no período do
apagão. (FOLHA DO ESTADO, 2007).
O impasse quanto à definição de um contrato definitivo de fornecimento de GN para
Termelétrica Cuiabá persiste desde o início do ano, quando o recente presidente Evo Morales
decidiu transferir o controle sobre as operações das empresas estrangeiras de petróleo e gás no país
ao governo e se insurgiu contra os preços de venda do GN ao Brasil, em especial ao preço de venda
à Termelétrica Cuiabá I, US$ 1,19 por MMBTU.
As indefinições quanto ao fornecimento de GN para Mato Grosso é um dos principais
fatores de inibição ao desenvolvimento do sistema de distribuição no Estado, em especial para
formação das expectativas dos empresários e majoração dos riscos, automaticamente, no volume de
investimentos realizados no setor. Até mesmo o setor de consumo termelétrico, que se enquadra na
figura de usuário livre e é o responsável pela maior parcela de receita aferida pela MTGÁS, está
fadado às intempéries do Governo Boliviano, com grande possibilidade de retrocesso e até mesmo
extinção deste segmento, o que afetaria decisivamente a continuidade do próprio sistema de
distribuição do GN no Estado.
51 “A planta está desativada há 25 dias e desde então o sistema elétrico local está vulnerável e suscetível a interrupções no fornecimento, já que a carga e a geração estão em patamares idênticos”. (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007d).
71
No segmento mais representativo do Sistema de Distribuição do GN em Mato Grosso, o da
termoeletricidade, a situação de indefinição e instabilidade persiste, desde que veio a tona a
insatisfação da Bolívia por meio da nacionalização das reservas de Gás Natural (setor de
hidrocarbonetos) em maio de 2006 e no início deste ano com a questão dos preços de venda de gás
natural para o Brasil, especialmente, com o preço de um contrato de fornecimento de GN para Mato
Grosso, Usina Termelétrica de Cuiabá I, que fora firmado a US$ 1,19 / MBTU em agosto de 2001.
Este preço, na realidade, está bem abaixo do que comercializado com a Petrobrás, cerca de US$
4,2/MBTU em todo GASBOL.
Esta usina de propriedade do Grupo (ENRON) está paralisada desde agosto de 2007, pela
indefinição de um novo contrato com a Bolívia. Os principais entraves do firmamento de um novo
contrato são: em 1° lugar o preço, e depois o volume. No caso do volume o contrato anterior previa
o volume firme de 2,21 milhões de metros cúbicos dia, mas na verdade, esta usina nunca importou
esta quantidade, só que não abre mão deste volume. Em contrapartida, a Bolívia só oferta a metade
e não quer fornecer em regime firme.
Os acionistas majoritários da UTE Cuiabá I, Ashmore Energy International – AEI e da
Shell Power em reunião com o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, solicitaram apoio
institucional para que a planta volte à operação com o GN. (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007i).
Apesar da disponibilidade do governo estadual em intervir juntamente ao Ministério de
Minas e Energia para solução do impasse entre a EPE e o governo Boliviano, o fato é que a situação
de indefinição perdura, em especial, por duas questões: 1º ) a indefinição de preço justo e 2°)
conflito pela definição do tipo de contrato, em regime firme ou não.
O GN importado da Bolívia tem uma grande importância para a UTE Cuiabá I já que a
geração de energia elétrica a óleo diesel é muito mais cara, sendo esta, apenas como uma transação
comercial importante para o grupo proprietário da térmica. A questão chave encontra-se na
definição ou indefinição de um novo preço e volume de importação. Existe de fato a interrupção no
fornecimento do GN para Térmica e pressão política para que o Governo Brasileiro interfira para
definição de um novo contrato. A complexidade agrava-se pela existência de grupos de pressão
consolidados nos dois países e pela interdependência das partes.
72
As alterações do marco regulatório boliviano na exploração do GN repercutiram nas
condições de oferta do produto ao Brasil, aumentando significativamente os custos de transação,
gerando automaticamente, reflexos nos contratos firmados. A mudança no ambiente institucional
altera diretamente as regras do jogo e a definição dos contratos de suprimento do energético. A
preocupação com os meios de se garantir um abastecimento contínuo e em volumes adequados para
o atendimento à demanda de GN do país é cada vez maior.
Em Mato Grosso, é possível verificar que desde 1994, quando os governos boliviano e
brasileiro firmaram Memorando de Entendimento para possibilitar a integração energética entre os
dois países, houve intensa mobilização de agentes públicos e privados para viabilizar o projeto de
culminou na construção da Termelétrica Cuiabá I e efetiva importação de GN boliviano em agosto
de 2001.
Cientes da incompletude dos contratos, os agentes constroem estruturas de governança
para fechar lacunas e viabilizar os empreendimentos. Já que os direitos de propriedade não são
absolutos, exigem esforços para que os proprietários destes obtenham apoio e a proteção tanto dos
outros agentes quanto do governo.
4.2.2 Segmento Veículos – GNV
O primeiro posto a firmar o contrato de suprimento do GN com a MTGÁS foi o Posto VIP,
situado na Av. Miguel Sutil, próximo ao Terminal Rodoviário de Cuiabá. Segundo tal contrato, que
tem a validade de 5 anos, prorrogáveis por mais 2, a compra pode ser efetuada em qualquer volume
e com um poder calorífico de 9400 Kcal, sendo que o preço e seu reajuste é aquele definido pela
AGER, composto pela variação da commoditie (AGER, 2005c).
Em outubro de 2005, houve distribuição gratuita do GNV pela MTGÁS em seu City Gate,
devido ao retardamento da chegada de equipamentos no 1º posto de abastecimento (DIÁRIO DE
CUIABÁ, 2005a)
73
A efetiva distribuição do GNV em Mato Grosso iniciou-se no município de Cuiabá em
05/12/2005, após homologação da tarifa teto52 no dia 30/11/2005, no valor de R$ 0,89 o metro
cúbico, acrescidos dos custos de comercialização e tributos incidentes, resultando no valor ao
consumidor final de R$ 1,35/m3.
O início da distribuição do GNV em Mato Grosso foi marcado por sentimentos distintos.
De um lado a satisfação pela chegada do combustível e de outro a insatisfação dos consumidores na
fila do único posto de abastecimento, especialmente dos taxistas de Cuiabá e Várzea Grande. A
espera dos consumidores na fila para completar o cilindro chegou a mais de uma hora. (DIÁRIO
DE CUIABÁ, 2005b).
O clima de insatisfação permaneceu por alguns dias, sobretudo, em função da paralisação
do abastecimento no único posto. “O comunicado da suspensão do abastecimento de GNV no posto
Vip, da Avenida Miguel Sutil, desagradou os proprietários de carros a gás. Ontem pela manhã, a
revolta daqueles que procuravam o posto para abastecer os veículos era geral.” (DIÁRIO DE
CUIABÁ, 2005c).
O segundo posto53 que firmou o contrato com a MTGÁS e passou efetuar a
comercialização do GNV, também está localizado na capital mato-grossense. Este foi inaugurado
pelo governador Blairo Maggi54 e o presidente da Companhia Mato-Grossense de Gás (MT Gás) em
maio de 2006. Em meio a rumores de aumento de preços combustível, “o governador tranqüilizou
os usuários afirmando que há possibilidade de aumento no preço do gás, exigência do governo
boliviano, porém, que isso não vai afetar o abastecimento do produto em Cuiabá e Várzea
Grande.” (SECOM, 2006).
52 A Agência de Regulação dos Serviços Públicos – AGER, sendo a responsável pela fixação da tarifa teto, definiu esta no valor de 0,89 R$/M3, que foi praticada pela Concessionária – MTGÁS naquele momento.53 Este é Posto Metropolitano, situado na AV. Fernando Correa da Costa nº 2350, próxima à Universidade Federal de Mato Grosso.54 Além do governador e da primeira-dama e secretária do Trabalho, Emprego, Cidadania e Assistência Social, Terezinha Maggi, participam da inauguração do novo posto de GNV o presidente da MTGÁS, vereador licenciado Helny de Paula; os secretários da Indústria, Comércio, Minas e Energia, Alexandre Furlan; da Casa Civil, Antônio Kato; e da Casa Militar, Orestes Oliveira, e a presidente da Ager, Márcia Vandoni.
74
A paralisação do fornecimento do GN no mês de agosto de 2007 para termelétrica Cuiabá I
tem suscitado inúmeras desconfianças quanto ao abastecimento para o segmento veicular – GNV,
embora tal o consumo seja ínfimo. Segundo informações do presidente da MTGÁS, o volume
médio comercializado pela companhia atualmente é 600 mil metros cúbicos de gás natural por mês,
sendo 420 mil m³ para os postos e mais 180 mil m³ para o segmento industrial, consumido pela
Sadia em Várzea Grande. (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007e).
É importante salientar que não existem redes de distribuição até os postos, o transporte do
GNV é efetuado pelo transporte virtual que atualmente é efetuado pela GNV/MT - Transportes de
Gás Natural Ltda. Este tipo de transporte consiste na compressão do GN em contêiner, os quais são
transportados por carretas do City Gate da MTGÁS até os postos.
A frota de carros a gás em Mato Grosso, em abril de 2007, chegou a 2,1 mil veículos, dos
quais 1,8 mil são convertidos no próprio Estado. A expectativa do proprietário da Cuiabacar GNV,
Hérnan Diehl, que é também diretor da GNV/MT Transportes de Gás, é de que até 2010 pelo menos
15 mil carros estejam rodando movidos a gás natural.
A teoria microeconômica revela que alguns dos fatores essenciais para a determinação da
demanda por um bem são o preço do próprio bem, a quantidade de substitutos, o preço dos bens
substitutos e grau de preferência.
“Em cada segmento, o gás tem um concorrente direto diferente; no caso do setor industrial, os principais concorrentes são o óleo combustível e a eletricidade; já no caso do setor de transporte, os concorrentes são a gasolina, álcool e o diesel; e, no caso do setor elétrico, é a geração hidroelétrica. O valor do gás em cada um desses segmentos de mercado varia de acordo com a dinâmica dos mercados dos energéticos concorrentes.” (PINTO JÚNIOR, 2007).
O trabalho de Brandão Filho (2005) apresenta um modelo de previsão de demanda por
GNV com uma modelagem baseada em dados de preferência revelada e declarada no município de
Caucaia, região metropolitana de Fortaleza/CE, em um ambiente de concorrência entre gasolina,
álcool e GNV. Como a distribuição do GNV em Mato Grosso é relativamente incipiente e instável,
não se têm como aplicar um trabalho de tal magnitude. De maneira simplista pode-se verificar os
termos de trocas entre GNV e Gasolina, GNV e álcool e GNV e diesel, como uma forma de
comparação ou avaliação da demanda do GNV para MT.
75
Os preços médios praticados em Cuiabá no período entre novembro de 2005 a agosto de
2007, para GNV (R$/M3), Diesel (R$/l), Gasolina (R$/l) e Álcool (R$/l), foram coletados junto à
Agência Nacional de Petróleo – ANP. Os termos de troca foram obtidos pela divisão dos preços
correntes do GNV pelos demais combustíveis e são apresentados na Tabela 4.2.
Os dados da tabela 4.2 revelam que no início da distribuição do GNV no Estado, o valor de
um metro cúbico do GNV correspondia a 65% do valor de um litro de diesel, a 47% do valor de
litro de gasolina e a 81% do valor de um litro de álcool. É importante notar que a partir de fevereiro
de 2007, com a queda brusca no valor do álcool e o aumento do valor do GNV para R$ 1,49 o
metro cúbico em outubro de 2006, o valor relativo do m3 do GNV passou ser equivalente ao do
álcool, reduzindo grandemente as vantagens do seu uso.
Tabela 4.2 – Termos de Trocas entre o GNV e substitutos, Nov/2005 – Ago/2007
Mês GNV/diesel GNV/Gasolina GNV/Álcoolnov/05 0,65 0,47 0,81dez/05 0,65 0,47 0,71jan/06 0,65 0,47 0,68fev/06 0,65 0,46 0,67mar/06 0,65 0,45 0,58abr/06 0,65 0,46 0,57mai/06 0,65 0,47 0,66jun/06 0,65 0,46 0,69jul/06 0,65 0,46 0,71ago/06 0,66 0,46 0,73set/06 0,66 0,46 0,73out/06 0,72 0,51 0,82nov/06 0,72 0,51 0,82dez/06 0,73 0,51 0,84jan/07 0,73 0,51 0,82fev/07 0,73 0,51 0,92mar/07 0,73 0,51 0,91abr/07 0,72 0,51 0,83mai/07 0,73 0,51 0,97jun/07 0,73 0,51 1,15jul/07 0,73 0,51 1,24ago/07 0,73 0,54 1,29média 0,69 0,49 0,83Fonte: dados da pesquisa
Nos meses de junho, julho e agosto de 2007 o valor do m3 do GNV passa a ser superior ao
valor do álcool, registrando altas sucessivas, de 15%, 24% e 29%, respectivamente. O principal
76
concorrente do GNV, em termos de valores, é o álcool, sendo que a gasolina e diesel não têm
apresentado forte obstáculos à expansão do consumo do GNV no Estado.
Um fator relevante na determinação da demanda do GNV é valor da conversão dos
veículos, que oscila entre R$ 2,4 mil e R$ 4,7 mil, segundo Hérnan Diehl, proprietário de uma
oficina de conversão de veículos (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007f).
4.2.3 Outros Segmentos (industrial, co-geração, residencial, matéria-prima)
Atualmente o consumo do GN em Mato Grosso no segmento industrial se restringe à
utilização pela empresa Sadia Oeste, localizada no município de Várzea Grande. É a primeira
indústria do Estado a adotar o gás em parte de suas máquinas utilizadas no processamento e
beneficiamento de carnes e aves.
Segundo o jornal Diário de Cuiabá (2007, ed. 24/06/2007),55 para consolidar o projeto de
mudar gradualmente sua matriz energética, a Sadia ignorou os boatos sobre um possível
desabastecimento e investiu na aquisição de equipamentos para substituir a energia elétrica que é
bem mais cara e sofre alta incidência de imposto pelo GN. Inicialmente consumirá 3 mil metros
cúbicos por dia, sendo previsto um consumo de 25 mil metros cúbicos por dia para os meses
subseqüentes (DIÁRIO DE CUIABÁ, 2007g).
A pequena demanda neste segmento e nos outros, que até o presente não apresentam
nenhum consumo, acredita-se que pode ser explicada por diversas questões, tais como: a
instabilidade de fornecimento (oferta), ocasionada pela nacionalização do setor de hidrocarbonetos
na Bolívia, principal exportador do energético para Brasil e Mato Grosso; altos custos para
substituição da matriz de energia das empresas (da outras fontes para o GN); pouca capacidade de
ampliação da oferta/transporte no gasoduto lateral Cuiabá (infraestrutura) no curto prazo, em termos
de volume, sendo que o volume de 590 mil m3/dia para outros segmentos é relativamente pequeno
para a uma expansão rápida no consumo; altos custos para a construção de redes para a distribuição
nas residências; o aspecto cultural (a pouca tradição no uso deste energético); o surgimento de
55 O mesmo jornal ressalta que a troca da energia elétrica pelo gás em parte dos equipamentos da planta frigorífica de Várzea Grande ocorreu no último mês de abril e está em fase experimental, porém com bons resultados para a empresa.
77
alternativas energéticas e a expansão das que concorrem diretamente (biodiesel, lenha, GLP, álcool,
gasolina, etc.).
Segundo o presidente da Federação das Indústrias do Estado (FIEMT), Mauro Mendes, a
falta de uma definição quanto ao suprimento é muito ruim porque “afugenta os empreendimentos”
que poderiam adotar o gás como matriz energética. “Hoje nenhum empresário vai migrar para o gás
natural porque teme prejuízos se faltar o combustível”. Mendes acredita que se houvesse garantia de
abastecimento, muitas empresas já estariam investindo em Mato Grosso por conta do atrativo do
gás. “Ninguém vai apostar num investimento se o cenário para o futuro é de incertezas”. (DIÁRIO
DE CUIABÁ, 2007h)
A ausência de uma política que defina os preços e que garanta o suprimento do gás natural
para Mato Grosso nos próximos anos gera grande parte da insegurança às indústrias interessadas em
investir no Estado utilizando o gás como combustível.
4.3 Regulação do Setor em Mato Grosso
Para Kerkis (2004), de maneira genérica, a literatura sobre regulação destaca os seguintes
objetivos: a) proteger o interesse dos usuários por meio da modicidade tarifária e da qualidade do
serviço; b) garantir que os operadores (agentes regulados) tenham a capacidade financeira de
executar suas atividades programadas; c) promover a eficiência dos serviços regulados; d) garantir
um sistema de regulação sustentável e eficaz.
O trabalho de Kerkis (2004) indica que pelo fato do quadro institucional regulatório no
Brasil não estar consolidado, as agências estaduais de regulação têm adotado desenhos
institucionais variados. Os objetivos formais das agências estaduais visam garantir aos usuários a
qualidade e a segurança dos serviços prestados pelas concessionárias; estimular o desenvolvimento,
a universalização e a modernização dos serviços; fiscalizar os prazos, as metas e as demais
obrigações contratuais estabelecidas nas concessões; zelar pelo equilíbrio econômico e financeiro
dos contratos e pela modicidade das tarifas dos serviços; mediar os conflitos entre os agentes do
setor regulado.
78
Em Mato Grosso, compete à AGER a regulação e/ou a fiscalização dos setores de
saneamento, rodovias, portos e hidrovias, transporte intermunicipais de passageiros, energia
elétrica, gás canalizado, entre outros, observada a competência própria dos outros entes federados,
tendo como objetivos formais, de acordo com a Lei Estadual Nº 7.101/ 1999: a) - assegurar a
prestação de serviços adequados, assim, entendidos aqueles que satisfazem às condições de
universalidade, regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia
na sua prestação e modicidade nas suas tarifas; b) garantir a harmonia entre os interesses dos
usuários, concessionários, permissionários e autorizatários de serviços públicos; c) zelar pelo
equilíbrio econômico-financeiro dos serviços públicos delegados.
Sendo de sua competência ainda,
“ I - garantir a aplicação do princípio da isonomia no uso e acesso aos serviços
concedidos;
II - buscar a modicidade das tarifas e o justo retorno dos investimentos aos
concessionários;
III - cumprir e fazer cumprir a legislação específica relacionada aos serviços públicos;
IV - homologar ou encaminhar ao responsável pelo exercício do Poder Concedente
específico os contratos celebrados pelos concessionários e permissionários, e zelar pelo fiel
cumprimento das normase contratos de concessão ou de permissão e termos de autorização
dos serviços públicos;
V - fixar, homologar ou encaminhar ao titular do Poder Concedente as tarifas, seus valores
e suas estruturas;
VI - submeter ao responsável pelo exercício do Poder Concedente os editais de licitação,
objetivando outorga de concessão e permissão dos serviços públicos, podendo promover ao
respectivo procedimento;
VII - encaminhar propostas de concessão, permissão ou de autorização dos serviços
públicos, bem como propor alteração das condições e das áreas, a extinção ou atendimento
dos respectivos contratos ou termos;
VIII - requisitar informações relativas aos serviços públicos delegados de órgãos ou
entidades da administração estadual, ou de concessionários, permissionários ou
autorizatários;
IX - moderar, dirimir ou arbitrar conflitos de interesse, no limite das atribuições previstas
nesta lei, relativos aos objetivos das concessões, permissões e autorizações;
79
X - permitir o amplo acesso às informações sobre a prestação dos serviços públicos
delegados e sobre suas próprias atividades;
“XI - fiscalizar a qualidade dos serviços por meio de indicadores e procedimentos
amostrais.” (MATO GROSSO, 1999a; MATO GROSSO, 1999b).
No Setor de GN suas ações têm se limitado ao monitoramento dos acontecimentos, não
havendo nenhuma outra normatização por parte da Agência, além da fixação do preço do GN para a
distribuição para os postos, por meio da homologação da tarifa teto desse segmento, em 30/11/2005.
Devido à grande vulnerabilidade deste mercado, ocasionadas, especialmente, por pressões relativas
ao fornecimento do gás oriundo da Bolívia e à indefinição de acordos referentes aos contratos
firmados, sobretudo o da termelétrica Cuiabá I, as atividades regulatórias se restringiram ao
monitoramento dessas atividades e ao acompanhamento do aumento lento e gradual da demanda no
segmento do GNV.
Com este mercado incipiente e com ritmo de crescimento lento a regulação tem-se dado de
maneira bem branda e a MTGÁS, empresa com controle do Estado, tem tido ampla liberdade para o
desenvolvimento de suas atividades.
4.3.1 Limitação (questionamento) da Regulação em Mato Grosso
1ª Pouco dinamismo do mercado, ausência de expectativas, dependência de fornecimento
da Bolívia, exigência de alto nível de investimento (questões de infraestrutura (redes), ausência de
reservas. Estas razões são fatores que atenuam os possíveis abusos, ou o uso do poder de mercado
pela Distribuidora.
2ª Como existem vários substitutos para o GN, tais como: GLP, Álcool, diesel, lenha,
biocombustíveis, energia elétrica produzida com fonte hídrica, este fator também atenua os
possíveis abusos da distribuidora na prática de preços, pois existe a necessidade do energético
apresentar-se como competitivo e, ainda, a de expansão do consumo (aculturamento), que é
pequeno.
3ª Existe a necessidade de regulação de uma empresa com controle acionário do próprio
Estado? Risco de captura pelo Governo (o Estado regulando o próprio Estado é pro forma).
80
4.4 Análise de importação do Gás Natural para Mato Grosso
Esta parte do capítulo apresenta uma análise dos gastos com a importação de gás natural
para o Estado de Mato Grosso no período entre agosto de 2001 a dezembro de 2006.
4.4.1 Contextualização
Segundo Fernandes (2000:11), o gás natural (GN) em nível mundial é a terceira fonte de
energia primária, precedido apenas pelo petróleo e o carvão. Com taxas geométricas mundiais
médias de crescimento superiores a 2% a.a na década de 90, a indústria nacional deste energético
era ainda incipiente, o que tornou sua inserção na matriz energética uma prioridade do Governo
Federal.
A construção do gasoduto Brasil-Bolívia (GASBOL) trouxe ao mercado nacional um
impulso decisivo para o setor, como infra-estrutura básica para o processo de importação,
propiciando o surgimento de novos negócios e a multiplicação de projetos de usinas termelétricas
ao seu trajeto. (IBID, 2000:26).
Os dados da tabela 3.7 (vide capítulo 3), mostram a existência de crescimento contínuo da
oferta de gás natural desde o ano de 1999, sendo que a participação relativa das importações na
oferta total aumenta significativamente, saltando dos 3% no ano de 1999 para a expressiva
participação de 34% da oferta total do GN no Brasil. Verifica-se que o volume importado no ano de
2005 é superior quatro vezes ao volume importado no ano de 2000, ano em que se registrou a
importação em todos os meses, sendo, portanto, o primeiro ano passível de comparação.
No ano de 1999, o Brasil importou o GN em sua totalidade da Bolívia. Já no ano de 2000 a
Argentina aparece no cenário com uma representatividade 5% das importações, atingindo, no ano
de 2001, a marca de 16%, sua maior participação no período apresentado. Este fato deve-se à maior
demanda para a produção de energia elétrica na Usina Termelétrica de Uruguaiana – RS neste
período, importado pela empresa Sulgás e escoado pelo Trecho I do gasoduto Uruguaiana-Porto
Alegre. A Bolívia é o maior exportador, representando em média para o período 93,43% das
importações brasileiras de GN;
81
Os dados da tabela 4.3 apresentam a participação de Mato Grosso nas importações totais
de GN para o período em estudo. Verifica-se que em 2001, estas representaram 4,13% das
importações brasileiras. No ano de 2002 e 2003, atingiram os maiores índices de participação,
registrando 8,64% e 7%, respectivamente. Para os anos subseqüentes houve decréscimo
significativo de participação, com taxas de 3,89%, 2,67% e 2,26%, respectivamente.
Tabela 4.3. Participação de Mato Grosso nas Importações brasileiras de GN (103 m3) - ago-2001 a 2006* Ano 2001 2002 2003 2004 2005 2006Importação Brasil (a) 4.603.015 5.269.274 5.946.859 8.086.095 8.997.552 9.788.751
Importação Mato Grosso (b)
49.922 455.299 416.392 314.677 240.051 221.701
Participação % (b/a) 4,13% 8,64% 7,00% 3,89% 2,67% 2,26%Fonte: MME, 2006 - com alterações efetuadas pelo autor.* Os dados relativos ao ano de 2001, foram calculadas proporcionais ao volume importado pelo Brasil a partir de agosto, para captar melhor a participação relativa.
A Tabela 4.4 apresenta os dados relativos ao volume importado no período estudado.
Verifica-se a existência de uma grande variabilidade, explicada, em grande parte, pela destinação do
gás natural a geração de energia elétrica no Estado, sendo esta fonte utilizada em maior intensidade
nos períodos de seca, alternativamente à produção de energia elétrica por meio de fonte hídrica. Até
novembro de 2005 todo o volume de gás natural importado era destinado à Usina Termoelétrica
Cuiabá I (UTE).
Apesar da instituição legal da Companhia Mato-grossense de Gás (MTGÁS) e do
estabelecimento das diretrizes para distribuição de gás canalizado no Estado de Mato Grosso, em 28
de Julho de 2003, pela Lei Estadual nº 7.939, a demanda de gás natural, que era restrita à utilização
da UTE Cuiabá I, passaria por um realinhamento, sendo previsto a distribuição para diversos
segmentos, que variariam de acordo com os usos do gás, tais como: Setor Industrial, Setor
Residencial, GNV (Gás Natural Veicular), interruptível56, co-geração e matéria-prima. Tal
expectativa não se concretizou, aos menos de imediato.
56 Serviço interruptível é serviço de gás sujeito à interrupção a critério do transportador. Também conhecido como “serviço de melhor esforço”. As tarifas para serviços interruptíveis são inferiores àquelas praticadas para serviço firme.
82
A princípio a MTGÁS estava autorizada pela ANP, Aut. Nº 229 de 03/08/2004, a importar
o gás natural da Bolívia, com um volume diário de 500 mil m3/dia, em regime firme, destinados a
atender os segmentos supracitados.
Tabela 4.4. Volume importado de gás natural do Estado de Mato Grosso - 2001-2006 (MBTU*)**
Meses
Anos
2001 2002 2003 2004 2005 2006
Janeiro - 1.121.133,91 1.206.120,85 1.650.828,05 166.158,15 348.388,66
Fevereiro - 1.057.650,13 782.558,75 1.095.039,16 - 584.125,33
Março - 1.084.710,93 70.649,01 232.528,91 746.844,46 510.152,93
Abril - 1.527.862,74 94.666,17 767.512,12 1.205.483,03 386.497,58
Maio - 1.920.473,70 605.430,81 76.430,44 1.245.665,80 826.396,87
Junho - 1.802.126,07 1.374.337,93 117.381,57 1.078.254,38 1.087.318,16
Julho - 1.923.364,42 2.071.137,64 346.307,35 1.154.434,91 784.423,72
Agosto 55.964,19 1.857.224,92 1.949.149,57 969.313,69 1.074.073,11 1.223.812,01
Setembro - 1.020.962,33 1.037.411,41 2.002.760,16 603.804,55 142.111,15
Outubro 19.309,96 1.347.650,13 1.961.984,33 1.777.094,37 450.257,37 240.160,39
Novembro 919.358,45 1.151.547,93 2.203.729,95 1.523.834,39 609.958,97 1.012.346,14
Dezembro 867.444,98 1.167.732,19 2.174.047,00 1.178.254,38 618.843,72 1.123.596,79
Total 1.862.077,58 16.982.439,39 15.531.223,42 11.737.284,60 8.953.778,44 8.269.329,73
Fonte: (ANP, 2006b)Notas: * BTU - British thermal unit é um unidade de temperatura britânica. Um milhão de BTU equivale a 26,81 m3(metros cúbicos), considerando o GN com poder calorífico de 9400 KCAL. ** dados convertidos de m3 em MBTU pelo autor.
No entanto, somente em agosto de 2006, a Centro Oeste Gás e Serviços Ltda (CGS)57.
iniciou a importação de gás boliviano, destinado o Estado de Mato Grosso em complemento ao
volume importado pela EPE (ANP, 2006b).
A despeito do início da distribuição do gás natural para outros segmentos, o maior
consumidor e importador é a Usina Termoelétrica Cuiabá I, representando quase que a totalidade
das importações deste energético no período em estudo.57 Esta é a empresa possui o contrato de fornecimento de GN à MTGÁS (concessionária), com um preço inicial de 4 US$/MMBTU.
83
Verifica-se, ainda, que no ano de 2002, com 16.982.439,39 MBTU e o ano de 2003, com
15.531.223,42 MBTU, registrou-se o maior volume das importações do período, refletindo as
políticas de atendimento ao Programa Prioritário das Termoelétricas (PPT), implantado para
combater a crise de abarcou o sistema nacional de energia elétrica.
Após este período e sanada parcialmente a questão da crise de energia elétrica, os anos de
2004, 2005 e 2006, registraram queda significativa no volume total importado. A queda no volume
das importações de GN no ano de 2004 em relação ao ano de 2003 representou 24,23%. No
próximo ano houve queda de 23,72% em relação ao volume importado em 2004. No ano de 2006,
registrou-se uma taxa de variação negativa, menos acentuada, de 7,64% em relação ao período
anterior.
O Gráfico 4.1 apresenta a taxa de câmbio real, calculada por intermédio das taxas médias
mensais para o período estudado, deflacionadas pela inflação doméstica. No período estudado, a
maior desvalorização da taxa de câmbio real foi registrada em dezembro de 2002, R$2,86 /US$ a
preços de dezembro de 2006 (deflacionados) pelo IGP-DI. Em média as taxas de câmbio mais
valorizadas foram registradas no ano de 2001, apresentando o valor de R$1,58 /US$ a preços de
dezembro de 2006.
Houve uma desvalorização da taxa média de câmbio real do ano de 2002 em relação à de
2001 da ordem de 26,58%. A trajetória de queda persistiu em 2003, registrando-se uma
desvalorização de 27,5% em relação à taxa média de 2002. Apesar de mantida a tendência de queda
no ano de 2004, esta só representou 4,31% em relação à taxa média de 2003. Já em 2005, houve
aumento do poder de compra da moeda nacional de 12,03% em relação ao dólar, considerado a taxa
média observado em 2004. Houve uma valorização de 8,97% da taxa média de câmbio em 2006 em
relação a de 2005.
84
Fonte dos dados: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (IPEADATA).
Gráfico 4.1 - Taxa de Câmbio Real - 2001-2006 (R$/US$, base dez/2006=100)
Os gastos de Mato Grosso com a importação de GN são apresentados na tabela 4.5, em
milhões de reais por mês. No ano de 2001, como a importação de GN só ocorreu em quatro meses,
os gastos totalizaram 3,39 milhões de reais, apresentando uma média mensal de aproximadamente
0, 85 milhões de reais/mês.
Já no ano de 2002 os gastos anuais foram da ordem de 19,65 milhões de reais, com média
mensal de 1,64 milhões de reais. Em 2003, ano em que se gastou mais com a importação deste
energético, os valores ultrapassaram os 27 milhões anuais, com média mensal de 2,27 milhões.
Os gastos anuais de 2004, apesar de inferiores aos registrados no ano de 2003, totalizaram
23,73 milhões de reais, com média mensal de aproximadamente 1,98 milhões de reais.
Importante observar que os dados de 2005 e 2006 apresentaram um decréscimo
significativo, atingindo somente as marcas de R$ 8,78 milhões e R$ 9,52 milhões, respectivamente.
Esta redução pode ser explicada, essencialmente, pela queda brusca no volume importado devido à
superação da forte crise energética (apagão). O racionamento de energia elétrica foi decretado em
85
01/07/2001, com fim em maio de 2002, no entanto, em 2003 e 2004 ainda, reflexos significativos
foram sentidos devido a seca no Nordeste do país, que exigiu maior geração térmica.
Tabela 4.5. Gastos de Mato Grosso com a importação de Gás Natural - 2001-2006 (em milhões de R$)*
Meses
Anos
2001 2002 2003 2004 2005 2006
Janeiro - 1,98 3,97 4,79 0,51 0,91
Fevereiro - 1,91 2,74 3,30 - 1,46
Março - 1,90 0,24 0,70 2,33 1,26
Abril - 2,66 0,29 2,34 3,60 0,95
Maio - 3,62 1,77 0,25 3,53 2,08
Junho - 3,78 3,88 0,40 2,99 2,84
Julho - 4,45 5,84 1,15 3,14 2,00
Agosto 0,10 4,66 5,76 3,22 2,88 3,08
Setembro - 2,83 3,02 6,44 1,57 0,36
Outubro 0,04 4,43 5,61 5,67 1,16 0,61
Novembro 1,73 3,76 6,45 4,78 1,55 2,59
Dezembro 1,52 3,97 6,42 3,63 1,62 2,87
Gasto Total 3,39 19,65 27,26 23,73 8,78 9,52
Fonte: dados da pesquisa
4.5 Limitações para o Desenvolvimento do Sistema de Distribuição de GN em Mato Grosso
4.5.1 Limitações ao desenvolvimento
O pouco dinamismo do sistema de distribuição do GN em Mato Grosso acredita-se ser
reflexo de vários fatores, em especial: 1º) ausência de expectativas sentida pela pouco interesse da
iniciativa privada em investir desde o início do processo de configuração do sistema, inclusive com
a licitação de concessão deserta; 2º) o fato de Mato Grosso não possuir reservas provadas de GN o
que eleva ainda mais a dependência de fornecimento da Bolívia, ou, em último caso, da Argentina;
3º) a exigência de alto nível de investimento para construção de infraestrutura de redes; 4º) papel
principal da termoeletricidade no Estado, o que limita o consumo para outros segmentos, devido em
especial à capacidade de transporte do gasoduto Lateral Cuiabá; 5º) o grande número de substitutos,
concorrentes do energéticos, como: GLP, Álcool, diesel, lenha; 6º) os custos de transferência dos
energéticos para o GN, no caso do GNV expresso pelo preço do KIT Gás, no caso das indústrias, a
substituição da matriz energética, de processos e outros equipamentos.
86
O trabalho de Dorileo e Bajay (2007), aponta que uma das quatros possibilidades de
avanços na matriz energética mato-grossense seria a expansão da utilização do gás natural
importado da Bolívia. Sendo que a disponibilidade do GN permitiria, além da geração de
eletricidade, a sua comercialização para os setores industrial, residencial, comércio e serviços de
transporte.
O mesmo estudo aponta que o projeto de massificação do uso do GN exige um
planejamento financeiro robusto, para rápida inserção no mercado, pois além de ter que ser
oferecido a um preço mais baixo que outros derivados de petróleo, para que exista substituição, a
remuneração dos investimentos na infra-estrutura de transporte onera muito seu custo total. As
participações do governo estadual e da Petrobrás, bem como da MTGás são defendidas para o
sucesso de implementação de redes de distribuição em Cuiabá. Esta interação entre a Petrobrás e o
governo estadual, além de incentivos fiscais, são indicados como propulsores da expansão do
sistema de distribuição do GN em Mato Grosso. (DORILEO e BAJAY, 2007).
A adoção de tais práticas para expansão do mercado de GN em Mato Grosso são questões
no mínimo razoáveis e necessárias. No entanto, não são condições suficientes para que tal objetivo
seja alcançado. A definição de um novo contrato de fornecimento do GN para a UTE Cuiabá I por
meio do estabelecimento de regras justas, preços ajustados aos de mercado e o reconhecimento da
interdependência existente entre países é premissa fundamental para pelo menos a manutenção, a
curto prazo, do sistema de distribuição do GN em Mato Grosso, tendo em vista que o consumo do
segmento termoelétrico representou, até novembro de 2005, a totalidade do GN importado para o
Estado e, posteriormente, de 96 a 98% das importações até a interrupção do fornecimento de
agosto de 2007.
A restauração das relações comerciais entre UTE Cuiabá I e a Bolívia é essencial para o
estabelecimento de ambiente favorável para que a MTGás que depende grandemente do repasse do
efetuado pela Térmica ( usuário livre), elabore uma estratégia de expansão pari-passo dos outros
segmentos consumidores.
87
4.5.2 Especulações
A primeira grande especulação sobre o sistema de distribuição está ligada à possível
privatização da MTGÁS.
Em fevereiro de 2006 o Governo do Estado realizou alguns levantamentos para abertura de
capital da Companhia. A intenção do Governo era de abrir a distribuição do produto em Mato
Grosso, para ampliar os recursos investidos no setor. Foram efetuados alguns encontros técnicos de
avaliação entre a empresa mato-grossense e empresas do setor que atuam no transporte,
comercialização e armazenamento de gás no Brasil, como a GasPetro, subsidiária da Petrobras
(DIÁRIO DE CUIABÁ, 2006a).
A segunda grande especulação seria o de instalação de uma Fábrica de Fertilizantes da
Petrobras em Cuiabá. Houve intensa mobilização para que esta fábrica se instalasse em Cuiabá, no
entanto não houve uma definição.
A Petrobrás em 2005 começou a negociar a construção de uma fábrica de fertilizantes na
região Centro-oeste, no valor de US$ 700 milhões, para entrar em operação em 2010. No dia
14/07/2005, os diretores da estatal reuniram-se com o governador de Mato Grosso do Sul. Na
semana anterior à reunião o governo de Mato Grosso, que também disputa o investimento, esteve
reunido no Rio de Janeiro com o intuito de trazer tal investimento. No entanto, os critérios para a
escolha do Estado vencedor são: questões ambientais, de logística e de oferta do gás
(GUIA@OFFSHORE, 2005).
Acredita-se que a capacidade de transporte do duto, limitada ao volume de 590 mil m3/dia
para outros segmentos que não o de termoeletricidade, a instabilidade de oferta do GN, em razão do
decreto de nacionalização das reservas bolivianos em 2005, foram os principais fatores que
ocasionaram a indefinição e não concretização do investimento seja em Mato Grosso ou Mato
Grosso do Sul.
88
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ampliação da participação do GN na matriz energética do Brasil é um fato evidente e
vem ocorrendo tanto pelo crescimento da produção nacional e do aumento das importações. A crise
de energia elétrica em 2001 e o advento do Programa Prioritário de Termeletricidade no ano de
2000 representaram um passo fundamental na história da indústria nacional do GN, ratificando a
condição de consumo-âncora da termoeletricidade para a criação de um mercado de gás natural no
Brasil.
Importantes mudanças institucionais ocorreram na Bolívia alterando o marco regulatório
da indústria do GN. A Bolívia é o principal exportador de GN para o Brasil, o que eleva o grau
dependência e afeta as relações comerciais significativamente. Estas alterações, bem como o
descumprimento dos contratos elevaram consideravelmente as incertezas com relação ao
fornecimento e preço do GN boliviano ao Brasil. Em especial, a decisão de nacionalização das
reservas, envolveu a questão da definição dos direitos de propriedades. Para ECT a indefinição
destes direitos desestimulam os investimentos, o que traz impactos importantes na performance
econômica do país. A essência econômica do contrato é o de promessa. Desta forma, os agentes
econômicos tendem a realizar investimentos com a redução dos custos associados às futuras
rupturas das promessas
O objetivo geral do trabalho era o de caracterizar o mercado de gás natural, desde os
aspectos políticos, teóricos (estrutura do mercado), institucionais (regulação) e históricos para
entender as razões que levam à subutilização do sistema de distribuição, ou seja, detectar os
principais limitadores ao crescimento deste mercado em Mato Grosso. Dessa forma, o objetivo foi
cumprido. Como Mato Grosso não possui reservas provadas de gás natural, todo o seu consumo
está baseado na importação da Bolívia. Embora não houvesse se constituído formalmente o sistema
de distribuição de gás natural no Estado, a primeira importação deu-se em agosto de 2001, com a
finalidade de produção de energia elétrica pela Usina Termelétrica de Cuiabá I através do gasoduto
Lateral Cuiabá. Após 6 anos de consumo do energético, por questões contratuais, em especial, pelo
fato da insatisfação da Bolívia em relação ao preço contratual de 1,19 US$/MBTU está sem
consumir o energético desde agosto de 2007, o que representa praticamente a totalidade da
demanda por importações do GN para Mato Grosso.
89
O segmento veicular - GNV é o que vem apresentando maior expansão de consumo do
GN. Atualmente cinco postos efetuam o abastecimento dos veículos no Estado. No entanto, este
segmento, apenas tem o papel de divulgação do GN, não representando participação significativa
em termos de volumes.
Em meio à infinidade de indefinições e especulações, o que de fato hoje se evidencia, são
que as regras de fornecimento do GN para Mato Grosso não são claras e tão poucas justas,
atendendo a lógica do capital. As regras do jogo e o ambiente institucional não são propícios ao
desenvolvimento do consumo em outros segmentos, devida a grande instabilidade gerada no setor
de consumo de termelétrico.
O pouco dinamismo do sistema de distribuição do GN em Mato Grosso acredita-se ser
reflexo de vários fatores, em especial: 1º) ausência de expectativas sentida pela pouco interesse da
iniciativa privada em investir desde o início do processo de configuração do sistema, inclusive com
a licitação de concessão deserta; 2º) o fato de Mato Grosso não possuir reservas provadas de GN o
que eleva ainda mais a dependência de fornecimento da Bolívia, ou, em último caso, da Argentina;
3º) a exigência de alto nível de investimento para construção de infra-estrutura de redes; 4º) papel
principal da termoeletricidade no Estado, o que limita o consumo para outros segmentos, devido em
especial à capacidade de transporte do gasoduto Lateral Cuiabá; 5º) o grande número de substitutos,
concorrentes do energético, como: GLP, Álcool, diesel, lenha; 6º) os custos de transferência dos
energéticos para o GN, no caso do GNV expresso pelo preço do KIT Gás, no caso das indústrias, a
substituição da matriz energética, de processos e outros equipamentos.
Como apresentado ao longo deste trabalho foi possível verificar que as características
teóricas das indústrias de rede, em especial, custos associados ao investimento e maturação de longo
prazo são fatores inibidores do crescimento deste mercado. Verifica-se que o sistema de distribuição
de GN é secundário, sendo o segmento termelétrico (usuário livre) o principal fator que explica a
existência de importação do GN para Mato Grosso.
A grande instabilidade da oferta ligada a dependência total do fornecimento do GN pela
Bolívia devido a mudanças institucionais ocorridas naquele país também que tem afetado
90
diretamente o desenvolvimento do sistema de distribuição, em especial, na definição de um novo
contrato com a termelétrica.
91
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7. ANEXOS
Quadro 4.1 - Marcos relevantes na evolução do mercado de GN em Mato Grosso
Janeiro de
1999
Criação da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos
Delegados de Mato Grosso através da Lei nº 7101. 2º semestre
de 1999
Início da construção do gasoduto Lateral Cuiabá.
Setembro de
2000
O BNDES por meio da AGER lança o edital de licitação na modalidade
de Concorrência, de âmbito internacional, do tipo maios oferta pelo
valor da outorga, com a finalidade de selecionar a proposta mais
vantajosa para a delegação de concessão nos 32 municípios. Licitação
foi considerada deserta.Junho de
2001
Conclusão da construção do gasoduto Lateral Cuiabá.
Agosto de
2001
A primeira importação é efetuada pela Empresa Produtora de Energia
EPE.Julho de
2003
Constituição a Companhia Mato-grossense de Gás – MTGÁS e
estabelecimento das diretrizes para distribuição de gás canalizado no
Estado.Fevereiro de
2004
Assinatura do contrato de concessão 001/2004.
Setembro de
2005
Inauguração do City Gate da MTGÁS.
Dezembro de
2005
A efetiva distribuição do gás natural em Mato Grosso no segmento de Gás Natural Veicular – GNV iniciou-se no município de Cuiabá em 05/12/2005 – Posto VIP.
Junho de
2007
Início do consumo do GN em Mato Grosso no segmento industrial pela
empresa Sadia Oeste.Agosto de
2007
Interrupção do fornecimento de GN para Termelétrica Cuiabá I.
Fonte: dados da pesquisa