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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rafael Perales de Aguiar Auxílio-acidente: uma análise da estrutura de sua norma jurídica MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rafael Perales de Aguiar

Auxílio-acidente: uma análise da estrutura de sua norma jurídica

MESTRADO EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO

SÃO PAULO

2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rafael Perales de Aguiar

Auxílio-acidente: uma análise da estrutura de sua norma jurídica

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a

obtenção do título de Mestre em

Direito, sob a orientação do prof. Dr.

Daniel Pulino.

SÃO PAULO

2016

Aguiar, Rafael Perales de. Auxílio-acidente: uma análise da estrutura de sua norma jurídica.

158p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP,

2016.

Banca Examinadora

______________________________

______________________________

______________________________

Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos a reprodução total ou parcial

desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: _______________________________________________________

Data: 23/11/2016

E-mail: [email protected]

A282

Aguiar, Rafael Perales de

Auxílio-acidente: uma análise da estrutura de sua norma/ Rafael Perales de

Aguiar. – São Paulo: s.n., 2016.

158 p. ; 30 cm.

Referências: 155-158

Orientador: Prof. Dr. Daniel Pulino

Dissertação (Mestrado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa

de Pós-Graduação em Direito, 2016.

1. Auxílio-acidente 2. Doença ocupacional 3. Acidente de trabalho 4. Dano 5.

Incapacidade laboral. I. Título. II. Autor.

CDD 340

Social security must be achieved by co-operation

between the State and the individual. The State

should offer security for service and contribution.

The State in organising security should not stifle

incentive, opportunity, responsibility; in establishing

a national minimum, it should leave room and

encouragement for voluntary action by each

individual to provide more than that minimum for

himself and his family.

William Henry Beveridge – Beveridge Report

Eu dedico este trabalho aos meus

pais, que me deram todo o apoio

necessário ao meu

desenvolvimento intelectual, desde

a infância e até agora na pós-

graduação.

Também aproveito a oportunidade

para agradecer aos professores que

me guiaram por essa longa jornada

do conhecimento, em especial, ao

professor Daniel Pulino, meu

orientador, no Mestrado, pelo

apoio prestado.

LISTA DE SIGLAS

CAT Comunicação de Acidente de Trabalho

CID Classificação Internacional de Doenças

CNAE Classificação Nacional de Atividade Econômica

CNPS Conselho Nacional da Previdência Social

CPS Conselhos de Previdência Social

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FUNAI Fundação Nacional do Índio

FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural

GILRAT Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa Decorrente dos Riscos do

Ambiente de Trabalho

IAPAS Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social

INPS Instituto Nacional de Previdência Social

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

ISSQN Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza

LOPS Lei Orgânica da Previdência Social

NTEP Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário

PRORURAL Programa de Assistência ao Trabalhador Rural

RGPS Regime Geral de Previdência Social

RPPS Regime Próprio de Previdência Social

SAT Seguro de Acidente de Trabalho

Aguiar, Rafael Perales de. Auxílio-acidente: uma análise da estrutura de sua norma

jurídica. 158 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, PUC-SP, 2016.

RESUMO

A presente dissertação tem por finalidade realizar um estudo sobre o benefício previdenciário

auxílio-acidente, com o objetivo de demonstrar a extensão exata da cobertura deste benefício,

hoje, e suas principais características, sob o enfoque das mais recentes alterações legislativas.

O trabalho fará uma análise histórica do auxílio-acidente, demonstrando como evoluiu e por

qual razão o benefício foi estruturado da atual maneira, integrando a proteção da Seguridade

Social, depois de partir de uma origem de natureza privada obrigacional do empregador de

fazer seguro para acidentes de trabalho aos seus empregados. Também se dedicará uma parte

deste estudo para explicar alguns conceitos gerais importantes do Direito Previdenciário

relacionados diretamente com a compreensão do auxílio-acidente, além de promover uma

discussão sobre o atual fundamento deste benefício e sua possível nova natureza. Este estudo

seguirá a metodologia da dedução, através da análise legal e doutrinária do benefício;

indução, análise de um caso específico para explicar o geral através de jurisprudência e;

dialética, contraposição de ideias para discutir e entender todos os problemas abordados na

dissertação. Já em relação à técnica de pesquisa aplicada, será feita uma coleta de dados

doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema e revisão e análise destes dados e argumentos

coletados, assim como, será feita uma análise da legislação pertinente aos benefícios

aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e auxílio-acidente.

Palavras-chave: Auxílio-Acidente; Doença Ocupacional; Acidente de Trabalho; Dano;

Incapacidade Laboral.

Aguiar, Rafael Perales de. Auxílio-acidente: uma análise da estrutura de sua norma

jurídica. 158 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, PUC-SP, 2016.

ABSTRACT

This thesis aims to conduct a study on social security benefit accident assistance, in order to

demonstrate the exact extent of coverage of this benefit today and its main features, focus on

the latest legislative changes. The work will make a historical analysis of accident assistance,

demonstrating how it has evolved and for which reason the benefit was structured in the

current manner, integrating the social security protection, after leaving an nature origin of

private obligatory insurance to the employer for accidents work to their employees. Also

dedicate a part of this study to explain some general concepts important Social Security Law

directly related to the comprehension of the accident assistance. Besides to promote a

discussion about current basis of this benefit as your possible new nature. This study will

follow the methodology of deduction, through legal and doctrinal analysis of the benefit;

induction, analysis of a specific case to explain the general through case law and; dialectic

opposition of ideas to discuss and understand all the issues addressed in the dissertation.

Regarding the research technique applied, a collection of doctrinal and jurisprudential data on

the subject and review and analysis of collected data and arguments will be made, and will be

an analysis of the relevant legislation to retirement benefits for disability, sickness and

accident assistance.

Keywords: Accident Assistance; Occupational disease; Work accident; Damage; Labor

Inability.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1: NOÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO 13

1.1 – Seguridade Social 13

1.1.1 – Saúde 14

1.1.2 – Assistência Social 15

1.1.3 – Previdência Social 16

1.2 – RGPS (Regime Geral de Previdência Social) e o RPPS 18

(Regime Próprio de Previdência Social)

1.2.1 – O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) 20

1.3 – Contribuinte, Segurado e Beneficiário 20

1.3.1 – Segurados Obrigatórios 22

1.3.2 – Segurados Facultativos 24

1.4 – Princípios Constitucionais da Seguridade Social Face ao Auxílio- 25

Acidente

1.4.1 – Seletividade e Distributividade na Prestação de Benefícios 28

Auxílio-Acidente

1.4.2 – Uniformidade e Equivalência do Auxílio-Acidente entre as 29

Populações Urbanas e Rurais

1.4.3 – Princípio da Irredutibilidade do Valor dos Benefícios 30

1.4.4 – Equidade na Forma de Participação e Custeio do Benefício 31

Auxílio-Acidente e os segurados cobertos e excluídos

1.4.5 – Princípio da Diversidade da Base de Financiamento 32

1.4.6 – Caráter Democrático e Descentralizado da Gestão 33

Administrativa – INSS, gestor do Auxílio-Acidente

1.4.7 – Princípio da Preexistência do Custeio em Relação aos Benefícios 35

ou Serviços ou Regra da Contrapartida: A Razão da Carência

1.5 – Contribuições Sociais destinadas ao custeio do Auxílio-Acidente 37

CAPÍTULO 2: EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO AUXÍLIO-ACIDENTE 41

2.1 – Origem: Seguro e Indenização 41

2.2 – Evolução da Proteção Social: Seguro Obrigatório e o Surgimento 44

do Auxílio-Acidente

2.3 – A Constituição de 1988 e a Lei n° 8.213/91: Auxílio-Acidente Hoje 48

CAPÍTULO 3: ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA DO AUXÍLIO-ACIDENTE 52

3.1 – O Auxílio-Acidente na Legislação Atual 54

3.1.1 – Fundamento do Benefício 57

3.2 – Hipótese da Regra Matriz 60

3.2.1 – Critério Material 62

3.2.1.1 – Requisitos para a Concessão do Benefício 64

3.2.1.2 – Desnecessidade de Período de Carência 65

3.2.1.3 – Condição de Segurado 68

3.2.1.4 – Acidente de Qualquer Natureza ou Doença Ocupacional 70

3.2.1.4.1 – Acidente 73

3.2.1.4.1.1 – Definição 74

3.2.1.4.1.2 – Acidente de Trabalho 75

3.2.1.4.1.3 – Concausalidade 76

3.2.1.4.1.4 – Ato de Terceiros 78

3.2.1.4.1.5 – Caso Fortuito ou Força Maior 78

3.2.1.4.1.6 – Acidente “in itinere” 79

3.2.1.4.1.7 – Acidente de Qualquer Natureza 81

3.2.1.4.2 – Doença 82

3.2.1.4.2.1 – Definição 83

3.2.1.4.2.2 – Doença Profissional 84

3.2.1.4.2.3 – Doença do Trabalho 86

3.2.1.4.2.4 – Doenças Excluídas da Proteção 88

3.2.1.5 – Incapacidade Laboral Parcial e Permanente 90

3.2.1.5.1 – Incapacidade para Atividades Cotidianas 94

3.2.1.6 – Desnecessidade de Existência de Benefício Anterior 95

3.2.1.7 – Perícia 97

3.2.2 – Critério Espacial 99

3.2.3 – Critério Temporal 101

3.3 – Consequência da Regra Matriz 104

3.3.1 – Critério Pessoal (Sujeito Ativo e Passivo) 104

3.3.1.1 – Segurados Protegidos 106

3.3.1.2 – Segurados Excluídos 107

3.3.1.3 – Aquisição da Qualidade Segurado 110

3.3.1.4 – Manutenção da Qualidade de Segurado 112

3.3.1.5 – Perda da Qualidade de Segurado 114

3.3.1.6 – Reaquisição da Qualidade de Segurado 116

3.3.2 – Critério Quantitativo (Base de Cálculo e Alíquota) 116

3.3.2.1 – Natureza da Prestação do Auxílio-Acidente 119

3.3.2.2 – Renda Inferior ao Salário-Mínimo 122

CAPÍTULO 4: DINÂMICA DO AUXÍLIO-ACIDENTE 127

4.1 – Início do Benefício 127

4.2 – Cumulatividade com Outros Benefícios 129

4.3 – Reabilitação Profissional: Alta do Benefício? 131

4.4 – Abono Anual 134

4.5 – Extinção do Benefício e o Fim da Natureza Vitalícia 135

4.6 – Proteção Social em Caso de Acidente ou Doença 137

4.6.1 – Espécies de Auxílio-Acidente 138

CAPÍTULO 5: CONSEQUÊNCIAS DO ACIDENTE DE TRABALHO 140

5.1 – Estabilidade no Emprego do Acidentado 140

5.2 – Emissão do CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) 142

5.3 – Responsabilidade Civil do Empregador e Ação Regressiva 144

5.4 – Depósito do Fundo de Garantia 148

CONCLUSÃO 151

BIBLIOGRAFIA 155

11

INTRODUÇÃO

Atualmente, a seguridade social, de forma organizada, se destina à proteção social

através de prestações ou serviços que cubram determinados riscos ou contingências sociais

selecionadas que, a princípio, revela a presença de dois importantes princípios da seguridade

social, quais sejam: seletividade e distributividade, importantíssimos para a delimitação da

rede de proteção da Seguridade Social.

Neste estudo, será feita uma análise do benefício auxílio-acidente e do risco da

incapacidade laboral parcial, sempre dentro do Regime Geral da Previdência Social.

Antes, porém, realizar-se-á uma análise introdutória dos conceitos mais valorosos da

seguridade social ligados à compreensão do auxílio-acidente, como também um estudo dos

princípios que norteiam a Seguridade Social, demonstrando sua ação direta sob o auxílio-

acidente, bem como uma análise da evolução histórica que levou ao modelo de proteção

social atual.

Neste sentido, o auxílio-acidente será analisado amiúde, ou seja, abarcando desde as

pessoas asseguradas por ele, a forma da prestação pecuniária, até os eventos cobertos e

consequências dos eventos ensejadores do referido benefício, através da decomposição da

norma jurídica pela regra-matriz, para demonstrar que ele pode ser classificado perfeitamente

como um benefício previdenciário que se presta a repor um risco social (perda parcial da

capacidade de trabalho) e não mais como uma simples indenização decorrente de um acidente

laboral.

Não se deixará, também, de analisar algumas diferenças e semelhanças com outros

benefícios destinados à proteção do risco social, incapacidade laboral e às atividades

cotidianas.

O estudo deste benefício, desde sua origem, ainda, responderá importantes questões

sobre a exclusão de alguns segurados da sua proteção, a natureza da prestação do benefício, a

responsabilidade do empregador e seu fundamento hoje.

Igualmente, o estudo do auxílio-acidente face à legislação atual, ainda mostrará que,

hoje, o benefício não se destina a proteger o segurado apenas do acidente de trabalho ou

doenças equiparadas, mas, também, de acidentes de qualquer natureza, como forma de

garantir a máxima proteção a ele, independente da culpa do empregador sobre o evento que

causou a redução da capacidade laboral, cabendo uma discussão sobre a

12

inconstitucionalidade, mediante ao princípio da isonomia, da exclusão de proteção desse

benefício para incapacidades decorrentes de doenças não relacionadas ao trabalho.

Além disso, dentro do tema proposto, serão demonstrados conceitos caros à

compreensão da exata cobertura desse benefício, como: a incapacidade parcial e permanente

para o trabalho e atividades cotidianas, a reabilitação profissional e a impossibilidade de alta

do benefício.

Por fim, abordadas estas problemáticas relativas ao benefício dentro do Direito

Previdenciário, serão analisadas algumas consequências de natureza previdenciária e

trabalhista do acidente de trabalho (e eventos equiparados), como a estabilidade no emprego,

o depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e a Responsabilidade Civil do

Empregador.

O tema abordado, neste trabalho, é rico e vasto, contudo, a doutrina sobre o assunto é

extensa e, por essa razão, este estudo não tem a pretensão de esgotar esta matéria, mas trazer

uma maior compreensão, possível, sobre o auxílio-acidente, os requisitos do benefício e as

consequências dos eventos que resultam na concessão do mesmo.

13

CAPÍTULO 1: NOÇÕES PRELIMINARES DE DIREITO

PREVIDENCIÁRIO

Como é de bom alvitre em qualquer trabalho acadêmico, serão definidos alguns

conceitos preliminares importantes para contextualizar a matéria aqui exposta.

Este trabalho definirá, primeiramente, o conceito de Seguridade Social, no qual está

inserida a Previdência, passando ao breve estudo do Regime Geral da Previdência Social, em

que se contextualiza o benefício auxílio-acidente, principal objeto deste estudo.

Após a análise desses conceitos, que contextualizarão este estudo, serão abordados

alguns conceitos básicos que permearão o estudo: segurados, contribuintes e beneficiários,

filiação, inscrição e princípios que orientam o sistema da Seguridade Social, notadamente,

aqueles relacionados com o auxílio-acidente, entre outros.

1.1 – Seguridade Social

O primeiro conceito, aqui exposto, é o da Seguridade Social, que é o conjunto

complexo de ações relativas às áreas de saúde, assistência social e previdência social,

organizadas em um sistema jurídico destinado a conferir a quantidade necessária de saúde, de

previdência e de assistência a todos que dela necessitam, combinando igualdade e

solidariedade para atingir seu objetivo, que é a justiça social, que só se atinge quando a

promoção do bem de todos deixar de ser um mero programa.

Ainda, na lição de Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, Seguridade

Social é assim definida:

A Seguridade Social, segundo o conceito ditado pela ordem jurídica vigente,

compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes

públicos e da sociedade nas áreas da saúde, previdência e assistência social,

conforme previsto no Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal,

sendo organizada em Sistema Nacional, que é composto por conselhos

setoriais, om representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos

Municípios e da sociedade civil.1

1 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 13. ed. São

Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 137.

14

A justiça social é o objetivo do Sistema Nacional de Seguridade Social, que para

atingir essa meta, se vale de um conjunto integrado de estrutura e recursos capazes de

institucionalizar este objetivo.

Em relação à justiça social, vale a pena relatar que o americano John Rawls, em sua

obra, Uma Teoria da Justiça, define o conceito de Justiça Social, definição esta que se

coaduna com a deste autor. O referido autor assevera que cada pessoa possui direitos mínimos

invioláveis, fundados na Justiça, que não podem ser desconsiderados, ainda, que para o bem

maior de toda a sociedade, rebatendo o utilitarismo. Sem deixar, contudo, de trazer um

conceito democrático de Justiça, em que, mesmo reconhecendo que não se pode esmagar os

direitos de uma parcela menor da sociedade para trazer maiores benefícios a uma parcela

maior desse mesmo grupo, admite que as pessoas devam ter reconhecidos direitos mínimos

que lhes garantam a dignidade e a oportunidade de alcançar o seu pleno potencial.

Igualmente, ele considera que a injustiça só é justificável quando necessária para evitar uma

injustiça ainda maior, desde que, em favor do mais desfavorecido, sendo sua teoria um dos

principais pilares da justiça distributiva.

Obviamente, que muito poderia ser dito sobre Seguridade Social, em especial, sobre

sua forma de gestão, organização, evolução histórica, entre outros, mas este não é o objeto

deste estudo, servindo a presente definição apenas para contextualizar o real objeto estudado,

qual seja, o Auxílio-Acidente.

1.1.1 – Saúde

A Saúde é atualmente, dentro do panorama da Seguridade Social, um direito público

subjetivo de todos, que visa a garantia da existência de uma vida digna para todas as pessoas,

com tratamento de enfermidades, acidentes e outras condições que alterem a qualidade de

vida das pessoas, sendo oferecida pelo Estado com um conjunto organizado de ações que

visam a implementação da maior qualidade de vida para todos, incluindo procedimentos

médicos e ações coletivas preventivas de saúde, sendo autorizado que a iniciativa privada

participe deste conjunto de ações de forma suplementar, explorando-a como atividade

econômica, desde que, sob autorização do Estado.

A Saúde pode ser tomada por duas dimensões, uma relacionada ao direito à vida,

qualificado como condições mínimas para uma existência digna, tal como um direito

inclusivo; ou compreensivo de saúde relacionado à alimentação, moradia, saneamento básico,

15

meio ambiente, trabalho, renda, educação, transporte, lazer e acesso a bens e serviços

essenciais à vida digna.

Ela é um serviço público essencial, realizado diretamente pelo Poder Público, sendo

admitida a prestação deste serviço através da iniciativa privada de forma complementar à

atuação estatal e mediante autorização do Estado e sob suas regras e condições, sendo a saúde

organizada na forma de um Sistema Único de Saúde.

Essa é a lição de Miguel Horvath Júnior sobre o serviço de saúde na Seguridade

Social:

A atuação na área de saúde como parte integrante do sistema de seguridade

social terá como foco a promoção, proteção e recuperação da saúde. A saúde

como objetivo da Seguridade Social representa um conceito mais amplo do

que simplesmente a atividade da saúde reparadora. O direito à saúde tem uma

dupla dimensão coletiva e individual. A dimensão coletiva passa pelo

estabelecimento de marcos mínimos de defesa e fiscalização da saúde pública

(controle sanitário dos alimentos e produtos de consumo humano, controle na

produção de medicamentos etc.). A dimensão individual abarcará o enfoque

preventivo e reparador (ou curativo).2

Nesse sentido, no aspecto coletivo, a atuação da Seguridade Social na saúde é relativa

à regulamentação do sistema, fiscalização sanitária, de gêneros alimentícios e controle de

medicamentos, já no espectro de atuação individual na saúde, ela terá dois enfoques:

preventivo, através de campanhas de imunização, conscientização, entre outros; e um âmbito

reparador, relativo aos tratamentos médico-ambulatoriais, em que os Municípios serão

responsáveis por atendimentos de baixa complexidade, os Estados por atendimentos de média

complexidade e a União por atendimentos de alta complexidade, sem que esta divisão

implique na irresponsabilidade dos demais entes ante a responsabilidade primária do outro, já

que o sistema de saúde é único e essa divisão de competências é meramente administrativa.

1.1.2 – Assistência Social

Por sua vez, a assistência social é a dimensão da Seguridade Social que se destina à

proteção do hipossuficiente, assim entendido aquele que, por força própria, não é capaz de

auferir renda suficiente ao próprio sustento ou de obtê-lo por amparo da sua própria família,

merecendo especial atenção neste sentido os idosos e deficientes.

2 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10. ed. Completa, Revista e Atualizada. São Paulo:

Quartier Latin, 2014, p. 128.

16

A assistência social é formada por um complexo de direitos sociais voltados à

proteção do cidadão, tomado aqui no aspecto mais amplo da expressão e não restrito apenas

àqueles com direitos inerentes à cidadania, e configura um dever do Estado, devendo ser

prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição, através de prestação de

benefícios que lhes garantam a vida digna, complementando suas rendas, ou de serviços que

permitam sua inserção da vida social.

Assim ensina Miguel Horvath Júnior:

A assistência social é direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade

social não contributiva que provê os mínimos sociais. É realizada através de um

conjunto integrado de ações da iniciativa pública e da sociedade para garantir o

atendimento às necessidades básicas.

Os sujeitos protegidos são todos aqueles que não têm renda para fazer frente a sua

própria subsistência, nem família que os ampare, ou seja, “pobres”, na acepção

jurídica do termo.3

A assistência social atua sob dois aspectos: a proteção social, buscando garantir a

vida digna e redução de danos aos hipossuficientes, amparando, sobretudo, a família, as

crianças, os adolescentes, os idosos, as pessoas com deficiência e aqueles que não podem

garantir seu sustento por seus próprios meios; a vigilância socioassistencial, que se presta a

análise de dados locais de vulnerabilidade social, de forma regionalizada, permitindo que se

conheça localmente a incidência de determinados danos e se possam tomar medidas efetivas

para a supressão destes danos; a defesa de direitos, que se presta a garantir o acesso de todos

aos serviços públicos, principalmente, de quem necessite de alguma medida assistencial4.

1.1.3 – Previdência Social

Em relação à Previdência Social, esta é a terceira e última área da Seguridade Social,

sendo aquela que se destina à proteção do segurado (aquele que é afiliado e contribui),

guardando um vínculo com a Previdência, garantindo cobertura aos segurados em casos pré-

selecionados pelo regime previdenciário, relativos à cobertura de situações impeditivas para o

trabalho e/ou que prejudiquem a aferição de renda do segurado, como maternidade, invalidez,

doença, acidente e idade avançada, gerando direitos a prestações e serviços, mediante prévia

3 HORVATH JÚNIOR, 2014, p. 140.

4 Para mais informações sobre a estrutura da ação do SUAS, recomenda-se a leitura da Norma Operacional

Básica do SUAS de 2012. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/publicada-hoje-a-nova-norma-

operacional-basica-nob-suas-2012>. Acesso em: 11 out. 2016.

17

filiação ao sistema previdenciário e, em alguns casos, mediante a exigência de um período de

contribuição (carência). Sendo assim, esta é a lição de Cláudia Salles Vilela Vianna:

A Previdência Social, terceiro e último braço de proteção do sistema de Seguridade

Social, garante ao segurado a cobertura de situações impeditivas ao trabalho e à

percepção de rendimentos, tais como maternidade, idade avançada, doença e

invalidez, mediante filiação e contribuição ao sistema previdenciário.5

Uma ressalva sobre a definição da autora supracitada é necessária, pois a contribuição

ao sistema previdenciário não é exigência para a concessão de todos os benefícios

previdenciários (inobstante, a previdência tenha caráter contributivo, ela é solidária também),

mas apenas a prévia filiação do segurado, podendo ocorrer eventos cobertos por prestações

previdenciárias antes da efetiva contribuição ao sistema previdenciário, como no caso de

acidente de trabalho, entre outros, sendo fundamental compreender que existem benefícios

que não exigem carência, mas apenas prévia filiação a um dos regimes previdenciários,

existindo, ainda, a situação do período de graça, em que o segurado mantém sua condição de

vínculo à previdência pelo período em que ficar sem contribuição.

Todos estes conceitos, segurado, contribuinte, carência, período de graça,

contributividade, filiação, inscrição, serão estudados em outros capítulos mais adiante.

A Previdência Social é organizada em dois regimes obrigatórios diferentes: Regime

Próprio dos Servidores Públicos, destinado aos servidores detentores de cargos efetivos, cujo

ente federado estabeleça um regime diferenciado de previdência para aqueles determinados

servidores, cujos benefícios devem guardar relação com o outro regime; Regime Geral da

Previdência Social, destinado a todos os demais segurados, sendo que ambas guardam, hoje,

entre si, correlação não apenas entre benefícios e serviços cobertos, mas também possuem

caráter contributivo, diferenciando-se, neste ponto, das áreas da saúde e da assistência social.

Há, ainda, a Previdência Privada, que tem caráter facultativo e se destina àqueles que

visam obter uma complementação de renda em relação aos benefícios dos regimes

obrigatórios. Elas podem ser abertas ou fechadas, sendo a aberta aquela de livre associação

para qualquer pessoa, gerida por uma empresa seguradora que objetiva o lucro, e fechadas

aquelas destinadas a determinada categoria profissional, ou pessoas vinculadas a certas

empresas, sindicatos, associação e entidades de classe, onde este grupo contribui para a

formação de um fundo de pensão gerido por entidades sem fins lucrativos, que aplica estes

recursos para garantir recursos futuros para o fomento de benefícios para os associados.

5 VIANNA, Cláudia Salles Vilela. Previdência Social: Custeio e Benefícios. 3. ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 65.

18

1.2 – RGPS (Regime Geral de Previdência Social) e o RPPS (Regime Próprio de

Previdência Social)

Como já referido, a Seguridade Social possui dois regimes previdenciários diferentes

de filiação obrigatória, que devem ser bem delimitados, já que o objeto deste estudo terá por

escopo o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é importante distinguir esses regimes, a

fim de tornar claro o objeto deste estudo.

O primeiro regime que será analisado é o Regime Próprio de Previdência Social, por

uma razão lógica, uma vez que este tem um corpo bem definido e mais simples de tratar. Esse

regime é dedicado à proteção previdenciária de um grupo determinado de segurados, qual

seja: os servidores públicos.

Hoje, esse regime previdenciário é muito mais próximo do regime geral do que já foi

no passado, havendo certa equivalência de cobertura de benefícios entre os regimes

previdenciários, contudo, ainda guardam muitas diferenças.

Em termos gerais, como todo regime de previdência, ele guarda características como a

contributividade para o seu custeio, sendo cobrada dos servidores públicos, a ele filiados,

contribuição previdenciária correspondente ao salário de contribuição e do ente federado ao

qual ele está ligado. Até a Constituição Federal de 1988, havia regime próprio de servidores

em que os benefícios eram custeados pelo ente federado, sem correspondência de contribuição

do servidor, dado que os benefícios eram adquiridos como prêmio e não se faziam direito

adquirido, o que permitia penas como a cassação de benefícios aos servidores condenados por

certos crimes. Na atualidade, dada a obrigatoriedade de contribuição do servidor para

implementar os requisitos com a finalidade de concessão de benefícios, não é mais razoável

esse tipo de punição de perda de benefício, que ganhou o escopo de direito adquirido.

Outra característica que aproxima o Regime Próprio de Previdência Social do regime

geral é a necessidade de implementação de determinado tempo de filiação e contribuição para

a concessão de certos benefícios, contudo, não é apropriado chamar este requisito de carência

neste regime.

Os regimes próprios só podem ser criados por entes federados e são destinados à

proteção de seus servidores públicos (excluem-se deste grupo protegido os empregados das

empresas públicas, os agentes políticos, servidores temporários e detentores de cargos de

confiança, todos filiados obrigatórios ao Regime Geral). Contudo, apesar de a Constituição

permitir a criação desses regimes diferenciados, ela não obriga a sua criação, sendo uma

faculdade do ente e, uma vez criado, a filiação dos servidores públicos é obrigatória. Por outro

19

lado, quando não instituído um regime próprio, os servidores são obrigatoriamente filiados ao

Regime Geral da Previdência Social.

A Lei n° 9.717/98 define diretrizes para os Regimes Próprios como a contributividade

e a necessidade de observância do equilíbrio econômico-financeiro e atuarial. Em relação à

contributividade, convém destacar que os inativos do Regime Próprio são convocados a verter

contribuições previdenciárias, diferindo do Regime Geral, em que não há incidência de

contribuições sobre as aposentadorias. A referida lei autoriza os entes federados a instituírem

fundos de pensões para acumular capital para pagamento de benefícios previdenciários,

responsabilizando o ente federado pela cobertura de eventuais insuficiências destes fundos.

Por sua vez, o Regime Geral da Previdência Social é o sistema previdenciário

destinado à proteção de todos aqueles que trabalhem ou que não possuam outro regime de

previdência, pelo que ele visa um atendimento aberto e universal, acessível a todos que

querem e podem contribuir (segurados facultativos), e de filiação obrigatória para aqueles que

trabalhem mediante remuneração (segurado contribuinte individual, empregado, empregado

doméstico, avulso e contribuinte individual).

Esse regime previdenciário é gerido na parte de benefícios e serviços, em sua maior

parte pela autarquia federal Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que será visto mais

adiante, havendo, ainda, o benefício previdenciário gerido pelo Ministério do Trabalho

(Seguro-Desemprego). À referida autarquia, ainda, competia a cobrança de contribuições

previdenciárias destinadas ao custeio do Regime Geral de Previdência Social, porém, desde a

criação da “Super Receita”, através da lei n° 11.457/2007, tal competência foi atribuída à

Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão da administração vinculado ao Ministério da

Fazenda.

Por força do artigo 201, §2°, os benefícios previdenciários do Regime Geral da

Previdência Social, quando têm natureza substitutiva da remuneração não podem ser inferior

ao salário mínimo nacional, contudo, aqueles de natureza indenizatória, como o auxílio-

acidente, podem ser inferiores ao salário mínimo.

O Regime Geral da Previdência Social é custeado pelos segurados6, empregadores e

pela União, no entanto, sua gestão é feita por 4 (quatro) partes: trabalhadores7, empregadores,

aposentados e Governo (artigo 194, VII, da Constituição Federal).

6 A Constituição Federal usa o termo trabalhadores, mas dado os contribuintes facultativos que não são

considerados trabalhadores, o melhor termo neste caso é segurados. 7 Idem.

20

1.2.1 – O INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)

Como já referido, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é uma autarquia

federal que se presta à manutenção do Regime Geral da Previdência Social, sendo responsável

pelo pagamento de benefícios previdenciários e prestação de serviços inerentes a este regime,

sendo vinculado, outrora, ao Ministério da Previdência e Assistência Social, hoje, incorporado

ao Ministério da Fazenda.

Essa autarquia foi criada em 1990, pelo Decreto n° 99.350, mediante a fusão do

Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) e Instituto

Nacional de Previdência Social (INPS).

Em razão dessa origem, restou atribuído a esta autarquia a atribuição de gerir o

pagamento de benefícios previdenciários como: aposentadorias, auxílio-doença, auxílio-

acidente, pensão por morte, salário-família, salário-maternidade, entre outros; mas também se

responsabilizou pela gestão de benefícios de natureza assistencial como o Benefício de

Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social.

Antes, era atribuição, desta autarquia, recolher contribuições previdenciárias, mas,

com a lei n° 11.457/2007, tal competência foi atribuída à Secretaria da Receita Federal do

Brasil, órgão da administração vinculado ao Ministério da Fazenda.

São filiados obrigatoriamente ao Regime Geral, gerido pelo INSS, o empregado, o

empregado doméstico, o trabalhador avulso, o especial e o individual, além disso, podem se

filiar a este regime, facultativamente, qualquer pessoa que não disponha de outra proteção

previdenciária e que queira se vincular a ele mediante contribuições previdenciárias. São

filiados à Previdência, ainda, de forma obrigatória, todos os trabalhadores, desde o primeiro

dia da prestação de serviço, independentemente, do registro e efetiva contribuição, ou seja, o

empregado é filiado obrigatório, mesmo que seu empregador não formalize seu registro de

emprego.

1.3 – Contribuinte, Segurado e Beneficiário

Outros conceitos relevantes para o estudo em apreço, e que devem ser bem definidos

para evitar confusões posteriores, são aqueles relativos ao Contribuinte, Segurado e

Beneficiário.

A princípio, esses termos podem ser autoexplicativos, já que, por Contribuinte, se

entende aquele que deve pagar um tributo; por Segurado, aquele que tem um seguro e, por sua

21

vez, Beneficiário como aquele que recebe uma vantagem. Porém, em Direito Previdenciário,

muitas vezes, eles se confundem e, por isso, precisam ser bem compreendidos.

Dessa forma, entende-se que contribuinte é o sujeito passivo de uma obrigação

tributária, podendo ser tanto uma pessoa jurídica, quanto uma pessoa física. No presente

contexto, é o sujeito convocado para contribuir com a manutenção da Seguridade Social.

Na seguridade social, o custeio é de responsabilidade de trabalhadores, empregadores

e da União. O ponto de convergência que causa confusão entre esses conceitos é em relação

ao contribuinte trabalhador, já que, muitas vezes, em sua figura, se concentrará também o

papel de segurado e de beneficiário.

Dado o caráter Universal do Regime Geral da Previdência Social, é admitido que a

pessoa que não exerça atividade remunerada se filie e contribua para esse regime de

previdência na condição de facultativo, a fim de obter cobertura securitária.

Segurado, por outro lado, neste contexto, é a pessoa física que tem um seguro social,

ou um beneficiário da previdência que tem o dever de contribuir para fazer jus a um benefício

ou serviço, adquirindo essa condição através da filiação ao Regime Geral da Previdência

Social. O segurado, para fazer jus a alguns benefícios determinados, precisa do implemento

do período de carência, o que não ocorre com o auxílio-acidente. A filiação para segurados

empregados, empregados domésticos e avulsos se opera a partir do primeiro dia de trabalho,

independentemente da formalização do registro. A inscrição do trabalhador no Regime Geral

de Previdência, como segurado especial, será feita mediante a apresentação de documentos

pessoais, bem como de documento que comprove o exercício da atividade rural, sendo que o

interessado deverá ter aos menos dezesseis anos, sendo que sua filiação se opera na inscrição.

Os segurados podem ser divididos em obrigatórios e facultativos, dado que os

primeiros exercem alguma atividade laboral remunerada, enquanto os últimos não exercem

atividade remunerada, sendo maiores de 16 (dezesseis) anos que se filiam voluntariamente à

previdência social.

Para o contribuinte individual, ele é considerado segurado a partir do momento que

inicia a sua atividade profissional, como os trabalhadores empregados, contudo, para que se

formalize sua situação perante o INSS, ele deve se inscrever no Regime Geral e verter

contribuições individuais. Neste aspecto, ele se difere do segurado facultativo, conquanto o

facultativo só formaliza a sua filiação a partir do pagamento da primeira contribuição vertida,

em dia, para o sistema e não a partir de sua inscrição.

Por fim, o Beneficiário, no Regime Geral de Previdência Social, será sempre a pessoa

física que está apta a receber ou que faz jus ou recebe uma prestação previdenciária (sujeito

22

ativo) do Instituto Nacional do Seguro Social (sujeito passivo), ou seja, é a pessoa a quem se

destina o benefício e/ou serviço, uma vez que, em muitos casos, o beneficiário será também o

próprio segurado, como nos seguintes benefícios: aposentadorias, auxílio-doença, auxílio-

acidente e salário-maternidade, havendo outros casos em que não há essa correlação, como:

pensão por morte, devida aos dependentes do segurado e, auxílio-reclusão, devido aos filhos

do segurado. Na lição de Miguel Horvath Júnior, beneficiários são “pessoas que têm direito às

prestações (benefícios e serviços) previdenciárias”8.

1.3.1 – Segurados Obrigatórios

Como já referido, os segurados obrigatórios são aqueles que prestam atividade laboral

remunerada, sendo classificados como empregados, empregados domésticos, trabalhadores

avulsos, contribuintes individuais e segurados especiais pelo artigo 11 da Lei n° 8.213/91.

O primeiro tipo de segurado obrigatório, definido no inciso I do artigo 11 da Lei n°

8.213/919, é o Segurado Empregado, caracterizado como aquele que presta serviços de

natureza urbana ou rural, não relacionado à atividade doméstica, com vínculo empregatício

para um sujeito, seja uma empresa ou equivalente:

I - como empregado: a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não

eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor

empregado; b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário, definida em

legislação específica, presta serviço para atender a necessidade transitória de

substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de

serviços de outras empresas; c) o brasileiro ou o estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar

como empregado em sucursal ou agência de empresa nacional no exterior; d) aquele que presta serviço no Brasil à missão diplomática ou à repartição consular

de carreira estrangeira e a órgãos a elas subordinados, ou a membros dessas missões

e repartições, excluídos o não-brasileiro sem residência permanente no Brasil e o

brasileiro amparado pela legislação previdenciária do país da respectiva missão

diplomática ou repartição consular; e) o brasileiro civil que trabalha para a União, no exterior, em organismos oficiais

brasileiros ou internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ainda que lá

domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da legislação vigente do país

do domicílio; f) o brasileiro ou estrangeiro domiciliado e contratado no Brasil para trabalhar como

empregado em empresa domiciliada no exterior, cuja maioria do capital votante

pertença à empresa brasileira de capital nacional;

8 HORVATH JÚNIOR, Miguel. Dicionário Analítico de Previdência Social. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p.

26. 9 Recomenda-se a leitura dos artigos 8° da IN n° 77/2015 e do 9°, I, do Decreto n° 3.048/99, que especifica

detalhadamente aquilo que é considerado segurado empregado.

23

g) o servidor público ocupante de cargo em comissão, sem vínculo efetivo com a

União, Autarquias, inclusive em regime especial, e Fundações Públicas Federais. h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não

vinculado a regime próprio de previdência social; i) o empregado de organismo oficial internacional ou estrangeiro em funcionamento

no Brasil, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social; j) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não

vinculado a regime próprio de previdência social; .

Por sua vez, o segurado Trabalhador Avulso é definido de modo pobre pelo inciso IV

do artigo 11 da Lei n° 8.213/91, é configurado como aquele que presta serviços a diversas

empresas, sem vínculo empregatício, já a IN n° 77/2015, em seu artigo 1310

, complementa

tal definição e o coloca como aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural a um ou

mais tomadores de serviço sem vínculo empregatício, seja sindicalizado ou não, com o

trabalho prestado por intermédio de um órgão gestor de mão de obra ou pelo sindicato

da categoria.

Já o segurado Empregado Doméstico é aquele trabalhador que presta serviço de

natureza contínua e com vínculo empregatício a uma pessoa ou família dentro do âmbito

de sua residência, em atividade que não visa o lucro, definido assim no artigo 11, II, da Lei

n° 8.213/91 e artigo 17 da IN n° 77/201511

do INSS.

Ainda, o segurado Contribuinte Individual é outro contribuinte e segurado obrigatório

do Regime Geral de Previdência Social, sendo aquele que presta serviço de forma

independente, sem vínculo empregatício e sem intermédio de um gestor de mão de obra

ou sindicato, sem subordinação e horário e de forma não contínua e esporádica. Essa

modalidade de segurado foi inserida no sistema da Seguridade Social pela Lei n° 9.876/99,

aglutinando diversas outras modalidades de trabalhadores como o autônomo e o empresário

consoante, sendo melhor definida pelo inciso V do artigo 11 da Lei n° 8.213/9112

:

10

IN 77/2015: Art. 13. É segurado na categoria de trabalhador avulso portuário ou não portuário, conforme o

inciso VI do caput e § 7º, ambos do art. 9º do RPS, sindicalizado ou não, que preste serviço de natureza urbana

ou rural a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão de gestão de

mão de obra, nos termos da Lei nº 9.719, de 27 de novembro de 1998, e da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013,

ou do Sindicato da categoria, respectivamente. 11

IN 77/2015: Art. 17. É segurado na categoria de empregado doméstico, conforme o inciso II do caput do art. 9º

do RPS, aquele que presta serviço de natureza contínua, mediante remuneração, à pessoa ou família, no âmbito

residencial desta, em atividades sem fins lucrativos, a partir da competência abril de 1973, em decorrência da

vigência do Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973, que regulamentou a Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de

1972. 12

Recomendada a leitura do Artigo 20 da IN n° 77/2015 do INSS.

24

V - como contribuinte individual: a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a

qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superior a 4 (quatro)

módulos fiscais; ou, quando em área igual ou inferior a 4 (quatro) módulos fiscais ou

atividade pesqueira, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos; ou

ainda nas hipóteses dos §§ 9o e 10

o deste artigo;

b) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade de extração mineral -

garimpo, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de

prepostos, com ou sem o auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda

que de forma não contínua; c) o ministro de confissão religiosa e o membro de instituto de vida consagrada, de

congregação ou de ordem religiosa;

d) Revogado. e) o brasileiro civil que trabalha no exterior para organismo oficial internacional do

qual o Brasil é membro efetivo, ainda que lá domiciliado e contratado, salvo quando

coberto por regime próprio de previdência social; f) o titular de firma individual urbana ou rural, o diretor não empregado e o membro

de conselho de administração de sociedade anônima, o sócio solidário, o sócio de

indústria, o sócio gerente e o sócio cotista que recebam remuneração decorrente de

seu trabalho em empresa urbana ou rural, e o associado eleito para cargo de direção

em cooperativa, associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, bem

como o síndico ou administrador eleito para exercer atividade de direção

condominial, desde que recebam remuneração; g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou

mais empresas, sem relação de emprego; h) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza

urbana, com fins lucrativos ou não;

Por fim, o segurado Especial é outro contribuinte e segurado obrigatório do Regime

Geral da Previdência Social, sendo aquele trabalhador rural, seja produtor, parceiro, meeiro,

arrendatário rural, pescador artesanal assemelhado, que exerçam essas atividades, de forma

individual ou em regime de economia familiar, com ou sem auxilio eventual de terceiros

(regime de mutirão), mas sem empregado. Os membros da família do segurado especial que

também trabalham na atividade rural, dentro do módulo de produção familiar e maior de 16

(dezesseis) anos de idade, também são considerados segurados especiais, assim como o índio

tutelado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), conforme definição do inciso VIII do

artigo 11 da Lei n° 8.213/9113

.

1.3.2 – Segurados Facultativos

Os segurados Facultativos que, ao contrário dos demais, não são obrigatoriamente

vinculados ao Regime Geral da Previdência Social, são aqueles que fazem sua filiação e

contribuição de forma eletiva para fazer jus às proteções da Previdência Social. Podem fazer a

filiação voluntária como segurado facultativo todos os que não são abrangidos por algum dos

13

Recomendada a leitura dos Artigos 39 a 42 da IN n° 77/2015 do INSS.

25

regimes oficiais de Previdência, como donas de casa, estudantes, desempregados, bolsistas,

estagiários, presidiários, entre outros, e como define o artigo 13 da Lei n° 8.213/9114

: “É

segurado facultativo o maior de 14 (quatorze) anos que se filiar ao Regime Geral de

Previdência Social, mediante contribuição, desde que não incluído nas disposições do art. 11”.

Importa asseverar que a redação da Lei n° 8.213/91 dispõe que o maior de 14 (catorze)

anos pode se filiar à Previdência Social como facultativo, conquanto o Decreto n° 3.048/99 e

a IN n° 77/2015 disponham que a idade mínima para a filiação do facultativo seja 16

(dezesseis) anos, o que revelaria uma antinomia aparente das normas regulamentares com a

lei, contudo, a limitação etária de 16 (dezesseis) anos é a correta hoje, por força da

interpretação sistemática dada ao artigo 7°, XXXIII, da Constituição Federal, que veda o

trabalho do menor de 16 (dezesseis) anos:

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito

e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a

partir de quatorze anos;

Além disso, o menor aprendiz é equiparado ao segurado empregado por força do

disposto no artigo 428 da CLT, como:

Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por

escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar

ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa

de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu

desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e

diligência as tarefas necessárias a essa formação.

Portanto, o Decreto n° 3.048/99 está correto ao limitar a idade mínima para filiação

como segurado facultativo a partir dos 16 (dezesseis) anos, inobstante, seja respeitável a

interpretação diversa.

1.4 – Princípios Constitucionais da Seguridade Social Face ao Auxílio-Acidente

Antes de se adentrar ao estudo dos princípios que regem o sistema da Seguridade

Social, sobretudo aqueles relevantes para o benefício auxílio-acidente, convém demonstrar a

definição de princípios para que se possa compreender o porquê de a Constituição Federal se

referir a esses objetivos.

14

Recomendada a leitura do o artigo 55 da IN n° 77/2015 do INSS.

26

Cabe salientar que Paulo Bonavides utiliza uma definição de princípios, em sua obra,

advinda daquilo definido pela Corte Constitucional italiana da seguinte forma:

Faz se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento

jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se

possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade

das normas, que concorrem para formar, assim, num dado momento histórico, o

tecido do ordenamento jurídico.15

Já Bandeira de Melo tem uma definição de princípios que vale a pena ser citada,

definindo-os como normas nucleares de um sistema a partir do qual se derivam outras normas

e sob as quais elas se alicerçam:

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um

sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre

diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata

compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do

sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o

conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes

componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um

princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao

princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a

todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou

inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa

insurgência contra o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia

irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.16

Por sua vez, Wagner Balera define princípios considerando-os como normas que

fixam um ideal que deve ser alcançado pelo sistema:

Atentemos bem: princípios são normas que descrevem o que se poderia chamar o

estado ideal a ser alcançado pelo sistema. Deles derivam as regras que concretizarão,

a partir das concretas situações da vida, os planos de programas tracejados pela Lei

Suprema.17

Dessas definições, pode-se extrair que princípios são normas centrais de um sistema

que irradiam seus efeitos sobre diversas outras normas, bem como, que a violação a um

princípio é muito mais grave do que a uma simples regra, que lhe dá concretude, pois não se

revela uma violação a um dispositivo específico, mas sim a violação a todo o sistema jurídico.

15

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo. Malheiros Editores, 2014, p. 230. 16

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 8. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 1996. 17

BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.

103.

27

Resta evidente, também, que a partir dessas definições dos autores citados que, em

verdade, princípios são normas que orientam o sistema jurídico e traçam diretrizes que devem

ser alcançadas, consubstanciando um ideal do sistema. Nesse sentido, o princípio ganha a

conotação de objetivo, não se confundindo com normas programáticas, e é com essas

premissas que se denominarão de princípios os objetivos constitucionais da Seguridade

Social.

Compreendido o que são princípios e que eles podem ser chamados de objetivos na

Constituição Federal sem alterar a natureza do instituto, fica fácil listar aqueles que estão

expressos na Carta Magna, pois se encontram dispostos nos artigos 194 e 195 da seguinte

forma:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de

iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a

seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e

rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI - diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão

quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos

aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.18

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes

contribuições sociais:19

Como referido, esses são apenas os princípios da seguridade social expressos na

Constituição Federal, o que não significa que lá estão todos os princípios correlatos a essa

área do Direito, contudo, são eles que serão analisados neste estudo e, devidamente,

relacionados ao Auxílio-Acidente.

18

Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. 19

Idem.

28

1.4.1 – Seletividade e Distributividade na Prestação de Benefícios Auxílio-

Acidente

Esse princípio deve ser analisado sob duas dimensões: seletividade e distributividade

que, por sua vez, se subdividem em benefícios e serviços.

No que tange à seletividade, ela é o meio pelo qual se pauta o legislador na escolha

dos riscos sociais que devem ser cobertos pela Seguridade Social. Ela pauta o legislador a

atuar mediante critérios de justiça e bem-estar social. Wagner Balera assim o define:

A seletividade é instrumental a serviço dessas finalidades adrede fixadas na

Superlei. O momento da seletividade está situado no estágio de elaboração

legislativa. Orientando a intenção normativa, que se expressa nas finalidades a serem

atingidas, cabe ao legislador definir os benefícios e serviços cuja prestação propicie

melhores condições de vida à população.20

Como o orçamento do Estado é limitado e as necessidades humanas não têm fim, esse

princípio é pautado por escolhas políticas, que cabem ao legislador, para definir as metas e

prioridades que serão postas na lei, sob este aspecto o legislador optou por proteger a

incapacidade parcial para o trabalho quando decorrente de um acidente de qualquer natureza

ou de uma doença ocupacional, não estendendo para qualquer evento incapacitante, como no

caso do auxílio-doença.

O outro aspecto deste princípio, a distributividade, está relacionado à escolha dos

destinatários dos benefícios e serviços eleitos pelo legislador para serem protegidos pela

Seguridade Social. Como este princípio se pauta pela equidade, permite-se uma desigualdade

entre pessoas para que os grupos populares mais necessitados recebam melhores prestações,

dado que a distributividade tem por objetivo reduzir desigualdades sociais e regionais. Nesse

sentido, Wagner Balera elucida que:

Em outra ordem de considerações, apreciemos a distributividade como signo bem

mais abrangente. As exigências do bem comum que o ideal da justiça distributiva

evoca não serão atendidas pela mecânica e automática partilha do rol de prestações

em partes iguais. Que se aquinhoem com melhores prestações aqueles que

demonstrarem maiores necessidades.21

Importante, ainda, destacar a diferença entre benefícios e serviços, sendo que o

primeiro é fruível individualmente pelo seu titular, ou seja, cada relação jurídica dirige-se

20

BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo. Quartier Latin, 2010, p.

109. 21

Ibid., p. 111.

29

diretamente com uma prestação certa e determinada (há benefícios que são fruíveis pelos

membros de uma mesma família, mas, ainda assim, cada beneficiário o frui de forma

individual dentro da sua cota); já os serviços possuem um aspecto coletivo, posto que os

serviços da seguridade social são disponíveis a todos que dela necessitem, de titularidade da

coletividade, mas são utilizados de forma individual.

No que tange à distributividade, esta parte não pauta a proteção do auxílio-acidente,

conquanto ele não seja destinado a quem mais necessita, mas a quem sofra uma lesão

incapacitante e que contribua para o financiamento do Seguro de Acidente do Trabalho.

1.4.2 – Uniformidade e Equivalência do Auxílio-Acidente entre as Populações

Urbanas e Rurais

Pelo princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações

urbanas e rurais, se buscou corrigir uma injustiça histórica no país, que sempre tratou de

forma diferente as populações urbanas e rurais, sendo que a Seguridade Social, a princípio,

era voltada à proteção dos trabalhadores urbanos, enquanto o homem do campo seguia

desprotegido, e dispunha de serviços incipientes de saúde e assistência social.

Com a Constituição Federal de 1988, buscou-se reverter essa desigualdade entre

trabalhadores urbanos e rurais, constituindo-se um regime único do Sistema Nacional da

Seguridade Social, visando estender benefícios e serviços, antes voltados aos trabalhadores

urbanos, para os trabalhadores rurais, e um destes benefícios é o auxílio-acidente.

Como os princípios anteriores, este também deve ser analisado sob dois aspectos:

uniformidade e equivalência.

A uniformidade faz referência direta às prestações da seguridade social, em que

idênticos os riscos, devem ser idênticos os benefícios, independentemente do local onde se

trabalha.

No que concerne à equivalência, essa faz referência ao valor dos benefícios, sendo que

não podem ser distintos em função das pessoas que são protegidas, devendo as prestações

serem aferidas pelos mesmos critérios objetivos, sendo que o auxílio-acidente é devido de

forma equivalente para os segurados urbanos e rurais.

Wagner Balera define esse princípio da seguinte forma: “O princípio da equivalência

impede a distinção quanto aos valores e seus respectivos critérios de apuração, enquanto a

30

uniformidade impõe um mesmo rol de prestações aos dois grupos em que se divide a

população do Brasil”.22

Importa asseverar que o auxílio-acidente é pautado por este princípio, conquanto seja

um benefício devido de maneira equivalente para o trabalhador urbano e rural, prescindindo

apenas do preenchimento dos requisitos para a sua concessão sem distinção.

Salienta-se que mesmo o segurado especial faz jus ao auxílio-acidente, vertendo

contribuições para o custeio deste benefício, consoante disposição do artigo 25, II, da Lei n°

8.212/91.

1.4.3 – Princípio da Irredutibilidade do Valor dos Benefícios

Quanto ao princípio da irredutibilidade do valor do benefício, ao contrário do que

muitos professam, ele é um princípio próprio da Seguridade Social, e não da previdência

social, e está relacionado à impossibilidade de redução do valor nominal (ou de face) dos

benefícios da Seguridade Social, o que não importa na manutenção do seu valor real frente à

inflação.

Muitas vezes, as pessoas o confundem com outra regra semelhante própria da

previdência social, inserido no artigo 201, §4°, da Constituição Federal, com redação dada

pela Emenda Constitucional n° 20/1998: “§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios

para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.”.

A confusão faz sentido para quem identifica benefícios como algo próprio da

Previdência Social, olvidando que há benefícios ligados à Assistência Social como: Bolsa

Família e o Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Previdência Social

(BPC/LOAS).

Porém, no contexto da Seguridade Social, o que tem de ficar claro é que esse princípio

revela apenas a vedação à redução dos valores nominais dos benefícios da Seguridade Social,

tal qual o princípio geral de direito que veda o retrocesso em conquistas dos direitos humanos.

Nesse sentido, cumpre frisar brilhante lição de Hermes Arrais Alencar:

O STF, chamado a discorrer sobre o delineamento da irredutibilidade do valor de

benefícios, asseverou, na qualidade de guardião e tradutor oficial do texto

constitucional, que essa norma veda a redução do valor do benefício, impossibilita a

redução da expressão numérica da prestação periódica percebida pelo cidadão.

22

BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.

109.

31

Não são os benefícios previdenciários resguardados por essa disposição

constitucional contra a corrosão da moeda, uma vez que o princípio da

irredutibilidade não garante a manutenção do valor real dos benefícios. O poder de

compra dos segurados da previdência tem proteção constitucional prevista em outro

dispositivo, art. 201, §4°, que trata de regra exclusiva dos beneficiários da

previdência, o da manutenção do valor real dos benefícios.23

O auxílio-acidente como um benefício previdenciário deve obedecer tanto ao princípio

da irredutibilidade do seu valor, como a regra do artigo 201, §4°, da Constituição Federal, que

determina o reajustamento do benefício para lhe garantir o valor real face à inflação.

1.4.4 – Equidade na Forma de Participação e Custeio do Benefício Auxílio-

Acidente e os segurados cobertos e excluídos

Quanto ao princípio da equidade na forma de participação e custeio, ele também é

conexo à isonomia e justiça social. A ideia por trás deste princípio é a de que todos os atores

sociais devem contribuir para a Seguridade Social, porém, quem tem condições de pagar mais

contribui com mais dinheiro para a manutenção do sistema e quem tem menos contribui com

menos, ou seja, ele reflete a busca do equilíbrio entre a capacidade econômica de todos que

devem contribuir e o esforço financeiro que eles necessitam para a manutenção da Seguridade

Social, é um meio de impulsionar a redução das desigualdades sociais.

Na esfera da Seguridade Social, a insurgência deste objetivo reflete que os

contribuintes empregadores, que exercem atividades de maiores riscos, devem pagar mais,

sendo o inverso também verdadeiro, já que a empresa que mitiga os riscos de sua atividade

pode ter reduzidas certas alíquotas de suas contribuições sociais. O mesmo vale para empresas

que têm alta rotatividade de mão de obra e geram mais desemprego, logo, se aumenta o risco

social, devem contribuir mais, como reflexo deste princípio.

Esse é o sentido e alcance que Wagner Balera atribui a esse princípio:

Em suma, a regra ordena que o legislador, ao produzir a norma de custeio, atue com

o propósito indireto de reduzir desigualdades sociais mediante a prudente e

adequada repartição dos encargos sociais.

A referência à igualdade entre contribuintes não se limita ao tema da capacidade

econômica que mais propriamente, é aplicável aos impostos [...]. Portanto, a

equidade exige a busca constante da “situação equivalente” entre os contribuintes.24

23

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4. ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito,

2009, p. 46 e 47. 24

BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 37.

32

Enfim, a equidade é signo da justiça social, já que determina que o custeio do sistema

deve ser efetuado por todos, mas quem pode mais e/ou gera maiores riscos sociais deve

contribuir mais.

Ainda, atento ao princípio da equidade, os segurados especiais são obrigados a

contribuir com 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, para

financiamento das prestações por acidente do trabalho, enquanto o empregador é quem verte

contribuições do GIIL-RAT (1% a 3% da folha de pagamentos) e do FAP (fator multiplicador

de 0,5 a 2 sobre o GIIL-RAT), sendo tanto menor a contribuição do segurado especial, nesta

seara, quanto menor sua capacidade contributiva em relação ao empregador, sem que, com

isso, ocorra um tratamento diferenciado na concessão do auxílio-acidente entre empregado e

segurado especial. Pode-se dizer a mesma coisa em relação ao empregador doméstico que

contribui com 0,8% (oito décimos por cento) de contribuição social para o financiamento do

seguro contra acidentes do trabalho, custeando a proteção dada ao empregado doméstico da

mesma forma que os demais segurados.

1.4.5 – Princípio da Diversidade da Base de Financiamento

Como já referido no princípio anterior, a sociedade toda é convocada para custear a

seguridade, sendo que o seu custeio é tripartite, com os trabalhadores, os empregadores e o

Estado, contribuindo para o sistema.

Na origem da Seguridade Social, quando sua natureza era de um seguro social, sua

base de financiamento estava atrelada à folha de pagamento das empresas, aos salários dos

empregados e a uma pequena participação do Estado.

Porém, com a inclusão de novos benefícios, novos serviços, da saúde e da assistência

social, para formarem o sistema moderno da Seguridade Social, percebeu-se que seria

inviável a manutenção desse sistema de financiamento, pois geraria um custo muito alto

concentrado em uma única fonte, o que dificultaria o desenvolvimento do mercado de

trabalho.

Essa alteração sistêmica levou o Constituinte a perceber que seria necessário

diversificar os meios de financiamento do sistema como forma de se adequar à realidade

moderna, sem implicar em aumento dos custos de produção e redução da produtividade,

identificando novos signos de riqueza que tragam o financiamento necessário ao sistema, sem

afetar a atividade produtiva.

33

Por essa razão, a Constituição Federal definiu como fontes de custeio as contribuições

sociais e os recursos provenientes dos orçamentos dos entes federados e de toda a sociedade.

Além disso, criou contribuições sobre o lucro e sobre o faturamento das empresas, sendo que

este princípio é expresso pelo artigo 195 da Carta Magna:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes

contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,

incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a

qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo

empregatício;

b) a receita ou o faturamento

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo

contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de

previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

§ 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à

seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento

da União.

Neste sentido, a despeito de o orçamento da Seguridade Social ser único, o legislador

institui contribuição previdenciária GIIL-RAT/SAT para o financiamento dos seguros de

acidente do trabalho.

1.4.6 – Caráter Democrático e Descentralizado da Gestão Administrativa –

INSS, gestor do Auxílio-Acidente

Outro princípio importante, desta vez, relacionado à administração da Seguridade

Social, é o caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, em que, por ele, se

garante a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos

que administram a Seguridade Social, pois o objeto desse sistema é de grande interesse para

eles, e não apenas ao poder público e, por isso, a Constituição Federal permite suas

participações em deliberações e discussões atinentes ao sistema, tanto nas áreas da saúde,

assistência social e previdência social.

Na área da previdência social há, ainda, mais uma especificidade, que é a participação

na gestão do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) dos aposentados, que têm

34

assento no conselho, pelo que se diz que a sua gestão é quadripartite, assim como nos

Conselhos de Previdência Social (CPS).

Assevere-se que o INSS é responsável pelo pagamento do benefício auxílio-acidente,

objeto deste estudo, mas sua gestão é feita pelo Governo, de forma descentralizada, é verdade,

mas sem representantes dos trabalhadores, empregadores e aposentados, senão, por meio de

participação no CNPS e CPSs.

Contudo, no Conselho de Recursos da Previdência Social (órgão colegiado de controle

jurisdicional administrativo das decisões do INSS, nos processos referentes a benefícios a

cargo daquela autarquia), há participação dos trabalhadores e empregadores, na forma do

artigo 303, §4°, do Decreto n° 3.048/99, demonstrando o caráter democrático da sua gestão.

Ao CNPS compete: estabelecer diretrizes gerais e apreciar as decisões de políticas

aplicáveis à Previdência Social; participar, acompanhar e avaliar sistematicamente a gestão

previdenciária; apreciar e aprovar os planos e programas da Previdência Social; apreciar e

aprovar as propostas orçamentárias da Previdência Social, antes de sua consolidação na

proposta orçamentária da Seguridade Social; acompanhar e apreciar, através de relatórios

gerenciais por ele definidos, a execução dos planos, programas e orçamentos no âmbito da

Previdência Social; acompanhar a aplicação da legislação pertinente à Previdência Social;

apreciar a prestação de contas anual a ser remetida ao Tribunal de Contas da União, podendo,

se for necessário, contratar auditoria externa; estabelecer os valores mínimos em litígio, acima

dos quais será exigida a anuência prévia do Procurador-Geral ou do Presidente do INSS para

formalização de desistência ou transigências judiciais; elaborar e aprovar seu regimento

interno.

Já os CPSs, na forma do Decreto n° 4.874/2003, têm caráter regional consultivo e de

assessoramento, cabendo ao CNPS regulamentar os procedimentos para o seu funcionamento,

bem como suas competências.

Esse princípio não é uma inovação da Carta Magna atual, mas tem origem na criação

da Organização Internacional do Trabalho, hoje ligada à Organização das Nações Unidas. No

advento dessa organização, ficou estabelecido que a seguridade deveria ser dirigida pelos

representantes de três atores sociais: os trabalhadores, os patrões e os governos, sendo que o

Brasil adotou esta orientação internacional.

Quanto à descentralização da gestão, resta definido no sistema atual, que a gestão deve

estar próxima dos atendidos, do contrário, a participação da comunidade, apenas no âmbito

nacional, não traduzirá verdadeira participação na gestão, pois não se pode dizer que um

representante dos empregadores do Estado de São Paulo tenha as mesmas experiências,

35

necessidade e ambições sociais de um representante dessa categoria do Estado do Acre,

portanto, a descentralização da gestão serve justamente à participação democrática, é o que

ensina Lauro Cesar Mazetto Ferreira: “A descentralização da administração do sistema

procura adaptar a gestão para que se observem peculiaridades locais na tomada de decisões,

ou seja, com a descentralização da gestão, as decisões são tomadas nas próprias

localidades”.25

Wagner Balera ensina que a descentralização e a participação democrática são

elementos que se integram para atingir o objetivo da Constituição no que concerne à

participação comunitária da Seguridade Social:

A descentralização administrativa, combinada com a participação da comunidade,

são instrumentos que se integram. A primeira situa a estrutura burocrática no seu

verdadeiro papel de agente da proteção, enquanto que a segunda permite a

elaboração de esquemas próprios de avaliação do desempenho dessa estrutura, no

cumprimento dos objetivos maiores que o sistema deverá atingir.26

Como acima referido, a aplicação concreta deste princípio, face ao benefício em

estudo, se revela no fato de o mesmo ser gerido pelo INSS, que se mostra um órgão

descentralizado, espalhado por todo o Brasil, por meio das Agências da Previdência Social,

além de ter um órgão colegiado recursal democrático, conquanto sua gestão seja diretamente

feita pelo Governo.

1.4.7 – Princípio da Preexistência do Custeio em Relação aos Benefícios ou

Serviços ou Regra da Contrapartida: A Razão da Carência

O princípio da preexistência do custeio, também denominado Regra da Contrapartida,

objetiva o equilíbrio econômico financeiro do sistema da Seguridade Social, impedindo que

decisões de ocasião prejudiquem o futuro do sistema através da criação ou aumento súbito de

um benefício ou serviço, sem a indicação da correspondente fonte de custeio.

Apesar de tratada como um princípio por Sérgio Pinto Martins27

, ela é, na verdade,

uma regra, como defendem Wagner Balera28

e Miguel Horvath Júnior29

, que visa a própria

preservação do sistema e está encampada no artigo 195, §5°, da Constituição Federal:

25

FERREIRA, Lauro Cesar Mazetto. Seguridade Social e Direitos Humanos. 1. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.

173. 26

BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.

150. 27

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 115/117.

36

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes

contribuições sociais:

[...]

§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado

ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

Essa, contudo, é uma regra constitucional que extrapola a Seguridade Social,

constituindo uma importante norma orientadora da administração pública de uma forma geral,

pois não pode qualquer administrador instituir um gasto qualquer sem apontar e separar os

recursos para esse fim, ou seja, é regra de preservação, não só da seguridade social, mas de

todo governo. Esta regra é semelhante àquela encampada na Lei de Responsabilidade Fiscal,

que levou à perda do mandato da Presidente Dilma Rousseff.

A regra da contrapartida é definida por muitos, como Lauro Cesar Mazetto Ferreira,30

como um objetivo da Seguridade Social, mesmo não estando disposto no rol do artigo 194 da

Carta Magna. O referido escritor ainda encara a citada regra como “garantia dos indivíduos de

que o sistema não irá à bancarrota no futuro”31

, ou seja, não seria apenas garantia do próprio

sistema e do governo, mas de quem está filiado à Seguridade.

A regra da contrapartida é norma que garante o equilíbrio econômico-financeiro da

Seguridade Social. A sua observância também guarda relação com o benefício auxílio-

acidente, conquanto, desde a origem deste benefício (antes da vigente ordem constitucional),

ele guarda relação direta com uma fonte de custeio, como o Seguro Acidente de Trabalho

(hoje, Contribuição do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos

Ambientais do Trabalho).

Assim, inobstante pareça equivocado, topologicamente, tratar de uma regra em um

capítulo direcionado ao estudo de princípios, vê-se que esta regra é excepcionalmente

importante e estruturante para todo o sistema da Seguridade Social, razão pela qual merece ser

estudada.

28

BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.

209/215. 29

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 116/118. 30

FERREIRA, Lauro Cesar Mazetto. Seguridade Social e Direitos Humanos. 1. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.

173. 31

Ibid.

37

1.5– Contribuições Sociais Destinadas ao Custeio do Auxílio-Acidente

Atualmente, as contribuições sociais são espécies de tributo, neste sentido, ensina

Geral Ataliba32

que a designação de uma contribuição não lhe retira seu caráter tributário,

sendo necessário que, para que seja definido dessa forma, que se trate de uma obrigação

pecuniária imposta por lei, que contenha uma hipótese de incidência vinculada à capacidade

do contribuinte definida pela tributação relativa a um signo de riqueza, que essa lei seja

anterior a ocorrência de um fato gerador e siga outros princípios relativos ao direito tributário,

sendo que o seu produto deve ser destinado a uma pessoa pública ou com finalidades de

utilidades públicas.

Ainda que a contribuição social do segurado se vincule a um benefício ou serviço

futuro, pleiteado por um beneficiário e seja dirigido em grande parte ao INSS, inobstante seja

arrecadado pela Receita Federal do Brasil, isso não lhe retira a característica de tributo, assim

considerada desde a reforma do Código Tributário Nacional, em 1966, que lhe incluiu o artigo

217, confirmado também pela Constituição Federal de 1988.

A definição das contribuições sociais como tributos não é nova, sendo que,

anteriormente, elas já foram definidas como prêmio de um seguro, decorrente das origens de

direito privado do direito previdenciário, também, no passado, as contribuições sociais do

trabalhador foram definidas como um salário diferido, que ficava resguardado para cobrir um

risco futuro, obviamente que essa regra não levava em consideração o autônomo, que não

recebe salário. Até recentemente, foi aceita na doutrina classificação da contribuição social

como uma contribuição parafiscal, vertida para financiar a Seguridade Social e não ao Estado,

entendendo que se não era destinada ao Estado, ela não seria um tributo.

A contribuição social difere-se dos outros tributos, como taxas e impostos, conquanto

tenha destinação certa para o custeio de atividades específicas que não correspondem

diretamente ao pagamento pela prestação de um serviço direto e individualizável pelo Estado.

Não obstante sejam contribuições sociais, elas são um tributo devido por toda a

sociedade, servindo para financiar a Seguridade Social, de onde se extrai que toda a sociedade

usufrui desse sistema, seja de forma direta, quando dela necessitar, seja de forma indireta,

através das melhores condições de vida das pessoas que a compõe, favorecendo até mesmo as

pessoas jurídicas, que passam a contar com trabalhadores com melhores condições para o

trabalho e com condições sociais que favoreçam a atividade econômica.

32

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 15. Tiragem. São Paulo: Editora Malheiros,

2014, p.185-186.

38

Essa finalidade de financiamento à Seguridade Social é, na visão de Wagner Balera,

elemento definidor das contribuições sociais, não podendo ser desviada, sob pena de violação

do próprio instituto:

Só existirão verdadeiras contribuições sociais quando atentar o legislador para a

finalidade constitucionalmente definida como sendo a própria desse tipo de exação.

As contribuições sociais, de que cogita o art. 195 da Constituição de 1988, somente

servirão para o custeio da seguridade social.33

Em relação às contribuições sociais, que foram aqui definidas como tributo, uma

questão importante se transparece sobre a natureza que teriam as contribuições dos

contribuintes facultativos, pois a facultatividade não é característica de um tributo, dado que

as contribuições facultativas, especificamente para a Previdência Social, poderiam não ter

essa natureza, porém, elas a mantém, conquanto é a contribuição que vincula o segurado à

previdência social, sendo obrigatória para que o contribuinte mantenha este acesso aos

benefícios e serviços previdenciários.

O contribuinte facultativo não é um contribuinte obrigatório da Previdência Social,

mas se vincula à previdência por opção, como forma de lhe garantir a proteção do seguro

social. Isto, em uma análise de sua contribuição para o sistema, sob a ótica da definição de

tributo, retiraria de sua contribuição a natureza de tributo, pois não decorreria de uma

obrigação, mas do exercício de uma faculdade.

Contudo, como já mencionado, isto não é verdade, pois sua contribuição deve ser

analisada sob o aspecto do objetivo da universalidade da cobertura e do atendimento, ou seja,

entende-se que a contribuição social previdenciária do segurado facultativo também tem

natureza de tributo, como requisito para que ele possa exigir a sua participação no sistema do

seguro social e gozar dos benefícios e serviços desse sistema.

Cumpre, agora, apresentar as espécies de contribuições sociais que compõem o

arcabouço que financia, especificamente, o benefício Auxílio-Acidente.

O artigo 195 dispõe:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes

contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,

incidentes sobre:

33

BALERA, Wagner. Contribuições Destinadas ao Custeio da Seguridade Social. In: MARTINS, Ives Gandra

da Silva (Coord.). Caderno de Pesquisas Tributárias, São Paulo: Editora Resenha Tributária, n. 49, p. 110, 1989.

39

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a

qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo

empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro;

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo

contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de

previdência social de que trata o art. 201;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

[...]

§ 4º A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou

expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

Como se pode verificar, o referido artigo demonstra aquilo que já foi referido neste

estudo, ou seja, a diversidade na base de financiamento da Seguridade Social, com a

existência de variadas contribuições sociais e, da solidariedade, sendo que toda a sociedade é

conclamada a financiar este sistema, não apenas os trabalhadores. Dito isso, cumpre fazer

uma análise superficial das contribuições em espécie que se prestam a custear as despesas da

Seguridade Social.

Nominalmente, identificam-se como espécies de contribuições destinadas ao custeio

do Auxílio-Acidente: o GIIL-RAT (com o FAP) e o SAT (Segurado Especial e Empregador

Doméstico).

A Contribuição do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa, decorrente dos

Riscos Ambientais do Trabalho (GIL-RAT), com alíquotas que variam de 1% a 3%, podendo

ser majorada em 100% ou reduzida em 50%, de acordo com o Fator Acidentário de Prevenção

(FAP) do empregador, destinada a cobertura de acidentes de trabalho e eventos equiparados,

de responsabilidade do empregador, assegura os segurados empregados e avulsos.

Já o segurado especial, assim considerado o produtor, o parceiro, o meeiro, o

arrendatário rural, o pescador artesanal e seus dependentes, que exerçam suas atividades em

regime de economia familiar, sem empregados permanentes, que contribuem para a

seguridade social com a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da

produção e não sobre o salário de contribuição, e farão jus aos benefícios nos termos da lei,

contribuem para o custeio do Auxílio-Acidente com alíquota de 0,1% da receita bruta,

proveniente da comercialização da sua produção para o financiamento das prestações por

acidente do trabalho (SAT), como dispõe o artigo 25, II, da Lei n° 8.213/91.

Por sua vez, o empregador doméstico contribui com 0,8% de contribuição social para

financiamento do seguro contra acidentes do trabalho, custeando a proteção dada ao

40

empregado doméstico da mesma forma que os demais segurados, consoante disposto no artigo

34, III, da Lei Complementar n° 150/2015.

Desta forma, quando o legislador estendeu a proteção do auxílio-acidente aos

segurados empregados, avulsos, empregados domésticos e especiais, ele tratou de definir

contribuições para o custeio deste benefício, diretamente, relacionadas aos próprios

segurados, mantendo o equilíbrio financeiro do sistema e respeitando a regra da contrapartida.

41

CAPÍTULO 2: EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO AUXÍLIO-ACIDENTE

Feita a análise inicial do sistema de Seguridade Social vigente no Brasil e dos

princípios constitucionais com foco na aplicação em relação ao auxílio-acidente, convém

fazer um breve apanhado histórico desse sistema para complementar a contextualização do

objeto em análise.

O estudo da história do auxílio-acidente vai revelar o porquê da seleção dos segurados

cobertos e a origem do benefício, indicando importantes transformações passadas por ele para

chegar a sua configuração atual.

Mas, sobretudo, a análise da evolução histórica do auxílio-acidente mostrará como

suas origens advêm de uma indenização privada, ligada ao risco profissional, se

transformando, hoje, em um benefício previdenciário com fundamento em um risco social,

demonstrando a mudança, tanto do seu fundamento, quanto da sua natureza.

2.1 – Origem: Seguro e Indenização

No Brasil, o desenvolvimento da proteção social deve ser propriamente estudado a

partir da independência em 1822 e subsequente à Constituição de 1824 (Já na Idade

Contemporânea), dado que até aquele momento histórico o Brasil fazia parte de Portugal,

estando adstrito às vigências das leis daquele país dentro da sua confrontação territorial.

O sistema brasileiro de Previdência Social tem como marco histórico a Lei Eloi

Chaves, sendo que a data da promulgação desta lei é considerada o Dia da Previdência Social,

contudo, até que se alcançasse esse ponto, houve um processo de evolução longo que levou à

referida lei, como se verá agora.

Sob o manto da Constituição de 1824, foi criado o Montepio Geral dos Servidores do

Estado (Mongeral), em 1835, sendo a primeira entidade de previdência privada a funcionar no

país. Como um montepio, essa entidade era formada por um sistema de mútuo (sistema

através do qual várias pessoas se associam e vão se cotizando para a cobertura de certos

riscos, mediante a repartição dos riscos com todo o grupo, tal como estudado anteriormente).

Isso é o que ensina Sérgio Pinto Martins:

42

O Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral) apareceu em 22 de junho de

1835, sendo a primeira entidade privada a funcionar no país. Tal instrumento legal é

anterior à lei austríaca de 1845, e à lei alemã, de 1883. Previa um sistema típico do

mutualismo (sistema por meio do qual várias pessoas se associam e vão se cotizando

para a cobertura de certos riscos, mediante repartição dos encargos com todo o

grupo).34

Outros montepios privados foram criados a partir daquela, ainda no Império, sendo

que este sistema, hoje, opera por meio de previdência complementar, saliente-se que a

Mongeral existe ainda hoje, atuando no ramo de seguros e previdência privada.

Igualmente, o Código Comercial de 1850 estabeleceu nos seus artigos 79 e 80 que “os

acidentes imprevistos e inculpados, que impedirem aos prepostos o exercício de suas funções

não interromperão o vencimento de seu salário, contanto que a inabilitação não exceda três

meses contínuos", além de “se no serviço do proponente acontecer aos prepostos algum dano

extraordinário, o proponente será obrigado a indenizá-lo, a juízo de arbitradores”, ou seja, o

Código Comercial estabeleceu a responsabilidade privada dos empregadores pela indenização

de acidentes de trabalho, sendo que o regulamento n° 737/1850 garantia aos empregados

acidentados no trabalho os salários por até três meses, daí já se revela a origem do auxílio-

acidente e seu caráter indenizatório de origem e a responsabilidade de o empregador manter o

salário do trabalhador por um período determinado, enquanto o mesmo necessitar se afastar

do trabalho em razão de acidente de trabalho.

A regulamentação deste direito do trabalhador a um período de afastamento

remunerado, quando decorrente de acidente de trabalho, e a obrigação de pagamento pelo

empregador de indenização, pelos danos causados ao empregado, em razão de acidente de

trabalho, levou patrões a contratarem um seguro privado para cobrir indenizações decorrentes

de acidentes de trabalho.

Também no Império, o Decreto nº 2.711 de 1860, em seus artigos 19 a 26,

regulamentou a criação e o funcionamento dos montepios e sociedades de socorros mútuos,

além das caixas econômicas de beneficência.35

No período do Império, o Governo criou benefícios voltados aos servidores públicos e

financiou a criação da Caixa de Socorros, fundos de pensão e montepios para algumas

categorias de servidores, o que lhes garantiu direitos à pensão em caso de acidente, doença e

velhice.

34

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 40. 35

Ibid.

43

Com o advento da República, novos avanços foram feitos em relação ao auxílio-

acidente, mas não na Constituição de 1891, que não trouxe uma simples disposição acerca

dele.

O Código Civil de 1916, no mesmo passo do Código Comercial de 1850, continuou a

estabelecer a responsabilização do empregador por danos causados aos seus empregados em

razão do trabalho, sem, contudo, estabelecer qualquer forma de benefício de prestação

continuada, mas uma indenização privada, quando o acidente ocorresse por culpa do

empregador, ainda, as empresas foram estimuladas a contratar seguros de acidente de trabalho

privados.

Ainda neste contexto, o Decreto 3.724/191936

definiu o acidente de trabalho e instituiu

o dever do patrão de prestar indenização ao trabalhador em graus diferentes para morte,

incapacidade total e permanente, incapacidade total e temporária, incapacidade parcial e

permanente e incapacidade parcial e temporária, dando ensejo à origem dos benefícios por

incapacidade, sobretudo, aquilo que viria a ser o auxílio-acidente. Por intermédio desta lei, a

incapacidade parcial e permanente, ocorrida em decorrência de acidente de trabalho, dava

direito ao trabalhador de uma indenização única de 5% a 60% de sua renda de três anos, a

depender do grau da incapacidade do trabalhador, demonstrando a natureza meramente

indenizatória deste direito definido em lei.

Em 1923, foi promulgada a Lei Eloi Chaves, o Decreto n° 4.682/1923, que foi a

primeira norma a instituir, no Brasil, a previdência social nos moldes modernos. Esse decreto

criou as caixas de aposentadorias e pensões para os empregados das empresas ferroviárias,

concedendo-lhes os benefícios de aposentadoria por invalidez, aposentadoria ordinária

(equivalente à aposentadoria por tempo de contribuição), a pensão por morte e a assistência

médica. Já existia uma caixa de aposentadoria e pensão para trabalhadores em ferrovias, mas

ela não tinha exigência de contribuição por parte do empregado, tratando-se de uma benesse

concedida pelo Estado, ganhando a partir desta norma um caráter de previdência social,

exigindo dos trabalhadores e dos empregadores contribuições.

Ensina Sérgio Pinto Martins37

que esta norma surgiu em razão de manifestações gerais

dos trabalhadores da época e da necessidade de apaziguar um setor estratégico e importante

da mão de obra da época (trabalhadores em ferrovias).

36

Este Decreto pode ser consultado em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-3724-

15-janeiro-1919-571001-publicacaooriginal-94096-pl.html> e tem um texto curto, cuja leitura vale a pena,

possuindo apenas 30 artigos. Acesso em: 01 nov. 2016. 37

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 41.

44

Como já referido, a Lei Eloy Chaves é considerada o marco histórico inicial da

Previdência Social no Brasil, sendo que, a partir dela, sugiram outras inúmeras caixas de

aposentadorias e pensões, com a mesma característica, mas em nada foi significante para o

auxílio-acidente.

Neste período histórico, a proteção dada ao trabalhador que se acidentava era

exclusivamente para empregados, e se destinava a proteger os trabalhadores em face de

acidentes decorrentes do trabalho, de forma privada, sendo o empregador o responsável pela

reparação civil de natureza indenizatória.

2.2 – Evolução da Proteção Social: Seguro Obrigatório e o Surgimento do

Auxílio-Acidente

Compreendida a origem do sistema de proteção social pátrio, passemos à análise da

sua evolução, a partir da Lei Eloi Chaves até a Constituição Federal de 1988 e à consequente

construção do atual sistema de Seguridade Social.

Já vimos que até a edição do Decreto n° 4.682/23, denominada Lei Eloi Chaves,

imperava, no Brasil, um sistema de proteção social público apenas para servidores públicos,

como benesses por seus bons préstimos ao Estado, sem a exigência de contraprestação, não

existindo um caráter contributivo mutualista, enquanto para os demais trabalhadores a única

forma de proteção disponível era particular e coletiva, através de seguros privados, com

caráter eminentemente contributivo.

A partir da referida norma e da criação de inúmeras caixas de aposentadoria e pensões,

os direitos previdenciários passaram a ser estendidos a uma parcela mais extensa da

população.

Até esta fase, o trabalhador acidentado no trabalho e que tivesse sequelas era

indenizado diretamente pelo empregador, na forma do Código Civil e do Decreto 3.724/1919,

como já referido.

O fervilhante momento político-ideológico-revolucionário, próprio do início do século

XX, levou à necessidade de extensão dos serviços de saúde, assistência e previdência para a

maior parcela possível da população, não só no Brasil, mas no mundo. Um marco simbólico

da evolução decorrente deste período e a busca de efetividade de direitos para a população,

promovidos pelo Estado como forma de garantir a paz social é que a partir da Constituição

Republicana, de 1934, a proteção social do trabalhador, em caso de acidente de trabalho e

45

invalidez, foi constitucionalizada. Nesse sentido, o artigo 121 da referida Constituição

informa que:

Art. 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do

trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e

os interesses econômicos do País.

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que

colimem melhorar as condições do trabalhador:

[...];

h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta

descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e

instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do

empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e

nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;

Sendo assim, a Constituição de 1934 estabeleceu a criação de um amplo sistema

previdenciário, destinado a todos os trabalhadores, nos moldes público, coletivo, compulsório

e contributivo da Lei Eloi Chaves, incluindo o dever da União, empregador e empregado de

financiar benefícios sociais relativos à proteção de riscos sociais: velhice, invalidez,

maternidade, acidente de trabalho e morte, além de garantir assistência médica e sanitária

pública aos trabalhadores.

Saliente-se que a Constituição de 1934 já colocou a proteção do trabalhador

acidentado dentro dos preceitos que devem ser observados para garantir melhores condições

para o trabalhador.

A partir de 1930, o presidente Getúlio Vargas suspendeu as caixas de aposentadorias e

pensões (que eram organizações de seguro social, estruturadas por empresa) e as substitui

pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões, que eram autarquias federais, centralizadas e

comandadas pelo governo federal, que reorganizou a filiação previdenciária, que antes se

dava por empresas e eram bipartites (contribuição de empregadores e empregados) e com

gestão privada e passaram a se dar por categorias profissionais, com gestão e contribuição

tripartite (governo, empregadores e empregados).

A Carta Magna de 1937 não trouxe qualquer avanço ao direito previdenciário.

O Decreto Lei n° 7.036/44, por sua vez, reformou a Lei anterior de acidentes de

trabalho, mantendo o caráter privado da indenização a ser paga diretamente ao empregador

para o empregado acidentado no trabalho que sofresse redução da capacidade laboral, mas

especificou que as doenças ocupacionais (profissional e do trabalho) também dão direito à

mesma indenização, ou seja, até esta altura, o trabalhador acidentado no trabalho (ou que

adquiria doença ocupacional, evento equivalente ao acidente de trabalho) fazia jus a uma

indenização não mais de simples cunho civil, mas de natureza trabalhista.

46

Já na Constituição de 1946, pós Estado-Novo, é estabelecida, no seu artigo 157, a

previsão do direito à proteção do trabalhador em caso de desemprego (sendo que o seguro-

desemprego só foi criado em 1986), além de ser instituído o dever do empregador de contratar

seguro contra acidentes de trabalho, isto é, o que era uma faculdade do empregador para se

precaver em casos de acidentes de trabalho, passou a ser uma obrigação, a contratação de

seguro, para garantir a indenização devida ao trabalhador na ocorrência de acidentes laborais

e, por fim, criou a Regra da Contrapartida, proibindo a criação, majoração ou extensão de

benefícios previdenciários ou assistenciais sem prévia fonte de custeio:

Art. 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos

seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos

trabalhadores: [...] XV - assistência aos desempregados; [...] XVII - obrigatoriedade da instituição do seguro pelo empregador contra os

acidentes do trabalho. § 1º Não se admitirá distinção entre o trabalho manual ou técnico e o trabalho

intelectual, nem entre os profissionais respectivos, no que concerne a direitos,

garantias e benefícios.

§ 2º Nenhuma prestação de serviço de caráter assistencial ou de benefício

compreendido na previdência social poderá ser criada, majorada ou estendida sem a

correspondente fonte de custeio total.

A famosa Lei n° 3.807, denominada Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), é

editada em 26 de agosto de 1960, reunindo todos os sistemas de previdência social dos

trabalhadores da iniciativa privada, unificando todos os institutos de aposentadorias e pensões,

e estendendo os benefícios de forma mais abrangente e geral para todos os trabalhadores

urbanos, com maior participação do poder estatal levando à uniformização e padronização das

coberturas e serviços aos trabalhadores urbanos, mas não dispôs sobre o auxílio-acidente, que,

ainda mantinha uma natureza de seguro privada de contratação obrigatória pelo empregador,

consoante disposição constitucional expressa.

Em decorrência da supracitada norma, em 1966, foi editado o Decreto-Lei n° 72/1966,

que unificou todos os institutos de aposentadorias e pensões, que deram lugar a uma nova

autarquia federal, denominada Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) que, mais

tarde, se fundiu ao Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social

(IAPAS) para formar, em 1990, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O artigo 158, XVII, da Constituição de 1967, mais uma vez previu entre os direitos

trabalhistas o dever de o empregador contratar seguro contra acidentes de trabalho, a fim de

proteger os trabalhadores empregados.

47

A Lei n° 5.316/67, por sua vez, meses depois da Constituição de 1967, em seu artigo

1°38

, integrou o seguro de acidentes do trabalho na previdência social, como ensina Sérgio

Pinto Martins39

, fixando uma contribuição para o empregador financiar o referido seguro

(consoante artigo 1240

), tornando obrigatória a contratação do seguro de acidentes de trabalho

administrado pela Previdência Social, impedindo os empregadores de renovarem seguros

privados que mantivessem esta mesma natureza e garantindo o pagamento do pecúlio quando

a redução parcial da capacidade laboral fosse inferior a 25% (artigo 8°), e para a redução da

capacidade laboral superior a 25% foi garantida ao trabalhador um auxílio mensal reajustável

equivalente à porcentagem da redução da sua capacidade para o trabalho, consoante artigo 7°,

deixando de lado a ideia de risco social vinculado ao Direito Civil para adotar o sistema de

seguro social, transformando a proteção em caso de acidentes de trabalho em benefício

previdenciário, não mais sendo um seguro privado.

Posteriormente, enfim, a Lei n° 6.367/76 criou o auxílio-acidente com valor de 40%

do salário-de-contribuição (em caso de sequela que incapacitasse para o exercício da mesma

função, mas não para outras, consoante o artigo 6°41

), e o auxílio-suplementar com valor de

20% do salário-de-contribuição (quando ocorresse sequela que não incapacitasse para o

exercício da mesma função, como dispunha o artigo 9°42

), encerrando a indenização pura e

38

Art. 1º O seguro obrigatório de acidentes do trabalho, de que trata o artigo 158, item XVII, da Constituição

Federal, será realizado na previdência social.

Parágrafo único. Entende-se como previdência social, para os fins desta Lei, o sistema de que trata a Lei n°

3.807, de 26 de agôsto de 1960, com as alterações decorrentes do Decreto-lei n° 66, de 21 de novembro de 1966. 39

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 48. 40

Art. 12. O custeio das prestações por acidente de trabalho, a cargo exclusivo da empresa, será atendido,

conforme estabelecer o regulamento, mediante:

I - uma contribuição de 0,4% (quatro décimos por cento) ou de 0,8% (oito décimos por cento) da folha de

salários de contribuição, conforme a natureza da atividade da empresa;

II - quando for o caso, uma contribuição adicional incidente sobre a mesma folha e variável, conforme a

natureza da atividade da empresa.

§ 1º A contribuição adicional de que trata o item II será objeto de fixação individual para as empresas cuja

experiência ou condições de risco assim aconselharem.

§ 2º Na hipótese do art. 10, a contribuição de que trata o item I será de 0,5% (cinco décimos por cento) ou de

1% (um por cento).

§ 3º As contribuições estabelecidas neste artigo serão pagas juntamente com as contribuições de que tratam os

itens I e III do art. 69 da Lei Orgânica da Previdência Social, na redação dada pelo Decreto-lei nº 66, de 21 de

novembro de 1966. 41

Art. 6º O acidentado do trabalho que, após a consolidação das lesões resultantes do acidente, permanecer

incapacitado para o exercício de atividade que exercia habitualmente, na época do acidente, mas não para o

exercício de outra, fará jus, a partir da cessação do auxílio-doença, a auxílio-acidente.

§ 1º O auxílio-acidente, mensal, vitalício e independente de qualquer remuneração ou outro benefício não

relacionado ao mesmo acidente, será concedido, mantido e reajustado na forma do regime de previdência social

do INPS e corresponderá a 40% (quarenta por cento) do valor de que trata o inciso II do Art. 5º desta lei,

observado o disposto no § 4º do mesmo artigo. 42

Art. 9º O acidentado do trabalho que, após a consolidação das lesões resultantes do acidente, apresentar, como

seqüelas definitivas, perdas anatômicas ou redução da capacidade funcional, constantes de relação previamente

elaborada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), as quais, embora não impedindo o

desempenho da mesma atividade, demandem, permanentemente, maior esforço na realização do trabalho, fará

48

simples paga em parcela única para o trabalhador. O benefício do artigo 9°, consoante §1°,

cessa “com a aposentadoria do acidentado e seu valor não será incluído no cálculo de

pensão”.

Outra construção legal importante que demonstra a evolução do sistema de proteção

social no país foi a Lei Complementar n° 11/1971, que criou o Programa de Assistência ao

Trabalhador Rural (PRORURAL), financiado e gerido pelo Fundo de Assistência ao

Trabalhador Rural – FUNRURAL, que garantiu aos trabalhadores rurais a concessão de

benefícios de aposentadoria por velhice, aposentadoria por invalidez, pensão, auxílio-funeral,

serviço de saúde e o serviço social, cobrando contribuição de 2% do valor do produto

comercializado pelo trabalhador rural, mas não tratando do auxílio-acidente, que seria

custeado no futuro por uma contribuição adicional com alíquota de 0,1%.

Já a Lei n° 5.859, de 11 de dezembro de 1972, incluiu os empregados domésticos na

Previdência Social, mas não lhe estendeu a cobertura do auxílio-acidente.

Deste modo, neste recorte histórico, a proteção ao trabalhador acidentado deixou de

ser um seguro privado contratado pelo empregador para se tornar um seguro social de

contratação obrigatória junto à Previdência Social, sendo estendido para eventos equivalentes

a acidentes de trabalho.

A Constituição de 1988, apelidada de Constituição Cidadã, estabeleceu uma nova

forma de proteção social, instituindo o Sistema de Seguridade Social, que representou uma

verdadeira revolução e, por isso, será analisada em um tópico em separado à frente.

2.3 – A Constituição de 1988 e a Lei n° 8.213/91: Auxílio-Acidente Hoje

A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe profundas e importantes

reformas que alteraram a organização dos serviços de Previdência Social, Assistência Social e

Saúde, organizando-os em um sistema único e intercomplementar denominado Seguridade

Social.

Tal sistema objetivou a instituição de um meio de proteção dos riscos sociais

universal, preenchendo lacunas do sistema anterior, que, mesmo amplo, deixava espaço para o

desamparo.

O serviço de Previdência Social continuou estabelecido como aquele prestado àqueles

que vertem contribuições, adquirindo o direito a prestações de benefícios e serviços em caso

jus, a partir da cessação do auxílio-doença, a um auxílio mensal que corresponderá a 20% (vinte por cento) do

valor de que trata o inciso II do Artigo 5º desta lei, observando o disposto no § 4º do mesmo artigo.

49

de ocorrência de um infortúnio para o qual tenha adquirido o direito de proteção, na forma do

estabelecido nos artigos 201 e 202 da Constituição Federal, e foi regulamentado pelas Leis n°

8.212/91 e 8.213/91.

A Constituição Federal continuou a dispor sobre a obrigatoriedade de contratação do

seguro de acidente de trabalho como dever do empregador e direito do empregado, agora no

artigo 7°, XXVIII.

Expressamente, a redação original do artigo 201 da Constituição Federal incluía no rol

de proteção constitucional da Previdência Social a doença ou invalidez, incluindo aqueles

resultantes de acidentes do trabalho, demonstrando que este passou por uma completa

mudança de natureza, integrando o seguro social como um benefício substitutivo parcial da

renda do trabalhador e não uma mera indenização.

A Lei n° 8.212/91, em conjunto com a Lei n° 8.213/91, ambas com a redação da Lei

n° 9.528/97, em nome da observância da equivalência entre trabalhadores urbanos e rurais,

estendeu o benefício auxílio-acidente aos segurados especiais (trabalhadores não

subordinados, demonstrando, mais uma vez a alteração da natureza do benefício e revelando a

necessidade de extensão para outros segurados), bem como fixou uma contribuição de 0,1%

sobre o valor da venda do produto rural para financiar o seguro de acidente de trabalho,

porém, equivocadamente, atribuiu ao auxílio-acidente a característica de indenização,

excluindo-o da lista de benefícios substitutivos da renda do trabalho, consoante “caput” do

artigo 86.

Ainda, a Lei n° 8.213/91 extinguiu o auxílio-suplementar, alterando a forma de

indenização do auxílio-acidente, estabelecendo três níveis de benefício: 30% do salário-de-

contribuição (para o segurado que, em razão da sequela, necessite de maior esforço, mas que

pode retomar sua mesma atividade laboral, sem reabilitação profissional); 40% do salário-de-

contribuição (para o segurado que, após o acidente, não possa retomar a mesma atividade,

mas reabilitado, pode assumir funções de igual complexidade); e de 60% do salário-de-

contribuição (para o segurado que não pode retomar à sua atividade laboral, após a

consolidação das sequelas, e que, mesmo após a reabilitação, só pode exercer atividade de

complexidade inferior à que exercia).

Em seguida, a Lei n° 9.032/95 unificou as categorias do auxílio-acidente em uma

única categoria, de valor de 50% do salário-de-contribuição, e estabeleceu a extensão do

benefício para casos de acidente de qualquer natureza, aumentando a proteção aos segurados,

além de incluir a prestação do benefício no salário-de-contribuição do beneficiário,

50

demonstrando que ele é um benefício destinado a substituir parte da renda do trabalho e não a

indenizar o segurado.

Já a Lei n° 9.528/97, além de estender o auxílio-acidente ao segurado especial, como

já referido, estabeleceu a vedação à cumulação do referido benefício com qualquer

aposentadoria, e permitiu que o valor desse benefício fosse integrado ao salário-de-

contribuição do segurado, como referido.

A Emenda Constitucional n° 20/1998 alterou o artigo 201 da Constituição Federal,

retirando qualquer referência ao acidente de trabalho do inciso I, do referido artigo, incluindo

o parágrafo 10 ao mesmo artigo, disciplinando que a “Lei disciplinará a cobertura do risco de

acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de Previdência Social

e pelo setor privado”. Essa alteração, na teoria, implica em tirar a referência expressa de

necessidade de proteção a acidentes de trabalho, demonstrando que a Constituição deve se

preocupar em primeiro lugar com a doença e/ou invalidez, independentemente da sua

natureza, cabendo à lei regulamentar a cobertura do acidente do trabalho, que deve zelar pela

cobertura deste risco tanto na Previdência Social quanto na Previdência Privada.

Porém, para Fábio Zambitte Ibrahim43

, a referida emenda tratou, na verdade, de um

retrocesso de direito humano, permitindo a participação de seguradoras privadas no seguro de

acidente de trabalho, o que é um exagero, já que a alteração constitucional não excluiu a

Previdência Social da gestão deste seguro social, mas permitiu a participação concorrente do

setor privado, ou seja, ainda é obrigatória a gestão do benefício de auxílio-acidente pela

Previdência Social.

Por fim, a última alteração relevante para a história do auxílio-acidente foi a da Lei

Complementar n° 150/2015, que estendeu o benefício aos segurados empregados domésticos,

estabelecendo uma contribuição para o seguro contra acidente do trabalho de 0,8% para o

empregador doméstico financiar o benefício.

Enfim, na atual sistemática, o auxílio-acidente, decididamente, ganhou uma natureza

de benefício previdenciário fundamentada na proteção do risco social, por meio do seguro

social, cuja prestação se destina a substituir parte da renda do beneficiário, compondo,

inclusive, o salário-de-contribuição do segurado, não se tratando de mera indenização como

refere o artigo 86 da Lei n° 8.213/91. Destaca-se, neste sentido, que a Constituição Federal,

no § 2° do Artigo 201, é clara ao definir que nenhum benefício previdenciário “que substitua

o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior

43

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 22. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 59.

51

ao salário mínimo”, vez que, decididamente, o auxílio-acidente, hoje, se enquadra nesta

disposição, seja por importar em substituição parcial da renda do segurado, seja por compor o

seu salário-de-contribuição.

52

CAPÍTULO 3: ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA DO AUXÍLIO-

ACIDENTE

Para o presente estudo, convém apresentar a estrutura da norma jurídica atinente ao

benefício auxílio-acidente. Para tanto, será utilizada a chamada Regra Matriz proposta por

Paulo de Barros de Carvalho em sua obra, Direito Tributário: linguagem e método.

Este estudo opta por este método porque ao se decompor a norma do auxílio-acidente

pela regra matriz, se identificará seu fundamento e sua natureza, demonstrando que o

benefício, hoje, pode ser bem enquadrado como um benefício previdenciário e não uma

indenização simples decorrente de um acidente de trabalho.

A começar pela linha de raciocínio proposta, convém destacar que a norma jurídica é

uma proposição ideal própria do mundo do dever-ser (ideal) apta a produzir efeitos jurídicos

no mundo do ser (real), quando ocorrido o fato jurídico. Fatos jurídicos, por sua vez, são

acontecimentos do mundo real previstos em normas jurídicas, a partir dos quais nascem, se

modificam, se extinguem ou subsistem relação jurídicas, constituindo um imperativo-

autorizante.

Sobre a norma jurídica, é pertinente destacar a lição de Miguel Reale44

, que assevera

que sua caracterização é estabelecida em uma proposição enunciativa de uma forma de

organização ou conduta que deve ser obrigatoriamente obedecida:

Dizemos que a norma jurídica é uma estrutura proposicional porque seu conteúdo

pode ser enunciado mediante uma ou mais proposições entre si correlacionadas,

sendo certo que o significado pleno de uma regra jurídica só é dado pela integração

lógico-complementar das proposições que nela se contêm.

[...]

Dizemos, outrossim, que a regra jurídica enuncia um dever ser de forma objetiva e

obrigatória, porquanto, consoante já foi exposto em aulas anteriores, é próprio do

Direito valer-se de maneira heterônoma, isto é, com ou contra a vontade dos

obrigados, no caso das regras de conduta, ou sem comportar alternativa de aplicação,

quando se tratar de regras de organização.45

Isto é importante para se compreender que norma jurídica não é a lei pura e

simplesmente, podendo conter dentro dela inúmeras proposições normativas, e tampouco são

os artigos que compõem a lei, mas é um conjunto de proposições lógico-jurídicas que regulam

determinado fato, ou seja, não se buscará a norma do auxílio-acidente no artigo 86 da Lei n°

8.213/91, mas será feita uma análise sistemática das proposições que formam esta norma

44

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. 45

Ibid., p. 95-96.

53

jurídica, como no artigo 201, §10°, da Constituição Federal, artigo 104 do Decreto n°

3.048/99, entre outros.

Sob tais aspectos da norma é que se constitui a regra matriz da norma tributária,

proposta por Paulo de Barros, sendo a norma jurídica um dever-ser, representado na fórmula

abaixo pela letra “D”, composta pela denominada de hipótese da regra matriz e formada pelos

critérios material, temporal e espacial (descritora de uma hipótese normativa ou de um fato

jurídico), e pelo consequente normativo, conquanto a caracterize como uma consequência da

hipótese normativa e não, necessariamente, signifique uma sanção, mas sirva à identificação

do objeto e da relação dos sujeitos em torno dele, formada pelo critério pessoal e pelo critério

quantitavo, como revela a fórmula da regra matriz representada abaixo:

D{[Cm(V.C).Ct.Ce]➜[Cp (Sa.Sp).Cq(Bc.Al)]}46

D = dever-ser

Cm = critério material, formado por verbo mais complemento

Ct = critério temporal

Ce = critério espacial

➜ = conectivo condicional interproposicional

Cp = critério pessoal, formado pelo sujeito ativo e passivo

Cq = critério quantitavo, formado pela Base de Cálculo e pela Alíquota

Óbvio que a proposição da regra matriz se dirige à norma tributária, mas sua

proposição pode ser perfeitamente útil e adequada para o estudo das normas de direito

previdenciário, sobretudo aquela à qual se dedica este estudo, a norma do auxílio-acidente,

para que se identifiquem, como referido, os fundamentos e natureza desta norma.

Assim, seguindo a estrutura acima, primeiro, este trabalho fará uma análise da

hipótese da regra matriz e de seus componentes, sempre voltado para a norma jurídica do

benefício em estudo e, posteriormente, do consequente normativo e seus componentes.

Dividido está o estudo do tema, desta forma, respeitando-se a ideia lógica de que a

norma jurídica é composta por dois momentos, um hipotético, em que a norma prevê uma

hipótese do mundo real e que pode gerar uma obrigação, e um momento consequente, onde

acontecido o fato hipotético, no mundo real, nascerá uma relação jurídica, traduzida na

estrutura lógica: “Se F, deve ser C”47

(F é o fato/hipótese e C a consequência).

46

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2013, p. 665. 47

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 93.

54

3.1 – O Auxílio-Acidente na Legislação Atual

Antes de se fazer a decomposição da norma do auxílio-acidente, convém

contextualizar a definição legal do benefício, hoje.

O auxílio-acidente é denominado, de forma expressa na lei, como um benefício

previdenciário, cujas prestações mensais são de natureza indenizatória e não têm função de

substituir a renda proveniente do salário, mas se presta a indenizar a perda permanente de

parte da capacidade laboral do segurado do RGPS.

Miguel Horvath ensina que o auxílio-acidente é um benefício devido para quem tem

sua capacidade laboral afetada, de maneira definitiva e parcial, após sofrer um acidente de

qualquer natureza, que deixe uma sequela: “Auxílio-acidente – benefício previdenciário

devido para quem teve sua capacidade laboral afetada de maneira definitiva e parcial, após a

consolidação das lesões (sequelas) decorrentes de um acidente do trabalho ou de qualquer

natureza. Tem natureza indenizatória”.48

O texto legal refere que o auxílio-doença é concedido apenas depois da consolidação

das lesões decorrentes de acidente de trabalho que reduzam a capacidade de trabalho do

segurado e será devido a partir da cessação do auxílio-acidente, ou seja, ele prescinde da

concessão anterior do benefício auxílio-doença, consoante disposição do artigo 86 da Lei n°

8.213/91, contudo, esta questão será abordada em um momento oportuno neste trabalho,

demonstrando que esta disposição não se sustenta mais:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando,

após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza,

resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que

habitualmente exercia. § 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-

benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de

qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. § 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do

auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento

auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. § 3° O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de

aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do

recebimento do auxílio-acidente. § 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do

auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e

a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o

trabalho que habitualmente exercia.

48

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Dicionário Analítico de Previdência Social. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p.

20.

55

O sujeito ativo do benefício se caracteriza como os segurados filiados ao RGPS (com

exceções, que se verá mais adiante), sendo o INSS o sujeito passivo desta relação e a

autarquia responsável pelo pagamento deste benefício.

Ele é um benefício cuja prestação se destina a indenizar o segurado pela redução da

capacidade laboral, não funcionando como substituição da remuneração proveniente do

trabalho do segurado, como o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez, portanto, sua

remuneração poderá ser inferior a um salário mínimo, mas não inferior a 50% do salário-

mínimo, pelas regras atuais, e poderá ser cumulado com outros benefícios (exceto

aposentadorias e outro auxílio-acidente, como se verá em breve) e percebido mesmo quando o

segurado trabalhar. Neste sentido, convém destacar a lição de Carlos Alberto Pereira de

Castro e João Batista Lazzari:

O auxílio-acidente é um benefício previdenciário pago mensalmente ao segurado

acidentado como forma de indenização, sem caráter substitutivo do salário, pois é

recebido cumulativamente com o mesmo, quando após a consolidação das lesões

decorrentes de acidente de qualquer natureza – e não somente de acidentes de

trabalho -, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o

trabalho que habitualmente exercia – Lei n° 8.213/91, art. 86, caput.49

Ainda, desde a edição da Lei n° 9.528/97, que deu a redação atual do § 3° do artigo 86

da Lei n° 8.213/91 (norma que vedou o acúmulo do auxílio-acidente com qualquer

aposentadoria), seu valor integra o salário-de-contribuição do segurado.

O auxílio-acidente será devido, apenas, caso a perícia médica constate sequelas que

reduzam a capacidade laboral do segurado, ou seja, a simples ocorrência de um acidente não é

razão suficiente para determinar o direito ao auxílio-acidente, antes é necessário que do

acidente resulte sequela parcialmente incapacitante, posto que, aqui também é necessário que

um perito identifique suas implicações nas atividades profissionais do segurado.

Além de ser previsto no artigo 86 da Lei n° 8.213/91, o benefício é regulamentado

pelo artigo 104 do Decreto n° 3.048/99.

Convém destacar que o referido artigo da Lei n° 8.213/91, além de dizer que o auxílio-

acidente é concedido, como indenização, ao segurado, após a consolidação das lesões

decorrentes de acidente de qualquer natureza, que resultem em sequelas que impliquem

redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, ele, ainda, define que o

valor da sua prestação mensal é de 50% do salário-de-benefício e que ele é devido até a

49

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 13. ed. São

Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 684.

56

aposentadoria ou óbito do segurado, não sendo cumulável com qualquer aposentadoria, mas

podendo o ser com outros benefícios.

Porém, o referido artigo, em sua forma original, era fundamentalmente diferente,

tendo sido o seu contorno atual dado pelas Leis n° 9.032/95 e 9.528/97 que, entre outras

alterações, estendeu a proteção do benefício para acidentes de qualquer natureza e não mais

do trabalho (antes o benefício cobria a incapacidade decorrente de acidente de trabalho e de

doenças ocupacionais), vedaram seu acúmulo com a aposentadoria (antes o benefício era

vitalício) e unificaram o valor do benefício (antes seu valor variava entre 30%, 40% e 60% do

salário-de-contribuição, a depender da extensão da lesão).

Destaque-se que o valor do benefício auxílio-acidente, desde a Lei n° 9.528/91, que

alterou o artigo 31 da Lei n° 8.213/91, compõe o salário-de-contribuição do segurado, dado

que este benefício foi equiparado às demais contribuições como a renda proveniente do

trabalho.

Já a Lei n° 8.212, em seu artigo 25, inciso II, estendeu o Seguro de Acidente de

Trabalho para o segurado especial e o artigo 18, § 1° da Lei n° 8.213/91 estendeu aos

segurados especiais o auxílio-acidente.

Por sua vez, a Lei Complementar n° 150/2015 alterou o artigo 18, §1°, da Lei n°

8.213/91, estendendo o benefício às empregadas domésticas, atribuindo o financiamento do

seguro de acidente de trabalho ao empregador doméstico.

Assim, este conjunto de normas deu a atual configuração do benefício auxílio-

acidente, como veremos através da decomposição desta norma na regra matriz, cabendo

demonstrar que este benefício passou a ter uma natureza, com valor fixado em 50% do

salário-de-benefício do segurado (empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso e

especial), inclusive com abono anual (13° benefício), pago àquele que sofra um acidente de

qualquer natureza ou uma doença ocupacional que lhe cause uma sequela definitiva e

parcialmente incapacitante para o trabalho que habitualmente exercia até a aposentadoria ou

morte do beneficiário.

Perante severas alterações legislativas, a redação do artigo 104 do Decreto n° 3.048/99

ficou defasada, deixando fora de seu espectro de proteção o segurado empregado doméstico,

mas especifica nos seus incisos I, II e III o que é a redução da capacidade laboral que importa

para a concessão do benefício, como se verá no estudo do critério material da norma do

auxílio-acidente.

57

Por fim, convém analisar a situação deste benefício frente à Constituição Federal, para

indicar, como já referido alhures, que a Emenda Constitucional n° 20/98 retirou do inciso I a

expressão “acidentes de trabalho” da lista de cobertura obrigatória da Previdência Social.

Essa referência é importante para se entender qual a “mens legis” desta alteração e

qual era a “mens legislatoris”.

Para compreender o significado desta alteração, convém dizer que a mesma emenda

constitucional referida acrescentou ao artigo 201 o parágrafo 10 que informa que a “Lei

disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo

regime geral de previdência social e pelo setor privado”.

A primeira conclusão, mais fácil, a que se pode chegar é que fica claro que a “mens

legislatoris” desta alteração é retirar a proteção ao acidente de trabalho da cobertura

obrigatória da Previdência Social, permitindo que a Lei disponha sobre ela de forma livre e

não vinculada à obrigatoriedade da Constituição Federal.

No entanto, a “mens legis” não permite este tipo de conclusão rasa, primeiro, porque o

risco de acidente de trabalho não é protegido pela simples ocorrência do evento, mas depende

de seu resultado; segundo, porque configura obrigação patronal, por expressa disposição

constitucional do artigo 7°, XXVIII, a contratação de seguro contra acidentes de trabalho para

proteger o trabalhador e, por fim, porque é vedado o retrocesso social em matéria de direitos

humanos, logo, “mutatis mutandis” a alteração não pode produzir pretendido pelo Legislador,

devendo-se entender que a real significação da alteração constitucional apenas disciplina que

a matéria de acidentes de trabalho deve ser regulada por lei, devendo ser regulamentada a

cobertura deste risco social, inclusive, no regime de previdência complementar.

3.1.1 – Fundamento do Benefício

Antes de se adentrar no estudo da norma do benefício auxílio-acidente, através da

regra matriz, convém um breve estudo sobre o fundamento deste benefício.

Em lição do italiano Mattia Persiani, é ensinado que, em sua origem, a tutela contra os

acidente de trabalho, na Itália, encontrava-se fundamenta no princípio do risco profissional:

Quando foi instituído, o fundamento da tutela contra os acidentes de trabalho, a qual

era e ainda é financiada por contribuições que são encargos exclusivos dos

empregadores, foi individualizado no princípio do risco profissional (cf. n. 53). Os

empregadores que expõem os seus dependentes ao risco do acidente, na medida em

que tiram vantagem da atividade laboral que eles desenvolvem em seu interesse,

58

devem suportar também, com o pagamento dos prêmios, as consequências negativas

da ocorrência de tal risco.50

Esse raciocínio é perfeitamente aplicável à origem do auxílio-acidente no Brasil, que

encontra fundamento de sua criação, também, no risco profissional, sendo que se originou da

responsabilidade civil do empregador em reparar os danos causados aos seus subordinados,

causados em razão do trabalho.

Pelo princípio do risco profissional, também denominado teoria do risco, o

empregador assume todas as responsabilidades e riscos inerentes a sua atividade econômica,

inclusive, sendo responsável por danos que sua atividade e os meios por ele escolhidos para o

desenvolvimento de determinado trabalho cause aos seus trabalhadores ou a terceiros, sendo,

inclusive, responsável pelos danos causados por seus prepostos a outras pessoas.

Esta teoria é aplicada ao auxílio-acidente e explica a razão pela qual cabe aos

empregadores o custeio dos seguros contra acidentes de trabalho de seus prepostos, pois sua

responsabilidade pelos danos que causem aos trabalhadores é direta. Nesse sentido, o

ordenamento jurídico pátrio entendeu que, em nome de maior segurança para o trabalhador,

ele seria efetivamente ser indenizado em caso de acidente de trabalho, assim, foi instituído o

dever de o patrão contratar um seguro obrigatório, vinculado à Previdência Social, contra

acidentes de trabalho para todos os seus trabalhadores.

O desenvolvimento do tecido social e a formação de um novo sistema de proteção

social, baseado na solidariedade, na contributividade e na universalidade, tornaram este

fundamento obsoleto, tanto que, os segurados especiais, que não têm empregadores, passaram

a contribuir para o Seguro contra Acidentes de Trabalho e tiveram direito à proteção do

auxílio-acidente. Mattia Persiani, comentando o sistema previdenciário de seu país, que

guarda grandes semelhanças com o brasileiro em diversos aspectos, sobretudo, no auxílio-

acidente, destaca que o fundamento da tutela previdenciária contra os acidentes, nesta nova

sistemática, não pode encontrar seu fundamento único no risco profissional, mas é expressão

da solidariedade de toda a coletividade que milita em favor de quem necessita, deixando a

prestação para acidentes de trabalho de ter um caráter meramente indenizatório, que visa o

ressarcimento de um prejuízo específico, mas passou o benefício a eliminar uma necessidade

decorrente de um risco social:

50

PERSIANI, Mattia. Direito da Previdência Social. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2008, p. 196.

59

Na perspectiva indicada pelos princípios constitucionais, portanto, o fundamento da

tutela previdenciária contra os acidentes não pode mais ser individualizado no risco

profissional. Essa tutela, não diferentemente das demais, é enfim expressão da

solidariedade de toda a coletividade organizada no estado a favor de quem venha a

se encontrar em situação de necessidade. A função que mediante ela se busca não é

mais a de ressarcir um prejuízo, mas – como acontece agora para todas as formas de

tutela previdenciária – a de eliminar as situações de necessidade que barram o

efetivo e pleno gozo dos direitos civis e políticos.51

O pensamento do jurista citado leva a uma conclusão interessante, com a qual convém

convergir, pois bem aplicável ao direito pátrio, de que, ao contrário do disposto no “caput” do

artigo 86 da Lei n° 8.213/91, o auxílio-acidente não é uma prestação indenizatória dentro da

Previdência Social, mas uma prestação devida com o fim de eliminar uma necessidade

decorrente de um risco social, ainda que não constitua um substitutivo da renda principal do

trabalho, tanto que, a prestação paga é mensal e conta como salário-de-contribuição, tratando-

se, na verdade, a expressão “indenização” de resquício da origem do benefício, quando era

paga uma indenização, em parcela única, para reparar os danos sofridos pelo empregado em

razão do trabalho.

Destaque-se mais uma vez que o benefício é pago mensalmente, conta como salário-

de-contribuição do beneficiário, é apurado com base na média dos salários-de-contribuição

em alíquota única, independente da extensão do dano (redução permanente da capacidade

laboral) e é devido para empregados não subordinados, como segurados especiais. Tudo isso

em conjunto revela que o benefício encontra seu fundamento no risco social e se trata de uma

prestação previdenciária e não de uma indenização.

Em complemento à ideia de proteção coletiva e solidária do trabalhador em face do

risco de acidente de trabalho, Mattia Persiani defende que a sociedade deve, sim, uma

proteção mais acentuada ao trabalhador, que corre riscos em sua atividade laboral para

colaborar com o desenvolvimento da coletividade:

Essa maior efetividade da tutela relativa aos acidentes do trabalho não pode ser

justificada somente com a periculosidade da atividade desenvolvida e, por isso,

recorrendo ao princípio do risco profissional. E, na verdade, essa maior eficiência se

explica, principalmente, se não exclusivamente, pela particular valoração que o

ordenamento faz, ou deveria fazer, da necessidade em que se encontra quem é vítima

de um acidente do trabalho.

Nesse caso, à valoração meramente objetiva da necessidade que deve ser eliminada

soma-se uma valoração subjetiva que diz respeito à causa geradora da necessidade.

Aquele que se encontra em condições de necessidade devido ao próprio trabalho

merece, de fato, uma consideração especial e, portanto, uma tutela mais acentuada,

51

PERSIANI, Mattia. Direito da Previdência Social. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2008, p. 198.

60

quase compensatória da circunstância que o reduziu a tais condições por haver

contribuído para o bem-estar de toda a coletividade (art. 4, par. 2 da Constituição).52

Sob a ótica desta alteração do fundamento do benefício auxílio-acidente, ensinada por

Mattia Persiani, que é perfeitamente amoldada ao ordenamento jurídico pátrio, uma questão

parece surgir: já se estendeu a proteção do auxílio-acidente para o segurado especial, que não

tem empregador e que contribui com uma quantia diferenciada para o Seguro contra

Acidentes de Trabalho em nome de uma solidariedade e eliminação dos riscos sociais para a

pessoa que trabalha em prol do desenvolvimento da sociedade, nesse sentido, qual seria a

razão apta a justificar que o contribuinte individual não possa ter estendido o direito a este

benefício e o dever de contribuir para a sua manutenção?

A verdade é que não há justificativa para tal discriminação. Neste quadro, em que o

auxílio-acidente é uma prestação previdenciária que visa a eliminação de um risco social e

não mais uma simples indenização fundamentada no risco profissional de responsabilidade do

empregador, sendo o contribuinte individual igualmente um trabalhador, que está

contribuindo para o desenvolvimento da sociedade, não há razão para que ele não possa

participar do custeio do auxílio-acidente e a fazer jus ao benefício, dado que entendemos que

o artigo 18, § 1°, da Lei n° 8.213/91 é anacrônico quando exclui o contribuinte individual

dentro desta perspectiva.

Em suma, há diversos elementos que comprovam que o fundamento do auxílio-

acidente, hoje, é o risco social e que sua prestação não tem mais natureza indenizatória, mas

de benefício previdenciário.

3.2 – Hipótese da Regra Matriz

O antecedente da norma jurídica é denominado na estrutura da regra-matriz como a

hipótese de incidência, ou suposto normativo, tratando-se da parte da norma em que se

descreve um determinado fato hipotético, passível de ocorrer no mundo real, e que gera uma

consequência jurídica, tratando-se de uma previsão legal abstrata, impessoal e geral, como

ensina Fábio Lopes Vilela Berbel:

52

Ibid., p. 200-201.

61

Hipótese de incidência ou endonorma é a parte da norma jurídica que descreve o

fato jurídico. Esse, ante a abstração inerente às normas jurídicas, há de ser

hipotético, ou seja, previsto. Na seara dessa parte normativa encontrar-se-á, através

dos aspectos material, temporal e espacial, delimitada a suposição fático-axiológica

que, ocorrida no mundo fenomênico, gera consequências jurídicas: relações ou

situações jurídicas.53

Nesta estrutura, se distingue o fato do objeto, sendo que o fato será descrito na

hipótese de incidência da regra matriz, enquanto o objeto é identificado em um segundo

momento de aplicação da norma a um caso concreto.

Na regra-matriz, a hipótese de incidência é composta por elementos que permitem

identificar o fato jurídico e conhecer as circunstâncias limitadoras da ação da norma no tempo

e no espaço, permitindo a correta identificação do fato social sobre o qual dispõe a norma,

sendo representada na fórmula: HI = Cm.Ce.Ct (onde HI é a Hipótese de Incidência, Cm é o

critério material, Ce é o critério especial e Ct é o critério temporal).

Dessa forma, para que um fato seja jurídico e determinada norma se aplique, sendo

identificada a hipótese de incidência, não basta a ocorrência do fato jurídico relevante

proposto no critério material, mas é preciso identificar onde ele ocorreu, para ver se a norma

produz seus efeitos naquele determinado espaço, bem como, é preciso analisar quando o fato

ocorreu para que se determine se ele ocorreu no instante em que a norma abstrata prevê que

deve ser incidida, sobre isto, esta é a lição de Paulo de Barros Carvalho:

O momento da análise se propõe a estudar a hipótese e seus elementos constitutivos.

Sabe-se bem que todos os critérios deste enunciado protocolar são imprescindíveis

para identificar o fato jurídico, este conjunto de elementos que nos dará a conhecer a

circunstância limitadora da ação no tempo e no espaço que antecede a consequência

da norma tributária.54

A norma objeto do presente estudo é aquela relativa ao benefício auxílio-acidente,

assim, se verá adiante os critérios material, temporal e espacial que conformam o fato

jurídico, que dá ao segurado-beneficiário o direito subjetivo de exigir do Estado a concessão

do referido benefício, convindo dispor, desde logo, que o auxílio-acidente é devido a quem

sofra um acidente de qualquer natureza ou de uma doença ocupacional que lhe reduza, de

forma permanente, a capacidade laboral, ocorrido no território nacional ou no exterior

(respeitadas as condições legais expostas mais adiante), sendo devido a partir da sequela que

53

BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 104. 54

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2013, p. 467.

62

reduza a capacidade laboral, cabendo esmiuçar cada um destes elementos que tornam possível

identificar o fato jurídico descrito na hipótese de incidência.

3.2.1 – Critério Material

Como ensina Paulo de Barros Carvalho, o critério material é o núcleo da hipótese de

incidência, sendo a parte da norma responsável pela descrição de um fato abstrato que gera

consequências jurídicas, sendo composto por um verbo e um complemento: “O critério

material é o núcleo da hipótese de incidência, composto por verbo e complemento, que

descrevem abstratamente uma atuação estatal ou um fato do particular”.55

Ainda, para o referido jurista, o critério material não descreve de forma objetiva todo o

fato jurídico atinente à norma, necessitando ser complementado por circunstâncias de tempo e

espaço, sendo que, a junção destes três elementos, como visto no capítulo anterior, é a exata

definição da hipótese de incidência. Além disso, por ser composto por um verbo e um

complemento, o critério material é um descritor do comportamento humano, abrangendo tanto

verbos que exprimem uma ação quando um estado:

O critério material da hipótese tributária pode bem ser chamado de núcleo, pois é o

dado central que o legislador passa a condicionar, quando faz menção aos demais

critérios. Parece-nos incorreta a tentativa de designá-lo como a descrição objetiva do

fato, posto que tal descrição pressupõe as circunstâncias de espaço e de tempo que o

condicional. Estar-se-ia conceituando a própria hipótese tributária. Essa é uma entre

as muitas dificuldades que se nos antolham quando pretendemos cindir, mesmo que

em termos lógicos, entidade uma e indecomponível. E nesse engano incidem quase

todos os autores que versam a matéria. Tem-se esse critério, como envolvente dos

outros dois, isto é, daqueles que expressam as condicionantes de espaço e de tempo.

[...]

Esse núcleo, ao qual nos referimos, será formado, invariavelmente, por um verbo,

seguido de seu complemento. Daí porque aludirmos a comportamento humano,

tomada a expressão na plenitude de sua força significativa, equivale a dizer,

abrangendo não só as atividades refletidas (verbos que exprimem ação), como

aquelas espontâneas (verbos de estado: ser, estar, permanecer etc.).56

Daniel Pulino ensina que no critério material, ou núcleo da hipótese de incidência,

incluem-se “os fatores nela considerados como suficientes para caracterizar, em face da

infinidade de possiblidade do mundo fenomênico, aquela específica situação que deverá ser

disciplinada pela consequência normativa”57

.

55

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2013, p. 626. 56

Ibid., p. 468-469. 57

PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p. 111-

112.

63

A despeito das enormes distensões conceituais do critério material, o importante e

comum a todos os estudiosos do tema, é que ele é composto por um verbo e um complemento,

núcleo da hipótese de incidência, refletindo uma conduta humana, posto que prescinde de um

verbo pessoal (ligado a uma conduta), complementado por um predicado, mas, ao mesmo

tempo, este verbo precisa ser geral (válido a todos, sem individualização), cumprindo analisar,

neste estudo, de forma objetiva, este critério na norma atinente ao benefício auxílio-doença.

Quando se tem o critério material como o núcleo da norma, deve-se internalizar que

ele não é composto pela simples formação de uma oração ou de um artigo, porquanto se viu

que uma norma é um conjunto de proposições lógicas, mas nele devemos identificar a

natureza e o fundamento do benefício, ou seja, ele é muito mais do que um apanhado de

requisitos para a concessão do auxílio-acidente.

Revela o artigo 86 da Lei n° 8.213/91 (com redação dada pela Lei n° 9.528/97) que “o

auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação

das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem

redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia”.

Por sua vez, o artigo 104 do Decreto n° 3.048/99, que regulamenta o auxílio-acidente,

dispõe nos incisos I, II e III, o que é a redução da capacidade laboral a que aduz o artigo 86 da

Lei n° 8.213/91:

Art. 104. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado

empregado, exceto o doméstico, ao trabalhador avulso e ao segurado especial

quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer

natureza, resultar seqüela definitiva, conforme as situações discriminadas no anexo

III, que implique:

I - redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exerciam;

II - redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exerciam e exija

maior esforço para o desempenho da mesma atividade que exerciam à época do

acidente; ou

III - impossibilidade de desempenho da atividade que exerciam à época do

acidente, porém, permita o desempenho de outra, após processo de reabilitação

profissional, nos casos indicados pela perícia médica do Instituto Nacional do

Seguro Social.

Abstraindo aquilo que não é inerente ao núcleo da hipótese da regra-matriz, os dois

artigos acima revelam uma série de requisitos para a concessão do auxílio-acidente, mas não

são suficientes para justificar o seu fundamento e tampouco sua natureza.

Dentre os requisitos identificáveis nestes artigos, que serão vistos mais

detalhadamente adiante, pode-se destacar a condição de segurado do beneficiário, a redução

da capacidade laboral, que decorra de acidente de qualquer natureza ou de doença

64

ocupacional e que é devido a partir da consolidação das sequelas, não precisando da

concessão de benefício prévio.

Por sua vez, é necessário se socorrer do artigo 26, I, da Lei n° 8.213/91 para verificar

que a concessão do benefício independe de carência.

Também, é a análise das proposições do artigo 21-A da Lei n° 8.213/91 e 337 do

Decreto n° 3.048/99 que indicam que a constatação da sequela que reduz a capacidade laboral

do beneficiário e a sua origem deve ser feita por perícia-médica a cargo do INSS.

Posteriormente, serão analisados os demais critérios conformadores da hipótese de

incidência da regra-matriz, a fim de se obter uma descrição objetiva do auxílio-acidente, mas,

antes, será aprofundado o estudo da regra matriz, incluindo os requisitos para a concessão do

auxílio-acidente e a identificação do fundamento do benefício.

3.2.1.1 – Requisitos para a Concessão do Benefício

Ensina Miguel Horvath Júnior que os requisitos para a concessão do auxílio-acidente

são a existência de lesão ou doença consolidada; que da lesão ou da doença resultem sequelas;

a redução da capacidade laboral para as atividades que habitualmente o segurado exercia; e o

nexo etiológico entre a lesão e o trabalho do segurado (para o benefício na modalidade

acidente de trabalho):

Para a concessão do benefício de auxílio-acidente é necessário o cumprimento dos

seguintes requisitos de forma cumulativa (i) a existência da lesão ou doença

consolidada; (ii) que da lesão ou doença consolidada advierem sequelas (nos

termos das situações discriminadas no anexo III do Decreto 3.048/99); (iii) a

redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia; e (iv) o nexo

etiológico entre a lesão ou moléstia incapacitante com o labor exercido (para o

auxílio-acidente por acidente de trabalho).58

Nesse sentido, fica claro que os requisitos do auxílio-acidente já se diferenciam do

auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez no que tange à origem da lesão, pois, no

primeiro caso, ele prescinde da ocorrência de um acidente de qualquer natureza ou do

desenvolvimento de uma doença ligada ao trabalho do segurado, enquanto no segundo

benefício, ele será devido a partir de um acidente ou doença de qualquer natureza. Ainda, se

diferenciam no que concerne à extensão do dano, pois o auxílio-acidente é devido quando o

dano causado resulte em sequela permanente que reduza parcialmente a capacidade laboral,

enquanto no caso dos outros dois benefícios, a incapacidade para o trabalho é total havendo

58

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 393.

65

distinção entre eles no que tange à extensão desta incapacidade e à duração, como se verá

mais adiante.

Esses requisitos serão estudados, a seguir, com a condição de segurado e a realização

de perícia médica para aferir as lesões, bem como, será abordada a questão da não exigência

de carência para o auxílio-acidente e a controvérsia acerca da necessidade de concessão prévia

de auxílio-doença para a concessão do benefício em estudo, decorrente de interpretação do

§2° do artigo 86 da Lei n° 8.213/91.

Além disso, importa destacar que a Lei n° 8.213/91, na redação original do artigo 86,

apenas concedia o benefício auxílio-acidente ao segurado que sofresse acidente de trabalho,

mas, desde a Lei n° 9.032/95, que alterou o texto do referido dispositivo, o benefício é devido

para o segurado que sofre acidente de qualquer natureza. Isso resulta, hoje, em duas espécies

de auxílio-acidente: aquele que decorre de acidente laboral e outro que decorre de acidente de

qualquer natureza. É importante se destacar a diferença entre eles, pois guardam diferentes

consequências quanto à Justiça competente para julgar o mérito da matéria, já que no primeiro

caso, será competente para julgamento do benefício a Justiça Estadual, e no segundo caso, a

Justiça Federal será a competente, mas também irradia efeitos no direito do trabalho, pois no

primeiro caso, ele dá direito ao segurado à estabilidade no emprego de 12 (doze) meses –

consoante artigo 118 da Lei n° 8.213/91 – em caso de alta e ao depósito no Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço durante a suspensão do contrato de trabalho, enquanto, no segundo

caso, não há direito à estabilidade no emprego e nem ao depósito fundiário.

Contudo, mais do que isso, este trabalho vai discutir a restrição deste benefício para

doenças comuns e sua constitucionalidade.

3.2.1.2 – Desnecessidade de Período de Carência

De início, convém salientar que, para alguns autores, a carência não compõe o critério

material, inobstante, ela guarde relação com a hipótese de concessão de benefício, mas lhe

sendo antecedente, havendo entendimento segundo Wagner Balera, de que ela não é um

elemento da relação jurídica de concessão de uma prestação, posto que o preenchimento de

carência, sendo uma circunstância que legitima o benefício e não uma contingência a ser

protegida:

66

A carência, como antecedente lógico de incidência, não integra a hipótese de

incidência. Encontra-se, diferentemente, alocada em momento anterior, pois sua

satisfação não constitui fato jurídico gerador de relação previdenciária, porém,

circunstância temporal legitimadora desse fato.

O sujeito que satisfaz a carência não adquire o direito à proteção. A carência não é

contingência, não devendo, pois, ser protegida ante sua materialização. O

cumprimento da carência torna apta a incidência, haja vista o contento do equilíbrio

financeiro e atuarial do sistema. A Seguridade Social somente efetiva a proteção

posteriormente ao equilíbrio, sendo que essa situação, presumidamente, é obtida

com o implemento da carência.59

Parece um contrassenso que este trabalho classifique, topologicamente, a carência

como um elemento do critério material e cite uma corrente diversa. Porém, este trabalho ousa

discordar deste estudo, inobstante, tenha o dever de informar a existência de outras posições e,

a partir desta posição, apresentar a contraposição deste trabalho.

Na visão deste estudo, a carência integra, sim, a hipótese de incidência, constituindo o

fato gerador, conquanto ela seja bem um requisito para que o fato seja jurídico.

Sendo assim, se nos apontamentos de Balera e Berbel, o sujeito que completa a

carência não adquire direito à proteção, pois ela não é uma carência a ser protegida, por outro

lado, um fato jurídico não se torna gerador de um direito, caso a carência seja exigida e o

segurado não a tenha implementado, não se podendo dissociar o fato da carência, logo, os

próprios autores citados destacam que é a carência que torna apta a incidência.

De forma mais clara, não haverá consequente da norma se ocorrer a hipótese de

incidência sem que esteja preenchida a carência, ou seja, ela constitui o núcleo da hipótese de

incidência, e como refere Daniel Pulino “trata-se de outro requisito fundamental descrito no

critério material”60

.

A discussão sobre a classificação da carência é interessante, mas de pouco interesse

para o estudo, uma vez que, para o benefício auxílio-acidente, conforme dispõe o artigo 26 da

Lei n° 8.213/91, não é necessário o preenchimento de período de carência, sendo que os

segurados que fazem jus a ele estão cobertos desde o primeiro dia de trabalho.

Importa destacar, ainda, que para o auxílio-acidente, ao contrário do auxílio-doença e

da aposentadoria por invalidez, não há ressalva de carência quanto ao tipo de evento que deu

direito ao benefício.

Mesmo sendo de pouca relevância para o estudo em apreço, posto que desnecessária

para o benefício em cotejo, convém tecer breves comentários sobre a carência.

59

BALERA, Wagner; BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Natureza Jurídica da Carência – Sua Posição Dentro da

Regra Matriz de Incidência. Revista de Direito Social, Sapucaia do Sul, n. 26, jun., p. 45, 2007. 60

PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p. 143.

67

O Período de Carência é o período mínimo de contribuições para se ter acesso a uma

determinada proteção previdenciária. Essa é a definição do artigo 24 da Lei 8.213/91:

Art. 24. Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais

indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do

transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências.

A exigência de período de carência para a concessão de determinados benefícios

decorre da forma como se organiza o Regime Geral da Previdência Social, cujo caráter é

contributivo, sendo um importante elemento para a manutenção do equilíbrio econômico

financeiro da Previdência Social. Essa é a lição de Miguel Horvath Júnior:

Carência é o pré-requisito legal para acesso às prestações previdenciárias. Tal

exigência decorre da natureza contributiva e tem como finalidade a manutenção do

equilíbrio financeiro-atuarial. A exigência de carência é flexível de acordo com a

análise levada a cabo pelo legislador infraconstitucional, sob o enfoque do impacto

da ocorrência do sinistro à sociedade.61

Conquanto o período de carência funcione sob os princípios de um contrato de seguro

e garantia do equilíbrio financeiro, a Previdência não admite a antecipação de contribuições

para garantir a antecipação da aquisição de uma cobertura, mas, ao contrário das regras para

seguros privados, ela admite o pagamento das contribuições em atraso para os contribuintes

obrigatórios.

Por outro lado, ainda ligado ao instituto do seguro, há coberturas que independam de

carência, mas apenas da simples formalização do seguro, sendo este o caso do auxílio-

acidente. Importante salientar que a proteção, em caso de incapacidade parcial para o trabalho

decorrente de acidente de trabalho ou de doença ocupacional, desde seus primórdios, como

seguro privado e, depois, como seguro previdenciário obrigatório do Decreto-Lei n° 7.036/44,

nunca foi submetido ao requisito da carência como outros benefícios.

Por outro lado, a carência exigida para a concessão do auxílio-doença e da

aposentadoria por invalidez - não acidentários -, é de 12 (doze) contribuições mensais pelo

segurado, como dispõe o artigo 25, I, da Lei n° 8.213/91, sendo que, pela legislação atual, não

há carência para esses benefícios quando se tratar de incapacidade decorrente de acidente de

qualquer natureza ou de doença ocupacional e, em caso de doença grave, especificada na

portaria n° 2.998/2001 do Ministério da Previdência e da Assistência Social, como disposto

no artigo 26, II, da mesma Lei.

61

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 104-105.

68

Por fim, apenas a título de curiosidade, já que a carência não é requisito para o auxílio-

acidente, sendo interessante apenas classificá-la dentro da regra matriz para a compreensão de

outros benefícios, convém destacar que a contagem do período de carência só se iniciará para

os contribuintes individuais, empregados domésticos e especiais e facultativos a partir da

primeira contribuição paga em dia, não sendo admitido o pagamento de prestações em atraso

para os contribuintes facultativos, enquanto para os contribuintes empregados e avulsos, a

contagem do período terá início com a filiação.

3.2.1.3 – Condição de Segurado

No que concerne ao benefício, por sua vez, pode ser extraído da rápida leitura do

artigo 86 da Lei n° 8.213/91, que ele é devido ao segurado, o que é óbvio para qualquer

prestação previdenciária devida a segurados e não para dependentes, mas não perde sua

relevância, como requisito por conta da sua obviedade.

Já se viu anteriormente, neste estudo, que o segurado é a pessoa física que tem um

seguro social, ou um beneficiário da previdência que tem o dever de contribuir para fazer jus a

um benefício ou serviço, adquirindo esta condição através da filiação ao Regime Geral da

Previdência Social, também, lá se viram as diferentes espécies de segurado (empregado,

empregado doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual, facultativo e especial).

No que concerne ao critério material, é interessante destacar, sem adentrar no critério

pessoal e estudar a relação dos sujeitos com o objeto, que a condição de segurado compõe o

núcleo da norma e é requisito essencial para o auxílio-acidente.

Cabe salientar que a pessoa que não contribui para a Previdência Social e que está

desempregada, depois de ter adquirido a condição de segurada e estando em condições de ser

beneficiária de uma determinada prestação previdenciária, mantém sua qualidade de

beneficiária por um período legal variável, mesmo sem verter contribuições (chamado período

de graça), como se verá mais adiante.

No que tange à concessão do auxílio-acidente para o beneficiário no período de graça,

hoje, não há dúvidas de que a pessoa tenha direito ao benefício quando desempregada e sem

contribuir.

Contudo, convém destacar que até a edição do Decreto n° 6.722, que alterou o artigo

104, §7°, do Decreto n° 3.048/99, havia disposição normativa administrativa que recusava o

benefício para a pessoa desempregada, como ensinam Carlos Alberto Pereira de Castro e João

Batista Lazzari: “a Previdência Social passou a conceder o auxílio-acidente no período de

69

graça somente a partir da nova redação do art. 104, §7°, conferida pelo Decreto n° 6.722 de

2008. A restrição até então adotada na via administrativa não encontrava amparo legal”.62

O período de graça varia de acordo com a situação do segurado e não do benefício em

si, como dispõe o artigo 15 da Lei n° 8.213/91, não havendo prazo a ser contado de período

de graça para quem está em gozo de benefício; sendo de até 12 (doze) meses depois da

cessação das contribuições para o segurado que deixar de exercer atividade remunerada ou

estiver suspenso ou licenciado sem remuneração; até 12 (doze) meses depois da cessação da

segregação para o segurado acometido de doença de segregação compulsória; também de 12

(doze) meses após a saída do segurado da reclusão; de até 3 (três) meses após o licenciamento

do segurado incorporado às forças armadas e; de 6 (seis) meses depois da cessação das

contribuições do segurado facultativo:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício; II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de

exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso

ou licenciado sem remuneração; III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença

de segregação compulsória; IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças

Armadas para prestar serviço militar; VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo. § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o

segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem

interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. § 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o

segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão

próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. § 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos

perante a Previdência Social. § 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do

prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da

contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados

neste artigo e seus parágrafos.

É importante entender o período de graça para que se compreenda que, sem contribuir,

o segurado mantém direito aos benefícios para o qual fazia jus quando contribuía. Destaca-se

isso, pois o contribuinte individual e o segurado facultativo também podem parar de exercer

sua profissão e não contribuir para a Previdência Social, mantendo a qualidade de segurado no

período de graça, mas por não serem beneficiários do auxílio-acidente, como se verá no

momento oportuno, eles não fazem jus a perceber o benefício.

62

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 13. ed. São

Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 684.

70

Assim, quando a norma refere que o segurado fará jus ao auxílio-acidente, vê-se que o

requisito verdadeiro, interpretação construída com o artigo 18, §1°, da Lei n° 8.213/91, é que

o segurado incluído no rol de beneficiários é quem tem direito ao auxílio-acidente, mesmo no

caso de desemprego, durante o período de carência.

3.2.1.4 – Acidente de Qualquer Natureza ou Doença Ocupacional

Como já referido, os requisitos para a concessão do auxílio-acidente são a existência

de lesão ou doença consolidada; que da lesão ou doença resultem sequelas; a redução da

capacidade laboral para as atividades que habitualmente o segurado exercia; e o nexo

etiológico entre a lesão e o trabalho do segurado (para o benefício na modalidade acidente de

trabalho).

O benefício auxílio-acidente se difere de outros benefícios previdenciários por

incapacidade, por exigir que a lesão tenha uma origem determinada para a concessão do

mesmo, enquanto outros benefícios usam a origem do acidente ou da doença para exigir ou

não o preenchimento de carência.

O “caput” do artigo 86 da Lei n° 8.213/91, hoje, estipula que será coberto pelo auxílio-

acidente o segurado, quando a lesão ou sequela que lhe reduza a capacidade laboral para a

atividade que exercia habitualmente se origine de um acidente de qualquer natureza ou de

uma doença ocupacional.

Esse contorno da origem da lesão ou sequela foi dado, primeiro, pela Lei n° 9.032/95

e, hoje, é definido pela Lei n° 9.528/97. Na origem, a lei dava direito ao auxílio-acidente

apenas em caso de acidente do trabalho (doenças ocupacionais são eventos equiparados),

passando a ser estendido para o acidente de qualquer natureza, mas não às doenças de

qualquer natureza. A saber, compare-se a redação original com aquela de hoje do “caput” do

artigo 86 da Lei n° 8.213/91 e outras alterações:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação

das lesões decorrentes do acidente do trabalho, resultar seqüela que implique:

(Redação Original)

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando,

após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza que

impliquem em redução da capacidade funcional. (Redação da Lei nº 9.032, de

1995)

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando,

após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar

71

seqüelas que impliquem redução da capacidade funcional. (Redação da Lei nº

9.129, de 1995)

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando,

após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza,

resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que

habitualmente exercia. (Redação atual da Lei n° 9.528/97)

Destaque-se, que o artigo 20 da Lei n° 8.213/91 equipara a acidente de trabalho às

doenças ocupacionais (doença do trabalho e profissional), posto que, essa classe de doenças,

quando resultarem em sequelas que reduzam a capacidade laboral do segurado, dará direito ao

benefício auxílio-acidente, enquanto as doenças de outra origem não implicam no direito ao

mesmo benefício, porém, tal equiparação desses eventos ocorre desde a primeira disposição

normativa sobre o seguro de acidentes de trabalho no Decreto 3.724/1919.

Nesse sentido, fica claro que os requisitos do auxílio-acidente já se diferenciam do

auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, no que tange à origem da lesão, pois, no

primeiro caso, ele prescinde da ocorrência de um acidente de qualquer natureza ou do

desenvolvimento de uma doença ligada ao trabalho do segurado, enquanto no segundo e

terceiro benefícios, eles serão devidos tanto a partir de um acidente, quanto de uma doença de

qualquer natureza.

Como referido, a Lei n° 8.213/91, na redação original do artigo 86, apenas concedia o

benefício auxílio-acidente ao segurado que sofresse acidente de trabalho, mas desde a Lei n°

9.032/95, que alterou o texto do referido dispositivo, o benefício é devido para o segurado que

sofra acidente de qualquer natureza. Isso resulta, atualmente, em duas espécies de auxílio-

acidente: aquele que decorre de acidente laboral e outro que decorre de acidente de qualquer

natureza. Como já dito, é importante se destacar a diferença entre eles, pois guardam

diferentes consequências quanto à Justiça competente para julgar o mérito da matéria, já que,

no primeiro caso, será competente para julgamento do benefício a Justiça Estadual, e no

segundo caso, a Justiça Federal será a competente, mas também produzem efeitos no direito

do trabalho, pois, no primeiro caso, ele dá direito ao segurado à estabilidade no emprego de

12 (doze) meses – consoante artigo 118 da Lei n° 8.213/91 – em caso de alta e ao depósito no

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, durante a suspensão do contrato de trabalho,

enquanto, no segundo caso, não há direito à estabilidade no emprego e tampouco ao depósito

fundiário.

Ainda, ensina Miguel Horvath Júnior que o reconhecimento do auxílio-acidente para

acidente de qualquer natureza só foi regulamentado no Decreto n° 3.048/99, a partir do

72

Decreto n° 6.722/2008, que alterou as disposições do artigo 104 do primeiro Decreto, quando,

enfim, passou a ser reconhecido pelo INSS na via Administrativa:

O reconhecimento do auxílio-acidente de qualquer natureza foi formalizado com a

publicação do Decreto n° 6.722/2008. A partir de 31 de dezembro de 2008 cabe a

concessão de auxílio-acidente oriundo de acidente de qualquer natureza ocorrido

durante o período de manutenção da qualidade de segurado, desde que atendidas as

condições inerentes à espécie.63

Assim, vê-se que, hoje, é requisito para a concessão do auxílio-acidente, que a lesão

que reduz a capacidade laboral do segurado advenha de um acidente de qualquer natureza ou

de uma doença ocupacional, sendo este um requisito mais amplo e benéfico para o segurado,

do que dispunha o texto original da Lei n° 8.213/91.

Porém, em sua origem, o benefício era devido em casos de acidentes de trabalho ou

eventos equiparados, como uma proteção especial prestada ao trabalhador subordinado que se

submetia a risco pelo qual o empregador deveria arcar com o pagamento de um seguro.

No entanto, o benefício teve sua natureza mudada e passou a ser devido, também,

quando a redução da capacidade laboral decorresse de acidente de qualquer natureza, mas de

forma injustificada, o mesmo não ocorreu com a doença, que, ainda, precisa ter uma origem

determinada, sob pena de exclusão da proteção social prestada pelo INSS. Isso é um equívoco

da lei que deve ser declarado inconstitucional.

Inobstante o segurado que trabalha esteja exposto a maiores riscos provenientes de seu

labor e, conquanto construtor social importante mereça proteção diferida, fere o princípio da

equidade (daí a referida inconstitucionalidade) a lei distinguir riscos semelhantes e

equivalentes em razão de sua origem, posto que este não é um fator de discrímen satisfatório e

justo.

Essa violação ao princípio da equidade causa situações esdrúxulas como a de um

segurado que perde os dedos de uma mão em razão de uma doença infecciosa como a

hanseníase adquirida no local de trabalho, enquanto outro segurado da previdência social

sofre a mesma perda anatômica-funcional, mas, em decorrência de igual doença (hanseníase)

adquirida no seio familiar. No primeiro caso, o segurado fará jus ao auxílio-acidente,

enquanto, por disposição legal que viola o princípio da equidade, no segundo caso, o segurado

não terá direito ao mesmo benefício.

Também ocorre de o segurado sofrer com uma doença lombar degenerativa que afete

sua capacidade laboral, enquanto outro sofre a mesma doença, com o mesmo efeito, mas, em

63

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 393-394.

73

razão de um acidente antecedente como uma queda doméstica. No primeiro caso, o segurado

estará desprotegido, enquanto no segundo, por se originar de um acidente doméstico, ele

estará protegido. Essas situações, claramente, revelam tratamentos desiguais para pessoas em

situações equivalentes.

A situação hipotética descrita demonstra que o fator de discrímen da lei leva ao

tratamento desigual e injustificado entre segurados em situações equivalente, pelo que, resta

violado o princípio da equidade, devendo ser reconhecida a inconstitucionalidade desta

diferenciação quanto à origem da doença.

Porém, os tribunais pátrios continuam a exigir que a doença tenha nexo causal com o

trabalho para gerar direito ao benefício, assumindo, por esta via, a constitucionalidade desta

discriminação. Neste sentido, convém destacar trecho de voto condutor do Acórdão proferido

em razão do julgamento da Apelação n° 0008512-90.2012.8.26.0053:

No entanto, ainda que admitida a redução parcial e permanente da aptidão

profissional do obreiro, também é necessária a comprovação do nexo etiológico, o

qual não restou configurado.

[...]

Assim, ausente um ou mais requisitos que autorizam o amparo acidentário, de rigor

negar-se provimento ao recurso, mantendo-se a improcedência tal como sentenciada,

anotando que o obreiro não arcará com os ônus da sucumbência, por força do artigo

129, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.64

Importante assinalar que, além desta ser a corrente majoritária na jurisprudência,

também é a posição majoritária na doutrina que tem identificado na origem da lesão

incapacitadora requisito para a concessão do auxílio-acidente, o que não é a conclusão deste

estudo.

3.2.1.4.1 – Acidente

Neste momento, será estudado o acidente, enquanto causador de redução da

capacidade laboral do segurado e as circunstâncias em que ele implica na concessão do direito

ao auxílio-acidente, esmiuçando este requisito do critério material.

64

Brasil. Tribunal de Justiça de São Paulo. Acórdão em Recurso de Apelação. Processo n° 0008512-

90.2012.8.26.0053. Relator DESEMBARGADOR LUIZ FELIPE NOGUEIRA. D.O.J. DATA: 20/10/2016.

Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/pastadigital/abrirDocumentoEdt.do?origemDocumento=M&nuProcesso=

0008512-90.2012.8.26.0053&cdProcesso=RI003JTJQ0000&cdForo=990&tpOrigem=2&flOrigem=S&nmAlias

=SG5SP&cdServico=190201&ticket=Q%2Fwv8z8nNWDklQI3BUm%2BKTbDmGLf%2FMwTyeWqRiDkbRi

Cy4IUZbNOKN4F0xYudKlvLV2edWND1WSuEbqUPTWfYX01dlp92%2BGHI0iHgKWVoS2vkQg%2Fd2Uz

p%2BGny%2BKR%2BYOwTWXptQignWFJch18b0slhR3sTYrLWErI35jkaAsv4Rcc01jKeBYBD2dxLKdlc5m

2Cb%2B42A6a1HDIeIpGc0XWrAVi8bD26qmTb%2FNFOn%2B%2BaK4%3D>. Acesso em: 23 out. 2016.

74

O benefício será analisado a partir da sua definição, passando por seus tipos, sempre

ligando este fenômeno à pré-condição para a concessão do auxílio-acidente, mostrando como

a redação original do artigo 86 da Lei n° 8.213/91 foi alterada pelas Leis n° 9.032/95,

9.129/95 e 9.528/97, de forma a estender a proteção do auxílio-acidente de incapacidade

parcial para o trabalho decorrente de acidente do trabalho ao acidente do trabalho de qualquer

natureza.

3.2.1.4.1.1 – Definição

Inicialmente, convém destacar que o acidente é um acontecimento inesperado e

geralmente indesejado que causa danos, sejam de ordem pessoal, material ou financeiro, entre

outros, guardando nexo do dano com o evento.

A expressão acidente é gênero do qual advém diversas espécies de classificação, como

o acidente de trabalho, o acidente de trânsito, o acidente marítimo, ferroviário, enfim,

inúmeros outros. Para os fins deste estudo, duas classes de classificação de acidentes serão

consideradas, cuja distinção conceitual ainda é importante, a despeito de ambas darem direito

ao benefício auxílio-acidente hoje. São os acidentes de trabalho e os acidentes de qualquer

natureza. Tal distinção tinha um papel preponderante antes, pois só fazia jus ao presente

benefício quem sofria acidente que guarda nexo com o trabalho, enquanto os demais não eram

cobertos, ao passo que, hoje, os acidentes de qualquer natureza dão ensejo à concessão deste

benefício.

Hermes Arrais Alencar, corroborando a definição proposta acima, ensina que acidente

de qualquer natureza é definido pelo Decreto n° 3.048/99 como um evento traumático que

causa lesão corporal ou funcional que reduz a incapacidade laboral:

O conceito de acidente de qualquer natureza foi dado pelo Decreto n° 2.172, de 05

de maio de 1997, art. 27, parágrafo único, e repetido pelo Decreto n° 3.048, de 6 de

maio de 1999, que define, no art. 30, parágrafo único, como aquele de origem

traumática e por exposição a agentes exógenos (físicos, químicos e biológico), que

acarrete lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a

redução permanente ou temporária da capacidade laborativa.65

Dessa forma, o acidente difere-se dos eventos equiparados, pois o primeiro decorre de

um evento traumático do qual resulta lesão à pessoa, enquanto a doença (que também será

abordada neste estudo) é o conjunto de sintomas que pode resultar de um ou mais eventos

65

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4. ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito,

2009, p. 394.

75

determináveis que guardem relação entre si e impliquem na perda da homeostase do

organismo vivo.

3.2.1.4.1.2 – Acidente de Trabalho

Visto o que é o acidente, cumpre expor o que vem a ser o acidente de trabalho. Desta

forma, o acidente é o evento inesperado que causa dano na capacidade laboral da pessoa

ocorrido durante o trabalho ou a serviço da empresa ou empregado. Assim, Sérgio Pinto

Martins conceitua o acidente de trabalho:

O art. 19 da Lei n. 8.213/91 conceitua acidente de trabalho como “o que ocorre pelo

exercício do trabalho a serviço da empresa ou de empregador doméstico ou pelo

exercício do trabalho dos segurados ‘especiais’, provocando lesão corporal ou

perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou

temporária, da capacidade para o trabalho”.

Seria melhor conceituar o acidente do trabalho como a contingência que ocorre pelo

exercício de trabalho a serviço do empregador, do empregador doméstico ou pelo

exercício de trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou

perturbação funcional que cause a morte ou perda ou redução, permanente ou

temporária da capacidade para o trabalho. Nesse conceito, há que se destacar o

gênero próximo, que é a contingência, e a diferença específica, que diz respeito ao

restante da definição.66

O acidente de trabalho se diferencia das doenças ocupacionais, conquanto o primeiro

tenha uma causa certa e definida, bem identificável, e associada a um evento certo, enquanto

nas doenças ocupacionais, uma série de eventos relacionados ao trabalho produz

consequências morfopsicofisiológicas identificáveis com uma série de sintomas que definem

uma síndrome ou doença. Inobstante ambos tenham uma causa externa decorrente do trabalho

e sejam imprevisíveis.

Até a Lei n° 9.032/95, o auxílio-acidente era devido apenas para o segurado que

sofresse acidente de trabalho e doenças ocupacionais equivalentes, não se estendendo para

casos de acidentes não correlacionados ao trabalho. Dizia o artigo 86 na redação original da

Lei n° 8.213/91 que “o auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a

consolidação das lesões decorrentes do acidente do trabalho [...]”.

O legislador, empurrado por uma demanda social que estava encontrando vazão na

rígida restrição do auxílio-acidente no Poder Judiciário, acabou por estender a proteção ao

trabalhador e garantir o benefício auxílio-acidente para acidentes de qualquer natureza,

66

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 583.

76

acabando com dúvidas acerca de casos limítrofes entre o que era acidente de trabalho e o que

não era, e o risco do segurado não encontrar a proteção social adequada.

Ocorre que, esta alteração, que parece simples, altera a natureza do benefício, na visão

deste estudo, pois o benefício deixa de ser devido em razão de acidentes de trabalho e eventos

equiparados, podendo ser devido em razão de acidentes de qualquer natureza também.

Destaca-se este ponto, pois esta é uma das razões pelas quais não há sentido constitucional em

se negar a proteção deste benefício às pessoas portadoras de doenças de qualquer natureza,

havendo uma restrição legal que desiguala pessoas em situações equivalentes.

A distinção entre acidente de qualquer natureza e o acidente de trabalho, ainda, é

importante, não apenas porque resultam na concessão de benefícios de espécie diferentes no

INSS, mas, sobretudo, porque o acidente de trabalho gera efeitos que os acidentes de qualquer

natureza não geram. Por exemplo, o segurado afastado do trabalho, em virtude de um acidente

de trabalho, faz jus ao depósito do FGTS durante a suspensão do seu contrato de trabalho.

Outro efeito importante do reconhecimento do acidente de trabalho é a garantia de

emprego do acidentado por 12 (doze) meses, na forma do artigo 118 da Lei n° 8.213/91.

Importa destacar que o acidente de trabalho é o risco que se buscou proteger o

trabalhador desde a origem do benefício, ainda, quando o Código Comercial, de 1850,

obrigou que as empresas de transporte marítimos mantivessem o salário do seu trabalhador

em caso de acidente por 3 (três) meses, e o indenizasse se sofresse algum dano e, depois,

quando se determinou que o empregador contratasse um seguro de acidente de trabalho para

seu empregado, bem como, mais adiante, quando este seguro passou a ser administrado pela

Previdência.

Não será tratado sobre as doenças ocupacionais, neste ponto, ainda que, também,

desde os primórdios do auxílio-acidente elas sejam equiparadas por disposição legal ao

acidente de trabalho, pois são fenômenos distintos, mesmo com efeitos similares.

3.2.1.4.1.3 – Concausalidade

A concausa é o conjunto de fatores que contribuem para um efeito danoso

infortunístico e coincidentes entre si e, também, gera direito ao auxílio-acidente, na forma

acidentária.

Ela será considerada acidente de trabalho quando corroborar com um acidente de

trabalho, ensejando ambos na produção de um dano para o segurado. Isto é o que informa o

artigo 21, I, da Lei n° 8.213/91:

77

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja

contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua

capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua

recuperação;

Pode-se ligar a concausa ao acidente de trabalho de 3 (três) formas: quando a concausa

é anterior ao acidente de trabalho. Por exemplo: o segurado tem hipertensão e, em razão de

fazer um grande esforço físico no trabalho, sofre um AVC (Acidente Vascular Cerebral);

quando a concausa é concomitante à causa do trabalho. Exemplificando: o segurado sofre um

acidente de trabalho leve, um corte na mão, e quando vai procurar atendimento, é atropelado

no caminho do hospital; e, por fim, a concausa pode ser posterior ao evento ligado ao

trabalho, quando o segurado já tenha uma lesão decorrente do trabalho e que é agravada por

um evento desconexo ao trabalho. Em todas essas formas, a concausa será equiparada ao

acidente de trabalho.

Deste modo, os exemplos dados demonstram que a concausa pode ser entendida como

uma circunstância independente do acidente, que se soma a ela para produzir o resultado final.

Ainda, ela pode ser entendida como a predisposição individual do trabalhador que

venha a constituir um fator de causa que resulte em uma lesão quando associada a um fator do

trabalho, sendo a integração destes fatores denominada de concausas ou causas concorrentes,

sendo que, sem a junção das duas, não seria possível a produção da lesão.

A concausa descrita é aquela que se equipara ao acidente de trabalho, mas o conjunto

de causas concorrentes podem não guardar relação com o trabalho, quando não serão

equiparadas ao acidente de trabalho, porém, ainda assim, o segurado poderá estar protegido

pelo auxílio-acidente, quando uma das causas correlatadas derivar de um acidente de qualquer

natureza.

Neste caso, óbvio, desde a publicação da Lei n° 9.032/95, o segurado está protegido

em razão do acidente de qualquer natureza que lhe reduza a capacidade laboral.

Logo, a importância da concausalidade, é muito maior do que apenas saber se

determinado evento pode ser considerado ou não acidente de trabalho, pois pode significar a

concessão ou não do auxílio-acidente para o segurado que já tinha uma predisposição (aqui

dito: uma doença não ocupacional), quando esta causa concorrer com um acidente de

qualquer natureza ou uma doença ocupacional, produzindo uma lesão parcialmente

incapacitante para que o segurado faça jus ao auxílio-acidente, ou mesmo, que se aplique ou

não a carência exigida por outros benefícios.

78

3.2.1.4.1.4 – Ato de Terceiros

Os atos de terceiros relevantes para o auxílio-acidente são aqueles que causam lesão

que reduza a capacidade laboral do trabalhador, ainda que, não guarde relação alguma com o

trabalho.

Porém, o ato praticado por terceiro será equiparado ao acidente de trabalho pelo artigo

21, II, alíneas “a” a “d”, da Lei n° 8.213/91, gerando os mesmos efeitos como a garantia do

emprego, direito ao depósito do FGTS, durante a suspensão do contrato de trabalho, e a

responsabilização civil do empregador caso este tenha corroborado o acidente por culpa ou

dolo.

Serão considerados equiparados ao acidente de trabalho os atos de terceiros aqueles

acidentes ocorridos no local de trabalho e durante o trabalho que decorram de (i) ato de

agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; (ii) de

ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

(iii) de ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de

trabalho; (iv) de ato de pessoa privada do uso da razão.

Pela expressão “acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho”,

poderia se ter uma ideia restritiva, mas esta expressão deve ser interpretada de forma

extensiva, sendo o local e horário de trabalho aqueles em que o trabalhador esteja executando

suas atividades laborais, assim considerados, exemplificativamente, o local para o qual o

trabalhador tenha se deslocado para fazer um trabalho, como a residência de um cliente, a

sede de um tomador de serviços ou de um fornecedor, entre outros, óbvio, desde que, a

trabalho e não a lazer.

3.2.1.4.1.5 – Caso Fortuito ou Força Maior

Por seu turno, o mesmo artigo 21, inciso, II, agora na alínea “e” da Lei n° 8.213/91

equipara a acidente de trabalho o caso fortuito ou de força maior.

Novamente destaque-se que, independentemente, de o caso fortuito ou de força maior

gerar acidente que reduza a capacidade laboral do segurado, o trabalhador fará jus ao

benefício auxílio-acidente, cumprindo especificar e definir a equiparação do evento ao

acidente de trabalho para outros fins já especificados (garantia de emprego, depósito de

FGTS, possibilidade de responsabilidade civil do empregador etc.).

79

O supracitado equipara ao acidente de trabalho o desabamento, inundação, incêndio e

outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior que aconteçam no local e horário de

trabalho e que causem um dano ao trabalhador (é relevante para o auxílio-acidente a lesão que

reduza parcialmente a capacidade laboral do segurado).

Para fins didáticos, costuma-se distinguir o caso fortuito de força maior, mas seus

efeitos práticos são os mesmos, posto que sua distinção não é relevante para a prática jurídica

e tampouco para a ciência jurídica, sendo que ambos são fatos jurídicos (fatos que produzem

consequências e repercussões jurídicas) extraordinários, que independem da vontade humana,

diferenciando-se quanto à origem, sendo o caso fortuito considerado o acontecimento natural,

cujas consequências o homem não pode evitar ou deter, como um ciclone, um terremoto, um

raio ou uma erupção vulcânica, por outro lado, a força maior é o acontecimento que decorre

de fato de outrem, o qual a pessoa não pode evitar pelas próprias forças como uma guerra,

greve, desapropriação, ou seja, atos e ações humanas que se tornam obstáculos para outro,

impedindo-o de agir.

3.2.1.4.1.6 – Acidente “in itinere”

O acidente in itinere, também denominado acidente de trajeto, é definido como aquele

que ocorre fora do local de trabalho, no caminho do trabalhador da sua casa para o trabalho ou

vice-versa, quando dentro de um trajeto regular e sem desvios, sendo considerado acidente do

trabalho, inobstante não guarde relação direta com as atividades profissionais. Esta é a lição

de Luciana Moraes de Farias:

Acidente de trajeto ou in itinere é o acidente que ocorre no percurso da residência do

empregado para o seu local de trabalho e em seu retorno. É equiparado ao acidente

do trabalho, embora não tenha ligação direta com o exercício da atividade

laborativa.

Para que o acidente sofrido pelo segurado seja considerado de trajeto, é necessária a

verificação do percurso realizado e se na rota do empregado entre a empresa e sua

residência e vice-versa ocorreram paradas que quebrem a relação de causalidade

com a ida e retorno ao trabalho.67

É preciso destacar que nem sempre o local onde o empregado exerce suas atividades

laborais é a sede da empresa, sendo bem comum trabalhadores que ativam externamente,

realizando vendas de porta em porta, entregas, ou qualquer outra situação equivalente. Nesta

67

FARIAS, Luciana Moraes de. Auxílio-Acidente. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, São Paulo, 2010, p. 95/98.

80

situação, ainda que ocorra um acidente fora do local de trabalho, se o empregado estiver a

serviço da empresa estará caracterizado o acidente de trabalho típico e não o acidente de

trajeto.

Para a perfeita configuração do acidente de percurso, é necessário que o trajeto do

empregado da casa para o trabalho, ou vice-versa, não sofra qualquer alteração que altere a

índole do percurso comum do segurado na ida ou volta ao trabalho, não existindo interrupção

do caminho em caso de simples desvio por causa de uma chuva ou de trânsito intenso. Assim

como não é considerado acidente in itinere o acidente de trânsito ocorrido no percurso para a

contratação, por não haver, até aquele momento, uma prestação real de trabalho até o

momento e nem efetiva relação de emprego. Ainda, não se pode considerar acidente de trajeto

e sim acidente de trabalho aquele que ocorre no intervalo de descanso do trabalhador ou em

suas pausas durante o trabalho.

O acidente in itinere, apesar de conceitualmente ainda ser importante ser distinguido

do acidente de trabalho ou das formas de acidentes comuns, não tem um efeito previdenciário

diferente dos acidentes de outras naturezas, mas tem implicações no direito do trabalho e

cível, conquanto possam gerar direito a indenizações pelo empregador ou ao depósito de

Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, no período de suspensão do contrato de trabalho e

estabilidade no emprego.

O acidente de trajeto pode ser configurado quando não ocorre normalmente o trajeto

do segurado do trabalho para a sua residência, mas para outro destino, cujo trajeto é comum,

como quando o segurado frequenta algum curso ou quando seu destino comum não seja

exatamente a sua residência.

Até a Lei n° 8.213/91, este, contudo, trazia maiores diferenças, mesmo em termos de

direito previdenciário, que traziam preocupações para o segurado, conquanto o acidente in

itinere e o acidente de trabalho típico davam direito à proteção social, mas outras formas de

acidente não relacionadas ao trabalho não davam direito ao seguro social, como expressava

Nair Lemos Gonçalves, em 1960:

O problema do acidente in itinere será afastado inteiramente da preocupação do

jurista, se o Direito Positivo adotar o princípio da responsabilidade social, levado ao

seu conceito mais amplo, segundo o qual não caberá mais investigar a causa morte,

da invalidez ou da diminuição da capacidade de trabalho, mas atender às

necessidades que tais fatos acarretam para a vítima ou seus beneficiários, por meio

de um sistema de seguro social em que desapareça a reparação dos infortúnios do

trabalho como regime especial porque realizada através do seguro-morte ou do

seguro-doença.68

68

GONÇALVES, Nair Lemos. Acidente in Itinere. São Paulo: RT, 1960, p. 13.

81

Felizmente, a atual norma superou essa questão e adotou o princípio da

responsabilidade social plena, onde não é mais necessário o estudo das causas do acidente que

levou à incapacitação laboral para fins de auxílio-acidente.

Por fim, o artigo 21, IV, alínea “c”, da Lei n° 8.213/91, considera acidente de trabalho

aquele ocorrido durante viagem a serviço da empresa, ou mesmo para estudo, quando

financiado pelo empregador para melhorar a capacitação da mão de obra, independentemente

do meio de transporte adotado.

Em setembro de 2016, um ator da Rede Globo, Domingos Montangner, morreu

afogado durante uma viagem a trabalho para filmagens de uma novela e, ainda que, em hora

de lazer, o texto legal permite concluir que aquele foi um acidente de trabalho para fins

previdenciários, inobstante, não se possa falar em responsabilização do empregador, posto

que, ocorrido em um momento de lazer e não durante o trabalho.

3.2.1.4.1.7 – Acidente de Qualquer Natureza

Por fim, hoje, mais importante que qualquer espécie de acidente, para fins do auxílio-

acidente, o principal é que o evento que cause a redução da capacidade laboral do segurado é

que ele decorra de um acidente qualquer (gênero que abrange o acidente de trabalho, o

acidente de lazer, o acidente rodoviário, enfim, todos os tipos de acidente), caso em que o

trabalhador fará jus ao benefício.

Desde a Lei n° 9.032/95, que alterou o artigo 86 da Lei n° 8.213/91, o auxílio-acidente

é destinado à cobertura de acidentes de qualquer natureza que impliquem em redução da

capacidade laboral do trabalhador, sendo que o texto original do referido artigo destinava este

benefício àquele que sofresse acidente de trabalho.

Ensina Daniel Pulino, contudo, que a alteração da Lei n° 9.032/95, que acabou com a

distinção da proteção previdenciária, em caso de acidente de trabalho, com a lesão ou acidente

comum, nasceu inconstitucional, contrariando o artigo 201, I, da Constituição Federal e, assim

permanece, mesmo depois da Emenda n° 20/1998, embora, atualmente, os efeitos dos dois

eventos sejam os mesmos, não é correto afirmar que o Direito Previdenciário seja indiferente

à origem da lesão incapacitante, merecendo especial atenção aquela decorrente de acidente de

trabalho. Eis o que diz o referido autor:

82

No plano infraconstitucional, desde o advento da Lei n° 9.032, de 28 de abril de

1995, que praticamente eliminou a diferença entre o risco comum e o risco

acidentário para fins de proteção previdenciária, tornou-se irrelevante, quanto ao

tipo e quantidade de prestação, que a lesão ou doença que ocasiona a invalidez seja

ou não acidentária.

Ressalta-se, contudo, que tal lei ingressou invalidamente em nossa ordem jurídica,

pois claramente se chocava com a Constituição – muito embora tenha sido aceita

pacificamente, de um modo geral, pela comunidade jurídica.

É que a Constituição Expressamente exigida, na redação do art. 201, I, da Lei Maior

anterior à Emenda n. 20/98, a cobertura diferenciada dos eventos morte, invalidez e

doença decorrente de acidente do trabalho. Aliás, mesmo a redação atual, imposta

pela emenda constitucional acima referida, mantém tal diferenciação ao prever a

cobertura específica do risco acidentário no art. 201, §10 da Constituição.

Portanto, embora no plano da legislação ordinária de previdência social vigente, a

invalidez dê ensejo a uma mesma proteção (já que desde a Lei n. 99.032/95 são

idênticos os critérios quantitativos da aposentadoria por invalidez comum e

acidentária) não é correto afirmar, a rigor, que o direito previdenciário brasileiro é

indiferente à origem da invalidez, de forma que temos de concluir que devem ser

diferentes as consequências, para o beneficiário, quando a invalidez decorrer de

acidente do trabalho ou de lesão ou doenças comuns.69

Hoje, a diferença na origem do acidente não importa em diferença de proteção quanto

ao benefício auxílio-acidente, inobstante, guarde relevância para direitos como a garantia de

emprego, e o depósito do FGTS durante a suspensão do contrato de trabalho, mas como se

verá adiante, esta diferença, ainda, importa em relação à origem da doença, conquanto, as

doenças ocupacionais (equiparadas ao acidente de trabalho por força de lei) mereçam

proteção do auxílio-acidente e as demais não.

3.2.1.4.2 – Doença

Passa-se, agora, ao estudo da doença, enquanto causador de redução da capacidade

laboral do segurado e as circunstâncias em que ela pode implicar na concessão do benefício

auxílio-acidente.

A doença será estudada sobre as situações em que ela dá ensejo ao benefício e quando

não dará direito ao auxílio-acidente, partindo da definição de doença, passando por seus tipos

relevantes ao benefício, sem deixar de tecer breves comentários sobre aquelas que estão

excluídas desta proteção previdenciária, sempre à luz do artigo 20 da Lei n° 8.213/91, que

equipara as doenças ocupacionais aos acidentes de trabalho e, por uma interpretação

sistêmica, estende o auxílio-acidente para estes casos e acerca do princípio da equidade e a

discussão da constitucionalidade da exclusão da proteção do benefício em estudo, quando a

incapacidade parcial resultar de doença não relacionada ao trabalho.

69

PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p. 144-

145.

83

3.2.1.4.2.1 – Definição

Doença é uma palavra derivada do latim (dolentia) que significa padecimento, que na

área das ciências médicas, é referida como um distúrbio das funções de um órgão ou da

psique ou do organismo de uma pessoa, associado a um conjunto de sintomas e sinais que

implicam em perda de uma capacidade do ser. Ela pode eclodir por fatores externos, ou por

disfunções internas.

A doença leva à perda da homeostasia (equilíbrio dinâmico do ser vivo com o

ambiente e manutenção do funcionamento pleno e adequado das funções do organismo) de

um organismo vivo. O dano patológico pode ser estrutural ou funcional, sendo identificado

pelo profissional de saúde, que examina a pessoa em busca de sinais e sintomas relativos à

definição de uma determinada patologia.

No conceito médico, o termo “doença” está inserido em um indivíduo isoladamente e

é tratado como um fenômeno individual com causas biológicas, sendo tratada com

medicamentos ou procedimentos médicos afins.

Hoje, mesmo na área de saúde, a doença é concebida sob um aspecto biopsicossocial,

conquanto tenha fatores biológicos (alteração no funcionamento do organismo); fatores

psicológicos (relacionados a uma alteração da psique do indivíduo, causando alteração na sua

relação social) e; fatores socioculturais (influência causada na expectativa que a sociedade

deposita no indivíduo).

Porém, para este estudo, o que importa para a Seguridade Social é a doença encarada e

definida como um risco social e difere-se do acidente.

Risco é um termo próprio do mundo dos seguros, sendo um evento incerto e

indeterminado que produz reflexos em toda a sociedade; social advém da qualidade que lhe

confere a Previdência Social ao elegê-lo um risco a ser coberto.

A doença sempre foi encarada como uma preocupação de todas as sociedades, sendo

que a saúde individual é sempre um dos objetivos de qualquer sociedade, talvez, por isso, a

área da saúde seja a mais ampla dentre aquelas que compõem a Seguridade Social.

Além disso, a doença é uma preocupação no ordenamento jurídico brasileiro que o

acompanha desde seus primórdios, havendo menção à institucionalização de meios de

proteção à saúde desde a Constituição de 1822.

Ainda, a classe das chamadas doenças ocupacionais encontra proteção no auxílio-

acidente e elas são equiparadas ao acidente de trabalho desde os primórdios deste benefício,

84

em razão de se estabelecer um nexo técnico epidemiológico entre a morbidade e o trabalho,

como bem disposto já no Decreto n° 3.724/19.

Por fim, a doença, como objeto de estudo, aqui é relevante quando causa uma redução

da capacidade laboral e que advenha de causa relacionada ao trabalho, pelo que ela gera,

preenchidos determinados requisitos, direito a um benefício para os segurados, não sendo

importante a doença que não atinge a capacidade laboral do beneficiário (Ex.: um resfriado,

uma dor de cabeça etc.), pois ela não produz efeitos no mundo jurídico, ainda que atormente a

pessoa e seus familiares. Esse destaque é porque a norma jurídica atinente ao auxílio-acidente

ainda não estende este benefício à lesão parcialmente incapacitante que resulta de doença de

outra natureza que não a ocupacional. Isto traz situações injustas que demonstram o

desrespeito ao princípio da equidade ao se optar por proteger o segurado quanto aos acidentes

de qualquer natureza, mas não em relação às doenças de qualquer natureza.

3.2.1.4.2.2 – Doença Profissional

Refere o artigo 20, da Lei n° 8.213/91 que, entre outros, são equiparados ao acidente

de trabalho (dando por consequência lógica direito do segurado ao benefício auxílio-acidente)

as chamadas doenças ocupacionais, sobretudo no inciso I, as doenças profissionais, portanto,

importante conceituá-las, conquanto o seu perfeito enquadramento possa ser a diferença para

o segurado ter direito ao auxílio-acidente ou não.

Essa proposição normativa pertence ao núcleo da norma do auxílio-acidente,

revelando requisito legal para a concessão do benefício, qual seja que sua lesão incapacitante

resulte de doença ocupacional.

As doenças ocupacionais são: a Doença Profissional e a Doença do Trabalho, tratando

o presente tópico de estudar a primeira que está assim definida no artigo 20 da Lei n°

8.213/91:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as

seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício

do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação

elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

Como bem define o referido artigo 20, da Lei n° 8.213/91, a doença profissional é

aquela desencadeada ou produzida pelo exercício de um trabalho peculiar relacionado à

determinada atividade da qual decorre diretamente a doença.

85

Ela é também denominada tecnopatia, guardando uma relação de causa e efeito com o

exercício de uma determinada atividade laboral.

Supracitado artigo revela que essa doença obedecerá uma relação de doenças

profissionais, elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, contudo, tal lista

foi elaborada, mas, pelo Ministério da Saúde, através da Portaria n° 1.339/GM, de 18 de

novembro de 1999, que especificou os agentes patogênicos causadores de doenças

profissionais ou do trabalho, a título de exemplo, a referida lista indicou que trabalhadores

expostos a Cloro podem desenvolver doenças como Edema Pulmonar Agudo devido a

produtos químicos, gases, fumaças e vapores, ou Síndrome da Disfunção Reativa das Vias

Aéreas, assim como Rinite Crônica, entre outros.

Já o Decreto n° 3.048/99, em seu anexo III, relaciona situações de sequelas resultantes

de doenças profissionais que garantem direito ao auxílio-acidente, sendo composto de nove

quadros, cada um ligado a uma função morfofisiológica do segurado: o quadro 1 trata do

aparelho visual; o quadro 2, do aparelho auditivo; o quadro 3, do aparelho de fonação; o

quadro 4, do prejuízo estético; o quadro 5, de perdas de segmentos; o quadro 6, das alterações

articulares; o quadro 7, do encurtamento de membro inferior; o quadro 8, da redução da força

e/ou capacidade funcional dos membros e, por fim, o quadro 9 trata de outros aparelhos e

sistemas.

Ainda, no mesmo Decreto supracitado, o seu anexo II conta com uma relação extensa

de doenças que a própria norma presume de forma absoluta como relacionada ao trabalho,

seja na forma de doença profissional quanto do trabalho.

Apesar de extensas, essas listas são meramente exemplificativas e não exaustivas, pois

o desenvolvimento de novas relações no mercado de trabalho é um campo aberto e vasto para

a identificação de, cada vez mais, novas doenças profissionais. Se da doença profissional

resultarem sequelas outras que não relacionadas no decreto acima referido, resultando redução

da capacidade laboral, dará ensejo ao auxílio-acidente e o evento será equiparado ao acidente

de trabalho. Apenas para exemplificar, o trabalho em ambiente de microgravidade na Estação

Espacial Internacional pode levar à atrofia muscular e à osteoporose e não há qualquer

indicativa em norma regulamentar pátria de que essas sejam tecnopatias relacionadas às

atividades de astronautas, mas, o Brasil já teve um homem no espaço e cada vez mais países

desenvolvem tecnologias de exploração espacial por humanos. Há grupos empresariais

interessados, inclusive, em montar uma colônia humana em Marte. Esse exemplo

extravagante é apenas para demonstrar que a realidade do mercado de trabalho muda mais

86

depressa do que as regulamentações nesta área, pelo que as listas que relacionam as doenças

profissionais não podem ser exaustivas.

O entendimento pela não concessão de auxílio-acidente para doenças não listadas na

portaria do Ministério da Saúde e com implicações outras que não aquelas relacionadas no

decreto, ainda que comprovado o nexo causal com o trabalho, viola o princípio da isonomia,

promovendo a discriminação entre os segurados que sofreram acidente do trabalho que

ocasionou sequelas que reduziram as suas capacidades laborais, já que haveria tratamento

diferente para segurados em situação equivalente.

Em outras palavras, na doença profissional, pode-se dizer que o dano verificado

decorre necessariamente do exercício de um determinado ofício e se liga diretamente a uma

ocorrência do trabalho determinável, em função do contato com agentes nocivos exógenos, ou

seja, o nexo entre o evento e o trabalho existe de forma clara.

Nas tecnopatias, o nexo dela com o trabalho é presumido, de forma absoluta, para as

doenças já relacionadas na lista do Ministério da Saúde e identificadas como relacionadas ao

trabalho, inadmitindo prova em contrário. Neste caso, ao segurado compete apenas fazer

prova da doença, conquanto para as tecnopatias não listadas ele deva provar o nexo da doença

com o trabalho.

O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) é aplicado e reconhecido

pelo INSS quando houver significativa demonstração estatística da associação entre o código

da doença perante a Classificação Internacional de Doenças (CID) e a atividade da empresa

definida no código da Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE.

Por este método, o INSS verifica se as doenças infecciosas ou de outra natureza

atingem com maior frequência as pessoas que exercem determinada atividade, relacionando-a

ao trabalho, hipótese em que, a autarquia previdenciária reconhecerá a equiparação da doença

ao acidente de trabalho, consoante disposição do §2°, da Lei n° 8.213/91 e poderá conceder

auxílio-acidente ao segurado que sofre sequela parcialmente e permanentemente redutora da

capacidade laboral do segurado.

3.2.1.4.2.3 – Doença do Trabalho

No inciso II, do artigo 20, da Lei n° 8.213/91, está descrita a chamada doença do

trabalho, que é aquela “adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que

o trabalho é realizado e com ele se relaciona diretamente”:

87

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as

seguintes entidades mórbidas: [...]

II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de

condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione

diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

[...]

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação

prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o

trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve

considerá-la acidente do trabalho.

A diferença da doença do trabalho para a doença profissional é que, em princípio, a

atividade laboral desenvolvida não é nociva, mas as condições agressivas de seu meio

ambiente acabam causando uma doença no segurado, que afeta a sua capacidade para o

trabalho, sendo necessário verificar a existência de nexo entre a lesão verificada e o labor

desenvolvido pelo segurado, para provar que a incapacidade daí decorrente não tem origem

fora do trabalho, posto que o supracitado artigo é claro ao estabelecer que não serão

consideradas doenças do trabalho as doenças degenerativas; as inerentes a grupo etário; as que

não produzam incapacidade laborativa; e as doenças endêmicas de uma determinada região

habitada pelo segurado, salvo comprovação de que ela é resultante de exposição ou contato

direto determinado pela natureza do trabalho.

A doença do trabalho não depende de uma qualificação específica do obreiro, mas é

resultante das condições em que se desenvolvem suas atividades, como a perda auditiva,

provocada por exposição a ruído excessivo no ambiente de trabalho, ou a leptospirose, para

quem lida com excrementos animais no local de trabalho. Neste ponto, importa destacar que

mesmo que o trabalhador adquira uma doença endêmica como é a leptospirose, por morar em

regiões onde enchentes são comuns, comprovado que o risco de contrair a referida doença era

maior no seu trabalho e que a sua causa mais provável foi a exposição ou contato direto com o

vírus transmissor no trabalho, restará configurada a doença do trabalho, restando destacada

esta situação, pois ela é exemplificativa e explicativa acerca do limite entre a doença do

trabalho, equiparada a acidente e a doença comum.

Por força de disposição do §2°, do artigo 20, da Lei n° 8.213/91, o INSS, também,

pode reconhecer e aplicar o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) de uma

determinada doença não enquadrada nos anexos II e III do Decreto n° 3.048/91 com o

trabalho, quando houver significativa demonstração estatística da associação entre o código

da doença perante a Classificação Internacional de Doenças (CID) e a atividade da empresa,

definida no código da Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE.

Reconhecendo que determinada doença é advinda do trabalho, o segurado fará jus ao

88

benefício auxílio-acidente, caso ela resulte em sequelas que reduza sua capacidade laboral, ou

a outros benefícios, na forma acidentária.

3.2.1.4.2.4 – Doenças Excluídas da Proteção

O auxílio-acidente, como visto, por expressa disposição legal, é devido ao segurado

que sofra doença que cause lesão que lhe reduza a capacidade laboral, desde que ligada ao

trabalho. Contudo, doenças de outras naturezas não são cobertas e nem equiparadas ao

acidente de trabalho, como define o §1° do artigo 20 da Lei n° 8.213/91;

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as

seguintes entidades mórbidas:

[...]

§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não produza incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se

desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto

determinado pela natureza do trabalho.

Entre as doenças expressamente definidas pela norma acima citada estão as doenças

degenerativas, aquelas inerentes a determinado grupo etário, as que não produzam

incapacidade laborativa e as doenças endêmicas adquiridas pelo segurado habitante de uma

região em que ela se desenvolva, exceto se comprovado que a exposição e o contágio

guardam relação com o trabalho, como já referido em tópico anterior.

A confusão neste ponto é estabelecida em relação às doenças degenerativas, isso

porque, muitas doenças ocupacionais são de cunho degenerativo, como a surdez provocada

por excesso de ruído. Assim, mais importante do que inferir se a doença é degenerativa, é

investigar se ela guarda nexo com o labor, aferido pelo INSS (NTEP), quando não

expressamente vinculada pelos Anexos II e III do Decreto n° 3.048/99.

Ainda, mesmo que a doença degenerativa ou etária produza redução da capacidade

laboral do segurado e tenha caráter não vinculado ao trabalho, é preciso apurar se alguma

concausa relacionada ao trabalho a agrava, pois, como visto anteriormente, as concausas

relacionadas ao trabalho levam à equiparação da doença ao acidente de trabalho e, por

conseguinte, dão direito ao reconhecimento do auxílio-acidente.

Para exemplificar, sabe-se que a artrite é uma doença degenerativa, cuja idade

avançada é um dos maiores fatores de risco, mas que ela pode ser associada ao excesso de

89

peso carregado por uma pessoa, assim, é possível que uma pessoa que tenha trabalhado

carregando peso em excesso, mesmo com a idade avançada, que venha a sofrer com artrite,

que resulte em redução permanente da sua capacidade laboral, possa fazer jus ao auxílio-

acidente, se verificado que foi o excesso de peso carregado no trabalho o fator responsável

pela redução da capacidade laboral, ou que tenha contribuído para tanto. Em razão disso,

mesmo as doenças, aparentemente, não equiparadas ao acidente laboral, por disposição legal

expressa, devem ter suas causas investigadas, se causadoras de redução da capacidade laboral

do segurado para fins do auxílio-acidente.

Contudo, como já referido anteriormente, esta discriminação em razão da origem da

lesão ofende o princípio da igualdade, ainda que, utilize um fator de discrímen vinculado seja

impessoal e ligado a um fato.

Desde que o benefício auxílio-acidente foi estendido para cobrir eventos decorrentes

de acidentes de qualquer natureza, se acentuou o desrespeito ao princípio da igualdade, pois

faltam dois elementos para que se identifique o respeito à isonomia, quais sejam, que o fator

escolhido como critério discriminador guarde relação lógica com a disparidade estabelecida

na lei e que exista fundamento racional que justifique a proteção diferida e que a mesma

guarde relação com a Constituição.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, três são os elementos exigidos para se

averiguar a existência de quebra da isonomia:

[...] tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério

discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é,

fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico

tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente,

impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é,

in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo

constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles.70

Escolher proteger com maior ênfase o acidente em detrimento da doença não tem

qualquer lógica, pois ambos os eventos podem produzir consequências semelhantes aos

segurados, não fazendo sentido se proteger um evento e outro não. Exemplifique-se para

esclarecer: em um primeiro caso, o segurado em uma atividade de lazer, no final de semana,

tem um rojão estourado em sua mão, o que leva à perda de três dedos de uma de suas mãos; é

certo que ele sofrerá uma redução significativa da sua capacidade laboral e, por certo, fará jus

ao auxílio-acidente. Porém, em outra situação hipotética, em razão de uma pneumonia, sofre

70

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3. ed. 24.

Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 21-22.

90

um choque séptico, e esta infecção obriga os médicos a amputarem os mesmos três dedos da

mesma mão do segurado, neste caso, a pessoa não terá direito ao benefício, pois decorreu de

uma doença não ocupacional. Fica claro que não há lógica no fator de discrímen escolhido,

diferenciando pessoas em situações equivalentes, protegendo uma e deixando a outra à

própria sorte.

Além disso, o critério de discrímen escolhido pelo legislador não está afinado com os

valores protegidos na Constituição Federal. É fato que a Carta Magna dá maior proteção aos

trabalhadores em casos de acidentes de trabalho, estabelecendo direito, inclusive à seguro

para proteção destes eventos, além de responsabilizar civilmente empregadores, como define

o artigo 7°, XXVIII, da Constituição, mas ela, em momento algum, dispõe que os acidentes de

qualquer natureza e as doenças de qualquer natureza devam ser tratadas de forma

diferenciada, pelo contrário, o artigo 201, I, da Lei Maior, estabelece que a Previdência Social

deve oferecer proteção em caso de doenças. Ou seja, deixar de proteger segurados doentes,

privilegiando os acidentados não tem fundamento constitucional, pelo que resta violado, de

forma clara, o princípio da igualdade.

Portanto, este trabalho conclui que as doenças cuja natureza não se vinculam ao

trabalho merecem a mesma proteção aos acidentes equivalentes, pelo que, protegida redução

da capacidade laboral, decorrente de acidentes de qualquer natureza, deveria haver

correspondente proteção para as reduções da capacidade laboral decorrentes de doenças de

qualquer natureza, em vista do respeito ao princípio constitucional da isonomia, ainda que,

exista disposição legal expressa em contrário, pois a mesma afronta a Constituição Federal,

respeitadas as opiniões em contrário.

3.2.1.5 – Incapacidade Laboral Parcial e Permanente

O artigo 86 da Lei n° 8.213/91 revela em seu “caput” mais um requisito, embora não

expressamente, para a concessão do auxílio-acidente, qual seja, a incapacidade parcial e

permanente para o trabalho, ou, como tratado na lei, sequelas que impliquem redução na

capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, tratando-se de outro elemento do

critério material.

Apesar de não haver expressa disposição legal que determinasse que para a concessão

do benefício auxílio-acidente, a sequela parcialmente incapacitante para o trabalho fosse

definitiva, nos termos expressos do artigo 86 da Lei n° 8.213/91, havia entendimento de que

seu texto levasse a esta interpretação. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça firmou posição

91

no sentido de que a lesão deve ser permanente, sim, mas não precisa ser irreversível, como

nos ensinam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que o segurado que tenha adquirido lesão

caracterizada como causadora de incapacidade parcial e permanente tem direito a

receber auxílio-acidente, mesmo que essa lesão tenha caráter reversível. O

entendimento dos ministros é de que, “estando devidamente comprovado o nexo de

causalidade entre a redução parcial da capacidade para o trabalho da pessoa e o

exercício de suas funções laborais habituais, não é cabível afastar a concessão do

auxílio-acidente somente pela possibilidade de desaparecimento dos sintomas da

patologia que acomete o segurado, em virtude de tratamento ambulatorial ou

cirúrgico” (AgRg no REsp 798913/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves

Lima, DJE 1.2.2010).71

A redação original do artigo 86 da Lei n° 8.213/91 continha 3 (três) incisos que

explicitavam diferentes graus de redução da capacidade laboral que davam direito ao auxílio-

acidente: a redução da capacidade laborativa que implique em maior esforço ou necessidade

de adaptação para o exercício da mesma atividade, independentemente de reabilitação

profissional; a redução da capacidade laborativa, de tal forma que impeça o desempenho da

atividade que o segurado exercia à época do acidente, porém, não o de outra, de nível e

complexidade equivalente, após reabilitação profissional; e a redução da capacidade

laborativa que impedia o desempenho da atividade que o segurado exercia à época do

acidente, mas não o de outra, de nível e complexidade inferior, após reabilitação profissional.

Como já visto neste estudo, a Lei n° 9.032/95 e as subsequentes (Lei n° 9.129/95 e Lei

n° 8.528/97) acabaram com esta classificação de reduções de capacidade laboral e definiram

que o benefício auxílio-acidente é devido quando as lesões impliquem em sequelas que,

simplesmente, reduzam a capacidade laboral do segurado para a atividade que exercia

habitualmente. A interpretação deste dispositivo levou ao entendimento de que esta sequela

deve ser permanente, entendida, assim, como aquela que se prolonga no tempo, mas não que

seja absolutamente incurável, para tornar claro isto, é bom explicar o que é a incapacidade

parcial e permanente, requisito do auxílio-acidente, hoje.

Contudo, antes de se entender o que é Incapacidade Parcial e Permanente, convém

analisar e compreender, primeiro, o conceito de capacidade laboral, já que elas estão

interligadas, podendo ser definidas como a reunião de condições morfológicas, psicológicas e

fisiológicas para o trabalho, ou seja, aptidão para o labor de uma pessoa, ou na lição da

médica Mara Aparecida Gimenes:

71

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 13. ed. São

Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 685.

92

É a condição física e mental para o exercício de atividade produtiva [...]. O

indivíduo é considerado capaz para exercer uma determinada atividade ou ocupação

quando reúne as condições morfopsicofisiológicas compatíveis com o seu pleno

desempenho. A incapacidade laborativa não implica ausência de doença ou lesão.

Na avaliação da capacidade deve ser considerada a repercussão da doença ou lesão

no desempenho das atividades laborais.72

Mesmo sendo esta uma definição de capacidade laboral feita por uma médica, em um

estudo jurídico, ela tem seu valor na prática previdenciária, sendo fruto do trabalho de uma

profissional que tem, justamente, a função de elaborar laudos periciais acerca da capacidade

laboral de segurados do Instituto Nacional do Seguro Social.

A capacidade laboral é um conceito variável, já que a mesma muda em razão das

exigências morfopsicofisiológicas de cada atividade profissional, pelo que, sua condição deve

ser avaliada em perícia médica, que levará em conta as exigências de cada atividade laboral,

ou no caso dos segurados facultativos, serão avaliadas as condições necessárias para a

realização das atividades habituais.

Importa esclarecer que morfopsicofisiológica é uma expressão derivada da junção de

condições morfológicas (ligada à forma e aparência externa do ser vivo), psicológicas (ligada

à aptidão mental) e fisiológicas (ligada à normalidade das funções mecânicas, físicas e

bioquímicas do organismo do trabalhador).

Atualmente, no Brasil, a idade legal definida para avaliação da capacidade laboral é

dos 16 (dezesseis) aos 65 (sessenta e cinco) anos, assim, são presumidos incapazes as pessoas

aquém ou além da idade referida. Porém, no Regime Geral da Previdência Social, esta

presunção é relativa, sendo que, para pessoas abaixo dos 16 (dezesseis) anos de idade, o

trabalho é permitido para o maior de 14 (catorze) anos, na condição de aprendiz; e para o

maior de 65 (sessenta e cinco) anos, o trabalho é sempre permitido, contudo, é um requisito

autorizativo da concessão de benefícios previdenciários e assistenciais decorrentes do risco

social da idade avançada.

Enfim, a capacidade laboral é entendida como a plena aptidão da pessoa ao trabalho,

sob todos os aspectos supracitados, devendo ser aferida por médico perito, que deve levar em

consideração a necessidade morfopsicofisiológica relativa a uma determinada atividade

laboral a ser desempenhada pelo trabalhador ou para as atividades cotidianas do segurado que

não exerça atividade profissional.

Entendido o que é a capacidade laboral, a definição de incapacidade laboral nasce,

naturalmente, como uma contraparte daquele instituto.

72

GIMENES, Mara Aparecida. Incapacidade Laboral e Benefício por Auxílio-Doença no INSS. Trabalho de

Revisão Theresa Cristina Ferreira da Cunha. São Paulo: LTr, 2014, p. 18.

93

A Incapacidade laboral é compreendida como o estado onde o trabalhador, em razão

de uma doença ou acidente, está impossibilitado de desenvolver uma determinada atividade

laboral, que garanta a sua subsistência. Essa é a definição de Mara Aparecida Gimenes:

A incapacidade laboral define-se em uma situação em que o trabalhador, por doença

ou acidente, encontra-se impossibilitado para o trabalho [...]. A capacidade para o

trabalho de uma pessoa compreende-se na faixa etária de 16 a 65 anos e está

condicionada em diferentes aspectos à saúde.73

Conquanto a incapacidade encontre sua contrapartida na capacidade laboral, também,

deve ser definida como a existência de uma impossibilidade do exercício do labor de natureza

morfológica, psicológica ou fisiológica.

Hermes Arrais Alencar ensina que não é a mera eclosão de uma doença ou acidente

que define a incapacidade laboral, que como dano real, deve ser aferido através de perícia-

médica oficial: “A eclosão de doença, por si só, não caracteriza incapacidade para o trabalho.

Ao segurado compete comprovar à perícia médica do INSS não apenas a patologia sofrida,

mas sim, e principalmente, a repercussão desta no desempenho das atividades laborais”.74

A incapacidade laboral pode ser parcial ou total, temporária ou permanente, gerando

direito a diferentes tipos de benefícios previdenciários ou assistenciais.

Para fins do benefício auxílio-acidente, como já dito acima, diz-se que a incapacidade

que dá direito ao benefício é aquela que seja permanente e parcial.

Parcial, para este fim, é a incapacidade para alguma ou algumas das atividades de uma

determinada profissão, ou que, em não havendo vedação ao exercício de uma atividade

específica, implique em maior esforço que o normal para que o segurado mantenha

produtividade de outro que não tenha lesão semelhante.

Para fins do benefício auxílio-acidente, tão importante quanto aferir se a doença é

totalmente incapacitante ou parcialmente incapacitante, é saber se ela é temporária ou

permanente, isto porque, o auxílio-acidente é voltado à proteção da incapacidade permanente,

sendo permanente a incapacidade insuscetível de recuperação pelo transcurso do tempo com

os tratamentos médicos não invasivos atuais, o que não significa que ela seja absolutamente

incurável, mas que, no presente, não haja um tratamento não invasivo que extirpe a lesão.

Enfim, os atuais contornos do artigo 86, da Lei n° 8.213/91, implicam que é requisito

para a concessão do auxílio-acidente que a lesão do segurado cause uma sequela permanente e 73

GIMENES, Mara Aparecida. Incapacidade Laboral e Benefício por Auxílio-Doença no INSS. Trabalho de

Revisão Theresa Cristina Ferreira da Cunha. São Paulo: LTr, 2014, p. 17. 74

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de

Direito, 2009, p. 372.

94

parcial (assim entendida aquela que reduz a capacidade do segurado para o exercício de

alguma atividade habitual do seu trabalho, ou, que demande maior esforço para que ele realize

a mesma atividade que antes do acidente).

3.2.1.5.1 – Incapacidade para Atividades Cotidianas

De tudo quanto o exposto até agora, acerca da redução da capacidade, ela sempre se

associou à redução da capacidade laboral como requisito para a concessão do auxílio-

acidente.

Sobre a redução parcial da capacidade laboral, viu-se que ela é aquela que leva ao

maior esforço ou à impossibilidade de exercer uma determinada atividade relacionada ao

trabalho.

Mas, o que aconteceria em caso de redução da capacidade do segurado para as

atividades cotidianas, não relacionadas ao trabalho?

Primeiro, é importante destacar que as atividades cotidianas são aquelas praticadas por

uma pessoa de forma comum e costumeiramente, seja a lazer, a trabalho, a estudo, ou seja, ela

é gênero do qual as atividades laborais habituais podem ser espécie.

Por conseguinte, cumpre salientar que a incapacidade que importa para o auxílio-

acidente é aquela relativa às atividades laborais habituais e não para as atividades cotidianas

não relacionadas ao trabalho. Portanto, é possível que uma situação possa causar um dano

permanente para o cotidiano do segurado, mas isso não o tornará imediatamente beneficiário

do auxílio-acidente, ainda que, esta lesão ou sequela resulte de um acidente de qualquer

natureza ou de uma doença ocupacional.

É óbvio que é difícil pensar que uma situação possa causar um problema funcional

para as atividades cotidianas do segurado e que não implique em consequências para o

trabalho, mas os conceitos de atividades laborais habituais e de atividades cotidianas são

diferentes, não necessariamente conectados, sendo imprescindível, para fins do auxílio-

acidente, que a lesão cause sequela que reduza a capacidade do trabalhador para uma ou mais

atividades habituais do seu trabalho. Mas, para exemplificar, pode-se dizer que uma pessoa

que more em um prédio e venha a sofrer fobia a elevador, sendo obrigada a alterar o seu

cotidiano e utilizar a escada, impedida psicologicamente de usar o elevador, não trará

necessariamente qualquer limitação para as suas atividades laborais habituais, salvo se a

pessoa trabalha como operadora de elevador.

95

Portanto, é preciso deixar claro que a incapacidade que importa para o benefício em

estudo é aquela relacionada às suas atividades laborais habituais e não às atividades do seu

cotidiano que não guardem relação com o trabalho.

3.2.1.6 – Desnecessidade de Existência de Benefício Anterior

O artigo 86 da Lei n° 8.213/91, em seu parágrafo 2°, seja pela redação original ou pela

redação posterior da Lei n° 9.528/97, elucida que o auxílio-acidente será devido a partir do

dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença. A saber:

§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do

auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento

auferido pelo acidentado.

§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do

auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento

auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer

aposentadoria. (Redação da Lei nº 9.528, de 1997)

Por muito tempo, a Jurisprudência debateu se este era um requisito ou não para a

concessão do benefício, ou, apenas uma mera regra de sinalização do início do auxílio-

acidente quando concedido depois de um auxílio-doença.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, consoante decisão abaixo, firmou entendimento

de que a prévia concessão do auxílio-doença implica apenas efeito na data de início do

benefício, não constituindo real requisito para a concessão do auxílio-acidente:

ACIDENTÁRIO – AUXÍLIO-ACIDENTE – Perda parcial e permanente da

capacidade laborativa em decorrência acidente-tipo. Amputação da falange do 3º

dedo da mão esquerda. Necessidade de maior esforço para as funções que

desempenha. Redução parcial e permanente da capacidade laborativa reconhecida.

ACIDENTÁRIO – AUXÍLIO ACIDENTE. Termo "a quo" de pagamento do

benefício. Tendo havido prévio deferimento administrativo de auxílio-doença, deve

o benefício ser pago desde a indevida alta médica, nos termos do artigo 86, §2º, da

Lei 8.213/1991. PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO ACIDENTÁRIA –

HONORÁRIOS. Incidência sobre as prestações vencidas até a prolação do acórdão,

no patamar de 15%. Inteligência da Súmula 111 do STJ. Entendimento

jurisprudencial consolidado. PROCESSUAL CIVIL E ACIDENTÁRIO – JUROS E

CORREÇÃO MONETÁRIA. Juros e correção monetária que obedecem ao disposto

no artigo 1º-F, da Lei 9.494/1997, com a redação conferida pela Lei 11.960/2009, ao

menos até que proceda o Supremo Tribunal Federal ao julgamento do RE

870.947/SE, com repercussão geral reconhecida. PROCESSUAL CIVIL –

PRECATÓRIOS – JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. A forma de cálculo do

96

precatório é matéria atinente ao processo de execução, não cabendo sua apreciação

na ação de conhecimento. Recurso provido.75

Neste sentido, também, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a

concessão prévia de auxílio-doença não é requisito apto a obstar a concessão de auxílio-

acidente, quando determinado infortúnio resulta em redução parcial da capacidade laboral do

segurado, como revela a decisão abaixo, constituindo mero termo indicativo da data de início

do benefício, quando precedido por um auxílio-doença:

AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL.

VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INEXISTÊNCIA. AUXÍLIO-

ACIDENTE. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. A PARTIR DA CITAÇÃO

QUANDO AUSENTE O REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO OU

CONCESSÃO ANTERIOR DO BENEFÍCIO.

1. Tendo o agravo em recurso especial infirmado a decisão de inadmissibilidade

apelo especial, não há falar em incidência da Súmula 182/STJ.

2. Não prospera a argumentação de incidência da Súmula 7/STJ, porquanto não há

que confundir análise de elementos fáticos com o consectário legal. Os elementos

fáticos e probatórios foram examinados pela Corte de origem, que chegou à

conclusão de que o agravado faria jus ao benefício, enquanto a fixação do seu dies a

quo é consequência daquilo que o tribunal decidiu.

3. Nos termos da jurisprudência do STJ, o benefício previdenciário de cunho

acidental ou o decorrente de invalidez deve ser concedido a partir do requerimento

administrativo ou do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença. Ausentes a

postulação administrativa e a concessão anterior do auxílio-acidente, o termo inicial

para a concessão será o da citação.

Agravo regimental improvido.76

Realmente, a redação do referido parágrafo 2°, do artigo 86, da Lei n° 8.213/91, dá

azo a uma interpretação restritiva do benefício auxílio-acidente, condicionando-o à prévia

concessão do auxílio-doença. Porém, tal interpretação da lei não merecia, realmente,

prosperar.

Desde sua origem, o benefício auxílio-acidente sempre foi autônomo e independente

em relação a qualquer benefício previdenciário, convindo destacar que, em sua origem, ele

sequer era relacionado como benefício da Previdência Social, mas um seguro contra a redução

parcial da capacidade laboral, decorrente de um acidente de trabalho, ou seja, uma breve

75

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Acórdão em Recurso de Apelação. Processo n° 3000707-

47.2013.8.26.0070. Relator DESEMBARGADOR NUNCIO TEOPHILO NETO. D.O.J. DATA: 24/07/2016.

Disponível em:

<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=9616158&cdForo=0&vlCaptcha=wppyk>. Acesso em:

24 jul. 2016. 76

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão em Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial.

Número no STJ 485.445/SP. Relator MINISTRO HUMBERTO MARTINS. D.J.E. DATA: 13/05/2014.

Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?i=1&b=ACOR&livre=(('AGARESP'.clas.+e+@num='4854

45')+ou+('AGRG NO ARESP'+adj+'485445'.suce.))&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em: 06 ago. 2016.

97

interpretação sistemática da norma já revela que a prévia concessão de benefício jamais foi

um requisito legal para a concessão do auxílio-acidente.

Ainda, convém destacar, que a posição da prévia concessão de auxílio-doença, como

requisito do auxílio-acidente, não resiste até mesmo a uma interpretação gramatical séria, isso

porque, é no “caput” do artigo 86 que são indicadas as condições para a concessão do

benefício em estudo, tratando o parágrafo 2° de mera indicação do termo inicial do auxílio-

acidente, quando precedido de um auxílio-doença.

Portanto, ao contrário do que defendeu o INSS77

, por muito tempo (aproveitando-se da

falta de claridade do texto legal), a prévia concessão de auxílio-doença não é requisito para a

concessão do auxílio-acidente. O que a lei veda, sim, é a concessão acumulada do auxílio-

acidente com um auxílio-doença a partir do mesmo fato gerador, devendo um ter início a

partir do encerramento do outro.

Outrossim, fosse este um requisito do benefício, este teria lugar dentro do critério

material, conquanto fosse indissociável do núcleo do direito ao benefício, tal qual é a

carência, contudo, como não o é, ela deverá ser estudada melhor no critério temporal e na

dinâmica do benefício, em razão de refletir na data de início do mesmo ou mesmo na hipótese

de concessão do auxílio-acidente, quando o mesmo for precedido de um benefício prévio por

incapacidade.

3.2.1.7 – Perícia

A perícia médica, inobstante, não conste como requisito formal para a concessão do

auxílio-acidente, por disposição legal expressa, resta claro que, o condicionamento de um

benefício, que trata de um dano real e aferível, necessita da realização da perícia médica que é

o meio adequado para a aferição da extensão real do dano incapacidade parcial e permanente,

devendo ser realizada, obrigatoriamente, pelo Instituto Nacional do Seguro Social, sendo

possível que a referida autarquia possa celebrar convênio com órgãos e entidades públicos de

saúde, nos termos da lei n° 8.213/91, artigo 60.

Claro também que a perícia está intrinsecamente ligada à aferição da sequela que

reduz a incapacidade do segurado e é o instrumento apto a estabelecer o nexo causal entre a

doença e o trabalho, ou diferir se a sequela decorre de um acidente ou de uma doença. Óbvio

77

A posição pública do INSS, hoje, não condiciona o auxílio-acidente à prévia concessão de auxílio-doença,

consoante consta no sítio: <http://www.previdencia.gov.br/servicos-ao-cidadao/todos-os-servicos/auxilio-

acidente/>. Acesso em: 23 set. 2016.

98

que por estar ligada a esses requisitos descritores do núcleo do benefício, só se pode

identificá-la, topologicamente, no critério material.

Mas, a indagação que se faz é se a perícia é um requisito ou um mero instrumento de

aferição do fato gerador? Como já respondido, ela é um requisito para o benefício auxílio-

acidente, posto que o mesmo não pode ser concedido sem perícia do INSS, mesmo que a

perícia seja feita fora das dependências de uma Agência da Previdência Social.

Importa destacar que, ao contrário dos demais benefícios por incapacidade

(aposentadoria por invalidez e auxílio-doença) que têm disposição expressa sobre a

necessidade de realização de perícia para aferir o dano, tal disposição não ocorre em relação

ao auxílio-acidente, inobstante, o artigo 21-A da Lei n° 8.213/91 refira que é a perícia médica

do INSS que avaliará a natureza acidentária (acidente do trabalho e doenças ocupacionais) da

lesão do segurado, não havendo abordagem em relação ao acidente de qualquer natureza.

Contudo, resta evidente que a perícia médica é o instrumento correto para avaliar a

real condição da incapacidade laboral do trabalhador, porém, ao contrário dos demais

benefícios por incapacidade, ela só é necessária ser feita para uma única vez, com a finalidade

de constatar os requisitos para a concessão do auxílio-acidente, não sendo feita

periodicamente, decorrendo da perícia a presunção de permanência da lesão.

Como se pode imaginar, a perícia médica é atividade privativa de médico, podendo ser

exercida pelo civil ou militar, desde que seja investido em função que assegure a competência

legal e administrativa do ato profissional.

Ainda, como salientado, é o exame pericial médico, feito pelo INSS, que definirá,

também, a existência de nexo de causalidade (causa e efeito) entre: doença ou sequela de

acidente e a incapacidade ou invalidez física ou mental; o acidente e a lesão; doença ou

acidente e o exercício da atividade laboral; doença ou acidente e sequela temporária ou

permanente, ou seja, ela é quem definirá a origem da lesão ou sequela que reduza a

capacidade laboral e fixará o nexo da origem com o trabalho ou não.

Poderá ser realizada a perícia médica fora das dependências de uma agência do

Instituto Nacional do Seguro Social, seja na casa do periciado, em hospital, ou em trânsito,

cabendo a um representante do segurado, antes da data agendada para perícia, comprovar a

impossibilidade do periciado de comparecer à agência onde foi agendada a perícia. Isto é

importante, pois, muitas vezes, aquele que vai ser periciado está internado em hospital ou,

simplesmente, de cama, em repouso absoluto, impossibilitado de comparecer à perícia,

evitando, assim, a ocorrência de cenas violadoras da dignidade da pessoa humana, onde

famílias são obrigadas a levar o periciado à perícia agendada por qualquer meio, como em

99

macas, em ambulâncias, entre outros, como ocorre, cotidianamente, em agências da referida

autarquia, por falta de informações acerca desta possibilidade, deixando claro que esta

afirmação não é uma especulação, mas uma constatação pessoal do autor deste estudo, que já

presenciou este tipo de cena inúmeras vezes nas agências do INSS.

Portanto, por ser indissociável da concessão do auxílio-acidente, mais do que um

instrumento usado para medir as sequelas e a sua origem, consoante exija a lei para o

benefício, este é um requisito do próprio auxílio-acidente, que não será concedido sem a

prévia perícia do INSS, configurando critério material da norma em estudo.

3.2.2 – Critério Espacial

O critério espacial dentro da estrutura lógica da regra matriz é a indicação de lugar, na

hipótese de incidência relevante para a concretização da aplicação da norma a determinado

fato.

Todos os fatos jurídicos, como fatos concretos, acontecem em um determinado lugar,

sendo essencial que ele ocorra dentro do espaço de aplicabilidade de norma jurídica para que

ela produza seus efeitos. Esta é a lição de Geraldo Ataliba sobre o que ele denomina de

aspecto espacial da hipótese de incidência:

Como descrição legal – condicionante de um comando legislativo – a h.i. só

qualifica um fato, como hábil a determinar o nascimento de uma obrigação, quando

este fato se dê (se realize, ocorra) no âmbito territorial de validade da lei, isto é, na

área espacial a que se estende a competência do legislador tributário.78

Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho79

defende a importância do critério espacial

dentro da regra matriz, não como simples elemento de ligação do mundo jurídico (dever ser)

com o mundo real (ser), mas ele implica resultado direto sobre o consequente normativo,

podendo se dizer que a hipótese de incidência só ocorre no local onde a norma vige, além

disso, bem manejado, esse critério pode combater diferenças regionais e estimular a unidade

política, um dos objetivos da Constituição Federal.

A despeito de sua importância, nem sempre o critério espacial está explícito na norma,

porém, ela deve conter elementos que permitam identificar a sua área de vigência.

78

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 15. Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores,

2014, p.104. 79

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2013, p. 472/476.

100

O critério espacial, ainda, pode ser genérico ou específico. Ele será genérico quando

qualquer fato jurídico, que ocorra no espectro de vigência territorial da norma, produza efeitos

similares. Por sua vez, será específico quando o fato imponível tiver que ocorrer em um local

determinado pela lei.

A norma em estudo é a relativa ao auxílio-acidente, descrito pela Lei n° 8.213/91,

contudo, tal norma não traz, de modo expresso, o local de sua vigência.

Em relação ao aspecto espacial do auxílio-acidente, temos que o benefício é devido a

todos os segurados beneficiários vinculados ao RGPS (empregados, empregados domésticos,

trabalhadores avulsos e segurados especiais), seja em âmbito do território nacional, ou no

estrangeiro, quando se trata de trabalhador vinculado ao regime que presta serviços para a

empresa brasileira no exterior, com contrato de trabalho do Brasil.

Parece óbvio dizer que o âmbito de vigência da Lei n° 8.213/91 é o território nacional,

conquanto o artigo 1°, do Decreto-Lei n° 4.657/4280

(denominado de Lei de Introdução às

normas do Direito Brasileiro), é expresso ao afirmar que, salvo disposição em contrário, a Lei

passa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco dias) após a sua publicação, mas, de onde

vem o raciocínio de que a norma do benefício em apreço produz efeitos extraterritoriais no

caso daqueles trabalhadores vinculados ao RGPS, contratados no Brasil e que prestam

serviços no exterior?

O artigo 9, do Decreto-Lei n° 4.657/4281

, é claro ao estabelecer que as obrigações são

regidas pela Lei do país em que foram constituídas, logo, o trabalhador que é contratado no

Brasil e vinculado ao INSS, mesmo que para prestar serviços em território estrangeiro, fará

jus ao auxílio-acidente caso sofra lesão parcialmente incapacitante para o trabalho resultante

de um acidente ou de uma doença ocupacional.

Portanto, a área de vigência da Lei n° 8.213/91 é o território nacional, podendo

produzir efeitos extraterritoriais, quando relativos a pessoas que exerçam trabalho no

estrangeiro e estejam vinculadas ao RGPS.

Além disso, a depender da prévia existência de acordo internacional82

entre o Brasil e

outro país, ainda que, o trabalhador brasileiro exerça sua atividade laboral em outro país e

estando segurado pelo órgão previdenciário daquele Estado, o trabalhador poderá fazer jus aos

benefícios do RGPS, pagos pela previdência social estrangeira, e compensado pelo INSS,

80

Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de

oficialmente publicada. 81

Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

82 Os acordos internacionais previdenciários celebrados pelo Brasil podem ser consultados em

<http://www.previdencia.gov.br/a-previdencia/assuntos-internacionais/assuntos-internacionais-acordos-

internacionais-portugues/>. Acesso em: 12 out. 2016.

101

sendo o inverso verdadeiro. Em geral, os acordos internacionais celebrados pelo Brasil

envolvem a aposentadoria por idade e a aposentadoria por invalidez, mas não há óbice para

acordos que envolvam o auxílio-acidente.

Por outro lado, segundo Daniel Pulino83

, a extraterritorialidade da norma

previdenciária se dá em razão da hipótese de incidência da norma, prevista no critério

material, poder ocorrer em qualquer lugar do espaço e estar vinculada à pessoa do segurado,

sendo que o artigo 11, da Lei n° 8.213/91, admite que o estrangeiro ou brasileiro contratados

no Brasil para prestar serviço como empregado no exterior, assim como o funcionário

consular brasileiro que atua no estrangeiro ou funcionário consultar estrangeiro (com moradia

fixa no país) que atua no Brasil são segurados obrigatórios do RGPS.

3.2.3 – Critério Temporal

Ainda, estudando a estrutura da norma jurídica pela regra matriz, dentro da hipótese de

incidência, tem-se o critério temporal, que ajuda a identificar a ocorrência do fato gerador

descrito no critério material.

Por critério temporal, Paulo de Barros Carvalho ensina que ele se refere ao momento

de ocorrência do fato jurídico apto a ensejar a aplicação da norma, e seu conhecimento, dentro

da área do direito tributário, permite determinar o momento em que surge o direito subjetivo

de o Estado exigir uma prestação tributária decorrente de um ato lícito:

[...] define o momento em que nasce aquele vínculo jurídico disciplinador de

comportamentos humanos. Seu exato conhecimento importa determinar, com

precisão, em que átimo surge o direito subjetivo público de o Estado exigir de

alguém prestações pecuniárias, por força do acontecimento de um fato lícito, que

não um concerto de vontades.84

Obviamente que na relação jurídica em estudo, qual seja, a relação obrigacional

relativa ao auxílio-acidente, onde o INSS é o sujeito passivo (a quem se dirige a obrigação de

prestar um benefício) e o beneficiário (segurado a quem se destina o benefício), o critério

temporal permite estabelecer o momento em que nasce a obrigação da autarquia federal

responsável pelo pagamento deste benefício e concedê-lo em favor do beneficiário.

83

PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p. 80. 84

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2013, p. 476.

102

Importa asseverar que todo fato jurídico ocorre em um determinado lugar e tempo,

assim, a norma jurídica deve indicar quando ocorre determinado fato gerador para que ela

possa ser aplicável a um determinado fato do mundo do ser, saindo do dever-ser.

Ainda que não expresso no critério material na norma, sua ocultação não significa

omissão ou que ele não exista, devendo ser determinável, sendo que a simples ocultação leva

a um entendimento genérico de que a norma se aplica no momento de ocorrência do fato

descrito no critério material da hipótese de incidência.

Convém salientar que os fatos geradores podem ser instantâneos ou complexivos.

Instantâneos são aqueles fatos que ocorrem em um dado momento e gera uma relação

obrigacional, exemplificando: sofrer um acidente, de qualquer natureza, pode gerar a

obrigação de o INSS pagar auxílio-acidente ao segurado. Por sua vez, os fatos geradores são

Complexivos (ou Continuativos), ou seja, aqueles que ocorrem em ciclos em um determinado

período de tempo, constituindo-se por um conjunto de fatos, exemplificando: prestar

contribuições sociais periódicas ao INSS garante ao segurado a manutenção do seu “status”

perante o INSS, bem como lhe permite alcançar a carência para determinados benefícios.

Igualmente, o fato jurídico pode ter um momento definido, quando ocorre em uma

data específica, por exemplo: pagar contribuição previdenciária até o 15° dia do mês para o

contribuinte individual; ou um fato jurídico pode ter um momento indefinido, quando pode

ocorrer a qualquer tempo, exemplificativamente, sofrer um acidente, que é um fato

naturalmente imprevisível.

Segundo Daniel Pulino, é comum o critério material das normas relativas aos

benefícios previdenciários terem mais de um requisito para a configuração do fato gerador e,

neste caso, a materialidade ocorre apenas quando ocorre o último dos eventos descritos no

núcleo da hipótese de incidência, como se vê:

Vale ressaltar que como, ordinariamente, o critério material das normas

previdenciárias compõe-se de mais de um fator, deve-se dar por acontecida a

materialidade no exato instante em que se preenche o último dos eventos aí

descritos. Assim, por exemplo, a lei dá por ocorrido o evento velhice, para fins de

aposentadoria por idade, no dia em que o segurado urbano completa 65 (sessenta e

cinco anos de idade), se já cumpriu a carência prevista para o benefício; do

contrário, a data de ocorrência da materialidade será o dia em que ele completa o

número de contribuições exigidas a título de carência, se esta data for posterior

àquela em que ele completa a idade mínima acima referida (valerá, portanto, a data

que ocorrer por último).85

85

PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p. 77.

103

O critério temporal no caso de benefícios previdenciários serve para identificar o

momento em que o benefício passa a ser devido, bem como o momento que ele deixa de ser

devido, quando se tratar de prestação por tempo determinado como o seguro-desemprego e o

salário-maternidade.

No caso do auxílio-acidente, como se verá com maior rigor, mais adiante, no capítulo

que trata da dinâmica do benefício, o critério temporal é o marco inicial do benefício, não

tratando do seu ponto final, pois ele não é um benefício fixado por prazo certo, sendo que a

norma jurídica contém duas datas distintas, uma expressa, definida e instantânea, e outra

oculta, indefinida e instantânea que apontam o início do auxílio-acidente.

O primeiro critério temporal está ligado à data de início do benefício em estudo e é

previsto no artigo 86, §2°, da Lei n° 8.213/91, que refere que o “auxílio-acidente será devido a

partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer

remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer

aposentadoria”. Nesta hipótese, o auxílio-acidente concedido após alta do auxílio-doença ou

aposentadoria por invalidez será devido em data expressa, definida e instantânea (dia seguinte

à cessação do auxílio-doença).

Por outro lado, há um segundo critério temporal, oculto na norma, que trata do

benefício auxílio-acidente, que é indefinido e igualmente instantâneo, aplicado na hipótese de

concessão direta do benefício. Como se percebe, neste caso, não há disposição legal expressa

sobre o início do benefício, presumido, como dito acima, que o benefício se inicia no

momento de ocorrência do fato descrito no “caput” do artigo 86 da Lei n° 8.213/91, ou seja,

“após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza (ou doença

ocupacional), resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que

habitualmente exercia”.

Há quem recorra a interpretações sistemáticas para extrair uma expressão legal acerca

do início do benefício auxílio-acidente, neste segundo caso, recorrendo ao texto do artigo 23,

da Lei n° 8.213/9186

, contudo, desnecessário quando lembrada a lição de Paulo de Barros

Carvalho87

que ensina que quando o legislador não se preocupa em fixar uma data em que o

fato hipotético deva acontecer, ele está, na verdade, afirmando que sempre que o fato gerador

se concretizar no mundo real, a norma será aplicável e desencadeará seus efeitos.

86

Art. 23. Considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da

incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em

que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro. 87

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2013, p. 482.

104

3.3 – Consequência da Regra Matriz

Como se optou no estudo da norma do auxílio-acidente pela estrutura da regra matriz,

de Paulo de Barros Carvalho, visto o antecedente (hipótese de incidência), convém, agora,

adentrar ao estudo do consequente normativo.

Na estrutura da regra matriz, o fato jurídico e os elementos que o caracterizam se

encontram na hipótese de incidência, enquanto o consequente normativo se dedica ao estudo

das relações jurídicas que se estabelecem a partir destes fatos, levando em conta elementos

como: os sujeitos atingidos; o vínculo normativo/relacional, estabelecido entre os sujeitos e o

objeto e; o objeto propriamente dito. Essa é a lição de Fábio Lopes Vilela Berbel: “Os fatores

inerentes ao(s) sujeito(s) jurídico(s) do consequente normativo são delimitados na seara do

critério pessoal, ao passo que os aspectos do objeto são apurados no âmbito do critério

objetivo (quantitativo)”88

.

Para fins de estudo do consequente da regra matriz, convém analisar os sujeitos ativo e

passivo e a relação obrigacional havida entre eles e o objeto do presente trabalho (auxílio-

acidente), dentro do denominado critério pessoal, bem como, o critério quantitativo, que

inclui a base de cálculo e a alíquota do benefício que, em conjunto, dão forma ao objeto.

Importa destacar que o consequente normativo não trata da relação jurídica já

instituída, mas de critérios para a determinação da relação jurídica quando ocorrer o fato

descrito na hipótese de incidência.

3.3.1 – Critério Pessoal (Sujeito Ativo e Passivo)

Como referido alhures, o critério pessoal se dedica à análise da relação das pessoas

com o objeto da norma, isso é o que assevera João Bernardo dos Santos Sobrinho: “o critério

pessoal pinça, do consequente normativo, os elementos que irão identificar as pessoas

envolvidas no objeto da relação jurídica, quais sejam: o sujeito ativo, ou credo, e o sujeito

passivo, ou devedor”.89

88

BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 110. 89

SOBRINHO, João Bernardo dos Santos. Auxílio-Acidente no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo, 2003.

Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, São Paulo, p. 197.

105

Pelo critério pessoal, se busca delimitar os sujeitos atingidos pela endonorma90

e

identificar a relação jurídica que as conecta face ao acontecimento de um fato hipoteticamente

previsto.

Mais do que identificar os sujeitos da relação, o estudo do critério pessoal da norma

permite, também, examinar a posição dos sujeitos em face do objeto, sendo que no

consequente normativo, duas são as posições que os sujeitos podem ocupar, ativo ou passivo.

O sujeito ativo é o titular do direito subjetivo ou quem tem a capacidade de exigir um

crédito do sujeito passivo, no caso do direito previdenciário (em específico no RGPS, ao qual

se volta o presente estudo) há duas relações jurídicas possíveis, diametralmente opostas: uma

quando o objeto da norma são os benefícios e serviços, sendo o sujeito ativo aquele quem

pode requerer um benefício ou serviço em face da Previdência Social; outra, quando o objeto

da norma são as contribuições sociais, neste caso, o sujeito ativo é quem pode exigir o

pagamento do tributo, ou a quem ele se dirige.

Já o sujeito passivo é a quem se dirige o dever jurídico previsto na norma, ou aquele

quem tem um débito com o sujeito ativo, ainda, se detendo ao estudo do direito previdenciário

(estudo voltado ao RGPS), e considerando que há duas relações jurídicas possíveis, como

referido acima, quando o objeto da norma for a prestação de benefícios ou serviços, o sujeito

passivo será aquele que tem o dever de fornecer a prestação exigida pelo sujeito ativo,

pagando um benefício ou prestando um serviço ao beneficiário; por outro lado, quando o

objeto da relação for a contribuição social, destinada ao custeio da seguridade social, o sujeito

passivo é aquele que tem o dever de pagar o tributo ao sujeito ativo.

A fórmula a seguir é a representação da relação dos sujeitos com o objeto baseado nos

ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho91

:

Sa (crédito) → $ ← Sp (débito)

Direito subjetivo → $ ← Dever Jurídico

Assim, visto de forma genérica, brevemente, o que é o critério pessoal, convém

identificar, especificamente, os sujeitos dentro da relação jurídica proposta no presente

estudo, qual seja, a concessão do benefício auxílio-acidente.

90

Endonorma é a proposição hipotética da norma, enquanto a perinorma é a parte que descreve a sanção da

mesma. 91

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 5. ed. São Paulo: Editora Saraiva,

2013, p. 499.

106

Nesta relação, o sujeito ativo é aquele segurado92

que tem direito ao auxílio-acidente,

ou para utilizar o termo correto, é o beneficiário, pois como se verá adiante, nem todos os

segurados do RGPS fazem jus ao benefício em estudo.

Por outro lado, o sujeito passivo é aquele que tem o dever de pagar o benefício

auxílio-acidente e, neste caso, a obrigação compete ao INSS, autarquia federal responsável

pelo pagamento de inúmeros benefícios previdenciários do RGPS, consoante disposição do

artigo 17, da Lei n° 8.029/90 e artigo 1°, III, do Decreto n° 569/92, que dão concretude às leis

n° 8.212/91 e 8.213/91, ao designar esta autarquia como responsável pela prestação dos

benefícios e serviços previstos no artigo 18, da Lei n° 8.213/91.

A seguir será estudado quem são os segurados beneficiários do auxílio-acidente e

quem está excluído da proteção oferecida por este benefício, como forma de identificar

melhor o sujeito ativo desta relação jurídica.

3.3.1.1 – Segurados Protegidos

O benefício auxílio-acidente, ao contrário dos demais benefícios devidos em razão da

incapacidade laboral, não é devido para todos os segurados. O artigo 18, §1°, da Lei n°

8.213/91 dispõe que, apenas os segurados empregados, empregados domésticos, trabalhadores

avulsos e segurados especiais fazem jus ao auxílio-acidente:

Art. 18 da Lei 8.213/91

§ 1o Somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os segurados incluídos nos

incisos I (empregado), II (empregados domésticos), VI (trabalhador avulso) e VII

(segurado especial) do art. 11 desta Lei.

Como referido, a proteção do auxílio-acidente, voltada para estas classes de segurados,

guarda relação íntima com a origem e o fundamento de criação deste benefício, conquanto,

em seu princípio destinava-se a indenizar os trabalhadores vinculados a um empregador, que

seria o titular do risco profissional e teria responsabilidade civil sobre danos causados aos

seus prepostos, pelo que a lei, primeiro, facultou a contratação de um seguro de acidentes de

trabalho, depois passou a torná-lo obrigatório e, por fim, tornou-o um benefício

previdenciário.

Em sua origem, estavam protegidos por este benefício os segurados empregados e

trabalhadores avulsos, a partir da Lei Complementar n° 11/1971, que instituiu o PRORURAL,

92

O sujeito ativo é identificado aqui como o segurado do RGPS, pois o benefício em estudo é direito

personalíssimo do segurado, não transmissível e indevido a dependentes.

107

o segurado especial passou a fazer jus ao auxílio-acidente e contribuir para seu custeio junto

ao FUNRURAL.

Assim, foram mantidos os segurados protegidos pelo auxílio-acidente até a Lei

Complementar n° 150/2015, chamada de PEC das Domésticas, que alterou a Lei n° 8.213/91,

em seu artigo 18, para incluir os empregados domésticos na condição de beneficiários do

auxílio-acidente.

A inclusão do segurado especial, como beneficiário do auxílio-acidente, quebra o

paradigma do fundamento do auxílio-acidente da teoria do risco profissional para a teoria do

risco social, conquanto a coletividade passa a ser responsável pelo custeio do benefício em

conjunto com o próprio segurado especial e os patrões dos demais beneficiários, levantando

dúvidas dentro da atual sistemática da Previdência Social e da nova teoria de fundamento do

auxílio-acidente, sobre a constitucionalidade ou não da exclusão dos demais segurados não

subordinados.

3.3.1.2 – Segurados Excluídos

Ficam sem a cobertura de auxílio-acidente os contribuintes individuais e facultativos,

que, em sua contraparte, não vertem contribuições sociais relativas ao Grau de Incidência de

Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIL-RAT) ou ao

Seguro de Acidente de Trabalho (SAT).

Até o advento da Lei Complementar n° 150/2015, os empregados domésticos não

eram beneficiários do auxílio-acidente e passaram a sê-lo com a alteração do artigo 18, §1°,

da Lei n° 8.213/91. Por sua vez, os empregadores passaram a efetuar contribuição

correspondente ao Seguro de Acidente do Trabalho.

Como referido anteriormente, dentro da atual sistemática e fundamento do auxílio-

acidente, a exclusão do contribuinte individual e do segurado facultativo do espectro de

beneficiários do auxílio-acidente se tornou inconstitucional pelo desenvolvimento do tecido

social.

Enquanto o benefício auxílio-acidente encontrava fundamento na teoria do risco

profissional, era compreensível que a prestação fosse destinada àqueles segurados que

prestam serviços para seus patrões, como o empregado e o trabalhador avulso, não sendo

justificável a exclusão do empregado doméstico neste sentido, se não em razão de um

preconceito histórico e da sobrevivência de traços da escravidão.

108

A partir do momento que o auxílio-acidente deixa de ser um seguro privado ou

público contratado pelo empregador, para indenizar o trabalhador, em caso de acidente de

trabalho incapacitante, e passa a ser uma prestação previdenciária financiada por toda a

sociedade, sobretudo, dentro do sistema de seguridade social da Constituição de 1988, a

exclusão dos contribuintes individuais e do facultativo da condição de beneficiários do

auxílio-acidente não encontra mais um fundamento que o justifique.

Ensina Fábio Zambitte Ibrahim que a restrição do auxílio-acidente é um resquício de

sua origem e que a sua extensão para os demais segurados não encontra qualquer vedação,

desde que traga previsão de custeio. A saber:

A limitação deste benefício a determinados segurados é feita pelo art. 18, §1°, da Lei

n° 8.213/91, apesar de o art. 86 trazer previsão genérica. A restrição é oriunda da

origem do benefício, o antigo auxílio-acidente ou auxílio-suplementar, previsto na

Lei n° 6.367/76. À época, era benefício restrito à sequela produzida por acidente de

trabalho, e daí a limitação aos segurados que é objeto de tutela do seguro de

acidentes do trabalho. Atualmente, o auxílio-acidente não se limita mais a acidentes

do trabalho. O empregado doméstico passou a se beneficiar com o advento da LC n°

150/2015.

A extensão deste benefício aos demais segurados pode ser feita pelo Legislador,

desde que traga previsão de fonte de custeio (art. 195, §5°, CRFB/88).93

Um sistema de seguridade social calcado em princípios como a solidariedade e que

tenha por objetivo a universalidade da população atendida não pode tolerar uma

discriminação desta natureza que, por falta de fundamento que justifique o tratamento

diferenciado, não é isonômico e, portanto, é inconstitucional.

Os contribuintes individuais e os segurados facultativos são parte da sociedade, a

constroem e participam do seu desenvolvimento, cada um, ao seu modo, contribui para a

Previdência Social, correm riscos de acidente, que podem gerar sequelas parcialmente

incapacitantes e, sobretudo, o contribuinte individual, pode ter reduzida sua capacidade

laboral, sua condição de gerar ganhos para seu sustento e ficar desamparado.

Esses segurados excluídos, além de estarem sujeitos aos acidentes, podem sofrer com

sequelas que reduzam a sua renda e seu rendimento, e podem, igualmente, precisar dispender

maior esforço para a realização das atividades laborais cotidianas.

Portanto, excluir, sobretudo, o contribuinte individual do benefício auxílio-acidente

não encontra qualquer fundamento e, além de inconstitucional, é injusto.

Tal injustiça pode não ser tão aviltante em relação ao segurado facultativo quando se

pensa que o auxílio-acidente protege o trabalhador que sofra lesão que reduza sua capacidade

93

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 22. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 670.

109

laboral, e se tem este segurado como aquele que não exerce atividade remunerada, mas que

pode, sim, fazer um estágio ou um trabalho voluntário e sofrer uma incapacitação para estas

atividades. Aliás, mesmo os segurados facultativos ligados aos afazeres domésticos podem ter

prejudicado rendimento das suas tarefas.

Importa salientar, que por disposição da Lei n° 11.788/08, denominada Lei do Estágio,

o contratante de estagiário tem o dever de contratar seguro contra acidentes pessoais para o

estudante que lhe presta serviço. Este destaque serve para demonstrar que o facultativo ainda

se encontra na época do seguro privado para fins de proteção contra acidente que reduzam sua

capacidade laboral, enquanto o sistema previdenciário tem o benefício auxílio-acidente, do

qual ele não é beneficiário, o que parece claramente inconstitucional face o princípio da

igualdade, bem como, da solidariedade e do objetivo da universalização da Previdência

Social.

Não há fator de discrímen razoável ligado aos segurados ou ao benefício auxílio-

acidente que justifique a segregação dos segurados contribuintes individuais e facultativos,

pelo contrário, são agentes construtores da sociedade, importantes como qualquer trabalhador

subordinado. Admitir o contrário seria indicar que um advogado, um arquiteto, um taxista, um

médico, um odontologista autônomo teria menor relevância no desenvolvimento da sociedade

que um montador de automóveis ou o diretor de uma fábrica de automóveis, apenas porque

eles prestam serviços com vínculo empregatício.

Em razão disso, entende-se que é perfeitamente possível a extensão do auxílio-

acidente para o contribuinte individual e o facultativo, e até inconstitucional esta vedação de

cobertura para estes segurados, pelo que defende-se que o auxílio-acidente seja estendido de

forma obrigatória para o contribuinte individual e permitido ao facultativo optar pela mesma

proteção.

Contudo, tal posição não encontra respaldo na Jurisprudência, inobstante, Juízos

singulares tenham tomado decisões neste sentido, que foram revertidas pelos Tribunais9495

, de

forma equivocada, o que leva a manutenção de uma segregação inconstitucional, claramente

94

“APELAÇÃO CÍVEL. INSS. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. PROFISSIONAL AUTÔNOMO. AUXÍLIO-

ACIDENTE. DESCABIMENTO. Contribuindo o autor para a Previdência Social na condição

de contribuinte individual, trabalhador autônomo, não possui direito à percepção do auxílio-acidente. Proveram o

apelo. Maioria.” (Apelação e Reexame Necessário Nº 70053544599, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça

do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 27/06/2013) 95

“Aposentadoria por invalidez acidentária e/ou auxílio-doença acidentário - Concessão de benefícios

acidentários a trabalhador autônomo – Descabimento – Categoria excluída do rol de segurados com direito aos

benefícios da legislação infortunística – Inteligência dos artigos 11 e 18, § 1º, da Lei nº 8.213/91 – Sentença de

procedência reformada. DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO OFICIAL. PREJUDICADOS OS APELOS DO

INSS E DO AUTOR.” (Apelação n° 1005684-02.2014.8.26.0032, 17ª Câmara de Direito Público, Tribunal de

Justiça de São Paulo, Relator: Afonso Faro Júnior, Julgado em 27/09/2016).

110

violadora dos princípios da isonomia e da solidariedade, e como Pereira Leite96

chamou de

odiosa a segregação das domésticas em relação aos demais segurados subordinados pela Lei

n° 6.367/76, que exclui esta categoria da proteção do auxílio-acidente, igualmente odioso é

compor um sistema de seguridade social que exclua pessoas vulneráveis a um risco social de

determinadas proteções sem qualquer fundamento lógico.

A justificativa para a exclusão dos segurados contribuinte individual e facultativo tem

sido a simples falta de previsão legal no rol do artigo 18, §1°, da Lei n° 8.213/91, o que não se

sustenta ante a violação do princípio constitucional da isonomia.

Ainda, justifica-se a exclusão destes segurados sob o argumento de que a extensão do

benefício para eles precisa vir acompanhada da previsão de fonte de custeio em respeito ao

artigo 195, §5°, da Constituição Federal que revela que “nenhum benefício ou serviço da

seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de

custeio total”.

Realmente, não há fonte de custeio definida para o pagamento de auxílio-acidente aos

contribuintes individuais e segurados facultativos, ao mesmo tempo que é inconstitucional a

exclusão destes segurados, enquanto outros, como empregados domésticos e segurados

especiais, foram protegidos por este benefício mediante lei que estabeleceu a correspondente

fonte de custeio.

Em razão deste conflito, não caberia ao Poder Judiciário estender a proteção do

benefício sem a edição de lei que crie uma fonte de custeio para ele, mas o Supremo Tribunal

Federal pode e deve declarar a parte da norma que segrega os contribuintes individuais e

segurados facultativos inconstitucional e enviar recomendação para que o Congresso efetue a

alteração legal pertinente, criando a correspondente fonte de custeio para a extensão do

benefício e, ainda, fixando parâmetros de custeio provisório até a alteração legislativa

correspondente, caso o Congresso se omita em prazo razoável, estabelecendo contribuição

obrigatória para o SAT desses segurados, seguindo parâmetros de segurados em situação

análoga como o segurado especial ou o trabalhador avulso.

3.3.1.3 – Aquisição da Qualidade Segurado

Anteriormente, se viu as espécies de segurados e o que as define, agora, convém

relatar como se adquire este “status” jurídico.

96

LEITE, João Antônio Guilembernardt Pereira. Curso Elementar de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr,

1977, p. 214.

111

Inicialmente, convém sinalizar que as diferentes espécies de segurado adquirem tal

qualidade de modo diferente, pelo que convém individualizá-las, inobstante a regra é a de que

o trabalhador adquire a condição de segurado no momento em que inicia o exercício de uma

atividade remunerada.

O segurado empregado e o empregado doméstico adquirem esta qualidade no

momento em que iniciam a prestação de serviços para o empregador ou empregador

doméstico, ou seja, formalizada ou não a regular contratação do empregado, iniciada a

atividade laboral, já estará ele assegurado pela Previdência Social.

Já o trabalhador avulso, da mesma forma que o empregado, adquire está qualidade no

momento em que presta serviços a uma empresa sem vínculo de emprego, contratado por um

sindicato ou um órgão gestor de mão de obra.

Por sua vez, o segurado especial, conquanto seja segurado obrigatório e exerça

atividade remunerada, também é considerado segurado a partir do momento em que inicia o

exercício de atividade laboral, e seja maior de 16 (dezesseis) anos, por inteligência do artigo

11, VII, alínea “c”, da Lei n° 8.213/91. Importante destacar este limitador etário, pois a

família do segurado especial costuma iniciar suas atividades laborais muito cedo, até mesmo

crianças costumam ajudar nas atividades laborais e, nem por isso, ele vai adquirir a qualidade

de segurado.

Para os demais segurados, o limite etário é mais claro, conquanto é de conhecimento

geral que o trabalho da pessoa menor de 16 anos é proibido, salvo na condição de aprendiz a

partir dos 14 (catorze) anos, por disposição expressa do artigo 7°, XXXIII, da Constituição

Federal.

Ainda, o contribuinte individual, que por disposição legal, não é beneficiário do

auxílio-acidente (embora este trabalho já tenha defendido a inconstitucionalidade desta

exclusão), também é um segurado obrigatório da Previdência Social e adquire sua condição

de segurado com o início do trabalho. Contudo, é comum associar a sua filiação e inscrição à

Previdência Social como início da sua condição de segurado, porque é comum utilizar os

documentos atinentes a estes procedimentos formais como efetiva prova de prestação de

serviço remunerado, inobstante, não exista uma conexão obrigatória entre ambos. Assim, o

contribuinte individual que não tenha contribuído à Previdência Social, mediante prova do

exercício de sua atividade, poderá fazer recolhimentos atrasados de contribuições

previdenciárias e ter reconhecido este tempo em atraso como tempo de contribuição para os

devidos fins.

112

Por fim, o segurado facultativo, que também não é beneficiário do auxílio-acidente

para a Lei n° 8.213/91, não é obrigatoriamente vinculado à Previdência Social e tampouco

exerce atividade laboral remunerada que implique em filiação obrigatória ao RGPS, adquire a

condição de segurado com a confirmação da sua inscrição e filiação, por meio do pagamento

da primeira contribuição feita em dia. Quanto ao critério etário, já se disse anteriormente,

neste trabalho, que a Lei n° 8.213/91 está desatualizada quando permite a filiação da pessoa

maior de 14 (catorze) anos, conquanto a Emenda Constitucional n° 20/98, quando alterou o

artigo 7°, XXXIII, da Constituição Federal tenha estabelecido os 16 (dezesseis) anos como

idade mínima para o trabalho, com reflexo imediato à idade mínima para filiação ao RGPS

dos segurados obrigatórios, extensivamente, sua interpretação levou à igual limitação etária

para o facultativo se tornar segurado do RGPS.

Adquirida a qualidade de segurado, os empregados, empregados domésticos,

trabalhadores avulsos e segurados especiais, por expressa disposição legal, se tornam

imediatamente beneficiários do auxílio-acidente, estando aptos a gozar desta prestação em

caso de acidente de qualquer natureza ou de doença ocupacional que lhes reduzam a

capacidade laboral, conquanto não seja exigida carência para este benefício, enquanto,

inconstitucionalmente, os segurados, contribuinte individual e facultativo, são segregados sem

qualquer razão lógica.

3.3.1.4 – Manutenção da Qualidade de Segurado

Entendida a aquisição da qualidade de segurado, convém discorrer sobre a forma de

manutenção da mesma.

Existem duas formas pelas quais os segurados mantêm esta qualidade. A primeira,

mais comum e em linha com a ideia de contributividade da Previdência Social, é que eles

vertam contribuições para o RGPS; e a segunda, independentemente de contribuições

(período de graça), na forma estabelecida no artigo 15 da Lei n° 8.213/91.

Sobre a primeira, importa destacar que aquele que exerce atividade remunerada tem

obrigação de contribuir com parte da sua renda para a Previdência Social e, caso não o faça

corretamente e, em dia, está inadimplente, mas ao contrário de um seguro privado, mantém a

qualidade de segurado e pode ser cobrado pela Receita Federal, respeitada a responsabilidade

pelo efetivo recolhimento da contribuição, que não se concentra necessariamente na figura do

segurado, salvo para o segurado especial e o contribuinte individual. O segurado facultativo

113

pode efetuar recolhimento em atraso, desde que não tenha perdido a condição de segurado, do

contrário, deve readquirir sua condição com o pagamento da primeira parcela paga em dia.

Já a segunda forma, revelada pelo artigo 15, da Lei n° 8.213/91, na expressão

“mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições [...]”, é o chamado

“período de graça” cabível a todos os segurados. Referido artigo elenca 6 (seis) casos em que

o segurado mantém sua qualidade sem contribuição: quando está em gozo de benefício;

quando deixa de exercer atividade remunerada ou está licenciado sem remuneração; quando

volta da segregação compulsória daquele acometido por doença que exija a segregação;

quando é posto em livramento após prisão; quando é licenciado das forças armadas depois de

prestar serviço militar obrigatório; e quando o segurado facultativo deixa de contribuir. A

saber:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições: I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício; II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de

exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso

ou licenciado sem remuneração; III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença

de segregação compulsória; IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso; V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças

Armadas para prestar serviço militar; VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo. § 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o

segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem

interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. § 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o

segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão

próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. § 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos

perante a Previdência Social. § 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do

prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da

contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados

neste artigo e seus parágrafos.

Na hipótese de o segurado estar em gozo de benefício previdenciário, inciso I, não há

limite de tempo sem contribuição para manter a qualidade de segurado.

Já no caso do inciso II, quando o segurado deixa de contribuir por deixar de exercer

atividade remunerada, ou estar suspenso ou licenciado sem remuneração, ele mantém a

qualidade de segurado por 12 (doze) meses sem contribuição, extensível para até 24 (vinte e

quatro meses), se ele já tiver para mais de 120 (cento e vinte) contribuições sem interrupção

que tenha levado à perda da qualidade de segurado anteriormente, bem como, pode ser

acrescido de mais 12 (doze) meses em caso de desemprego comprovado perante a Previdência

Social.

114

Por seu turno, no inciso III, o segurado mantém a sua condição por 12 (doze) meses

quando retorna de uma segregação compulsória (imposta para o bem do tratamento médico e

para evitar epidemias graves e listadas pelo Ministério da Saúde).

No caso do inciso IV, o segurado que é posto em liberdade após reclusão ou retenção,

mantém sua qualidade por até 12 (doze) meses após o livramento, sem contribuição.

A hipótese do inciso V é a que ocorre com o jovem conscrito que é obrigado a prestar

o serviço militar e mantém-se como segurado por até 3 (três) meses após o seu licenciamento.

Por fim, o inciso VI garante ao segurado facultativo 6 (seis) meses de garantia da

condição de segurado após a cessação das suas contribuições.

Assim, de todo o exposto, vê-se que o segurado mantém sua qualidade sempre que

contribuir ou quando não o fizer, poderá mantê-la nas hipóteses elencadas no período de graça

do artigo 15 da Lei n° 8.213/91.

3.3.1.5 – Perda da Qualidade de Segurado

A perda de a qualidade de segurado significa a perda do vínculo entre o INSS e o

segurado, que implica na caducidade dos seus direitos inerentes a este vínculo, consoante

disposto no artigo 102 da Lei n° 8.213/9197

.

Ela ocorre em situações especialíssimas diretamente ligadas a não prática de atos de

manutenção da qualidade de segurado, como o exercício de trabalho e remunerado e o

pagamento de contribuições, e depois de transcorrido o período de graça, consoante o já

referido artigo 15, da Lei n° 8.213/91, ou pela morte do segurado.

Os segurados obrigatórios perdem a qualidade de segurado quando deixam de exercer

uma atividade remunerada, seja por licença, suspensão, desemprego e depois de transcorrido o

período de graça, citado no tópico anterior, que varia de 12 (doze) a 36 (trinta e seis) meses,

ou pela morte.

97

Art. 102. A perda da qualidade de segurado importa em caducidade dos direitos inerentes a essa qualidade.

(Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).

§ 1º A perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão

tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que estes requisitos

foram atendidos. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997).

§ 2º Não será concedida pensão por morte aos dependentes do segurado que falecer após a perda desta

qualidade, nos termos do art. 15 desta Lei, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria na

forma do parágrafo anterior. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997).

115

Por sua vez, os segurados facultativos perdem este “status”, quando deixam de

contribuir para a Previdência Social, depois de transcorrido o período de graça de 6 (seis)

meses ou pela morte.

Importante destacar-se que o segurado, em gozo de benefício, independentemente de

não contribuir ou não trabalhar, não perde sua qualidade de segurado.

Uma das principais razões de indeferimento de benefício pelo INSS é a perda da

condição de segurado e ocorre muito quando o trabalhador é mantido emparedado pelo

empregador. Explica-se: emparedamento previdenciário é o nome atribuído ao fato jurídico

que ocorre quando o segurado que gozava de um benefício por incapacidade total para o

trabalho (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), o que suspende seu contrato de

trabalho, tem alta atribuída pelo INSS, e o empregador recusa o seu retorno ao trabalho sob a

justificativa de que ele permanece incapaz. Nesta situação, o segurado nem percebe benefício,

nem percebe salário, nem trabalha e seu contrato de trabalho permanece suspenso, o que leva

à perda da sua qualidade de segurado. Nesta situação, o trabalhador tenta voltar para o

trabalho e não consegue, depois tenta obter um novo benefício por incapacidade e não

consegue, pois já perdeu a qualidade de segurado para o INSS.

A Justiça do Trabalho resolve o emparedamento determinando o retorno do

empregado de forma imediata ao trabalho, depois da alta médica do INSS e, caso o

empregador negue, fica restabelecida a vigência do contrato de trabalho e o dever de o

empregador de pagar os salários do trabalhador9899

.

98

“SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.

DEVER DE REINTEGRAÇÃO IMEDIATA DO EMPREGADO. Dispõe o artigo 63, da Lei 8212/91, cuja

redação é transcrita no artigo 80, do Decreto 3048/99 que "o segurado empregado em gozo de auxílio-doença

será considerado pela empresa como licenciado". Considerando-se que o empregado em auxílio-doença é

considerado licenciado tem-se, como única peroração lógica que, "contrário sensu", findo o benefício

previdenciário, cessa o período de suspensão e o contrato tem sua vigência retomada incontinente e, por

conseqüência, devem ser adimplidas todas as obrigações legais e contratuais existentes entre as partes, eis que se

considera de forma automática o empregado à disposição do empregado” (TRT-SP-2ª Região-Proc.

00285006920095020361-Ac. 4ª Turma 20110199043-Rel. Desemb. Ivani Contini Bramante-Publ. no DOE de

04.03.2011). 99

“0000577-85.2011.5.03.0065 RO (00577-2011-065-03-00-1 RO)-Data de Publicação:11/11/2011-Órgão

Julgador. Primeira Turma-Relator: Marcus Moura Ferreira-Revisor: Convocado Eduardo Aurélio P. Ferri-Tema:

SALÁRIO-ETENÇÃO-Divulgação:10/11/2011. DEJT. Página 127. Boletim: Sim. EMENTA: RETENÇÃO

SALARIAL INJUSTIFICADA - CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS RETIDOS

MANTIDA. Esgotado o período de suspensão do contrato de trabalho, a regra impositiva de pagamento de

salários volta a ter eficácia, mormente quando há prova inconteste, como in casu, de que o obreiro se apresentou

imediatamente ao serviço para retorno às atividades laborais. Nesse contexto, se a empregadora entendia que o

empregado ainda não teria condições de saúde adequadas a uma rotina laboral, caberia a ela, para se eximir de

sua obrigação de pagamento de salários, recorrer contra a decisão do INSS de cessação do referido benefício

previdenciário, da qual resultou o término do período de suspensão do contrato de trabalho. Não tendo a

reclamada assim procedido, deve arcar com a indenização relativa aos salários injustificadamente retidos, nos

termos da condenação imposta em primeiro grau.” (TRT da 3.ª Região; Processo: 00577-2011-065-03-00-1 RO;

116

3.3.1.6 – Reaquisição da Qualidade de Segurado

Por fim, perdida a qualidade de segurado, o mesmo pode readquirir esta condição

quando voltar a exercer atividade remunerada ou a contribuir para a Previdência Social.

Estabelecia o artigo 24, § único, da Lei n° 8.213/91, que o segurado que perdesse esta

qualidade poderia voltar a readquiri-la, contando as contribuições anteriores para fins de

carência de um determinado benefício, desde que cumprisse apenas 1/3 (um terço) da carência

original para adquirir a condição de beneficiário do benefício pretendido.

Contudo, a Medida Provisória 739/2016100

retirou o parágrafo único do referido artigo

24, pelo que ao segurado passou a ser exigido que cumpra todo o período de carência

novamente para que se torne beneficiário de prestações que a exigem.

3.3.2 – Critério Quantitativo (Base de Cálculo e Alíquota)

Ainda, seguindo a estrutura da regra matriz de Paulo de Barros Carvalho, o último

critério a ser analisado do consequente da norma jurídica atinente ao auxílio-acidente é o

critério quantitativo que para a relação estudada, revela o valor da prestação mensal devida ao

segurado.

A prestação é o comportamento devido pelo sujeito passivo ao sujeito ativo da relação,

e pode se constituir na forma de realização de um fato (fazer algo, prestar um serviço) ou na

dação de uma coisa (prestação/benefício). No caso da relação jurídica em estudo, o benefício

auxílio-acidente, devido pelo INSS, ao beneficiário, a análise do critério quantitativo dará a

noção exata do valor que o sujeito passivo (INSS) deve ao beneficiário no caso de concessão

do auxílio-acidente decorrente da ocorrência da hipótese de incidência, cuja obrigação se dá

na forma de pagamento de um valor mensal ao segurado (dação).

O critério quantitativo é composto por dois elementos que o conformam de forma

exata, qual seja, a Base de Cálculo e a Alíquota e deve guardar correspondência lógica e

direta com a hipótese de incidência.

A base de cálculo, denominada por Geraldo Ataliba101

como base imponível102

, é

definida nesta relação jurídica como o referencial numérico tirado da norma que trata do

auxílio-acidente que permite a fixação do valor da prestação devida ao beneficiário.

Data de Publicação: 11/11/2011; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Marcus Moura Ferreira; Revisor:

Convocado Eduardo Aurélio P. Ferri; Divulgação: 10/11/2011. DEJT. Página 127). 100

A MP 739/2016 valia até dia 04/11/2016, mas perdeu sua validade sem ter sido apreciada pelo Congresso até

o momento, podendo, ainda, ser votada em regime de urgência.

117

Em matéria de benefícios da Previdência Social, esse referencial quantitativo é sempre

o salário-de-benefício, como dispõe o artigo 28 da Lei n° 8.213/91:

Art. 28. O valor do benefício de prestação continuada, inclusive o regido por norma

especial e o decorrente de acidente do trabalho, exceto o salário-família e o salário-

maternidade, será calculado com base no salário-de-benefício. (Redação dada pela

Lei nº 9.032, de 1995)

Por sua vez, o salário-de-benefício do auxílio-acidente é definido pelo artigo 29, II, da

Lei n° 8.213/91 (com redação dada pela Lei n° 9.876/99) como “a média aritmética simples

dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período

contributivo”.

Ainda, o parágrafo 2° do artigo 29 da Lei n° 8.213/91 limita o salário-de-benefício

vedando que ele seja inferior ao de um salário mínimo, e superior ao do limite máximo do

salário-de-contribuição na data de início do benefício.

Ensina Daniel Pulino que “o salário-de-benefício constitui manifestação exterior e

objetiva apta a avaliar, em boa parte dos casos, o impacto da incapacidade de trabalho sobre a

vida do segurado e seus familiares [...]”103

, em outras palavras, a função do salário-de-

benefício como base de cálculo do benefício serve para demonstrar o impacto sobre a renda

do segurado derivado de um risco social e, consequentemente, permite a fixação de uma

prestação proporcionalmente compensatória ao dano auferido pelo segurado.

O salário-de-contribuição é definido no artigo 214, do Decreto n° 3.048/99, como toda

e qualquer renda auferida pelo trabalhador (segurado obrigatório) em virtude de seu trabalho e

para o segurado facultativo é a quantia por ele declarada, na contribuição prestada, observados

os limites do salário de contribuição que não pode ser inferior ao salário mínimo e nem

superior ao teto da Previdência Social, estipulado anualmente por Portaria do Ministério da

Previdência Social (hoje incorporado ao Ministério da Fazenda).

A última portaria que atualizou o teto do salário-de-contribuição é a Portaria

Interministerial MTPS/MF Nº 1, de 08 de janeiro de 2016, que fixou o limite em R$ 5.189,82

(cinco mil cento e oitenta e nove reais e oitenta e dois centavos).

101

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 15ª Tiragem. São Paulo: Malheiros Editores,

2014, p.108/119. 102

Para Geraldo Ataliba, a base imponível é um aspecto dimensível que dá a extensão do critério material, ao

contrário de Paulo de Barros Carvalho que coloca a base de cálculo na parte do consequente da regra matriz,

compondo o critério quantitativo. 103

PULINO, Daniel. A Aposentadoria por Invalidez no Direito Positivo Brasileiro. São Paulo: LTr, 2001, p.

159.

118

Logo, vê-se que variável é o salário-de-contribuição, que varia mensalmente em razão

da renda auferida pelo trabalhador ou da quantia declarada pelo segurado facultativo,

enquanto o salário-de-benefício do auxílio-acidente será a média dos 80% (oitenta por cento)

maiores salários-de-contribuição desde julho de 1994.

Ainda, convém salientar que o artigo 31 da Lei n° 8.213/91104

, com redação dada pela

Lei n° 9.528/97, determina que o valor mensal do auxílio-acidente integra o salário-de-

contribuição do segurado para fins de cálculo do salário-de-benefício de qualquer

aposentadoria, e prova que o benefício não é uma indenização como lhe nomeia a lei, mas

renda complementar a do trabalho, em razão da perda de parte da capacidade de trabalho do

segurado.

Outro elemento que compõe o critério quantitativo da norma jurídica do auxílio-

acidente é a alíquota, que é o percentual aplicado sobre o salário-de-benefício para apurar a

exata expressão da prestação do benefício.

Enquanto a base de cálculo é individual, determinável e variável, a alíquota é um fator

genérico estabelecido de forma objetiva pela lei.

Na maioria das vezes, mas nem sempre, a alíquota é fixada na forma de um percentual

sobre a base de cálculo, podendo ser fixa e com valor determinado. Por exemplo: O ISSQN

(Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), em Guarulhos, tem valor fixo para quem

presta serviços de maneira pessoal. Porém, para fins, sobretudo na parte de benefícios, as

alíquotas são fixadas em porcentagem sobre a base de cálculo, e no caso do auxílio-acidente,

sobre o salário-de-benefício.

Hoje, a alíquota do auxílio-acidente é única, na forma do artigo 86, §1°, da Lei n°

8.213/91, com redação dada pela Lei n° 9.528/97105

, que dispõe que o valor mensal do

benefício corresponde a 50% (cinquenta por cento) do salário-de-benefício do segurado:

Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando,

após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza,

resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que

habitualmente exercia. § 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-

benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de

qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.

104

Art. 31. O valor mensal do auxílio-acidente integra o salário-de-contribuição, para fins de cálculo do salário-

de-benefício de qualquer aposentadoria, observado, no que couber, o disposto no art. 29 e no art. 86, § 5º.

(Restabelecido com nova redação pela Lei nº 9.528, de 1997). 105

Foi com a Lei n° 9.032/95 que o benefício passou a ter alíquota única de 50%, mas a Lei n° 9.528/97 a

substitui, mantendo a disposição sobre a alíquota, apenas acrescentando que o benefício seria devido até a

véspera da aposentadoria do beneficiário ou até sua morte.

119

No entanto, antes da alteração do referido artigo, a redação original do artigo 86 da Lei

n° 8.213, de 1991106

, dispunha que o valor do benefício tinha escalas de alíquotas que

poderiam variar de 30% (trinta por cento) a 60% (sessenta por cento) em razão da gravidade

das sequelas sofridas pelo segurado e o tamanho da redução da sua capacidade laboral.

Como o salário de benefício é apurado pela média dos 80% (oitenta por cento) maiores

salários de contribuição do segurado, devidamente reajustados, o menor salário de benefício é

de um salário mínimo, tem-se que, aplicada a alíquota do benefício sobre sua base de cálculo,

o valor do auxílio-acidente poderá ser inferior a um salário mínimo nacional, mas não inferior

a ½ (meio) salário-mínimo, consoante disposto no artigo 29, II e §2° da Lei n° 8.213/91107

, e

não poderá ser superior a 50% (cinquenta por cento) do teto do salário-de-contribuição do

INSS, hoje em R$ 2.594,91108

(dois mil quinhentos e noventa e quatro reais e noventa e um

centavos), dado que o valor do benefício é obtido pela multiplicação da base de cálculo pela

alíquota, por disposição legal. Contudo, como se verá a seguir, há discussões acerca da

natureza do benefício que trazem impacto sobre o seu valor mínimo.

3.3.2.1 – Natureza da Prestação do Auxílio-Acidente

Reza o texto do artigo 86, da Lei n° 8.213/91, que o auxílio-acidente é concedido

como indenização ao segurado que sofre redução da sua capacidade laboral em decorrência de

uma sequela advinda de um acidente de qualquer natureza ou de uma doença ocupacional.

Indenização é a compensação de um dano, e Silvio de Salvo Venosa ensina que, nos

contratos de seguro, “a indenização, ou mais propriamente o pagamento pelo sinistro, decorre

de danos materiais. Denomina-se prestação, quando se tratar de seguro de vida”109

. Seguindo

esta definição civilista, propriamente do mundo dos seguros, todos os benefícios

previdenciários seriam de natureza indenizatória.

106

§ 1º O auxílio-acidente, mensal e vitalício, corresponderá, respectivamente às situações previstas nos incisos

I, II e III deste artigo, a 30% (trinta por cento), 40% (quarenta por cento) ou 60% (sessenta por cento) do salário-

de-contribuição do segurado vigente no dia do acidente, não podendo ser inferior a esse percentual do seu

salário-de-benefício. 107

Art. 29. O salário-de-benefício consiste:

I - para os benefícios de que tratam as alíneas b e c do inciso I do art. 18, na média aritmética simples

dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo,

multiplicada pelo fator previdenciário;

II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18, na média aritmética

simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo.

§ 2º O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do

limite máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício. 108

O teto do salário-de-contribuição, em 2016, é de R$ 5.189,82 (cinco mil cento e oitenta e nove reais e oitenta

e dois centavos). 109

VENOSA, Silvio de Salvo. Contratos em Espécie. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 351.

120

Porém, no direito previdenciário, a prestação do seguro social é classificada como

sendo de natureza indenizatória, ou de natureza substitutiva da renda do trabalho. Isso em

razão de a Constituição Federal (art. 201, §2°) e a Lei n° 8.213/91 (art. 29, §2°) destacarem

que nenhum benefício que substitui o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do

segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.

Dessa forma, no direito previdenciário, as prestações do seguro social foram

categorizadas e o termo genérico indenização foi destinado àquelas prestações que não se

prestam a substituir a renda do trabalho do segurado (como prestações complementares ou

suplementares). O salário-família, por exemplo, não tem natureza salarial e não integra o

salário-de-contribuição do segurado, pelo que se classifica como um benefício de natureza

indenizatória suplementar.

Já Sérgio Pinto Martins ensina que o auxílio-acidente, na construção da Lei n°

8.213/91, deixou de ter natureza de mera indenização civil para se constituir em uma

indenização de natureza previdenciária para compensar o segurado que sofre redução da sua

capacidade laboral. Eis suas palavras:

A natureza jurídica do auxílio-acidente passa a ser de indenização, como menciona o

art. 86 da Lei n. 8.213/91, mas de indenização de natureza previdenciária e não civil.

Tem natureza indenizatória para compensar o segurado da redução da sua

capacidade laboral.

De acordo com as novas disposições do art. 86 da Lei n. 8.213/91, com redação da

Lei n. 9.528/97, o auxílio-acidente não tem natureza suplementar, como ocorria na

Lei n. 6.367/76, nem complementar, nem substitutiva, mas de forma a compensar, a

indenizar o segurado pelo fato de não ter plena capacidade de trabalho em razão do

acidente.110

Na visão deste trabalho, como já referido em capítulo anterior, o próprio fundamento

do benefício mudou do risco profissional para o seguro social, pelo que convém defender que

o auxílio-acidente não é uma simples prestação indenizatória dentro da Previdência Social,

mas uma prestação devida com o fim de eliminar uma necessidade decorrente de um risco

social e substituir parte da renda do segurado, ainda que não constitua um substitutivo da

renda principal do trabalho, ou seja, com respeito ao que assevera Sérgio Pinto Martins,

ousando discordar, a conclusão deste estudo é que o auxílio-acidente tem uma prestação

previdenciária comum, de natureza substitutiva da renda do trabalho e não, meramente,

compensatória de um dano, que deve ser pautada pelos princípios inerentes à Previdência e à

110

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 601.

121

Seguridade Social, tal qual prestações devidas em caso de auxílio-doença e aposentadoria por

invalidez, entre outros.

Neste sentido, convém destacar que mesmo que a lei o atribua a característica de uma

simples indenização e não considere que o auxílio-acidente seja um substitutivo da renda do

trabalho, na verdade, ele constitui, sim, um substitutivo parcial da renda do trabalho (não é um

suplemento e nem um complemento, mas substitutivo da renda que o segurado deixará de

auferir em razão da perda parcial da sua capacidade produtiva), e compõe o salário-de-

contribuição do segurado por expressa disposição legal do artigo 31, da Lei n° 8.213/91.

Neste sentido, mesmo que o segurado tenha seu contrato de trabalho interrompido ou

suspenso, ou mesmo, voluntariamente, fique desempregado (em caso de desemprego

involuntário, além de continuar a receber o auxílio-acidente, o segurado faz jus ao seguro-

desemprego, que é o benefício destinado à cobertura do risco desemprego), e deixe de verter

contribuições para a Previdência Social, ele contará com a renda do auxílio-acidente, que lhe

assegurará a condição de segurado, demonstrando que a prestação do auxílio-acidente não é

apenas uma indenização, mas um verdadeiro benefício previdenciário, que compõe seu

salário-de-contribuição e substitui, mesmo que parcialmente, a sua renda do trabalho.

Além disso, a prestação do auxílio-acidente é mensal, constituindo complemento de

renda do segurado apto a cobrir o risco social a que se destina, ou seja, a prestação do

benefício serve para garantir uma renda ao segurado, proporcional à extensão da sua lesão,

enfim, ele não é uma indenização previdenciária, mas um substitutivo de parte da renda do

segurado.

Igualmente, cabe destacar que desde a lei n° 9.528/97, que restabeleceu o artigo 31 da

Lei n° 8.213/91 com nova redação, o valor da prestação percebida a título de auxílio-acidente,

pelo segurado, compõe o seu salário-de-contribuição, o que reforça, ainda mais, o raciocínio

de que não se trata de uma indenização genérica, mas de uma substituição parcial da renda do

segurado em razão de sequelas que reduzam a sua capacidade laboral. A saber:

Art. 31. O valor mensal do auxílio-acidente integra o salário-de-contribuição, para

fins de cálculo do salário-de-benefício de qualquer aposentadoria, observado, no que

couber, o disposto no art. 29 e no art. 86, § 5º.

Convém salientar que o artigo 214, do Decreto n° 3.048/99, define que os salários-de-

contribuição dos segurados são compostos pela renda proveniente do trabalho dos segurados

obrigatórios, ou pelo valor da contribuição facultativa declarado pelo segurado facultativo,

excetuando as verbas recebidas de cunho indenizatório.

122

É o mesmo que ocorre com o salário-maternidade; ele é considerado salário-de-

contribuição e não há dúvidas de que o valor percebido a título deste benefício não tem

caráter indenizatório, mas se trata de benefício previdenciário com caráter substitutivo da

renda do trabalho.

O valor do auxílio-acidente tem essa mesma natureza do salário-maternidade, com a

diferença de que ele não se presta a substituir totalmente a renda do trabalho, mas uma parte.

Aliás, se o benefício que não tivesse alíquota de 100% (cem por cento) do salário-de-

benefício ganhasse natureza indenizatória, toda aposentadoria proporcional já concedida e

aposentadoria por tempo de contribuição, com incidência do fator previdenciário, deveria ter

natureza indenizatória, destacando que estes benefícios não impedem o segurado de trabalhar

e auferir renda, como no auxílio-acidente.

Por tais razões, a conclusão deste estudo, respeitado o posicionamento majoritário em

contrário, é que o benefício auxílio-acidente não tem natureza indenizatória genérica como

refere, expressamente, a lei, mas fica claro que uma análise sistemática da norma revela que

sua verdadeira natureza é a de benefício previdenciário substitutivo de parte da renda do

segurado, compondo o salário-de-contribuição do mesmo.

3.3.2.2 – Renda Inferior ao Salário-Mínimo

Estabelece a Constituição Federal, no seu artigo 201, §2°, que “nenhum benefício que

substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal

inferior ao salário mínimo”. É o mesmo que dispõe o artigo 2°, VI, da Lei n° 8.213/91.

Por sua vez, como já referido, o parágrafo 2°, do artigo 29, da Lei n° 8.213/91, limita o

salário-de-benefício vedando que ele seja inferior ao de um salário mínimo, enquanto o artigo

86, §1°, da Lei n° 8.213/91, com redação dada pela Lei n° 9.528/97, dispõe que o valor

mensal do benefício corresponde a 50% (cinquenta por cento) do salário-de-benefício do

segurado, logo, por disposição expressa nas regras atinentes ao valor do benefício auxílio-

acidente, qualquer segurado que tenha salário-de-benefício inferior a dois salários mínimos

estará sujeito a perceber auxílio-acidente inferior ao do salário-mínimo.

À primeira vista, as regras do valor do auxílio-acidente parecem conflitar com regra

clara e objetiva da Constituição Federal, pelo que se poderia supor a prevalência da norma

hierarquicamente superior, usando-se o método de solução de antinomias, cabendo a

conclusão primária de que o auxílio-acidente não poderia ter valor inferior ao do salário-

mínimo.

123

Porém, autores, como Fábio Zambitte Ibrahim111

, Miguel Horvath Júnior112

, Hermes

Arrais Alencar113

e Sérgio Pinto Martins114

ensinam que o benefício auxílio-acidente pode ser

inferior ao salário-mínimo, pois a referida incompatibilidade entre as normas seria apenas

aparente, sendo que o auxílio-acidente teria natureza indenizatória e não tem a função de

substituir a renda do trabalho, mas complementá-la, justificando que o beneficiário do auxílio-

acidente pode trabalhar normalmente, enquanto percebe este benefício, como se vê a seguir:

Este benefício poderá ser inferior ao salário-mínimo, já que não visa a substituir a

remuneração do trabalhador. Em verdade, o segurado recebe o benefício mesmo

trabalhando, até sua aposentadoria. Entretanto, em precedente do STF, a questão,

superficialmente abordada pela Corte, acabou por entender que o auxílio-acidente

não poderia possuir renda mensal inferior ao salário-mínimo (RE n° 597.022/RJ,

Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia, 27/10/2009). A decisão é, data venia, equivocada, e

espera-se que seja revista no futuro.115

O auxílio-acidente, à semelhança do salário-família e do auxílio-suplementar, não

apresenta caráter substitutivo da renda do trabalhador, mas complementar, visando

compensar o segurado pela redução da capacidade laborativa.

A concessão de auxílio-acidente não importa afastamento do ambiente de trabalho.

Além da percepção do auxílio-acidente, o segurado permanecerá recebendo sua

remuneração frente ao empregador.116

É fato, sim, que o segurado que goze do benefício auxílio-acidente poderá trabalhar e

auferir renda própria do trabalho, caso em que o benefício, na vida prática do segurado, será

um mero complemento de renda como ensinam os autores acima referidos, assim como,

ocorre com inúmeros aposentados que retornam ou permanecem no mercado de trabalho.

Os tribunais superiores, sobretudo o Superior Tribunal de Justiça, já que o Supremo

Tribunal Federal costuma recusar a apreciação de recurso extraordinário sobre esta matéria,

sob a alegação de que se trata de matéria infraconstitucional, não ocorrendo violação direta à

Constituição Federal, entendem que é perfeitamente possível que o valor do auxílio-acidente

seja inferior ao do salário-mínimo, pelas razões acima expostas, consoante decisão do REsp

n° 226.354/SP117

(posição majoritária do STJ), embora existam importantes precedentes no

111

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 22. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016. 112

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2014. 113

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4. ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito,

2009. 114

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016. 115

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 22. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 671. 116

ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4. ed. São Paulo: Liv. e Ed. Universitária de Direito,

2009, p. 396. 117

PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. BENEFÍCIO. AUXÍLIO SUPLEMENTAR.

CÁLCULO DO BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DA lei. 8.213/91, arts. 86, § 1º. lei 9.032/95. - O benefício de

auxílio-acidente não tem índole substitutiva salarial, sendo passível de aplicação em valor inferior ao mínimo,

conforme determina o art. 40, do Decreto nº 2.172/97. - A Lei 9.032/95 unificou o percentual do auxílio-acidente

em 50% e sua incidência passou a ser calculada exclusivamente sobre o salário de benefício. - Recurso especial

124

sentido de vedar auxílio-acidente com valor inferior ao do salário-mínimo, como na decisão

do REsp n° 263.595/PB118

.

Como muito bem anotado por Fábio Zambitte, na citação acima, de seu livro, há uma

importante decisão no AgR em RE n° 597.022119

de relatoria da Ministra Cármen Lúcia e

julgado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, onde ela destacou que o artigo 201, §2°,

da Constituição Federal, que impossibilita que o valor de benefício previdenciário seja

inferior ao do salário-mínimo, é autoaplicável, pelo que deve prevalecer sobre qualquer

disposição infraconstitucional em sentido contrário, logo, decidiu no caso concreto que o

auxílio-acidente não pode ser inferior ao valor do salário-mínimo, negando provimento ao

recurso do INSS.

A decisão referida é tida como um mero precedente pelo próprio autor que a citou e

que não representa a opinião do Supremo Tribunal Federal, mas é importante destacar que ela

consta na obra A Constituição e o Supremo, na sua 4ª edição, publicada em Brasília, pela

Secretaria de Documentação do Supremo Tribunal Federal, em 2011, na página 1912120

.

Este trabalho, por tudo o que já se expôs, obviamente, discorda de Fábio Zambitte e

Miguel Horvath Júnior, se filiando à tese de que o benefício auxílio-acidente não poderá ter

valor inferior ao do salário mínimo, pelas seguintes razões:

Em primeiro lugar, neste trabalho, se defende que a natureza do benefício auxílio-

acidente não é meramente indenizatória, mas, hoje, se constitui em verdadeiro benefício

previdenciário, destinado à substituição parcial da renda do segurado, financiado por toda a

sociedade, visando proteger o trabalhador que sofra um acidente de qualquer natureza ou uma

doença ocupacional.

conhecido. (REsp n° 226354/SP, Relator: Ministro VICENTE LEAL. Sexta Turma do E. STJ. Data de

Julgamento: 15/06/2000. Data de Publicação: DJ 01.08.2000). 118

RECURSO ESPECIAL - VIOLAÇÃO AO ART. 86, § 1º DA LEI 8.213/91 - AUXÍLIO-ACIDENTE - 50%

DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO - O art. 201 da Constituição Federal estabelece que a previdência social

atenderá à cobertura dos eventos decorrentes de acidente do trabalho, nos termos da lei. A Lei n.º 8.213/91, em

seu art. 86, § 1º, dispõe que o auxílio acidente corresponderá a 50% do salário-de-benefício do segurado, que,

por sua vez, não será inferior a um salário mínimo, nem superior ao limite máximo do salário-de-contribuição na

data do benefício. - Recurso provido. (REsp n° 263.595/PB, Relator: Ministro JORGE SCARTEZZINI. Quinta

Turma do E. STJ. Data de Julgamento: 04/09/2001. Data de Publicação: DJ 08.10.2001). 119

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE

BENEFÍCIO. AUTOAPLICABILIDADE DO ART. 201, § 2º (ANTIGO § 5º), DA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (AgR no RE n° 597022/RJ,

Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA. Primeira Turma do E. STF. Data de Julgamento: 27/10/2009, publicado no

DJe em 20-11-2009). 120

Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/Completo.pdf>.

Acesso em: 20 ago. 2016.

125

Uma segunda razão é, também, como já defendida neste trabalho, que o fundamento

do benefício não é mais o risco profissional, mas ele é um risco social protegido pela

previdência social, sendo toda a sociedade convocada a proteger o trabalhador que se

acidenta, cumprindo seu papel de construtor social, através do seu trabalho.

Em terceiro lugar, o artigo 201, §2° elucida que “nenhum benefício que substitua o

salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao

salário mínimo”. Nesse sentido, convém destacar que o auxílio-acidente compõe o salário-de-

contribuição do segurado, por expressa disposição legal do artigo 31, da Lei n° 8.213/91 e, na

visão deste estudo, ele substitui a renda do segurado, de forma parcial e a interpretação dada

aqui é extensiva, em prol do segurado, no sentido de que a norma constitucional não excluiu

do limite do artigo 201, §2°, o benefício que substitui apenas parte da renda do segurado,

inobstante, uma interpretação gramatical e restritiva do dispositivo normativo possa levar a

entendimento contrário.

Neste sentido, convém destacar, também, o artigo 2°, VI, da Lei n° 8.213/91, que diz

que os benefícios que substituem o salário-de-contribuição não podem ter valor inferior ao

salário-mínimo:

Art. 2º A Previdência Social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos:

[...]

VI - valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário-de-contribuição ou

do rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo;

E, por último, não se pode encarar como verdade absoluta que o auxílio-acidente ainda

guarde a característica de ser um complemento ou suplemento da renda do segurado

beneficiário. Ele é devido, até a aposentadoria, e compõe o salário-de-contribuição, sendo

devido mesmo quando o segurado deixa de trabalhar ou se torna um segurado facultativo ou

contribuinte individual (importante destacar que a troca da atividade profissional é mais

comum para o segurado que goza de auxílio-acidente do que para os demais, em razão da sua

dificuldade em manter a mesma produtividade daquele que não tem nenhuma sequela que lhe

reduza a capacidade de trabalho, o que atrapalha o desenvolvimento de uma carreira ante a

competição no mercado de trabalho), podendo o benefício, muitas vezes, constituir a principal

fonte de renda do segurado.

Em resumo, há muito apego ao passado e à origem histórica do benefício auxílio-

acidente, que leva os juristas, citados acima, a guardarem um olhar conservador sobre este

benefício, defendendo, inclusive, que ele pode ser inferior a um salário-mínimo, fazendo uma

126

interpretação mais restritiva dos artigos 201, §2°, da Constituição Federal e 2°, VI, da Lei n°

8.213/91, mas existem relevantes justificativas que permitem fundamentar a posição deste

trabalho de que é inconstitucional o pagamento de auxílio-acidente inferior ao salário-

mínimo, sendo perfeitamente válidas as regras que estabelecem o critério quantitativo do

benefício, desde que em consonância e respeito ao artigo 201, §2°, da Constituição Federal e,

não sendo admitido valor de benefício inferior ao do salário-mínimo. Neste sentido, cabe

dizer que é válido o artigo 86, §1°, da Lei n° 8.213/91 (dispositivo que estabelece a alíquota

do benefício em 50 do salário-de-benefício), em relação à Carta Magna, encontrando apenas

uma limitação constitucional mínima no valor do auxílio-acidente, que não poderá ser inferior

ao salário-mínimo.

127

CAPÍTULO 4: DINÂMICA DO AUXÍLIO-ACIDENTE

Neste capítulo, serão abordados aspectos inerentes à dinâmica do benefício e que

suscitam dúvidas e, por isso, merecem uma análise mais profunda.

Dinâmica, como se sabe, é um termo relacionado ao movimento e às forças causadoras

e, neste sentido, serão abordados aspectos estreitamente ligados ao movimento do auxílio-

acidente.

Entre os aspectos abordados a seguir estará a questão do início do benefício face ao

confuso texto do artigo 86, §2°, da Lei n° 8.213/91, que pode levar a uma interpretação

equivocada quanto à necessidade de concessão prévia de auxílio-doença para a concessão

posterior do auxílio-acidente.

Também será abordado, neste capítulo, o serviço de reabilitação profissional do INSS

e seu efeito de interrupção de benefícios previdenciários, decorrentes de incapacidade laboral,

quando bem-sucedido, demonstrando que o mesmo não ocorre em relação ao auxílio-acidente,

cuja prestação decorre de fato jurídico (acidente de qualquer natureza ou doença ocupacional

que resulte em sequela que causa a redução da capacidade laboral do segurado), que é

detectado por perícia apenas uma vez, não necessitando de reavaliação periódica para a sua

manutenção, como em outros benefícios devidos em razão da incapacidade laboral.

Ainda, neste capítulo, será estudada a extinção do benefício, sobretudo, em relação à

alteração de sua natureza que deixou de ser vitalícia, bem como a questão do abono anual,

equivalente à gratificação natalina (popularmente denominada 13° salário) dos trabalhadores.

4.1 – Início do Benefício

Como referido no capítulo em que foi abordado o Critério Temporal do auxílio-

acidente, o benefício tem uma data de início implícita na norma e outra data de início

explícita, que devem conversar entre si para que não ocorram desencontros.

Algo relevante para que se possa discorrer sobre início do benefício é dizer que o

INSS não age de ofício neste caso, logo, não basta que o segurado sofra sequela que resulte

em redução da capacidade laboral originária em acidente de qualquer natureza ou doença

ocupacional, é preciso que o segurado faça o pedido do mesmo.

O pedido do benefício pode ser feito na via administrativa pelo próprio segurado ou

por seu empregador (no caso dos segurados subordinados, o que não acontece com o segurado

128

especial que deve fazer o agendamento por si mesmo), salientando que no INSS não há

agendamento específico para o auxílio-acidente, sendo que ele, como a aposentadoria por

invalidez, é agendado como auxílio-doença, cabendo ao perito avaliar quais as extensões e

origem do dano sofrido pelo segurado para que o analista previdenciário conceda o benefício

cabível.

Quando o benefício é pedido em até 30 (trinta) dias a partir da lesão e se constata que

o segurado faz jus ao auxílio-acidente diretamente, o INSS deve concedê-lo a partir da data do

início da sequela que lhe reduzia a capacidade laboral. Por sua vez, passados 30 (trinta) dias

do início do evento em que se constatou a redução da capacidade do segurado para o trabalho,

o benefício será devido a partir da data do requerimento e não da perícia oficial do INSS,

guardando simetria com a aposentadoria por invalidez e com o auxílio-doença, posto que

essas duas situações não são expressas no artigo 86 da Lei n° 8.213/91.

Por sua vez, na forma do artigo 86, §2°, do referido diploma legal, situação já expressa

na norma, o auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte à cessação do auxílio-

doença, quando, obviamente, precedido do referido benefício.

Apesar de não haver citação expressa pela referida norma, por analogia (já que a

situação é similar), tem-se que o início do auxílio-acidente, precedido de aposentadoria por

invalidez, é a data da cessação deste benefício.

Importante salientar que a concessão do auxílio-acidente, quando posterior aos

benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez deve ser feita de ofício pelo INSS,

caso, apesar da alta, fique constatado que o segurado é portador de lesão que resulte em

sequela que lhe reduza a capacidade para o trabalho de forma permanente.

A grande divergência quanto ao início do auxílio-acidente está na falta de uma

situação específica sobre o início do benefício quando não precedido de um auxílio-doença,

pois o texto pouco claro da lei leva a interpretações equivocadas de que o auxílio-acidente só

é concedido após a alta do auxílio-doença, o que é um equívoco como já se viu.

Outra situação importante acerca do início do auxílio-acidente é aquela relativa ao

benefício indeferido pelo INSS e pleiteado no Poder Judiciário, neste caso, o Superior

Tribunal de Justiça fixou entendimento de que o benefício é devido desde o requerimento

administrativo121

, quando pleiteado em prazo superior a 30 (trinta) dias do acidente ou

121

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. TERMO INICIAL. DATA DO

RECEBIMENTO DA COMUNICAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO – CAT PELO INSS. RECURSO

IMPROVIDO. 1. Havendo indeferimento do benefício em âmbito administrativo, o termo inicial dos benefícios

previdenciários de auxílio-acidente, auxílio-doença e aposentadoria por invalidez fixar-se-á na data do

requerimento. Precedentes do STJ. 2. Por conseguinte, in casu, o termo inicial para a concessão do benefício de

129

doença, ou desde a data do acidente, quando pleiteado no prazo inferior a 30 (trinta) dias do

acidente ou doença.

Por fim, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, mesmo com a jurisprudência

afirmando que o Poder Judiciário não pode conhecer pedidos de benefícios que não tenham

sido requeridos administrativamente, tem decisão de que além de conhecer o benefício

auxílio-acidente, pleiteado diretamente ao Poder Judiciário, sem pedido administrativo prévio,

o concede e fixa a data de início do mesmo a partir da data de citação do INSS122

. Agora,

quando a situação é a daquele auxílio-acidente que deveria ter sido concedido

administrativamente pelo INSS, de forma automática, após alta de auxílio-doença ou

aposentadoria por invalidez, quando, realmente, é desnecessário o prévio requerimento

administrativo para pleiteá-lo judicialmente, a sua concessão deve ser concedida pelo

Judiciário, desde o dia posterior à alta do benefício auxílio-doença ou aposentadoria por

invalidez.

4.2 – Cumulatividade com Outros Benefícios

Especificamente, estabelece o artigo 86, §2°, da Lei n°8.213/91 e 104, §2°, do Decreto

n° 3.048/99, que o auxílio-acidente não será acumulado com qualquer outra aposentadoria,

não existindo qualquer restrição para o seu recebimento concomitante a qualquer outro

benefício, exceto também, de dois auxílios-acidentes, consoante artigo 124, V, da Lei n°

8.213/91. Convém verificar, também, o artigo 104 do Decreto n° 3.048/99:

auxílio-acidente deve ser fixado na data do recebimento da Comunicação de Acidente de Trabalho – CAT pelo

INSS, quando se efetuou o requerimento administrativo. 3. Recurso especial improvido. (REsp 928.171/PR.

Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Quinta Turma do E. STJ. Data de Julgamento: 05/02/2009, publicado no

DJe em 09/03/2009). 122 PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.

TERMO A QUO. CITAÇÃO. ART. 219, CPC. LAUDO PERICIAL. INSTRUMENTO QUE NORTEIA A

ATUAÇÃO JUDICIAL DIANTE DE FATOS PREEXISTENTES. 1. Na ausência de prévia postulação

administrativa, a citação deve fixar o início dos benefícios acidentários, nos termos do art. 219 do Código de

Processo Civil. 2. Os aspectos de ordem processual (como a prevenção, litispendência, litigiosidade da coisa), ou

material (como a constituição da mora ou a interrupção da prescrição), não interferem na preexistência do direito

pleiteado. 3. Interpretação que observa o caráter degenerativo e prévio da doença, o qual é pré-existente ao

próprio ato citatório. Sobretudo porque "a apresentação do laudo pericial marca apenas e tão-somente o livre

convencimento do juiz quanto aos fatos alegados pelas partes, não tendo o condão de fixar termo inicial de

aquisição de direitos" (REsp n. 543.533/SP). 4. A manutenção do entendimento firmado no julgado embargado -

termo a quo a partir da juntada do laudo em juízo - desprestigia a justiça e estimula o enriquecimento ilícito do

Instituto, que, simplesmente por contestar a ação, adia injustificadamente o pagamento de um benefício devido

em razão de incapacidade anterior à própria ação judicial. 5. Embargos conhecidos em parte e acolhidos para dar

provimento ao recurso especial da autora e fixar o termo inicial do auxílio-acidente a partir da citação. (EREsp

735.329/RJ. Relator Ministro Jorge Mussi. Terceira Seção do E. STJ. Data de Julgamento: 13/04/2011,

publicado no DJe em 06/05/2011).

130

Art. 104. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado

empregado, exceto o doméstico, ao trabalhador avulso e ao segurado especial

quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer

natureza, resultar seqüela definitiva, conforme as situações discriminadas no anexo

III, que implique:

[...]

§ 2º O auxílio-acidente será devido a contar do dia seguinte ao da cessação do

auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento

auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria.

Outrossim, a despeito de o artigo 102 do Decreto n° 3.048/99 referir que o salário-

maternidade não será acumulado com outro benefício por incapacidade, o entendimento é de

que ele não poderá ser acumulado com auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, cuja

renda é substitutiva da renda integral do segurado, como o próprio salário-maternidade,

podendo ser acumulada com o auxílio-acidente, que tem característica de substituir apenas

parte da renda que o segurado deixe de auferir em razão da redução da sua capacidade laboral:

Art. 102. O salário-maternidade não pode ser acumulado com benefício por

incapacidade. Parágrafo único. Quando ocorrer incapacidade em concomitância com o período de

pagamento do salário-maternidade, o benefício por incapacidade, conforme o caso,

deverá ser suspenso enquanto perdurar o referido pagamento, ou terá sua data de

início adiada para o primeiro dia seguinte ao término do período de cento e vinte

dias.

Contudo, antes, o benefício auxílio-acidente tinha caráter vitalício e sua

impossibilidade de cumulação com a aposentadoria é algo recente, derivado da alteração

promovida pela Lei n° 9.528/1997, assim, dado que a lei não pode prejudicar o direito

adquirido, firmou-se entendimento de que benefícios auxílio-acidente, concedidos até 10 de

dezembro de 1997, podem ser acumulados à aposentadoria, esta é a lição de Miguel Horvath

Júnior:

Até a Lei 9.528, de 10 de dezembro de 1997, o auxílio-acidente tinha natureza

vitalícia. A referida lei dispõe que o auxílio-acidente é devido até a véspera do início

de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.

Assim, em respeito à previsão constitucional do art. 5°, inciso XXXVI, há

necessidade de se respeitar o direito adquirido. O ato jurídico perfeito e a coisa

julgada. E a perda da vitaliciedade do auxílio-acidente só projetará efeitos para os

benefícios concedidos a partir de 11 de dezembro de 1997.123

Mais especificamente, a decisão abaixo transcrita do Tribunal Regional Federal da 3ª

Região, que faz referência ao entendimento já sedimentado na Jurisprudência, assevera que

para serem cumuláveis, tanto a aposentadoria, quanto o auxílio-acidente, devem ter sido

concedidos até 10 de dezembro de 1997:

123

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2014, p. 395.

131

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA.

AUXÍLIO-ACIDENTE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.

CUMULAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

CONCEDIDA APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 9.528/97.

IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DA PARTE IMPETRANTE IMPROVIDA. 1.

A cumulação do auxílio-acidente com a aposentadoria só é possível se ambos os

benefícios forem anteriores à Lei nº 9.528/97, o que não é o caso dos autos, visto

que a concessão do benefício por incapacidade ocorreu em 25/01/1983 e a

aposentadoria foi deferida em 10/02/2003. 2. O Superior Tribunal de Justiça já

decidiu que a legislação em vigor impede que o benefício do auxílio-acidente seja

pago em conjunto com a aposentadoria, caso um desses benefícios tenha sido

concedido após a entrada em vigor da Lei 9.528/97. 3. Apelação do impetrante

improvida.124

Por outro lado, para amenizar o prejuízo dos segurados, o valor percebido a título de

auxílio-acidente passou a ser incluído no salário de contribuição do segurado, dado que, seu

valor acaba por ser integrado ao cálculo do salário de benefício do trabalhador, elevando o

valor da sua aposentadoria, dando à prestação do benefício inequívoca natureza de renda e

não de mera indenização.

Ainda, os mesmos fatos não podem dar direito ao ensejo de dois benefícios

concomitantes e diferentes, assim sendo, o mesmo acidente/doença não pode implicar na

concessão de auxílio-doença e auxílio-acidente ao mesmo tempo, posto que, havendo

necessidade futura de auxílio-doença, decorrente de fato pelo qual o segurado já recebe

auxílio-acidente, este será suspenso enquanto perdurar o auxílio-doença, sendo restabelecido

ao fim deste. Por outro lado, não é proibida a cumulação do auxílio-doença com o auxílio-

acidente quando decorrentes de acidentes ou doenças diferentes.

4.3 – Reabilitação Profissional: Alta do Benefício?

A reabilitação profissional não é um benefício previdenciário e, sim, um serviço da

Previdência Social, prestado pelo INSS, que tem o objetivo de proporcionar os meios e

condições para a readaptação profissional ou a sua reeducação para possibilitar o retorno do

trabalhador ao mercado de trabalho, ainda que em outra atividade, depois de uma doença ou

acidente. Neste sentido, Carlos Alberto Pereira de Castro aduz que:

124

Brasil. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Acórdão em Recurso de Apelação. Processo n° 0002728-

22.2015.4.03.6126. Relator DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO. e-DJF3 Judicial 1

DATA:13/05/2016. Disponível em:

<http://www.trf3.jus.br/NXT/Gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=trf3e:trf3ve>. Acesso em: 24 jul.

2016.

132

A habilitação e a reabilitação profissional são serviços que devem propiciar ao

beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas

portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e (re)adaptação profissional

e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que

vivem – Lei n. 8.213/91, art. 89.

São de caráter compulsório aos segurados em auxílio-doença e aposentadoria por

invalidez, e aos dependentes inválidos – art. 90 da Lei do RGPS.

[...]

É realizado por meio do atendimento individual e/ou em grupo, por profissionais das

áreas de medicina, serviço social, psicologia, sociologia, fisioterapia, terapia

ocupacional e outras afins, objetivando a definição da capacidade laborativa e da

supervisão por parte de alguns desses profissionais para acompanhamento e

reavaliação do programa profissional.125

Hoje, o Programa de Reabilitação Profissional está bem limitado, em vias de

desaparecimento, mas, quando o segurado que percebe algum benefício, decorrente de

incapacidade laboral, e é encaminhado para este programa, sua participação é obrigatória,

sendo que sua ausência pode levar à suspensão do benefício por ele percebido,

independentemente da idade, sendo este programa gratuito e custeado pelo INSS.

Pelo programa de habilitação/reabilitação profissional, o INSS fornecerá ao segurado

os recursos materiais necessários à sua reabilitação profissional, incluindo próteses, órteses,

taxas de inscrição e mensalidades de cursos profissionalizantes, implementos profissionais

(materiais indispensáveis ao desenvolvimento da formação/treinamento profissional),

instrumentos de trabalho (materiais imprescindíveis ao exercício de atividade laborativa),

transporte e alimentação.

O atendimento da reabilitação profissional, também, é um direito dos segurados e não

apenas um dever, já que o trabalhador tem direito a um tratamento que melhore sua qualidade

de vida.

Os segurados que recebem auxílio-acidente, ou outro benefício ligado à incapacidade

para o trabalho, ou que não tenham direito ao auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez,

por não terem completado o tempo de carência, mas que estejam incapacitados para o

trabalho, além de segurados em gozo de aposentadoria especial por tempo de contribuição,

que tenham reduzido sua capacidade funcional, têm atendimento preferencial no programa de

reabilitação.

O programa também permite acesso de pessoa com deficiência que não tenha vínculo

com o INSS, por meio de convênios ou acordos de cooperação. Assim como os dependentes

de segurados do INSS, mas sem qualquer prioridade, dentro da possibilidade técnica e

financeira da unidade de atendimento do programa.

125

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 13. ed. São

Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 717-718.

133

Além disso, não há carência para que o segurado possa ter direito a este serviço.

Ao se concluir o programa de reabilitação profissional, o INSS emite certificado para

o segurado, indicando a atividade para a qual ele foi capacitado ou reabilitado, sendo que,

caso ele, ainda, preserve seu contrato de trabalho, o empregador é obrigado a readmiti-lo na

função adaptada, fazendo o segurado jus ao auxílio-acidente, caso seja portador de sequela

que reduza sua capacidade laboral ou exija maior esforço para manter sua produtividade.

Além disso, a contratação de pessoa reabilitada entra na contagem da porcentagem de pessoas

com deficiência que grandes empresas devem cumprir.

Enfim, esse é um serviço muito precioso prestado pelo INSS, um verdadeiro serviço

de Seguridade Social, que tem por objetivo resgatar a dignidade da pessoa humana, decorrente

do direito de trabalhar, bem como, visa a melhoria das condições de vida do segurado, não

devendo ser precarizado, mas incentivado, ao máximo, pelo bem do próprio sistema da

Seguridade Social.

A reabilitação não se confunde com a alta médica ou recuperação, inobstante guardem,

em comum, efeitos como a cessação do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez, mas

jamais do auxílio-acidente.

A recuperação implica no total restabelecimento do segurado da incapacidade laboral,

é a chamada alta médica, que resulta na volta do segurado ao trabalho ou às suas atividades

cotidianas, sem qualquer limitação ou com limitação parcial, caso em que o segurado poderá

fazer jus ao auxílio-acidente.

Uma vez concedido o auxílio-acidente, tanto a reabilitação, quanto a recuperação

médica não implicam em cancelamento do benefício, que uma vez concedido, é devido até a

morte do segurado ou até sua aposentadoria.

Ao contrário dos demais benefícios por incapacidade, a submissão periódica à perícia

não ocorre no auxílio-acidente, acontecendo, apenas, consoante texto do artigo 101 da Lei n°

8.213/91, para o segurado que recebe auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e para

pensionistas inválidos. Porém, para os maiores de 60 (sessenta) anos, ela não é mais

obrigatória, vez que a lei presume a impossibilidade de recuperação destes segurados,

conforme §1° do mesmo artigo referido, com redação dada pela Lei n° 13.063/2014.

O artigo 93, §1°, da Lei n° 8.213/91 garante que o empregado reabilitado só pode ser

dispensado após prévia contratação de empregado com deficiência ou reabilitado para

substitui-lo.

Quando este estudo defende que o fundamento do benefício é o risco social e que a

natureza de sua prestação não é a de indenização, mas de benefício previdenciário substitutivo

134

parcial da renda, que deixe de ser ganha em razão da redução da capacidade laboral do

segurado, obviamente, que em nome de um raciocínio lógico coerente, acaba por defender

que a plena recuperação do segurado (não a reabilitação) deve ser causa de extinção do

benefício, uma vez que superado o risco social que lhe deu causa, contudo, isto, por si só, não

confere ao benefício caráter indenizatório.

4.4 – Abono Anual

O auxílio-acidente é um benefício de prestação mensal como já se falou, pelo que, a

priori, o INSS deve pagar ao segurado 12 (doze) prestações por ano ao segurado beneficiário

do auxílio-acidente.

Contudo, apesar de a lei considerar que este benefício tem caráter indenizatório e não

substitutivo da renda do trabalho, ao contrário, do que defende este trabalho, tal como o

auxílio-doença, a aposentadoria, a pensão por morte e o auxílio-reclusão (benefícios cujas

prestações se destinam a substituir a renda do trabalho e não a indenizar o trabalhador), o

beneficiário do auxílio-acidente faz jus ao abono anual previsto no artigo 40 da Lei n°

8.213/91126

.

A saber, o abono anual previsto, na norma citada, equivale à gratificação natalina

devida ao empregado por seu empregador, também denominado de 13° salário, para os

beneficiários dos benefícios acima referidos, que é um pagamento anual no valor de uma

prestação mensal do benefício proporcional ao número de meses em que o beneficiário do

auxílio-acidente tenha percebido este benefício durante um ano.

O fato de o abono ser devido no caso do auxílio-acidente é um elemento que faz

refletir sobre a natureza do mesmo, pois não é lógico e razoável atribuir o pagamento de um

abono a uma prestação indenizatória, sendo que isto é mais um elemento de convicção de que

o benefício em estudo realmente não tem mais uma natureza indenizatória, mas é um

benefício previdenciário pleno, uma proteção social para aquele que sofre redução parcial da

sua capacidade laboral.

126

Art. 40. É devido abono anual ao segurado e ao dependente da Previdência Social que, durante o ano, recebeu

auxílio-doença, auxílio-acidente ou aposentadoria, pensão por morte ou auxílio-reclusão.

Parágrafo único. O abono anual será calculado, no que couber, da mesma forma que a Gratificação de Natal dos

trabalhadores, tendo por base o valor da renda mensal do benefício do mês de dezembro de cada ano.

135

4.5 – Extinção do Benefício e o Fim da Natureza Vitalícia

Neste capítulo, já se viu o início do auxílio-acidente entre outros elementos acerca da

sua dinâmica, agora convém ver a forma pela qual ele é cessado ou se extingue.

Primeiro, convém destacar que, como dito em capítulos anteriores, a alta médica e

plena recuperação da capacidade laboral não são elementos que justificam a cessação do

benefício auxílio-acidente na atual conformação da norma jurídica do auxílio-acidente, ainda

que este estudo entenda e defenda que a plena recuperação e superação das sequelas redutoras

da capacidade laboral do segurado devesse ser considerada causa de extinção do benefício,

uma vez que implica na superação do risco social protegido.

Um segundo ponto relevante, ainda extraível dos capítulos anteriores, é que o auxílio-

acidente não é cumulável com aposentadorias, pelo que o benefício é extinto quando

concedida aposentadoria. Neste sentido, é o parágrafo 1° do artigo 86 da Lei n° 8.213/91.

Viu-se também que ele não é cumulável com outros benefícios por incapacidade, decorrentes

do mesmo fato, contudo, não se pode dizer que seja caso de extinção do benefício auxílio-

acidente, conquanto, em verdade, ele fique suspenso e, em caso de alta do auxílio-doença ou

da aposentadoria por invalidez, o benefício é retomado.

Aliás, o referido artigo revela duas hipóteses de extinção do benefício, hoje: a morte

do segurado e a aposentação.

Em relação à morte, convém salientar que o auxílio-acidente é personalíssimo, devido

apenas ao segurado beneficiário, intransmissível com a sua morte, logo, seus dependentes não

fazem jus a perceber o benefício.

Quanto à segunda forma, a aposentadoria extingue o benefício desde a publicação da

Lei n° 9.528, em 11 de dezembro de 1997, em razão de esta norma ter alterado o dispositivo

do parágrafo 1° da Lei n° 8.213/91 e acabado com a possibilidade de cumulação dele com a

aposentadoria, acabando com a sua natureza vitalícia, por outro lado, o incorporou ao salário-

de-contribuição do segurado.

Antes da referida alteração legal, o auxílio-acidente era devido até a morte do

segurado beneficiário, podendo ser acumulado com outros benefícios previdenciários, tendo,

como já referido, uma natureza vitalícia.

Contudo, qual é a natureza dos benefícios auxílio-acidente que já haviam sido

concedidos antes da Lei n° 9.528 entrar em vigor em 11 de dezembro de 1997?

136

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a alteração da natureza dos benefícios

atingiu até mesmo aqueles concedidos antes da entrada em vigor da referida lei, consoante

inteligência da súmula 507:

Súmula 507: A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a

lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/1997, observado o

critério do art. 23 da Lei n. 8.213/1991 para definição do momento da lesão nos

casos de doença profissional ou do trabalho.

A saber, a referida súmula firmou o entendimento de que para serem cumuláveis o

auxílio-acidente e a aposentadoria, necessariamente, deveriam ter sido concedidos antes de 11

de dezembro de 1997, considerando a data de início do auxílio-acidente como a data da

ocorrência da redução da capacidade laborativa.

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é, contudo, passível de

questionamentos, isso porque, o ato jurídico perfeito se concretiza no momento da concessão

do benefício, logo, uma regra que altera a natureza de um benefício deveria produzir efeitos

“ex nunc”, não podendo modificar a natureza de benefícios já concedidos e que tinham, até 11

de dezembro de 1997 a característica de vitaliciedade.

Assim, o entendimento correto, ao contrário do defendido pela referida Corte é o de

que o auxílio-acidente é que deve ser anterior à entrada em vigor da Lei n° 9.528/97 e não a

aposentadoria, pois ele manteria sua característica de vitaliciedade e seria perfeitamente

cumulável com a aposentadoria, pois uma norma de direito material não pode alterar a

natureza de um benefício já concedido e adquirido sob circunstâncias próprias de lei anterior.

Esse entendimento é a aplicação de uma reformatio in pejus com efeitos retroativos,

contra o segurado, no que difere da reformatio in melius. A reforma legal, com produção de

efeitos retroativos, é perfeitamente admissível quando é para beneficiar o segurado, mas não

para prejudicá-lo, é o que ocorreu no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da

majoração dos auxílios-acidentes de alíquotas de 30% e 40% a partir da Lei n° 9.032/95, que

unificou a alíquota do auxílio-acidente em 50%. Neste caso, a referida Corte entendeu que os

benefícios anteriores à lei poderiam ser majorados127

. Contudo, é um absurdo aventar o

127 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. FIXAÇÃO DAS CUSTAS

E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROVIMENTO DO REGIMENTAL. 1. Os ônus sucumbenciais,

uma vez provido o Recurso Extraordinário, devem ser fixados por esta Corte. Tal entendimento encontra

jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal Federal: RE 597.389 QO-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe

21/08/2009, RE 523.751-ED-ED, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 14/6/2011, RE 496.001-AgR, 2ª Turma,

Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 04/12/2009. 2. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou:

“PREVIDENCIÁRIO. LEI DE REGÊNCIA. APLICAÇÃO IMEDIATA DA NORMA MAIS BENÉFICA.

137

contrário, pois a lei não pode retroagir para prejudicar o segurado, violando o princípio de que

a norma vigente ao tempo é que rege o ato.

Ainda, o artigo 129 do Decreto n° 3.048/99, regulamentando a Lei n° 8.213/91, traz

outra hipótese de cessação do auxílio-acidente, que é a emissão de certidão de tempo de

contribuição para fins de utilização de tempo de contribuição junto ao RGPS em um Regime

Próprio do servidor.

Óbvio que essa situação é equivalente à da aposentadoria do segurado, pois tratada na

parte do decreto que aborda a compensação de regimes, havendo a presunção relativa de que

o segurado que pede a certidão de tempo de contribuição, necessariamente, se aposentará

utilizando o tempo do INSS, pelo que seria cabível a extinção do benefício em razão de

aposentação. Porém, essa presunção é relativa e, muitas vezes, o segurado não obtém a

aposentadoria em outro regime, mas apenas pede a averbação de tempo do INSS a fim de

viabilizar aposentadoria futura.

Neste caso, não havendo concessão de aposentadoria, tal como definido pela Lei n°

8.213/91, não se pode cessar o auxílio-acidente, sob pena de afronta à Lei por um Decreto,

sendo que por critérios de resolução de antinomias aparentes do sistema jurídico, normas

legais gozam de hierarquia sobre os decretos, prevalecendo sobre estes.

Enfim, hoje, dada a alteração da Lei n° 8.213/91, produzida pela Lei n° 9.528/97, o

auxílio-acidente perdeu sua natureza vitalícia, posto que o benefício pode ser cessado em

decorrência de morte ou aposentadoria do segurado beneficiário, ficando temporariamente

suspenso, em caso de concessão de benefício por incapacidade laboral, com mesmo fato

gerador do auxílio-acidente, sendo retomado ao fim destes outros benefícios.

4.6 – Proteção Social em Caso de Acidente ou Doença

Hodiernamente, supõe-se que acidentes seriam riscos sociais protegidos pelo auxílio-

acidente, dado o seu nome. Contudo, já foi visto, anteriormente, que a leitura do artigo 86,

POSSIBILIDADE. UNIFICAÇÃO DO PERCENTUAL DO AUXÍLIO ACIDENTÁRIO. MAJORAÇÃO. 50%

(CINQUENTA POR CENTO). APELO PROVIDO EM PARTE. DECISÃO INDISCREPANTE. 1. As

particularidades próprias à legislação infortunística afastam-na da regra contida no princípio do tempus regit

actu, impondo-se, nesses casos, a aplicação da norma mais favorável ao segurado, sendo irrelevante a

data do sinistro. 2. Conforme entendimento hodierno dos Tribunais, a Lei mais benéfica ao segurado

retroage para beneficiá-lo, atingindo os casos pendentes, bem como os já concedidos. Precedentes do STJ. 3. A

unificação do percentual relativo ao acidente-de-trabalho em percentual superior ao percebido pelo demandante

implica majoração do benefício em análise. 4. Apelo parcialmente provido. Decisão unânime.” 3. Agravo

regimental PROVIDO. (RE 612.982 AgR/PE. Relator Ministro Luiz Fux. Primeira Turma do E. STF. Data de

Julgamento: 28/05/2013, publicado no DJe em 30/10/2014).

138

caput, da Lei n° 8.213/91, impede qualquer confusão conceitual sobre este benefício, ele é

dirigido a proteger o segurado que sofre sequelas decorrentes de um acidente de qualquer

natureza ou de uma doença ocupacional, que reduzam a capacidade laboral do segurado:

Como já visto, também, e vale a pena ser destacado, o auxílio-acidente não se destina

a proteger apenas quem sofre lesão parcialmente incapacitante que decorra de acidente de

trabalho, mas protege o segurado do acidente de qualquer natureza, como destacado no caput

do artigo supracitado e de doenças profissionais e do trabalho equiparadas ao acidente de

trabalho, consoante disposto no artigo 20 da Lei n° 8.213/91, que também implique em maior

esforço para a realização das mesmas atividades laborais por parte do segurado, ainda, que

sem implicações de incapacidade para a realização de uma determinada atividade específica

do trabalho.

Outrossim, a lesão sofrida pelo segurado dá a ele direito ao auxílio-acidente pelas

consequências que ele produz e não pelo evento em si que o causou, dado que em caso de

redução parcial da capacidade laboral do segurado, ele fará jus ao auxílio-acidente.

Porém, inobstante a indiferença legal do fato que originou a redução da capacidade

laboral do segurado, administrativamente, conservando resquícios de quando o benefício era

destinado apenas àqueles que se acidentassem no trabalho, o benefício é concedido pelo INSS

de duas formas: como benefício acidentário e como benefício previdenciário, pelo que cumpre

discorrer, brevemente, sobre estas espécies adiante.

4.6.1 – Espécies de Auxílio-Acidente

Como referido, o INSS concede benefícios de espécie acidentária e previdenciária.

Para todas as espécies de benefício que concede, o INSS lhes atribui um número de

espécie, sendo que, o auxílio-acidente acidentário recebe o número 94 e o auxílio-acidente

previdenciário recebe o número 36.

São considerados benefícios auxílio-acidente da espécie acidentária aqueles que

decorrem de acidente de trabalho ou de evento equiparado, como as doenças ocupacionais.

Por sua vez, o auxílio-acidente previdenciário é aquele concedido ao segurado quando sua

lesão resulta de um acidente de qualquer natureza não relacionada ao trabalho.

É importante destacar a diferença entre eles, pois guardam diferentes consequências

quanto à Justiça competente para julgar o mérito da matéria (efeito previdenciário), já que no

primeiro caso, será competente para julgamento do benefício a Justiça Estadual, e no segundo

caso, a Justiça Federal será a competente (conforme artigo 109, I, da Constituição Federal).

139

Além disso, no primeiro caso, ele dá direito ao segurado à estabilidade no emprego de 12

(doze) meses – consoante artigo 118 da Lei n° 8.213/91 – e ao depósito no Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço durante a suspensão do contrato de trabalho, enquanto, no segundo

caso, não há direito à estabilidade no emprego e tampouco ao depósito fundiário.

Contudo, para os fins específicos do auxílio-acidente, não há importância esta

distinção administrativa feita pelo INSS, já que o benefício será concedido de forma igual.

Urge destacar que, reconhecendo o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário do

evento que levou à lesão, que reduziu a capacidade laboral do segurado com o trabalho, o

INSS poderá alterar, automaticamente, a espécie do auxílio-acidente concedido,

independentemente de existência de Comunicação de Acidente de Trabalho, gerando os

mesmos efeitos acima referidos.

140

CAPÍTULO 5: CONSEQUÊNCIAS DO ACIDENTE DE TRABALHO

Neste capítulo, serão abordadas as principais consequências do acidente de trabalho

(devendo a expressão ser tomada no sentido amplo para englobar as doenças ocupacionais e

eventos equiparados), buscando-se fazer uma conexão, quando possível, com o benefício

auxílio-acidente.

Assim, a seguir, será estudada a garantia de emprego do segurado que sofre acidente,

mostrando que esta garantia independe de existência de redução da capacidade laboral do

empregado.

Ainda, será vista, a obrigatoriedade de emissão de Comunicação de Acidente de

Trabalho pelo empregador em caso de acidente de trabalho ou evento equiparado, mesmo que

disso não decorra responsabilidade civil do empregador ou benefício previdenciário.

A questão da responsabilidade civil do empregador, em caso de acidentes de trabalho e

a obrigatoriedade de depósito do FGTS, também serão estudadas a seguir.

5.1 – Estabilidade no Emprego do Acidentado

Como o auxílio-acidente é devido em razão de uma incapacidade laboral parcial para o

segurado que sofra um acidente, ou seja acometido por uma doença ocupacional, a concessão

deste benefício, após a alta do auxílio-doença, restabelece a vigência do contrato de trabalho

do empregado, enquanto aquele concedido diretamente, nem chega a suspender a vigência do

mesmo contrato, o que autoriza o segurado a retomar suas atividades laborais, sem prejuízo

do benefício.

Contudo, o retorno para o trabalhador que sofreu acidente do trabalho ou evento

equivalente (doença ocupacional) gera direito ao segurado subordinado à estabilidade no

emprego de 12 (doze) meses, consoante dispõe o artigo 118 da Lei n° 8.213/91, desde que ele

tenha sido afastado do trabalho por mais de 15 (quinze) dias em razão desta lesão, fazendo jus

ao benefício auxílio-doença acidentário:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo

mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após

a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de

auxílio-acidente.

141

Aquele trabalhador que percebe diretamente o benefício auxílio-acidente, sem fazer

jus ao prévio auxílio-doença, não tem direito à estabilidade prevista em lei, o que não impede

que Convenções Coletivas de Trabalho ajustem estabilidade provisória para o trabalhador

nestes casos.

A estabilidade provisória implica em restringir o direito do empregador de dispensar

imotivadamente o trabalhador durante a vigência deste direito. Por conta desta restrição legal

do direito potestativo do empregador de dispensar seu empregado, houve certo dissenso

doutrinário, a princípio, acerca da constitucionalidade do artigo 118 da Lei n° 8.213/91.

Porém, acertadamente, os tribunais definiram pela constitucionalidade da referida

norma, como ensina Sérgio Pinto Martins:

O fato de a Constituição só conceder garantia de emprego ao dirigente sindical (art.

8°, VIII), ao cipeiro (art. 10, II, a, do ADCT) e à gestante (art. 10, II, b, do ADCT),

não obsta que a lei ordinária estabeleça outras garantias de emprego, pois a Lei

Magna traz em seu bojo um mínimo de direitos a serem observados pelo

empregador, até porque as Constituições anteriores nunca tinham versado sobre

estabilidade provisória, o que não impedia de estabelecê-la via lei ordinária, como

foi (arts. 165 e 543, §3° da CLT).

Logo, inexiste inconstitucionalidade do comando legal em comentário, podendo

perfeitamente a lei ordinária veicular matéria sobre garantia de emprego, como

ocorre com o membro do CNPS (§7° do art. 3° da Lei n. 8.213/91), com o

representante dos empregados no Conselho Curador do FGTS (§9° do art. 3° da Lei

n. 8.036/90, com o cipeiro) (art. 165 da CLT, com o dirigente de cooperativa de

empregados) (Lei n° 5.764/71), nas leis eleitorais, e futuramente pode também haver

estabilidade para o delegado sindical ou o representante dos empregados na empresa

(art. 11 da Constituição).

O STF rejeitou o pedido da Ação Direta de Inconstitucionalidade que pedia a

inconstitucionalidade do art. 118 da Lei n. 8.213/91, por não se atritar com o inciso I

do art. 7° da Constituição (ADIn 639-8-DF, j. 2.6.05, Rel. Min. Joaquim Barbosa,

DJU 9-11-2005).128

Óbvio, que só tem estabilidade no emprego quem é empregado e ativo para um

empregador, por meio de contrato de trabalho. Ocorre que, desde a Lei Complementar n°

150/2015, o empregado doméstico passou a fazer jus ao benefício auxílio-acidente e os

infortúnios relacionados ao seu trabalho passaram a serem definidos, também, como acidente

de trabalho.

Assim, inobstante expressa disposição legal em contrário, parece que a partir de

vigência da referida norma, o empregado doméstico passou a fazer jus à estabilidade prevista

no artigo 118 da Lei n° 8.213/91.

Ainda, como o artigo 93 da Lei n° 8.213/91 concede especial proteção ao empregado

reabilitado ou com deficiência vedando sua dispensa, mesmo quando foram contratados por

128

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 610.

142

tempo determinado, a estabilidade do artigo 118 da mesma lei deve ser estendida igualmente

para empregados contratados por prazo determinado que sofram acidente de trabalho ou

doença ocupacional, da mesma forma que aquele com vínculo de emprego por prazo

indeterminado.

Portanto, o segurado que sofre acidente do trabalho ou doença ocupacional é quem

tem direito à estabilidade legal, após a cessação do auxílio-doença acidentário, mesmo que

não venha a perceber o auxílio-acidente, ou seja, fará jus à estabilidade, ainda que, do

acidente ou evento equiparado não resulte sequela permanente.

5.2 – Emissão do CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho)

Dispõe o Decreto n° 3.048/99, em seu artigo 337, que o acidente do trabalho é

identificado perante perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o

trabalho e o agravo.

Ainda, este mesmo decreto dispõe, em seu artigo 336129

, que a empresa deve

comunicar à Previdência Social os acidentes de trabalho ocorridos com os segurados

empregados e avulsos até o primeiro dia útil seguinte ao acidente, sob pena de multa do artigo

286130

, para fins estatísticos e epidemiológicos:

129

Art. 336. Para fins estatísticos e epidemiológicos, a empresa deverá comunicar à previdência social o acidente

de que tratam os arts. 19, 20, 21 e 23 da Lei nº 8.213, de 1991, ocorrido com o segurado empregado, exceto o

doméstico, e o trabalhador avulso, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de

imediato, à autoridade competente, sob pena da multa aplicada e cobrada na forma do art. 286. (Redação dada

pelo Decreto nº 4.032, de 2001).

§ 1º Da comunicação a que se refere este artigo receberão cópia fiel o acidentado ou seus dependentes,

bem como o sindicato a que corresponda a sua categoria.

§ 2º Na falta do cumprimento do disposto no caput, caberá ao setor de benefícios do Instituto Nacional

do Seguro Social comunicar a ocorrência ao setor de fiscalização, para a aplicação e cobrança da multa devida.

§ 3º Na falta de comunicação por parte da empresa, ou quando se tratar de segurado especial, podem

formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou

qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo. (Redação dada pelo

Decreto nº 4.032, de 2001).

§ 4º A comunicação a que se refere o § 3º não exime a empresa de responsabilidade pela falta do

cumprimento do disposto neste artigo.

§ 5º (Revogado pelo Decreto nº 3.265, de 1999).

§ 6º Os sindicatos e entidades representativas de classe poderão acompanhar a cobrança, pela

previdência social, das multas previstas neste artigo. 130

Art. 286. A infração ao disposto no art. 336 sujeita o responsável à multa variável entre os limites mínimo e

máximo do salário-de-contribuição, por acidente que tenha deixado de comunicar nesse prazo.

§ 1º Em caso de morte, a comunicação a que se refere este artigo deverá ser efetuada de imediato à

autoridade competente.

§ 2º A multa será elevada em duas vezes o seu valor a cada reincidência.

§ 3º A multa será aplicada no seu grau mínimo na ocorrência da primeira comunicação feita fora do

prazo estabelecido neste artigo, ou não comunicada, observado o disposto nos arts. 290 a 292.

143

O nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo é verificado quando existe

relação entre a atividade econômica da empresa e a causa da incapacidade.

Nesses termos, o reconhecimento do acidente de trabalho independe, propriamente, da

emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) pela empresa, uma vez que ela

depende de perícia do INSS, mas, isso, não desobriga a empresa de emitir a CAT, mesmo

porque ela pode ser usada para fins trabalhistas.

Ensina Sérgio Pinto Martins que a empresa tem o dever de emitir a CAT, assim como,

o empregador doméstico, já atentando para as alterações introduzidas pela Lei Complementar

n° 150/2015, contrariando disposição do artigo 336 do Decreto n° 3.048/99, bem como

explica que, na falta de comunicação emitida pela empresa, o próprio acidentado, os

dependentes, o sindicato, o médico que atendeu o segurado ou qualquer autoridade pública

podem fazer a emissão da CAT:

O acidente deverá ser comunicado pela empresa ou pelo empregador doméstico à

Previdência Social até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de

morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o

limite mínimo e máximo do salário de contribuição, sucessivamente aumentada nas

reincidências.

O acidentado e seus dependentes receberão cópia da comunicação do acidente de

trabalho, bem como o sindicato a que corresponda a categoria.

Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio

acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o

assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nesses casos o prazo de

comunicação anteriormente mencionado.131

É normal muitas empresas recusarem a emissão da CAT como forma de se esquivar da

responsabilidade civil atinente aos danos causados ao trabalhador em caso de acidente de

trabalho. Igualmente, de forma equivocada, outras tantas empresas deixam de emitir a devida

CAT, quando o acidente não implica em afastamento do trabalho por período superior a 15

(quinze) dias, devendo a comunicação ser emitida, independentemente, da duração do

afastamento, dependendo, exclusivamente, da ocorrência de acidente de trabalho, sob pena de

multa.

Independentemente do fato de não haver afastamento superior a 15 (quinze) dias do

trabalho, a ocorrência do acidente pode gerar o dever de o empregador indenizar o

empregado, assim como, não desobriga a empresa de cumprir a lei trabalhista e preservar a

saúde do trabalhador, salientando que o artigo 7°, XXVIII, da Constituição Federal, garante

ao empregado direito à indenização quando o acidente decorrer de dolo ou culpa do

131

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 36. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 592.

144

empregador, além de, havendo sequelas produzidas que reduzam a capacidade laboral do

segurado, ele poderá fazer jus ao auxílio-acidente.

5.3 – Responsabilidade Civil do Empregador e Ação Regressiva

A responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado por uma pessoa a

outra, resultante de um fato de que se é autor direto ou indireto. Essa obrigação decorre de lei,

estando normatizada desde a Constituição Federal até as normas ordinárias. No contexto

normatizado do sistema jurídico brasileiro, uma pessoa pode ser incumbida de reparar o

prejuízo causado a outra por atos omissivos ou comissivos, praticados por ela ou outra pessoa

que dependa dela, ou faça determinado ato em seu nome.

Tal como a responsabilidade penal, a responsabilidade civil decorre de um ato ilícito,

mas, neste caso, de natureza civil, violador da ordem jurídica, que gera desequilibro social,

merecendo a correspondente sanção (consequência lógico-normativa da violação de uma lei).

No caso da responsabilidade civil, a sanção tem caráter pecuniário ou obrigacional,

como uma fixação de multa, indenização ou reparação, sendo que apenas no caso de dívidas

de alimentos, pode levar a uma sanção civil como a prisão.

Para o reconhecimento da responsabilidade civil, são necessários o preenchimento dos

seguintes requisitos: uma conduta (omissiva ou comissiva); a culpa (leve, grave, concorrente,

dolo, presumida), requisito dispensado na responsabilidade objetiva; dano (responsabilidade

decorrente do fato, sem necessidade de prova de culpa); nexo causal. Não há

responsabilidade civil, sem a ocorrência desses requisitos, ainda que o fato possa ser um

ilícito civil.

No âmbito da responsabilidade civil do empregador, em decorrência de acidente de

trabalho, hoje, a teoria normatizada e aceita é de que sua responsabilidade observa a teoria do

risco profissional (nem sempre foi assim) – diferente da teoria do risco social que fundamenta

o direito ao auxílio-acidente -, não sendo necessário que o empregado demonstre a culpa

direta do empregador em sentido estrito, mas se presume em decorrência da inobservância e

fiscalização da aplicação adequada das normas de segurança do trabalho, como o

fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual, certificado e eficaz para o risco ao

qual o empregador sujeita o empregado.

Isto porque, atualmente, a segurança no trabalho deve constituir-se como um objetivo

permanente de todos os agentes sociais, eis a razão de o empregador estar obrigado a garantir

que os trabalhadores executem o trabalho em um ambiente saudável e equilibrado, ou seja,

145

sem exposição desnecessária a riscos à saúde do trabalhador, como ruídos dentro das margens

de tolerância, não exposição à agentes químicos cancerígenos, fornecimento dos

equipamentos de proteção individual, temperatura agradável, entre outros. Quando isto não

acontece, fica evidente a responsabilidade civil do empregador, quando resultar em acidente

de trabalho.

Ainda, nesta esteira, no âmbito do direito previdenciário, estabeleceu-se que o

empregador tem o dever de contratar seguro de acidente de trabalho para proteger o

trabalhador, seguro este de caráter obrigatório, pelo qual o empregador paga contribuição

social, posto que a proteção do trabalhador se tornou um dever de toda a sociedade,

salientando que a empresa que contrata não é a única beneficiária da exploração do trabalho,

sendo que a sociedade se beneficia da geração de riqueza proporcionada pela atividade

empresária, eis a razão pela qual, atualmente, a proteção, em caso de acidentes de trabalho, é

de responsabilidade de toda a sociedade.

Contudo, a contratação obrigatória de seguro de acidente de trabalho e o dever da

sociedade de amparar, coletivamente, o empregado, em caso de acidente de trabalho, não

exime de responsabilidade civil o empregador face aos danos que provoca ao trabalhador.

Nesse sentido, convém destacar que a proteção previdenciária devida ao trabalhador

não constitui anistia para que o empregador o exponha a riscos desnecessários, sem

preocupação com as consequências, sendo que subsiste seu dever de indenizar e reparar os

danos causados ao empregado, quando o empregador contribuir de forma culposa pelos

danos, na forma do artigo 7°, XXVIII, da Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à

melhoria de sua condição social:

[...]

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a

indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

Desse modo, quando o acidente de trabalho ocorre por culpa ou dolo do empregador,

este tem a responsabilidade civil de reparar o dano e indenizar o empregado. Isto é o que

pacificou o Supremo Tribunal Federal na Súmula n° 229:

Súmula 229

A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa

grave do empregador.

146

Neste caso, para apurar a responsabilidade do empregador, deve-se analisar as razões

que levaram ao acidente de trabalho, devendo ser averiguado se o fato lesivo decorreu de um

ato inseguro, praticado dolosamente pelo trabalhador, ou se decorreu de uma condição

insegura, relacionada ao próprio trabalho, ocasionada pelo empregador, que não se esforçou

para diminuir os riscos do trabalho, obedecendo normas de segurança e higiene do trabalho e

zelando pelo cumprimento das mesmas pelos trabalhadores.

Neste caso, a responsabilidade do empregador é latente e independe de eventual

reparação previdenciária, posto que a condição insegura no ambiente de trabalho é um ilícito

civil, que pode acarretar em dano ao trabalhador, resultando no dever de indenizar,

salientando, novamente, que é dever do empregador observar normas de prevenção de

acidentes de trabalho, fornecer Equipamentos de Proteção Individuais eficazes e fiscalizar seu

uso, além de propiciar um ambiente de trabalho limpo, iluminado, ergonômico e livre de

perigos, e a inobservância destes deveres permite se inferir culpa do empregador pelo acidente

de trabalho.

Este ponto é importante, pois os valores percebidos pelo segurado, a título de

benefício previdenciário, decorrente do acidente de trabalho, não são abatidos da eventual

indenização devida pelo empregador, sendo esta de natureza diversa e não comunicável.

Faz parte, ainda, da obrigação do empregador, treinar e orientar seus empregados para

o uso de equipamentos de proteção e exercício da atividade laboral de maneira mais segura.

Sob esse enfoque, resta evidente que o dever do empregador indenizar o trabalhador,

em caso de acidente de trabalho, não tem a mesma natureza do benefício auxílio-acidente,

conquanto, este benefício independa de culpa do empregador, sendo devido, exclusivamente,

pelo fato de ter ocorrido um acidente, enquanto o empregador terá o dever de indenizar o

empregado, quando corroborar para a ocorrência do acidente, sendo comum, nestes casos, a

condenação concomitante do empregador de indenizar o trabalhador pela eventual redução da

capacidade laboral, na forma de uma pensão mensal vitalícia, bem como, indenizar eventual

dano moral decorrente da perturbação da vida social e particular do trabalhador, em

consequência de lesões sofridas em um acidente de trabalho, assim como, indenizar os danos

estéticos que, eventualmente, decorram deste mesmo acidente laboral.

Sendo assim, um único evento de acidente de trabalho, hoje, pode gerar o dever para o

empregador de indenizar danos causados ao empregado de três naturezas diferentes, que não

guardam necessária relação entre si e, mesmo, com o benefício previdenciário que possa

decorrer do evento traumático.

147

Isto porque estabelece o artigo 186 do Código Civil que, aquele que viole direitos e ou

cause danos a outro, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, seja causado por

ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, neste mesmo sentido, destaque-se

que o artigo 927 do mesmo diploma legal estabelece, ainda, que quem causa dano a outro, por

ato ilícito, fica obrigado a repará-lo, independente de culpa em casos especificados em lei,

ressaltando, novamente, que a responsabilidade civil do empregador dependerá de culpa ou

dolo, na forma do artigo 7°, XXVIII, da Constituição Federal.

Importa salientar que nem sempre a culpa pelo acidente do trabalho é do empregador.

Por vezes, o trabalhador é o único responsável por seu infortúnio, ou a culpa pode derivar de

um ato praticado por terceiro estranho ao vínculo empregatício. Nestes casos, não havendo

concorrência de culpa do empregador na produção do evento, não haverá responsabilidade

civil sua decorrente do acidente de trabalho, mas, isso, não resultará na falta de proteção do

trabalhador perante o risco social, salvo em caso de autolesão intencional.

Portanto, a construção do sistema de proteção do trabalhador é feita de tal forma a

incentivar que os empregadores invistam em treinamentos dos empregados, escolham

métodos de trabalho mais seguros, invistam em equipamentos de proteção e segurança, como

forma de minimizar os riscos para o trabalhador e seus próprios riscos para fins de

responsabilidade civil.

Por fim, como proposto, convém discorrer, de forma sucinta, sobre a ação regressiva.

Acima se relatou sobre a responsabilidade civil do empregador em face do empregado

acidentado, na ação regressiva; o INSS busca reparação civil do empregador por danos que

ele tenha lhe causado, de forma direta, ao não observar regras de segurança e higiene do

trabalho, obrando com culpa ou dolo para o acidente de trabalho e causando prejuízo ao INSS,

que é a autarquia responsável pelo pagamento do seguro social no RGPS.

Dessa forma, tal qual uma seguradora privada de automóveis, que processa

regressivamente o causador de um dano a um veículo por ela segurado e indenizado, em razão

de um acidente com culpa de outra pessoa, o INSS tem buscado reparação regressiva do

empregador que corroborar pela ocorrência do acidente de trabalho ou evento equiparado.

A ação regressiva encontra fundamento no artigo 120 da Lei n° 8.213/91132

, que

determina, de maneira expressa, que a Previdência Social ajuíze ação regressiva no caso de

negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a

proteção do trabalhador.

132

Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados

para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

148

Por força da disposição normativa, acima referida, é dever legal do INSS buscar

reparação do empregador que concorra para a ocorrência de um acidente de trabalho ou

evento equiparado, pelo que a autarquia referida deve buscar ressarcimento dos gastos com as

prestações sociais acidentárias.

Cumpre salientar que o pagamento do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) ou da

Contribuição do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa, decorrente dos Riscos

Ambientais do Trabalho (GILRAT), não ilide a responsabilidade do empregador em face dos

acidentes ocorridos por não cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho,

podendo acarretar em aumento, inclusive, das referidas contribuições em decorrência do Fator

Acidentário de Prevenção (FAP).

Essa dupla porta de responsabilização civil do empregador constitui um importante

incentivo à implementação de regras de segurança e escolha de métodos mais seguros de

trabalho, contribuindo para a diminuição de acidentes de trabalho133

.

Assim, havendo dispêndios do INSS com pagamento de benefícios aos segurados ou

aos seus dependentes, em razão de acidentes de trabalho, ou outros gastos com prestação de

serviços, como o de reabilitação profissional, o INSS instaura procedimento investigatório

interno para apurar eventual responsabilização do empregador, verificando o cabimento de

ação regressiva.

5.4 – Depósito do Fundo de Garantia

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço foi criado, em 1966, como um instrumento

que garantisse uma compensação ao trabalhador empregado, dispensado sem justa causa.

Hoje, ele é regulamentado pela Lei n° 8.036/90 e pelo Decreto n° 99.684/90.

Até a criação deste fundo, pela Lei n° 5.107/66, os empregados com mais de 10 (dez)

anos de serviço contínuo, para um único empregador, adquiriam o direito à estabilidade no

emprego, não podendo ser dispensados sem justa causa, enquanto os empregados com mais de

1 (um) ano e menos de 10 (dez) anos de trabalho faziam jus a uma indenização de um salário

por ano trabalhado.

Este era um encargo patronal considerado demasiadamente pesado e restritivo de

direito pelo empregador que, por sua vez, buscava evitar que seus empregados adquirissem o

133

Dados do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho

apontam redução gradual e constante no número absoluto de acidentes de trabalho entre os anos 2008 e 2011,

consoante informação disponível em <http://www.tst.jus.br/web/trabalhoseguro/dados-nacionais>. Acesso em 06

out. 2016.

149

direito à estabilidade e, observando esta situação, o Governo do Regime Militar aproveitou-se

desta justificativa para criar um regime alternativo à estabilidade, qual seja, a opção pela

inscrição do trabalhador no FGTS.

Assim como hoje, já na origem, estabeleceu-se uma contribuição mensal por conta do

empregador de 8% (oito por cento) sobre as remunerações devidas ao empregado, com os

quais se constitui um fundo com contas individualizadas, as quais o empregado tem direito de

liquidar no momento da sua dispensa sem justa causa.

A Lei n° 8.036/91, em seu artigo 18, §1°, estabelece, ainda, que o empregado

dispensado sem justa causa tem direito a uma indenização adicional de 40% (quarenta por

cento) sobre o montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada, durante a

vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos

juros, que deverá ser depositado na conta vinculada ao trabalhador.

A partir da Emenda Constitucional n° 72/2013, o FGTS se tornou um direito

obrigatório do empregado doméstico, tornando obrigatórios os depósitos fundiários pelo

empregador doméstico.

Contudo, o ponto a se levantar, aqui, é que o empregado, considerado de maneira

ampla, tem direito aos depósitos fundiários em sua conta vinculada ao FGTS pelos meses em

que ele presta serviços, consoante entendimento do artigo 15 da Lei n° 8.036/90, já que o

depósito de 8% (oito por cento) deve ser feito até o sétimo dia de cada mês, calculado sobre a

remuneração paga atinente ao mês anterior ao empregado.

Logo, suspenso o contrato de trabalho por afastamento médico ou outras razões, ficam

suspensos os depósitos do empregador ao FGTS na conta do trabalhador.

Ocorre que, e aqui está a ligação com o objeto em estudo, no caso de licença do

empregado, em razão de acidente de trabalho, o parágrafo 5° do artigo 15 da Lei n° 8.036/90

determina que o depósito na conta vinculada ao FGTS do trabalhador é obrigatório pelo

empregador, devendo ser calculado com base na remuneração média paga ao empregado no

período antecedente ao acidente.

Assim, estando o segurado empregado e o empregado doméstico licenciados do

trabalho em razão de acidente de trabalho, percebendo ou não benefícios como o auxílio-

doença e a aposentadoria por invalidez, farão jus aos depósitos fundiários.

Agora, caso o segurado (empregado ou empregado doméstico) perceba o benefício

auxílio-acidente em razão do acidente, seu vínculo de trabalho não é suspenso, ou se estava

suspenso é reativado, razão pela qual o depósito no FGTS deverá ser efetuado pelo

empregador.

150

Já no caso de afastamento por período inferior a 16 (dezesseis) dias, não há suspensão

do contrato de trabalho e o pagamento da remuneração é devida pelo empregador ao seu

trabalhador, assim como o depósito na conta vinculada ao FGTS.

Enfim, a obrigatoriedade do depósito do FGTS é uma consequência própria do

acidente de trabalho, não guardando relação específica nem com o auxílio-acidente e

tampouco com os demais benefícios por incapacidade, inobstante, torne-se extremamente

relevante, quando se pensa no caso de um segurado, que se aposenta por invalidez cedo e a

obrigação do empregador perdurará por anos e/ou décadas, enquanto seu contrato de trabalho

estiver suspenso.

151

CONCLUSÃO

Como visto, a história da proteção aos grandes riscos sociais é extensa e nada recente,

figurando como preocupação das sociedades desde seus primórdios.

Hoje, no Brasil, a proteção aos riscos sociais é feita através de um sistema único que

integra ações de saúde, assistência social e previdência social, denominado Seguridade Social.

Neste sentido, no capítulo 1, competiu ao presente estudo apresentar noções gerais

acerca do direito previdenciário que ajudam a contextualizar o benefício auxílio-acidente

neste universo, identificando, também, a importância dos objetivos constitucionais expressos

nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal.

Já no capítulo 2, este trabalho demonstrou a origem do benefício auxílio-acidente

ligada ao seguro de acidentes de trabalho de cunho privado, passando a ser obrigatório, até

que, finalmente, se tornou um benefício previdenciário com fundamento na proteção de um

risco social.

No capítulo 3, este trabalho buscou decompor toda a norma relativa ao auxílio-

acidente na regra-matriz, a fim de demonstrar todo o seu exato contorno atual.

Assim, verificou-se que o auxílio-acidente tem como critério material o fato jurídico

da redução da capacidade laboral, decorrente de acidente de qualquer natureza ou de doença

ocupacional, bem como, que por seu critério espacial, a norma segue as regras da

extraterritorialidade, produzindo efeitos em qualquer lugar do espaço quando atingir um

segurado vinculado ao RGPS; no critério temporal, se viu que, em regra, o benefício auxílio-

acidente é devido a partir da constatação da sequela que reduza a capacidade laboral do

segurado, independentemente, de concessão prévia de qualquer outro benefício por

incapacidade; tais elementos conformam a hipótese de incidência da regra matriz da norma.

Ainda, viu-se que o consequente da norma do auxílio-acidente é composto pelos

critérios quantitativo e pessoal. No que tange ao critério quantitativo, tem-se que o salário-de-

benefício, que compõe a base de cálculo do benefício, por ser elemento que permite a aferição

das exatas consequências do dano na composição da renda do segurado, permite, assim,

recompô-lo adequadamente; ainda, a alíquota do auxílio-acidente, hoje, é de 50% (cinquenta

por cento) e ela, em conjunto com a base de cálculo, conformam o valor exato da prestação do

auxílio-acidente que é de 50% (cinquenta por cento) do valor do salário-de-benefício do

segurado. No que concerne ao critério subjetivo, conclui-se que o INSS é o sujeito passivo da

relação jurídica, conquanto, responsável pelo pagamento do benefício ao segurado-

beneficiário que é o titular do direito de receber a prestação do auxílio-acidente.

152

Foi nesta parte do estudo que foram demonstrados elementos que comprovam que o

auxílio-acidente, hoje, é um benefício previdenciário que visa proteger o segurado de um risco

social (redução da capacidade laboral decorrente de acidente de qualquer natureza ou de

doença ocupacional).

Também, no capítulo 3, este trabalho buscou enfrentar algumas polêmicas relativas ao

benefício e demonstrou a inconstitucionalidade da segregação de segurados contribuintes

individual e facultativo, que são excluídos do espectro de proteção do auxílio-acidente sem

qualquer justificativa razoável, ferindo gravemente o princípio da isonomia, posto que

segurados em situação equivalente recebem a devida proteção previdenciária e estes outros

não.

Neste mesmo sentido, a conclusão deste estudo é que viola, igualmente, o princípio

constitucional da isonomia, estender a proteção deste benefício para acidentes de qualquer

natureza (não-vinculados ao trabalho) sem estendê-lo igualmente à proteção de eventos que

resultem em redução da capacidade laboral do segurado que decorram de doença não

vinculada ao trabalho, pois não há fator de discrímen lógico que justifique o tratamento

privilegiado a um segurado que sofra um acidente doméstico, em detrimento de outro que

sofra uma doença não ligada ao trabalho que produza os mesmos efeitos de redução da

capacidade laboral.

Este estudo, ainda, contesta a natureza indenizatória da prestação do auxílio-acidente,

concluindo que ele, atualmente, tem natureza de substituição parcial da renda proveniente do

trabalho do segurado, por isso, ele compõe o salário-de-contribuição dos segurados, os

beneficiários fazem jus a uma gratificação natalina, ele não é acumulável com outro benefício

por incapacidade decorrente do mesmo fato e tampouco com a aposentadoria, tendo perdido a

natureza vitalícia.

No capítulo 4 deste estudo, foi analisada a dinâmica do auxílio-acidente observando-se

elementos como o início do benefício, a extinção do mesmo, que pode decorrer, hoje, da

aposentadoria do segurado ou de sua morte, além de se ter verificado que ele é um benefício

acumulável com outro benefício previdenciário, contanto que não seja outro auxílio-acidente,

ou um outro benefício por incapacidade, como: auxílio-doença ou aposentadoria por

invalidez, decorrente do mesmo fato que originou o benefício auxílio-acidente; e nem com a

aposentadoria.

Foi neste capítulo, também, que se verificou que tampouco a alta médica e o serviço

de reabilitação implicam em cancelamento ou suspensão do benefício, ainda que, superada a

causa que gerou o benefício, o que, na visão deste estudo, é um equívoco, pois uma vez

153

superado o risco social, não há razão de ser para a manutenção de um benefício

previdenciário.

Por fim, no capítulo 5, foram estudadas algumas consequências do acidente de

trabalho ou eventos equiparados (doenças ocupacionais) não relativos, propriamente, ao

auxílio-acidente, como: estabilidade no emprego do segurado acidentado, dever de emissão de

CAT em razão de acidente de trabalho ou de doença ocupacional, a responsabilidade civil do

empregador e a ação regressiva por parte do INSS, além do dever de depósito à conta do

empregado acidentando vinculada ao FGTS.

No que concerne à estabilidade do segurado no emprego, viu-se que ela se destina a

quem sofreu lesão que causou seu afastamento do trabalho por mais de 15 (quinze) dias e não

para todos que sofram um acidente de trabalho qualquer, portanto, não guarda uma relação

estrita com o auxílio-acidente.

Em relação ao dever de emissão de CAT, verifica-se que a mesma deve ocorrer

independentemente de existência de sequela ou lesão incapacitante para o trabalho, ainda que

o acidente não implique em qualquer afastamento de qualquer das atividades laborais, pois

este documento não se presta apenas à concessão de benefícios previdenciários e à prova de

origem da lesão, que podem ser reconhecidos de ofício pelo INSS, mas tem função estatística,

trabalhista e no custeio da Previdência Social, que são igualmente importantes.

Quanto à responsabilidade civil do empregador, também, se viu que ela implica no

dever do empregador em indenizar o empregado quando a lesão ou sequela sofrida pelo

empregado resultar de dolo ou culpa do empregador, ainda que concorrente, sendo que tal

dever de indenizar não guarda relação com a concessão de qualquer benefício previdenciário.

Há, ainda, a responsabilidade civil do empregador em face do INSS, que o exerce através da

ação regressiva, onde a autarquia federal busca reparação dos custos com benefícios pagos

aos segurados resultantes de inobservância das regras de higiene e segurança do trabalho pelo

empregador.

Por fim, verificou-se que o afastamento do segurado do trabalho, quando decorrente de

acidente do trabalho e evento equivalente, ainda que gere a suspensão do contrato de trabalho,

não implica em suspensão do dever do empregador em realizar depósitos na conta vinculada

do trabalhador ao FGTS.

O presente trabalho demonstrou, de forma singela, a complexidade do tema em estudo,

abordando as principais características do auxílio-acidente, se imiscuindo em importantes

questões sobre o fundamento do benefício, a natureza da sua prestação e exclusão de

segurados do espectro de proteção, sem adotar a ideia fácil de seguir o texto puro e simples da

154

norma, mas analisando essas nuances de forma sistemática, a fim de refletir mais

profundamente sobre esses problemas, sem, contudo, ter a pretensão de esgotar o tema, que é

extenso, ainda mais, por se tratar de benefício que se destina a proteger os segurados de um

dano real, que deve ser mensurado na prática, sendo que, de sua extensão podem decorrer

diversas formas de proteção, o que causa intermináveis lides nos tribunais pátrios.

155

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