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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP ABIMAEL FRANCISCO DO NASCIMENTO A Teologia do Cordeiro no Evangelho Segundo João Jo 1,29.19,34-36 MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ABIMAEL FRANCISCO DO NASCIMENTO

A Teologia do Cordeiro no Evangelho Segundo João

Jo 1,29.19,34-36

MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ABIMAEL FRANCISCO DO NASCIMENTO

A Teologia do Cordeiro no Evangelho Segundo João

Jo 1,29.19,34-36

MESTRADO EM TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de Mestre em

Teologia Sistemática, sob a orientação do

Prof. Dr. Pe. Gilvan Leite de Araújo.

SÃO PAULO

2013

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Banca Examinadora

__________________________________________

__________________________________________

__________________________________________

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“Ele [Jesus] celebrou a ceia pascal com

seus discípulos; em vez, contudo, de imolar o

tradicional cordeiro pascal, converteu-Se Ele

próprio em cordeiro sacrificial. Como „nosso

cordeiro pascal, Jesus foi imolado‟ (1Cor

5,7), para estabelecer, de uma vez por todas,

a definitiva reconciliação entre Deus e a

humanidade” (n. 95)

YOUCAT BRASIL, Catecismo jovem da

Igreja Católica. São Paulo: Paulus, 2013.

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AGRADECIMENTOS

Em virtude da possibilidade do desenvolvimento desta pesquisa, agradeço ao bom Deus

que me concedeu as virtudes necessárias para tal empenho; agradeço à minha família pelo

apoio: meus pais, irmãos e cunhados. Manifesto também gratidão à Congregação dos

Missionários do Sagrado Coração, ao Pe. Benedito Ângelo Cortez, msc e ao Superior

Provincial Padre Manoel Ferreira dos Santos Júnior, msc e aos membros do Conselho

Provincial, como também aos confrades que me animaram neste percurso.

Não poderia deixar de agradecer ao Professor Mathias Grenzer, então coordenador da

Pós-graduação de Teologia, com sua paciência e escuta muito me ajudou. Agradeço a todos

os docentes do Programa de Teologia de Pós-graduação da PUC-SP, aqueles que tive como

professores. Em especial atenção ao Professor Gilvan Leite de Araújo, pela orientação na

pesquisa e empenho no propósito de conclusão da mesma.

Para finalizar, agradeço ao Pe. Luís Carlos Araújo Morais, msc pela colaboração na

tradução dos textos e aos corretores de língua portuguesa e ainda ao apoio de Ana Flora

Anderson, Johan Konings, s.j. e Francisco Rubeaux, omi.

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RESUMO

Apresente pesquisa pautou-se pelo método de pesquisa bibliográfica, com o fim de

responder à questão lançada sobre o problema: qual a relevância e implicações da imagem

do cordeiro, atribuída a Jesus, no Evangelho segundo João?- Desta interrogação surgem

algumas considerações, tais como: a relevância se dá em virtude da formação da

comunidade que está na base deste Evangelho, isto é, os grupos que formaram a comunidade

joanina, aqueles da primeira hora, conheciam a vida cultual da tradição israelita e a

aplicaram a Jesus por meio da tipologia do cordeiro.

Uma segunda consideração é que o cordeiro era no culto, seja para samaritanos ou para

judeus, um elemento bastante presente, e cumpria desde a ação de graças até a expiação. No

entanto, sua presença mais fixada na memória era aquela ligada à noite da saída do Egito, na

qual Deus ordenou a imolação de um cordeiro pascal. Esta celebração lembrava, a cada ano,

a intervenção divina e alimentava a esperança de um novo êxodo, que libertasse o povo do

julgo dos impérios.

A terceira consideração é sobre a figura do cordeiro e a tradição profética do Segundo

Isaías, que havia proposto uma substituição cúltica: agora um servo, semelhante a um

cordeiro, seria o expiador dos pecados do povo (cf. Is 53,7). O servo de Isaías assume a

função expiatória, algo que era reservado a rituais de sacrifício. Agora, o servo assume esta

função. Diante disto, a saudação de João Batista a Jesus (cf. Jo 1,29) ganha outra vertente,

mas com a possibilidade de aliar as duas ideias, isto é, a saudação Batista parece contemplar,

tanto a perspectiva de Cordeiro Pascal, como de Servo Sofredor. De modo que o Jesus

joanino assume a função de cordeiro, mas, não mais um cordeiro somente para Israel, e sim

para todo o mundo. Com isto, a salvação do Cordeiro-Servo é universal. Ele cumpre a

função de perdoar os pecados e de fazer passar para a vida eterna, visto que reconcilia, com

o seu sangue, a humanidade com Deus.

A saudação de João Batista em Jo 1,29, a princípio se mostra pouco compreensível, no

entanto, a partir de um percurso teológico que culmina no Gólgota, em Jo 19,34-36, faz-se

compreensível o que João Batista havia anunciado na semana inaugural da atividade de

Jesus. Agora, na Paixão, a Páscoa definitiva se realiza, o perdão pleno é dado, por meio da

entrega voluntária do Cordeiro de Deus.

Palavras-chave: Evangelho Segundo João; Cordeiro de Deus; Sacrifício; Páscoa;

Reconciliação.

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SUMMARY

This research was guided by the method of literature review, in order to answer the

question put on the problem: Which is the relevance and which are the implications of the

image of the lamb, attributed to Jesus in the Gospel of John? - This question raises some

considerations, such as: the relevance occurs due to the formation of the community that is

the basis of this Gospel, as to say, groups that formed the Johannine community, those of the

first hour, knew the cultic life of the Israelite tradition and applied it to Jesus through the

typology of the lamb.

A second consideration is that the lamb was in the worship, either to Jews or Samaritans,

an element very present, kept from thanksgiving to the atonement. However, their presence

more fixed in memory was that linked to the night of the Exodus, in which God commanded

to sacrifice a paschal lamb. This celebration reminded every year the divine intervention and

cherished the hope of a new exodus, in which the people would be released from the judge

of the empires.

The third consideration is on the figure of the lamb and the prophetic tradition of the

Second Isaiah, who had proposed a cultic replacement: now a servant, like a lamb, would be

the atoning of the sins of the people ( cf. Is 53:7 ). The servant of Isaiah takes the atoning

function, something that was reserved for sacrificial rituals. Now, the servant assumes this

function. Given this, the salutation of John the Baptist to Jesus (cf. Jn 1:29 ) gains another

dimension, but with the possibility of combining the two ideas, as to say, the greeting of the

Batista seems to address both perspective of the Paschal Lamb as well as the Suffering

Servant. So that the Johannine Jesus assumes the role of lamb, but no more a lamb only to

Israel but to the whole world. With this, the salvation of the Lamb-Servant is universal. He

plays the role of forgiving sins and to make passing to eternal life, since He reconciles the

mankind to God through his blood.

The greeting of John the Baptist in John 1:29, in principle shows somewhat

understandable, however, from a theological journey that culminates on Golgotha, in John

19.34-36, it is understandable what John the Baptist had announced in the opening week of

Jesus' activity. Now, in the Passion, the final Easter is accomplished, full forgiveness is

given, through the voluntary surrender of the Lamb of God.

Keywords: the Gospel According to John; Lamb of God; Sacrifice; Easter;

Reconciliation.

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SIGLAS E ABREVIAÇÕES

a.C.- Antes de Cristo

Ant- Antonianum

AT- Atualidade Teológica

Bib- Revista Bíblica

CD- Cuadernos Doctorales

DB- Dicionário Bíblico

DBU- Dicionário Bíblico Universal

d. C.- depois de Cristo

DCBNT- Dizionário dei Concetti Biblici del Nuovo Testamento

DCT- Dicionário Crítico de Teologia

DEB- Dicionário Enciclopédico Bíblico

DENT- Dicionário Exegético del Nuevo Testamento

DITNT- Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento

DITAT- Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento

EstB- Estudios Bíblicos

EB-Estudos Bíblicos

GLNT- Grande Lessico del Nuovo Testamento

GLAT- Grande Lessico dell´Antico Testamento

NRT- Nouvelle Revue Théologique

PT- Perspectiva Teológica

CBQ- Catholic Biblical Quarterly

RB- Revue Biblique

VTB- Vocabulário de Teologia Bíblica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................08

I CAPÍTULO: A TRADIÇÃO DO CORDEIRO.......................................................18

INTRODUÇÃO.......................................................................................18

1.1 PONTOS COMUNS ENTRE JUDEUS E SAMARITANOS..................................19

1.1.1 A imolação do cordeiro como lugar da identidade e da memória.....................24

1.1.2 Jesus como cordeiro para judeus e samaritanos no interior da comunidade

joanina.......................................................................................................................30

1.2 JOÃO BATISTA E O JUDAÍSMO DO PRIMEIRO

SÉCULO..........................................................................................................................33

1.2.1 O Movimento de João Batista e sua relação com Jesus no Quarto Evangelho

..................................................................................................................................38

1.3 A PROFECIA E JOÃO

BATISTA........................................................................................................................42

1.3.1 A tradição do Servo Sofredor no Primeiro Século.............................................45

1.3.2 A saudação do Batista e o ministério de Jesus...................................................47

1.3.3 A declaração do Batista e o seu ministério........................................................50

II CAPÍTULO: O CORDEIRO NO CULTO NO SEGUNDO TEMPLO E A

INTERPRETAÇÃO JOANINA...................................................................................54

INTRODUÇÃO.......................................................................................54

2.1 CORDEIRO COMO ELEMENTO CULTUAL.......................................................58

2.1.1 O cordeiro nas festas judaicas e a relação com o Quarto Evangelho.................60

2.2 O CAMINHO TEOLÓGICO DE JO 1,29 A 19,34-36.............................................66

2.3 NÃO LHE QUEBRARAM NENHUM OSSO ( Jo 19,36).......................................80

III CAPÍTULO: A COMUNIDADE E O CORDEIRO.............................................89

INTRODUÇÃO.......................................................................................89

3.1 A IMAGEM DO CORDEIRO COMO ELEMENTO DE IDENTIDADE.............91

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3.2 O CORDEIRO E SUA RELAÇÃO COM A EXPECTATIVA DO MESSIAS....100

3.2.1 O Cordeiro de Deus e tipologias samaritanas do Messias...............................106

3.3 CORDEIRO: A HUMANIDADE RECONCILIADA COM DEUS.......................111

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................122

BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................126

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa se pauta pela busca de compreender a imagem do cordeiro no

Quarto Evangelho, uma vez que somente ele, entre os evangelhos, atribui a Jesus essa

tipologia, pelo que esta investigação, por meio da pesquisa bibliográfica, procura sua

aceitação e relevância para a comunidade joanina.

O Quarto Evangelho está profundamente marcado pela vida litúrgica de Jerusalém,

levando a crer que tivéssemos no interior da comunidade joanina forte influência

sacerdotal, aliás, segundo Simoens, este Evangelho possui grande simbolismo

sacerdotal1, o que inclusive se desdobra em tipologias atribuídas a Jesus, como por

exemplo, a tipologia de cordeiro. Por sua vez, a exegese levantou vários problemas em

torno deste Evangelho, inclusive aliando-o mais à fonte helenista que judaica. Isto se

tornou, no século XX, tema de muitas discussões e mereceu a atenção de grandes

especialistas; junto ao tema da fonte helenista ou judaica se somaram as discussões

sobre a comunidade joanina, sua localização e a problemática da redação do Evangelho.

Na Igreja Primitiva, devido aceitação do Evangelho segundo João por círculos

gnósticos, inicialmente ele sofreu rejeição por parte da Igreja Primitiva2, no entanto, já

no final do século II d.C. personagens como Teófilo de Antioquia e Irineu de Lião

fazem dele citações; também consta nas listas canônicas como Muratori e o Códice de

Claromontanus3, demonstrando que, apesar do problemático uso pelos gnósticos, o

Evangelho joanino conseguiu provar sua identificação com a grande Igreja e compor o

Cânon cristão.

1 SIMOENS, Yves. L´évangile selon Jean. RB, Paris, n. 4, 2000, p. 188: “quoi qu´on en dise à l´heure

actuelle dans les rangs de la grande majorité des exégètes tant catholiques que protestants, cette

symbolique est à dominante sacerdotale. C´est ce qui explique par example la place et l´importance prise

par la scène au temple dès le début de la vie publique de Jésus à Jerusalem selon Jean (Jn 2,13-25). C´est

ce qui explique aussi que la prière de Jésus en Jn 17 soit à juste titre dénominée „sacerdotale‟.” [tradução

nossa: “O que se diz no momento atual nas fileiras da maioria dos exegetas, tanto católicos quanto

protestantes, é que este símbolo possui uma dominante sacerdotal. É isto que explica, por exemplo, o

lugar e a importância tomada pela cena, no templo, desde o princípio da vida pública de Jesus, em

Jerusalém, segundo João (Jo2,13-25). É isto que explica também que a oração de Jesus em Jo 17 seja, a

título justo, denominada „sacerdotal‟.”] 2 VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus: El

Evangelio y las cartas de Juan. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1997, p. 14: “su aceptación como

escritura autoritativa („canônica‟) de la iglesia no fue producto de una decisión momentânea, sino un

lento processo a lo largo del siglo II d.C. [...] a la problemática de esa tradición eclesiástica sobre las

orígenes de la literatura juánica (Jn y 1-3 Jn) apuntaban ya las fuertes voces opositoras que desde el

comienzo se alzaron contra ella, especialmente en el caso del evangelio, y cuya dureza e insistência esta

testificada hasta bien entrado el s. III d.C.: lejos de ligar el evangelio al „apóstol‟ Juan, lo hacían obra del

gran hereje Cerinto. Detrás estaba la sospecha de una amplia corriente de la Igresia „ortodoxa‟ ante aquel

escrito incómodo, querido y utilizado por muchos cristianos heréticos de su tiempo, especialmente por

los gnósticos valentinianos y por los montanistas.” 3 Cf. MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola,

2009, p. 442.

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No século XX o tema gnóstico e o Evangelho segundo João voltariam a ocupar a

pauta das discussões teológicas. Pois, ao se buscar o pano de fundo do Quarto

Evangelho, alguns teóricos o viram como profundamente gnóstico. O grande nome a

defender esta teoria foi Rudolf Bultmann.

Bultmann defende que o Evangelho joanino está enraizado na gnose mandea,

sobretudo no mito do redentor4; ele desenvolve tal teoria ao realizar o paralelo entre

alguns atributos do Jesus joanino e o referido mito: preexistência, luz versus trevas,

revelar o Pai e o constante uso do verbo conhecer. No entanto, o mito levantado por

Bultmann não está registrado antes do século II d.C., quando o Evangelho já estava

concluído, isto é, não há registro de escritos que indiquem que o mito gnóstico do

redentor existisse antes do II século5. Segundo Fuente, Bultmann aliou o Evangelho

joanino ao gnosticismo mandeu, mas Lietzmann, por meio de pesquisas, demonstrou

que o gnosticismo mandeu surgiu apenas no período árabe-bizantino6. Entretanto, a

teoria bultmanniana ganhou adeptos e se cimentou por um tempo; um dos exemplos é

Koester, que considera o Evangelho joanino como uma interpretação gnóstica dos

ensinamentos de Jesus7.

Com as descobertas de Qumran, na década de quarenta, no século XX, os defensores

do gnosticismo joanino sofreram um golpe, pois propunha que João seria absolutamente

de matriz gnóstico-helenista; mas com as descobertas do Mar Morto, encontrou-se um

grupo, radicalmente judeu, que trazia características semelhantes a algumas propostas

joaninas. De fato “a descoberta dos manuscritos de Qumran permitiu lançar nova luz

sobre as ligações entre João e o judaísmo palestinense”8.

Pela narrativa do Quarto Evangelho, a comunidade joanina se aproximou não só do

judaísmo sacerdotal, mas “a linguagem e as representações religiosas típicas do

Evangelho de João dão testemunho de um grande parentesco com o judaísmo

4 Cf. Idem ibidem, p. 455.

5 Cf. Idem ibidem, p. 456: “se este é o caso- e é o terceiro ponto-, é forçoso então constatar que os

documentos literários gnósticos mais antigos que possuímos datam do século II (o mito do redentor, por

exemplo, só aparece em uma fase ulterior do gnosticismo e de modo algum em suas origens). Esse

diagnóstico se verifica para o evangelho de João; os documentos gnósticos mais intimamente ligados a ele

(p. ex. o hino da Pronoia transmitido no Apocryphon de João) apareceram no século II, ou seja, depois da

redação do evangelho.” 6 Cf. FUENTE, Alfonso de la. Transfondo cultural del Cuarto Evangelio: sobre el ocaso del dilema

judaísmo/gnosticismo. EstB, Madrid, v. 56, n. 4, 1998, p. 495. 7 Cf. KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento: história e literatura do cristianismo

primitivo. V. 02. São Paulo: Paulus, 2005, p. 197: “o Evangelho de João é, portanto um testemunho

importante do desenvolvimento inicial de uma compreensão gnóstica da tradição dos ditos de Jesus e de

uma interpretação espiritualizada dos sacramentos.” 8 MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 453.

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heterodoxo (Qumran, samaritanos, círculos batistas)”9. De certo, que o entorno onde

surgiu este evangelho é complexo e se mostra enriquecido por diversas contribuições10

,

o que retira a exclusividade gnóstica proposta por Bultmann, visto que a comunidade de

Qumran11

trouxe uma nova perspectiva de leitura sobre a comunidade judaica e a

influência que recebeu do pensamento grego. Na mesma linha, o pensamento de Filão

de Alexandria contribui para aproximar o Logos joanino mais do judaísmo que do

helenismo puro.

Entre Filão e o Quarto Evangelho, a idéia do Logos se difere e se identifica. Na ideia

de Filão, o Logos é o ser intermediário, pelo qual, Deus criou tudo, é a “sabedoria, o

espírito, a bondade e o poder”12

; é exposto por Filão como um vigário, pelo qual Deus

cria e governa o mundo, “é um verdadeiro intermediário entre Deus e os homens”13

.

Partes destas características se encontram no Logos joanino, contudo, o Logos de Filão

não é personificado, isto é, não se torna pessoa14

, e aqui há uma grande novidade no

Evangelho segundo João: o Logos se encarna. Ele “se aproxima definitivamente dos

homens com sua graça. Dir-se-ia que na ideia da encarnação estaria encerrada toda a

obra da salvação”15

.

O problema do entorno do Quarto Evangelho se mostra, deste modo, mais judaico

que helenista, mas salvando a consideração de que o judaísmo contemporâneo a Jesus

era mesclado, e se compunha de várias tendências que fugiam à ortodoxia do judaísmo

das autoridades do Templo. Qumran é um exemplo de um judaísmo com um

gnosticismo incipiente, ainda não desenvolvido16

. Assim, o Quarto Evangelho pode sim

9 Idem ibidem, p. 467.

10 Idem ibidem, p. 467.

11 Cf. FUENTE, Alfonso de la. Transfondo cultural del Cuarto Evangelio: sobre el ocaso del dilema

judaísmo/gnosticismo. EstB, p. 498: “pero los textos de Qumrán- que no por pertenencer a una rama

heterodoxa del judaísmo dejan de ser judíos- permiten explicar mucho más. Entre Qumrán y el cuarto

evangelio se dan semejanzas en puntos que no aparecen en la doctrina del judaísmo oficial: dualismo

luz/tinieblas, contraposición vida/muerte.” 12

LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 127. 13

Idem ibidem, p. 127. 14

Cf. SHREINER, Josef; DAUTZENBERG, Gehard. Forma e exigências do Novo Testamento. São

Paulo: Editora Teológica, 2004, p. 296. 15

Idem ibidem, p. 296. 16

Cf. FUENTE, Alfonso de la. Transfondo cultural del Cuarto Evangelio: sobre el ocaso del dilema

judaísmo/gnosticismo. EstB, p. 503: “ahora bien, hoy parece demonstrado que, en el siglo I d.C., esos

rasgos de gnosticismo incipiente se habían extendido por toda la cuenca del Mediterráneo, incluída la

región de Palestina. Formaban parte del conglomerado que fue la cultura helenista. Y, como es sabido,

Palestina, desde la época seléucida, y pese a los triunfos de los Macabeos, se había mostrado bastante

permeable a esa cultura.”

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11

ter traços de um gnosticismo ainda nascente, mas recebido do mundo judeu, e não

diretamente de movimentos gregos, como supõe Bultmann17

.

A presente pesquisa parte do princípio de que a comunidade joanina se compôs por

diversos grupos que estavam na região da Palestina, são eles: judeus advindos de

círculos ortodoxos como fariseus e sacerdotes e vindos de círculos heterodoxos, como

Batistas e gregos e ainda do meio samaritano18

. A comunidade joanina é “um grupo de

cristãos de tradição diferente dos sinóticos, mas presente desde o tempo de Jesus até o

séc. II”19

.

Pela fluência de temas complexos como o Logos e o dualismo, e levando-se em

consideração que “sua linguagem é de colorido semítico num grego correto”20

, pode-se

considerar que a comunidade joanina fosse composta também por mestres, isto é,

pessoas que conheciam os temas judeus que estavam na ordem do dia no período da

redação do Evangelho e manuseavam fontes diversas para dar as razões da fé, assim, “a

comunidade joanina não era composta por um grupo de pessoas simples ou ignorantes.

Pelo contrário! Tratava-se de um grupo com certas pretensões culturais”21

.

Para a comunidade joanina, a morte de Jesus é o ponto onde se pode constatar a sua

obra, isto é, “a morte de Jesus constitui o pólo de atração de todo o relato da vida de

Jesus”22

, a tanto que é “possível viver como Jesus porque é possível morrer como ele:

dando a vida”23

. Tendo a morte de Jesus como o ponto alto do Evangelho, a

comunidade demonstra o sentido que dá à saudação Batista em Jo 1,29.36.

A localização da comunidade joanina ajuda a compreender o seu escrito e todos os

recursos que ele utiliza, no entanto, esta não é uma tarefa fácil. Muitos pesquisadores já

têm se debruçado sobre este tema de difícil consenso. A localização mais comum para

esta comunidade está entre a Síria ou a Ásia Menor, mais especificamente em Éfeso24

,

contudo, não se pode negar que sua primeira etapa esteja na Palestina, donde

provavelmente migrou na guerra de 7025

.

Koester localiza a comunidade do Quarto Evangelho na Síria, onde teria tido contato

com outras tradições cristãs, como a petrina:

17

Cf. idem ibidem, p. 493 18

Cf. MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 467. 19

NEVES, Joaquim Carreira. Escritos de são João. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2004, p. 61. 20

SCHREINER, Josef; DAUTZENBERG, Gehard. Forma e exigências do Novo Testamento, p. 306. 21

O´CALLAGHAN. José (Org). A formação do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 61. 22

Idem ibidem, p. 61. 23

Idem ibidem, p. 61. 24

Cf. BLANCHARD, Yves-Marie. São João. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 34. 25

Cf. O´CALLAGHAN. José (Org). A formação do Novo Testamento, p. 59.

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12

O evangelho de João é produto de uma tradição especial que deve ser

situada na Síria, mas ele pressupõe um desenvolvimento de

comunidades independente de outras igrejas sírias, pelo menos no

princípio. São evidentes no curso de sua evolução contatos com outros

círculos (petrinos) da Síria, especialmente na apropriação de histórias

de milagre e da narrativa da Paixão. Uma dependência dos evangelhos

sinóticos só é possível na última etapa da redação do Evangelho de

João. Característica da tradição joanina é o material que resultou na

formação dos diálogos e discursos que refletem a cristologia e a

soteriologia especificamente joaninos.26

Zumstein considera que situar a comunidade na Síria é algo possível, mas que alguns

fatores são determinantes para localizar a redação final do Evangelho na Ásia Menor,

diz ele,

Para determinar o lugar provável em que foi composto o evangelho, é

preciso levar em conta seis fatores. Deve ser: 1) um lugar onde a

sinagoga dos fariseus tinha um papel importante e onde lhe fosse

possível impor medidas disciplinares; 2) um lugar onde o judaísmo

heterodoxo ainda era florescente; 3) um lugar onde os discípulos de

João Batista veneravam seu falecido mestre; 4) um lugar onde a gnose

iria poder se desenvolver; 5) um lugar onde o grego era de uso

corrente; 6) um lugar onde as figuras de Pedro e de Tomé

desempenhavam um papel eclesial de primeiro plano. A Síria constitui

um espaço onde essas seis condições se reúnem, mas nem por isso se

pode excluir a Ásia Menor [...] a eventual localização do Evangelho

na Síria só valeria para o trabalho do evangelista; a redação final desse

mesmo evangelho e a das epístolas joaninas devem ser situadas

provavelmente na Ásia Menor.27

Levando em consideração a geografia palestinense presente no Evangelho e o fluente

uso das tradições religiosas de Jerusalém, como as festas, a imagem do cordeiro, a

piscina de Siloé e os debates acerca do sábado, não se deve abandonar a hipótese de que

a comunidade do Quarto Evangelho tenha dado seus primeiros passos na Palestina,

aliás, mais próxima à Judéia, uma vez que a atuação de Jesus está mais situada nesta

região, para onde se dirige várias vezes em peregrinação.

Tuñí defende que a comunidade do Evangelho segundo João “surgiu provavelmente

nos círculos próximos a Jerusalém”28

e só com a guerra judaica contra Roma ela migrou

para outras regiões, talvez para Síria e mais tarde para Ásia Menor. Migrando da região

da Judéia, a comunidade levou seus primeiros registros, que foram se somando nas

memórias e interpretações utilizadas pelo redator final, resultando no Evangelho que se

tem hoje.

26

KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testemento, p. 194. 27

MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 459. 28

O´CALLAGHAN. José (Org). A formação do Novo Testamento, p. 59.

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13

Enfim, como mencionado, localizar a comunidade joanina não é uma tarefa fácil, e

nem definitiva, pois apesar de tantos esforços, ainda permanecem questões a serem

postas, no entanto, é provável que aí na região da Judéia esteja a primeira fase da

comunidade joanina e a base escriturística de seu Evangelho.

Ao lado da localização da comunidade joanina, outra dificuldade é demonstrar as

etapas de redação do Evangelho. O que se nota em uma primeira leitura é que o Quarto

Evangelho possui “desacerto” na continuidade redacional, o que leva a crer que tenha

passado por mais de um escritor e em épocas diferentes. Este “desacerto” é o que Neves

chama de aporias redacionais29

.

Para Neves, as aporias “nos obrigam a concluir que o quarto evangelho não foi

escrito por alguém de maneira harmônica e com uma unidade estrutural e redacional

sem mácula”30

, pelo contrário, o que se mostra é que a questão da autoria, atribuída ao

Discípulo Amado (cf. Jo 21,24), como sendo o apóstolo João31

, passa a ser uma

atribuição moral, ao invés de factual, no entanto, isto não nega que o Discípulo Amado

tenha sido um membro real na comunidade joanina32

. O Discípulo Amado não deve ter

sido o João Apóstolo, mas “foi, com certeza, um discípulo de segunda importância para

a tradição da Igreja dos Sinópticos, mas de primeira grandeza para a tradição joanina”33

.

Quanto à redação, um texto que aponta etapas é a conclusão, isto é, “sem dúvida, 20,30-

31 é uma conclusão. Mas encontramos outra em 21,24-25. Daí se pode concluir que o

cap. 21 é um acréscimo ulterior”34

. Expondo já, ao menos duas redações no Quarto

Evangelho.

A questão joanina da redação ocupou vários especialistas da área bíblica, que se

esforçaram por desenvolver teorias para explicar como se deu o processo redacional do

Quarto Evangelho. Konings utiliza a imagem de um templo para propor as várias etapas

de redação do Evangelho joanino35

e a sua pretensão se somam outros autores.

29

Cf. NEVES, Joaquim Carreira. Escritos de são João, p.40. 30

Idem ibidem, p. 41. 31

Cf. BLANCHARD, Yves-Marie. São João, p. 20. 32

MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 459: “levando-se em conta que em João existe uma

certa rivalidade entre Pedro e o discípulo amado e, ainda mais, que a morte do discípulo bem-amado

parece ter constituído um problema para os círculos joaninos, conclui-se que o discípulo amado não deve

ser considerado uma figura puramente simbólica, sem consistência histórica; trata-se de uma figura

conhecida nos círculos joaninos, mais precisamente como o fundador da tradição e da escola joanina.” 33

NEVES, Joaquim Carreira. Escritos de são João, p.46. 34

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos, v. II. São Paulo: Loyola, 1992, p. 253. 35

Cf. KONINGS, Johan. A memória de Jesus e a manifestação do Pai no Quarto Evangelho. PT, Belo

Horizonte, n. 20, 1988, p. 177: “o atual Evangelho de João é como um templo que contém elementos de

construção anteriores e também alguns acréscimos e adaptações de adequações duvidosas.”

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Sobre a teoria da redação levantam-se muitas teorias, entre elas seguem algumas:

unidade da composição: essa hipótese defende que todo o Evangelho foi escrito por uma

única pessoa, um único autor, segundo essa hipótese, as dificuldades encontradas no

interior do texto se explicam pelo fato do autor ter feito várias revisões, como que

reeditando com alterações. Ela foi defendida por nomes como Ruckstuhl, Schweizer e

mais tarde por Lindars e Wilckens36

.

Uma segundo hipótese considerada aqui é a defendida por Wellhausen e mais tarde

por Richter, que defendia a existência de um evangelho primitivo, que estava na base do

atual Evangelho, e chegou a tal, por uma série de ampliações37

. Outra hipótese é aquela

defendida por Bultmann: a teoria das fontes. Segundo a qual, o evangelista obteve uma

fonte sobre a Paixão, uma sobre os relatos de milagres e uma terceira fonte sobre os

ditos (logia). Com esse material, segundo Bultmann, o evangelista fez um primeiro

trabalho de redação, que seria ampliado pela redação final38

. Mais recente ganhou

grande aceitação a hipótese levanta por Brown. Ele defende a existência de cinco

camadas redacionais,

A primeira situa-se no estágio da tradição oral; a segunda pertenceria

à reelaboração deste material no meio dos círculos joaninos; a terceira

seria a primeira redação propriamente dita do evangelho; uma quarta

fase pertenceria à retomada que o mesmo autor da terceira redação

faz, acrescentando elementos novos surgidos dentro da Igreja em

tempos posteriores, e a redação final se constituiria numa revisão que

um membro da escola do evangelista teria feito mais tarde.39

A teoria de Brown, segundo Moloney, foi revista e organizada pelo próprio Brown

em três estágios, ao invés de cinco, como em 196640

. Os três estágios apresentados por

Brown, como revisão de sua obra, são: primeiro estágio, que consiste na fase

testemunhal, isto é, como os demais evangelhos, também o de João teve uma

36

Cf. MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 445. 37

Cf. Idem ibidem, p. 445. 38

Cf. idem ibidem loc. Cit. 39

MAZZAROLO, Isidoro. Leitura evolutiva dos Evangelhos: a integração de Lucas e João. AT, Rio de

Janeiro, n. 19, 2005, p. 43. 40

Cf. MOLONEY, Francis J. Raymond Brow´s new introduction to the Gospel of John: a presentation-

and questions. CBQ, Washington, n. 01, 2003, p. 3: “In the 1966 commentary, before his work on the

history of the johannine community, Brown suggested a five-stage theory for the development of the

Gospel. He now associates a theory of composition with more recent speculations on the history of the

community development that produced the gospel as we now have it. Brown´s modified theory suggests

that the gospel´s development through three stages parallels the development of all four gospels.”

[tradução nossa: “No comentário de 1966, antes de seu trabalho sobre a história da comunidade joanina,

Brown sugeriu uma teoria dos cinco estágios para o desenvolvimento do Evangelho. Ele, doravante,

associa uma teoria da composição com especulações mais recentes sobre a história do desenvolvimento

da comunidade que produziu o evangelho como nós o temos hoje. A teoria modificada de Brown sugere

que o desenvolvimento do evangelho, em três estágios, faz paralelo com o desenvolvimento de todos os

quatro evangelhos.”]

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testemunha no grupo dos discípulos41

; o segundo estágio consiste na tradição oral, onde

o Discípulo Amado teve grande importância, aqui alguns relatos já podem ter sido

escritos, seriam décadas nas quais pesa o que o Discípulo Amado ensinou42

; o terceiro

estágio possui dois momentos, um teria o que Brown chama de „evangelista‟, ele seria o

responsável por coletar as tradições do Discípulo Amado e organizá-las junto com

outros materiais, de modo que seja o responsável pela organização teológica de sinais,

discursos e narrativas43

. Na segunda fase do terceiro estágio, Brown considera que há

um redator44

, aquele que trabalhou com o material deixado pelo evangelista e levou o

Quarto Evangelho ao formato que se tem hoje. Ele teria acrescentado o Prólogo e o

Epílogo, segundo Brown.

Contemporânea à revisão de Brown, levantada por Moloney, houve a publicação dos

trabalhos de Vidal, os quais, segundo Neves, são relevantes para a discussão das fases

da comunidade e a redação do Evangelho joanino45

.

Vidal considera que há um princípio comum tanto para o Evangelho segundo João,

como para os sinóticos (Mc, Mt e Lc). Todos teriam se formado de pequenas memórias

(peças) guardadas a partir de relatos e ditos, que eram transmitidos pelas comunidades,

até que chegaram a ser escritos, e desde aí passaram por interpretações e ampliações até

cada tradição (sinótica e joanina) compilar estes escritos em evangelho46

. Considerando

esta proposta é que Vidal desenvolve seu trabalho, realizando a análise de cada „peça‟

41

Cf. Idem ibidem, p. 4. 42

Cf. idem ibidem, p. 4: “Again, in a fashion similar the development of the synoptic tradition, for several

dacades Jesus was proclaimed in the postresurrectional context of a christian community. It is at this stage

that the beloved disciple played a crucial role. This figure, not one of the twelve but a disciple of Jesus,

was the link between the frist and second stage. The bulk of this lengthy period (several decades) would

have been marked by the oral transmission of the tradition of the beloved disciple, but there may have

been something written toward the end of his stage.” [tradução nossa: “Mais uma vez, de maneira similar

ao desenvolvimento da tradição sinóptica, por várias décadas, Jesus foi proclamado no contexto pós-

ressureição de uma comunidade cristã. É neste estágio que o discípulo amado assume um papel crucial.

Esta figura, que não é um dos doze, mas um discípulo de Jesus, foi o elo entre o primeiro e o segundo

estágio. A maior parte deste longo período (décadas) teria sido marcado pela transmissão oral da tradição

do discípulo amado, mas pode ter sido algo escrito no final do seu estágio.”] 43

Cf. Idem ibidem, loc. Cit. 44

Cf. Idem ibidem, p. 4: “Finally, 'the redactor' produced the gospel as we now have it. This figure is

responsible for such features as the Prologue (1:1-18) and the Epilogue (21: 1-25) and for shifting certain

blocks of material within the evagelist´s story from on place to another.” [tradução nossa: "Por último, „o

redator‟ produziu o evangelho como nós o temos hoje. Esta figura é responsável pelos recursos, como o

Prólogo (1,1-18) e o Epílogo (21, 1-25), bem como, pela mudança, de um lugar para outro, de certos

blocos de material, ao interno do relato do evangelista.”] 45

Cf. NEVES, Joaquim Carreira. Escritos de são João, p. 60. 46

Cf. VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus, p. 14.

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dos textos atuais, na busca da origem da tradição e seu desenvolvimento até chegar ao

texto que temos hoje47

.

Todas estas teorias, com seus diversos acenos, contribuíram para o estudo do Quarto

Evangelho e levam a compreender que este Evangelho surgiu de forma processual, não

foi redigido por uma única pessoa e nem em um mesmo ano; outra ideia comum nas

teorias é o início da comunidade na Palestina e a sua formação vinda de um judaísmo

plural, haja vista a presença de Batistas e Samaritanos. É partindo das origens na

Palestina e considerando que seus primeiros membros eram de grupos diversos do

judaísmo do Primeiro Século, que a presente pesquisa busca elucidar a tipologia do

cordeiro, atribuída a Jesus, como uma imagem que contribuiu para a identidade do

grupo e para sustentar sua teologia da reconciliação em Jesus.

A imagem do cordeiro, que é aceita e acolhida pela comunidade joanina, leva-a a

uma constatação: Jesus é o vínculo de reconciliação com o Pai. Ora, todo o Quarto

Evangelho é uma revelação da unidade entre Jesus e o Pai (cf. Jo 14,8-11). O Filho veio

fazer a vontade do Pai (cf. Jo 17,4), e se torna a oferta de reconciliação entre Deus e a

humanidade, isto é, a humanidade decaída foi presenteada pelo Pai com a oferta

amorosa do Filho, como um cordeiro, que se fez obediente, inclusive até a morte, com

isto, sua entrega é a consumação do amor que há entre o Pai e o Filho, e de fato, só o

amor tem a força necessária para reconciliar.

Para percorrer este caminho, a presente pesquisa se organiza em três capítulos que

possuem subdivisões internas, no entanto, passar-se-á à macro divisão.

O primeiro capítulo busca elucidar a tradição do cordeiro e sua relação com os

samaritanos e João Batista, partindo do pressuposto de membros oriundos destes grupos

na comunidade joanina, procurando responder a pergunta: que sentido tem para

samaritanos e batistas chamar Jesus de cordeiro? A memória da saída do Egito é comum

a samaritanos e judeus. Levando a crer que a primeira memória samaritana referente a

cordeiro seria a libertação do Egito e a formação de um único povo. Por sua vez, a

relação com João Batista traz a problemática da fonte de sua saudação, se Is 53,7 ou o

Cordeiro Pascal (Ex12). Em todo caso, a analogia feita pelo segundo Isaías é litúrgica,

isto é, compara o servo com o cordeiro que expia os pecados, assim, é possível que o

Quarto Evangelho tenha fundido já na saudação Batista, o rito pascal e o sacrifício de

expiação.

47

Cf. Idem ibidem, p. 15.

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A comunidade joanina, apesar da presença de gente oriunda de vários grupos da

época, parece que predominava a tradição judaica, gente que freqüentava o Templo, que

conhecia a vida litúrgica de Israel, e provavelmente vivia nas imediações de

Jerusalém48

. Pelo que, o segundo capítulo procura expor a vida litúrgica do Segundo

Templo e nela a presença do cordeiro como elemento litúrgico. Nas festas listadas pelo

Quarto Evangelho, todas guardavam sacrifícios de animais, entre eles o cordeiro, o que

reforça o pano de fundo litúrgico à saudação Batista (cf. Jo 1,29.36). No segundo

capítulo é também relevante a citação em Jo 19,36: não lhe quebraram nenhum osso. A

sua fonte é discutível, se o salmo 34 ou Ex 12, contudo, todo o contexto da morte de

Jesus dentro da preparação pascal leva a entender que em Jo 19,36 se completa o que

fora dito em Jo 1,29: eis o cordeiro de Deus.

Constatado, que entre os evangelhos, somente o Quarto Evangelho aplica a Jesus a

tipologia de cordeiro, chega-se a compreender que esta imagem era importante para a

comunidade joanina. Por isso, o terceiro capítulo expõe a singularidade desta tipologia

entre os evangelhos, e liga tal imagem à esperança messiânica de Israel, mas, sobretudo,

defende que Jesus é a oferta de reconciliação apresentada pelo Pai. E sua morte, antes

de ser uma tragédia, é uma entrega voluntária e por amor, em favor da humanidade.

Portanto, os três capítulos da presente pesquisa estão colocados para evidenciar a

propriedade do Evangelho joanino quanto ao tema do cordeiro e ressaltar a formação

desta comunidade, como uma comunidade aberta, formada por diversos grupos,

cultivando o diálogo e a esperança messiânica.

48

Cf. O´CALLAGHAN. José (Org). A formação do Novo Testamento, p. 59.

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CAPITULO I

A TRADIÇÃO DO CORDEIRO

INTRODUÇÃO

A pesquisa bíblica sobre o Quarto Evangelho encontra diversas interpretações a

respeito da pessoa de Jesus. Entre elas está a imagem do cordeiro que se revela envolta

em muita complexidade, pois em si já traz duas possibilidades: Cordeiro Pascal e Servo

de Deus. Nos textos neotestamentários existem referências à imagem do cordeiro49

que

são aplicadas a Jesus, valendo-se de termos sinônimos, mas com uso cultural

diferenciado, como se perceberá na sequência da pesquisa.

No Evangelho joanino há dois momentos que se referem ao cordeiro explicitamente:

1,29 (no dia seguinte João viu Jesus aproximar-se e disse: eis o cordeiro de Deus que

tira o pecado do mundo) e 1,36 (fixou a vista em Jesus que passava e disse: eis o

cordeiro de Deus) – e ainda outro momento em que a referência é implícita – 19,36

(assim sucedeu para que se cumprisse a Escritura: não lhe quebrareis osso algum).

No capítulo primeiro do Evangelho segundo João, a imagem está associada a tirar o

pecado do mundo50

, e no capítulo dezenove, do mesmo Evangelho, há uma

identificação com o sacrifício realizado no Templo51

. Diante destes textos, levando-se

em consideração que a comunidade joanina possui uma formação complexa e difícil

para se reconstruir52

, é importante supor que, para a comunidade, a identificação de

Jesus como cordeiro fosse relevante, ou seja, como a imagem persiste em aparecer duas

vezes no primeiro capítulo e ainda na narrativa da Paixão, leva a crer que a comunidade

do Quarto Evangelho atribuía valor significativo para a imagem de Jesus como cordeiro.

49

COENEN, L.; BEYREUTHER, E.; BIETENHARD, H. DCBNT. Bologna: EDB, 1976, p 63: “Nel NT

Gesù vienne chiamato 4 volte amnós (Gv 1,29.36; At 8,32; 1Pd 1,19). ; arén compare uma sola volta nel

NT, in Lc 10,3 dove se dice che i discepoli saranno indifesi come le pecore in mezzo ai lupi. ; arnión in

Gv 21,15 la comunità è proprietà di Cristo e abbisogna della fedeltà del discepolo che deve fungere da

pastore.; oltre a Gv 21,15, arníon si trova esclusivamente in Ap (27 volte).” [tradução nossa: No NT Jesus

é chamado 4 vezes de amnós (Jo 1,29.36; At 8,32; 1Pd 1,19). ; Arén aparece somente uma vez no NT, em

Lc 10,3 onde se diz que os discípulos serão indefesos como as ovelhas em meio aos lôbos. ; arnión

aparece em Jo 21,15 onde a comunidade é propriedade de Cristo e necessita da fidelidade do discípulo

que deve agir como pastor. Além de Jo 21,15, arnión se encontra exclusivamente no Ap (27 vezes).”] 50

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João: palavra de Deus. V. I. São Paulo:

Loyola, 1996, p. 134. 51

Cf. KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 343. 52

Cf. VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del discípulo “amigo” de Jesús.

Salamanca: Sigueme, 1997, p. 40.

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Alguns estudiosos, como Zumstein53

, entendem que a comunidade joanina possuía

membros vindos do grupo do Batista, bem como adeptos provenientes da pluralidade do

judaísmo do primeiro século (fariseus, saduceus, essênios, sacerdotes e judeus da

diáspora)54

e do meio samaritano55

. Diante disto vale a pena uma pesquisa para verificar

a relevância da imagem do cordeiro para cada um dos grupos que formaram a

comunidade do Discípulo Amado, levando em consideração três matrizes grupais:

Judeus, Batistas e Samaritanos56

.

1.1. Pontos comuns entre judeus e samaritanos

No percurso da pesquisa sobre o cordeiro em João, faz-se necessário, como

mencionado anteriormente, levar em consideração a composição da comunidade

joanina. Para Vidal, a comunidade joanina é formada por diversos grupos, entre eles a

comunidade de Sicar (cf. Jo 4,5-41)57

, pelo que cumpre realizar uma retomada histórica

da relação entre judeus e samaritanos, destacando a relevância do cordeiro para as

“duas” tradições.

No tempo de Jesus havia entre judeus e samaritanos uma animosidade que fora

construída ao longo da história e resistia mesmo diante da alegada origem comum: a

saída do Egito.

Quando ocorre a libertação do Egito, os antepassados pertencentes ao povo de Israel

são tratados na memória como sendo um clã, com sucessão harmônica, isto é, o texto

bíblico veterotestamentário constrói uma descendência a partir de Abraão e segue-se às

doze tribos como oriundas da mesma linhagem patriarcal, de onde veio o povo de Isreal

(cf. Js 24). Assim, por longos anos, até a cisão entre o Reino do Sul e o Reino do Norte

53

Cf. MARGUERAT, Daniel (Org). Novo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola,

2009, p. 452-456. 54

Cf. GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia: as comunidades cristãs da primeira geração. São Paulo:

Paulus, 2000, p. 45. 55

Cf. VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del discípulo “amigo” de Jesús, p. 16:

“el relato de la fundación de la comunidad juánica de Sicar en Samaria (4, 5-41) sin paralelo en la

tradición sinóptica, es una narración espléndida sobre la actividad misional de los grupos juánicos en sus

tiempos antiguos.” 56

Aqui poderíamos considerar João Batista como judeu, aliás o seu Movimento é um entre tantos no meio

judaico do primeiro século, no entanto, considerando as particularidades deste Movimento, vale

considera-lo em separado, também por sua relevância em relação à pesquisa sobre o Movimento de Jesus,

como se verá ulteriormente. 57

Cf. VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del discípulo “amigo” de Jesús, p. 40.

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(cf. 1Rs 12,1-33), Israel era um só povo58

. Todavia, após a morte de Salomão e a subida

de seu filho Roboão ao trono, o Sul e o Norte levaram a termo a tensão que já se

instalara ao início da monarquia, ocasionando a separação entre os dois reinos, elevando

ainda mais a animosidade já existente, embora não tenha sido este ainda o momento da

cisão radical.

Após a queda da Samaria, a Assíria povoou a região com gente vinda de várias

partes, o que, segundo a Judéia, tornou a Samaria uma terra pagã (cf. 1Rs 17,24-41). A

dificuldade de convivência se intensifica após o fim do Exílio da Babilônia59

. Os

repatriados de Judá requerem a pureza, causando grande dificuldade para a convivência

com os samaritanos, os quais pleitearam o direito de construir um templo em Garizim,

que foi erguido somente no começo da época grega, em 33260

, e destruído por João

Hircano, no período dos Macabeus, o que foi o ponto alto dos conflitos61

.

Apesar da significativa existência de conflitos entre estes povos, a realidade histórica

mostra também a presença de grande identidade entre um e outro. Prova disso consiste

na figura dos patriarcas, visto que tanto judeus quanto samaritanos entendem que

Abraão, Isaac e Jacó são seus pais, soma-se a isto várias manifestações religiosas que

identificam a raiz comum a judeus e samaritanos.

No relacionamento com a Escritura, os samaritanos mantêm a tradição do

Pentateuco, legitimando os cinco primeiros livros da Bíblia como sagrados62

e

aceitando-os para o culto e para a instrução na fé63

. Lohse entende que a unidade no

Pentateuco se dá porque quando eles se separaram ainda não havia a compilação e

aceitação geral de outros textos como sagrados, seja a literatura sapiencial ou

58

Cf. SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran. São Paulo: Loyola,

1994, p. 104: “os samaritanos são javistas como o são os judeus da Judéia; como eles, receberam de

Moisés a Torah, praticam a circuncisão, observam o sábado; como eles e com eles somente entre as

nações, são monoteístas. Como eles os samaritanos são filhos de Israel.” 59

Cf. MAIER, Johann. Entre os dois testamentos: história e religião na época do Segundo Templo. São

Paulo: Loyola, 2005, p. 55: “a tradição dos exilados de Judá censurou desde cedo (cf. 2Rs 18,24ss.) os

moradores do território do norte de Israel, por se terem misturado com estrangeiros imigrados, adotando

um sincretismo religioso, sem dúvida principalmente aquela religião popular que apareceu também em

Kuntillad Adjrud em Elefantina. Contudo, depois da repatriação, os chefes do Templo não puderam

manter plenamente essa posição polêmica, o que contrariou a linha exílica, que de fato por vezes interveio

com a ajuda de judeus da Babilônia.” 60

Cf. SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran, p. 105. 61

Cf. LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 14:

“no tempo em que os samaritanos obtiveram seu próprio santuário, reinava uma inimizade profunda entre

eles e os judeus. Tal animosidade finalmente os levou à guerra. No ano 128 a.C., os judeus, sob o

comando de João Hircano, destruíram o templo do monte Garizim.” 62

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 261. 63

Vale salientar que os samaritanos possuem uma versão própria do Pentateuco.

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21

profética64

. Para Maier, a opção pelo Pentateuco se insere dentro da tensão histórica

entre os dois povos, assim,

os samaritanos adotaram o Pentateuco (com poucas variantes) como

Revelação do Sinai e, como os saduceus mais tarde no judaísmo,

consideraram-no a única base obrigatória da Revelação. É

compreensível que eles não tenham conseguido aceitar a obra

historiográfica deuteronomista, com sua apresentação crítica da

história do reino do Norte.65

O Pentateuco66

, traço comum entre judeus e samaritanos, abre um ponto de diálogo,

pois alguns de seus trechos67

levavam grupos de um e outro povo a esperar a vinda do

Messias. Para os judeus, há muitas interpretações sobre a figura do Messias68

; já para os

samaritanos, conforme tem apontado a pesquisa bíblica, a vinda do Messias estaria de

acordo com o anunciado em Dt 18,15, isto é, “o Senhor teu Deus suscitará para ti, do

meio de ti, dentre teus irmãos, um profeta como eu: é a ele que deverás ouvir”.

Sobre o Messias samaritano não há muitas informações; ao que parece, ele recebia o

nome de Taheb. Seria um Messias semelhante a Moisés69

. Para Léon-Dufour, o Taheb é

mais bem compreendido a partir de um acréscimo que existe na versão samaritana do

Pentateuco,

um notável adendo feito ao texto do decálogo (Ex 20,1-21) na edição

samaritana do Pentateuco poderia confirmar a espera de um profeta.

Ali se lê, imediatamente antes do Código da Aliança: „eu suscitarei

entre teus irmãos um profeta tal como tu (Moisés) e darei minhas

palavras em sua boca‟ (Ex 20,21b). Esse acréscimo, que equivale a Dt

18,15, provaria a crença na volta um profeta que revelaria os

derradeiros segredos divinos.70

64

Cf. LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento, p. 14. 65

MAIER, Johann. Entre os dois testamentos, p. 55-56. 66

É importante pontuar que ao se falar de Pentateuco para Judeus e Samaritanos se faz necessária a

consciência que há variações entre os dois pentateucos, sobre o que existe produção literária, a exemplo

de Girón Blanc, em Revista de Ciencias de las Religiones, anejos 2002, VII e também Anderson, em

Revue Biblique, n. 62, 1970. 67

Cf. SOUSA, Rodrigo F. de. O desenvolvimento histórico do messianismo no judaísmo antigo:

diversidade e coerência. Disponível em http://www.usp.br/revistausp/82/02-rodrigo.pdf. Acessado em

22/01/13.p. 12: “Os textos relevantes para a construção do messianismo no corpus bíblico não se limitam

aos que contenham o termo mashiach. Diversos textos, como Gn. 49:10, Nm. 24:17, foram interpretados

messianicamente por grupos diversos no judaísmo do Segundo Templo, com um nível significativo na

coerência da interpretação.” 68

Cf. BAILÃO, Marcos Paulo. O nascimento do messianismo judaita. EB, Petrópolis, n.52, 1997, p. 09:

“no decorrer da história [de Israel] diversos movimentos foram classificados como „messiânicos‟, ou seja,

movimentos que esperavam a mudança na situação de grupos marginalizados pela chagada de um novo

tempo. Este novo tempo se daria pela conjunção entre a ação da divindade e a dos adeptos do

movimento.” 69

Cf. KONINGS, Johan. O tema do messias no Quarto Evangelho. EB, Petrópolis, n. 52, 1997, p. 91:

“para os samaritanos o messias não seria um novo Davi, mas o novo Moisés que eles achavam estar

anunciado em Dt 18, 15.18.” 70

LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 287.

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22

No diálogo com a samaritana, Jesus vai progressivamente assumindo as esperanças

da Samaria, isto é, a mulher vai entendendo que Jesus se identifica com o Messias

esperado, com o Taheb, aquele que pode revelar „os segredos divinos‟, tanto que a

surpresa da mulher não é com a “água viva”, mas porque “me disse tudo que tenho

feito” (cf. Jo 4,29). A descoberta da mulher é progressiva, como propõe o diálogo de

Jesus: primeiro, Jesus é um judeu (cf. Jo 4,9), depois um profeta (cf. 4,19), até

finalmente ser reconhecido como aquele que devia vir (cf. 4,25.39)71

. A esperança é de

tal modo assumida, que os samaritanos que vêm a Jesus por causa da mulher, agora

espalham sua obra a todo o mundo (cf. Jo 4,42). Assim, os samaritanos rompem o

exclusivismo soteriológico de alguns círculos do judaísmo: Jesus é o salvador do

mundo72

.

Para os escritos joaninos, o conceito de mundo73

compreende variantes na relação

com Jesus, isso também está presente no episódio do Batista e dos samaritanos. O

Batista saudou Jesus como cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29) e

os samaritanos o saudaram como salvador do mundo (cf. Jo 4,42).

No Quarto Evangelho, Jesus está muitas vezes em conflito com o mundo74

. Essa

categoria assume uma variante de não aceitação a Jesus (cf. Jo 14,30), mas, por outro

lado, tanto a saudação do Batista, como dos samaritanos revelam a intensidade da

relação de Jesus com o mundo. Com a saudação samaritana, Moloney entende que há

uma confrontação entre Jesus e o imperador romano e os modelos helenistas de

titularem seus imperadores75

, isto é, o verdadeiro kyrios é Jesus. Para a saudação do

Batista, Léon-Dufour entende que ela recolhe a tradição dos judeus que tinham a

consciência de que Deus redimiria o mundo76

e Israel seria o arauto da instalação da

vontade de Deus. O movimento apocalíptico, como ícone desta tradição, põe o enviado

de Deus como o salvador do mundo77

. Com isto, a saudação samaritana e Batista

expõem que Jesus é Senhor e Redentor do mundo.

71

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV. Minnesota: Michel Glazier Book,

1998, p. 126. 72

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 300. 73

Cf. SARASA GALLEGO, Luis Guillermo. La filiación de los creyentes en el Evangelio de Juan.

Bogotá: D.C., 2009, p. 478: “el concepto bíblico de (en grego) de cosmos llega a su ponto cúlmen en los

escritos juánicos. De las 185 veces que se usa en el NT, 105 en los escritos juánicos. En primer lugar se

trata del mundo creado; pero tambiém puede significar algo más que el universo material en quanto dice

relación al hombre. Se trata del teatro en el cual se desarrolla el drama de la redención.” 74

Idem, Ibidem, p. 301 75

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV, p. 147. 76

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 105. 77

Cf. LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento, p. 63-65.

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23

Outro conceito rico à tradição joanina é o de água viva e a sua fonte. Os membros da

comunidade conheciam o valor da água em regiões desérticas e semidesérticas. Mas a

água pura, a água viva, que emana do poço da Torá é o Dom de Deus78

, é ele que sacia a

sede do ser humano, como prescrevia a tradição.

Entre os comentadores do Quarto Evangelho se encontram López Rosas, Richard

Gúsman, e também Mateos e Barreto que identificam, segundo uma tradição antiga, que

a fonte da água viva é o poço da Torá, poço do qual emana a sabedoria79

. Konings segue

na mesma linha, identificando a água pura com o “simbolismo do AT, a água profunda

(cf. Pr. 18,4; 20,5), a água viva (cf. Sr 21,13; 24,23-34), representa a Sabedoria e a

Lei”80

, assim, judeus e samaritanos identificam “tirar água” com o estudo da Torá81

;

portanto, Jesus ao dizer que dará a água viva (cf. Jo 4, 10.13) se apresenta como a fonte

do culto, da moral e da fé e “ocupará permanentemente o lugar do antigo manancial”82

.

A tradição judaica e samaritana, como visto, entendem que “do poço da Lei brota a

água viva”83

. Além da imagem da Torá, como poço, diversamente as duas tradições

compreendem que do lugar sagrado emana a água da vida; com os samaritanos o poço

está ligado a Jacó; para o mundo judeu a indicação mais corrente é da linhagem

profética, que situa a fonte da água no Templo (cf. Ez 47; Zc 14,8), em Jerusalém84

.

Entre a tradição samaritana e judaica há também o choque sobre a perspectiva da

linhagem dos patriarcas. A Samaria, apesar de ser um povo misto, devido à ocupação

Assíria, tem a firme convicção de ser descendente de Jacó, tradição que se mantinha

fortemente pela presença do poço em Sicar. Por sua vez, a tradição do Sul, mesmo

declarando-se descendente dos patriarcas, teve sua maior ocupação teológica na

78

Cf. LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan.

Navarra: Verbo Divino, 2006, p. 103-104: “el desconocido regalo o don de Dios es un agua de calidad:

água corriente, viva, no estancada. En AT sabe que Dios es la fuente de águas vivas (Sal 35,10; Jer 2, 13;

cf. Sal 41, 2), y que esto se expresa en la Torá o Instrucción dada para vida de los fieles[...] igualmente,

los rabinos emplean la metáfora referida al estudio de la Torá: „sea tu casa lugar de encuentro de los

sábios, empólvate con el polvo de sus pies, bebe con avidez sus palabras‟ (mAB 1,4). De un buen

discípulo se dice que es „una cisterna encalada que no pierde una gota de agua‟; „R. Eleazar, hijo de Araj,

es una fuente que cresce constantemente‟ (mAB 2,8).” 79

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João. São Paulo: Paulinas, 1989, p 220: “o

poço, na tradição judaica, converteu-se em elemento mítico, que sintetiza os poços dos patriarcas e o

manancial que Moisés abriu na rocha do deserto. É figura da própria Lei, que se considerava observada já

pelos patriarcas e formulada mais tarde por Moisés.” 80

KONINGS, Johan. Evangelho segundo João, p. 126. 81

Cf. LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan, p.

104. 82

MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 221. 83

Idem ibidem, p. 220. 84

Cf. Idem ibidem, p. 221.

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manutenção da teologia davídica85

e na espera de um rei segundo Davi86

, embora

conhecessem a tradição do poço de Sicar e do monte Garizim (cf. Gn 33,19; 48,22; Js

24,32).

1.1.1 A imolação do cordeiro como lugar da identidade e da memória

Em Garizim, lugar de culto e peregrinação. Que segundo o Pentateuco Samaritano, é

um santuário antigo, onde Deus mandou erigir um altar para adoração87

. Portanto, o

lugar onde foi construído o Templo Samaritano no início da época helenista, já possuía

sua longa tradição como santuário88

. Todavia, com o projeto de um só Templo, o

judaísmo pós-exílico não aceitou que se desse termo à construção de Garizim, haja vista

85

Cf. SOUSA, Rodrigo F. de. O desenvolvimento histórico do messianismo no judaísmo antigo:

diversidade e coerência, p. 13: “A promessa feita a Davi de uma “casa” eterna formou a base da

legitimação da dinastia davídica. Diversos textos do Antigo Testamento refletem essa promessa, dentre os

quais podemos ressaltar os chamados “salmos reais” (Salmos 2, 18, 20, 21, 45, 72, 89, 101, 110, 132 e

144), que exaltam o monarca da linhagem de Davi.” 86

Idem ibidem, p. 13: “Diversos textos ecoam a esperança da restauração plena da casa de Davi (Is. 11:1-

9; Ez. 34 e 37; Mq. 5:1-3). Esses textos foram apropriados por diversos grupos no judaísmo antigo e

embasaram a sua esperança messiânica.” 87

Cf. GIRÓN BLANC, Luís Fernando. La version samaritana del Pentateuco. Disponível em:

http/revistadigital/index.php/revistainteracoes/article/viewFile/229/190. Acessado em 22 fevereiro 13,

14:25:30.: “Esta variante recibe su significado profundo en Dt 27,4, donde en lugar de Ebal de la version

judia encontramos Garizim en la samaritana. Según esto, lo prescrito para El monte Ebal es trasladado al

monte Garizim y, así, esté es el lugar que Adonai eligió de antemano. De esta forma justifican los

samaritanos la existência de su centro de culto en el monte Garizim”. Disponível em:

http/revistadigital/index.php/revistainteracoes/article/viewFile/229/190. Acessado em 22 fevereiro 13,

14:25:30. 88 Diante da alegada manifestação de Deus em Garizim, segundo o Pentateuco Samaritano, a diferença

entre Garizim e Jerusalém está no que Sicre identifica e diferencia como lugares de culto, a saber:

“Dentro do mundo bíblico, o espaço sagrado constitui um tema extenso, que foi evoluído durante

séculos. Através das diversas tradições observa-se que: 1) certos lugares adquirem caráter sagrado

porque a divindade se manifesta neles; 2) outros conseguem esta categoria porque um grande

personagem religioso os funda; 3) há momentos capitais da relação com Deus que podem ocorrer no

espaço „profano‟.” (LUÍS SICRE, José. Profetismo em Israel: o profeta, os profetas, a mensagem.

Petrópolis-RJ: Vozes, 2008, p. 382). Assim, Garizim se enquadra dentro da prescrição 1, onde Deus se

manifestou, segundo o Pentateuco Samaritano Dt 27,4. Já o templo de Jerusalém é construído por uma

personalidade, no entanto, sua afirmação como lugar sagrado é, segundo Araújo, construída por imagens

que o associam à manifestação de Deus, como exemplo, a nuvem da presença divina: “Na Sagrada

Escritura, a nuvem como manifestação da glória do Senhor aparece sobre o monte Sinai, sobre o monte

Moriá, acompanhando os israelitas durante a sua marcha pelo deserto, dentro da tenda do deserto e dentro

do Templo ou como sinal escatológico”. E ainda: “o Templo de Jerusalém surge por vontade de Davi e

iniciativa e Salomão: “[...] meu Pai Davi teve a intenção de construir uma casa para o Nome do Senhor

[...] Mas o Senhor disse [...] não serás tu quem edificará esta casa, e sim, teu filho [...]” (1Rs 8.17-19).

Tais moradias após respectivas edificações vêm empossadas pelo seu dono, ou seja, o Senhor, e a tomada

de posse se faz através da manifestação da nuvem que preenche a tenda (Êx 40.34-35) e o Templo (1Rs

8.10-13). A presença divina do Senhor recebe o nome de shekinah”. (ARAUJO, Gilvan Leite de. A Arca

da Aliança. Disponível em:

http://periodicos.est.edu.br/index.php/estudos_teologicos/article/viewFile/205/224. Acessado em 03

novembro 2012, 11:45:20, p. 246- 247.)

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que “entre a fundação do Garizim e sua destruição em 128 a. C., as relações entre

judeus e samaritanos degradaram-se progressivamente”89

.

O fato de haver Templo em Jerusalém e em Samaria indica que ambos possuíam vida

sacrificial. No tempo de Jesus, Garizim já estava destruído e não há informação clara

sobre a vida cultual da Samaria. Já em relação aos judeus, entre as várias tendências, é

possível afirmar que existia o judaísmo oficial mantenedor do Templo, o que lhe

acarretava uma teologia sacrificial. O Templo era o lugar, por excelência, para se

apresentar os holocaustos (cf. Dt 12,1-12).

A centralidade do sacrifício no Templo de Jerusalém não é um projeto somente

religioso, mas também um projeto político90

que invalida a religião popular e a

existência de outros templos. A política de centralização cultual91

acontece na Reforma

de Josias (cf. 2Rs 23,4ss). Esta Reforma foi possível graças a uma lacuna entre a

dominação Assíria e a dominação Babilônica, na qual Josias buscou a unificação do

povo por meio da vivência religiosa, investindo contra divindades estrangeiras e

focando a prática religiosa sacrificial de Judá em Jerusalém. De fato, a Reforma,

alegada como religiosa, não buscava somente este cunho, mas pelo contrário, com a

destruição do templo de Betel, o chamado templo de Jeroboão (cf. 2Rs 23,15), Josias

tentava levar o reino do Norte a também prestar culto em Jerusalém, onde este seria

centralizado pela sua Reforma político-religiosa.

O alegado início da Reforma se encontra na descoberta do livro da Lei (cf. 2Rs

22,3ss), que alguns consideram se tratar de uma parte do livro do Deuteronômio92

,

porém, uma reforma em Israel já havia sido iniciada por Ezequias (cf. 2Rs 18,4), que

não a pôde concluir devido ao contexto político-externo93

. Deste modo, a Reforma de

Josias parece ser uma continuidade, que terá seu ápice na Festa da Páscoa (cf. 2Rs

23,21: “O rei deu esta ordem a todo o povo: celebrai a Páscoa em honra do Senhor vosso

Deus, como está escrito neste Livro da Aliança.”), obrigando os fiéis a subirem em

89

SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran, p. 108. 90 Cf. RÖMER, Thomas. A chamada história deuteronomista: introdução sociológica, histórica e

literária. Petrópolis: Vozes, 2008, p 11: Segundo a literatura deuteronomista existe apenas um único

santuário legítimo em „Israel‟, o qual, como leitor irá compreender mais tarde, correspondente ao templo

de Jerusalém, embora o nome da cidade nunca seja mencionado nem no Deuteronômio nem no

Pentateuco. A centralização do culto implica também a centralização da economia e da política, como

mostram as leis coligidas em Dt 13-18. 91

Cf. NAKANOSE, Shigeyuki. Uma história para contar: a páscoa de Josias. São Paulo: Paulinas,

2000, p. 197. 92

Cf. BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (Orgs). Comentário Bíblico. V. I, São Paulo: Loyola,

2010, p. 291. 93

Cf. NAKANOSE, Shigeyuki. Uma história para contar, p. 75.

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peregrinação a Jerusalém, pois o combate à religião popular propunha um substituto

para o culto: O Templo de Jerusalém. A Páscoa, que antes era tribal e familiar, agora é

no Templo, com peregrinações anuais a Jerusalém94

. Todavia, em razão das resistências

enfrentadas, a Reforma só encontra sua maior expressão no judaísmo pós-exílico, com

os grupos que, ao voltarem do exílio, requerem a centralidade do culto e a Lei da

Pureza.

A Samaria, ao longo da história, continuará sendo uma resistência à Reforma de

Josias e à pretensão pós-exílica, que queria um só Templo. Aliás,

o argumento principal era que a existência de muitos templos para a

mesma comunidade de Israel era incompatível com a lei do

Deuteronômio, que exigia a destruição de todos os lugares de culto e a

centralização desse em um só templo.95

A realidade de um só templo não foi consenso entre o Povo da Aliança, assim, “O

templo de Garizim estava longe de ser uma exceção”96

, havendo, pois, outros dois

templos fora de Jerusalém: Elefantina97

e Leontópolis98

.

O Templo, em Jerusalém, Samaria, Elefantina ou Leontópolis,99

devia ter uma vida

litúrgica pautada pelo sacrifício. No que diz respeito aos samaritanos, há a cópia de um

calendário deste povo, exposto por Mauch100

. Neste material, na edição de Powels, vê-

se que a vida litúrgica samaritana preservava a Festa da Páscoa101

, contendo, inclusive, a

reserva do dia para a imolação do cordeiro102

.

94

Cf. NAKANOSE, Shigeyuki. Uma história para contar, p. 115. 95

SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran, 106. 96

Idem ibidem, p. 106. 97

Cf. MAIER, Johann. Entre os dois testamentos, p. 46: “existiu uma colônia militar israelita-judaica

em Elefantina. Foi fundada, parece, no fim do século VI a. C., não necessariamente por israelitas do norte

[... ] essa colônia militar possuía um templo, e estava evidentemente convencida de praticar um culto

israelita. Uma missiva oficial sobre a festa da Passah atesta que também para a autoridade persa a colônia

era judaica, ou israelita.” 98

Cf. SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran, p. 107: “quase dois

séculos e meio depois do problema com o Templo de Elefantina, outro santuário devia ser edificado no

Egito. Por volta de 165 a. C. Onias IV, filho do sumo sacerdote Onias III, que circunstâncias políticas

haviam afastado do pontificado em Jerusalém, recebeu de Ptolomeu VI Filometor um território em

Leontópolis com o nome de Heliópolis, no baixo Egito. Ele fundou um templo em forma de torre, cujo

altar foi concebido, diz-nos Flávio Josefo, à imitação do de Jerusalém. Em Leontópolis, os sacrifícios só

foram interrompidos em 73 d.C., quando o templo foi destruído por ordem de Vespasiano.” 99

Idem ibidem, p 108: “ao lado dos judeus que sacrificavam em Jerusalém, havia lugar no seio do povo

de Israel para os que levavam suas oferendas ao Garizim, assim como para os que haviam sacrificado na

casa de Yahô, o deus que está em Elefantina-a-Fortaleza, ou para os que até 73 sacrificavam no Templo

de Leontópolis.” 100

Cf. BAILLET, Maurice. Le calendrier Samaritain. RB, Paris, n. 04, 1978, p. 481. 101

Cf. Idem ibidem, p. 484: “fundamentalment, les Samaritains ont le même système luni-solaire que les

Juifs. A certains traits on reconnaît cependant le caractere plus archaïque de leur calendrier. Ainsi les

mois ne portent pas de noms, mais sont designes pás des numéros. Le premier mois de l´année religieuse

est bien celui que le Pentateuque appella le mois d´Abib, au cours duquel on célèbre la Pâque.” [tradução

nossa: “Fundamentalmente, os Samaritanos possuem o mesmo sistema lunar-solar dos Judeus. Devido a

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Um detalhe caro a esse calendário, segundo Baillet, é que a festa dos ázimos possuía

distinções da festa do cordeiro103

, o que leva a pensar que os samaritanos, de modo

geral – e não somente no período datado do referido calendário – tinha grande apreço

pelo ritual de sacrifício do cordeiro. Baillet ainda destaca a semelhança com o

calendário de Qumran, sobretudo certa grafia104

. Portanto, apesar de uma distância

legítima (legal) com Judá, os samaritanos continham pontos de identidade não só com o

Templo de Jerusalém, mas também com o judaísmo marginal, como atesta a semelhança

com a comunidade de Qumran. Mas, em todo caso, a raiz desta proximidade se guia

exatamente por terem em comum o Pentateuco, pelo que vale enumerar pontos

explicitamente em comuns entre a Samaria e a Judéia: “Torá, Sábado, Sacrifício Pascal,

Pentecostes, Festa das Tendas e o Dia de Expiação”105

. Sabe-se, portanto, que o Templo

evoca sacrifício, mas, ao se verificar que em Samaria também se celebra a Páscoa,

pode-se entender que a imagem do cordeiro possui relevância para essa comunidade.

A Festa da Páscoa e o Dia de Expiação106

utilizavam para os seus ritos o cordeiro

(gado miúdo), o primeiro, ligado à experiência fundante do povo, a saída do Egito (cf.

Ex 12), e o segundo, à experiência do perdão de Deus (cf. Lv 16), também prevista pelo

calendário samaritano107

. Para o mundo samaritano o problema não era o sacrifício, mas

o lugar em que era realizado, haja vista que uma grande divergência entre eles era o “o

lugar do culto”108

, isto é, Garizim ou Jerusalém (cf. Jo 4,20). Porém, o diálogo de Jesus

com a samaritana supera este impasse e expande a compreensão do lugar do culto,

talvez exatamente porque Jesus encerraria todos os sacrifícios109

.

O episódio da saída do Egito, descrito em Êxodo, diz que Deus passou e livrou os

primogênitos de Israel da morte. É uma memória perpétua (cf. Ex 12,14); nos dias de

Jesus, tanto judeus quanto samaritanos celebravam esta memória, ambos viviam a

certas características, reconhece-se, no entanto, o caráter mais arcaico de seu calendário. Dessa forma, os

mêses não têm nome, mas são designados por números. O primeiro mês do ano religioso é aquele que o

Pentateuco chama de mês de Abib, durante o qual se celebra a Páscoa]. 102

Idem ibidem, p. 487. 103

Cf. Idem ibidem, p. 484. 104

Cf. Idem ibidem, p. 484. 105

LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan, p

106. 106

O dia do Grande Perdão deve ser celebrado no décimo dia do sétimo mês, como prescreve Lv 16,29;

23,27 e Nm 29, 1.7, já a Páscoa é prevista para o dia catorze do primeiro mês segundo Lv 23,5 e Nm

28,16. 107

Cf. BAILLET, Maurice. Le calendrier Samaritain. RB, p. 491. 108

LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan, p.

106. 109

Cf. THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Loyola, 2002, p.

495-496.

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memória da passagem de Deus, celebrada com a imolação do cordeiro. Os judeus, por

aceitarem os textos dos profetas, dão outras atribuições ao cordeiro, com mais

possibilidades interpretativas quando a ele se referem; no entanto, no texto sagrado

samaritano, a predominância é a imagem do Cordeiro Pascal, que se soma à imagem do

bode que expia o pecado do povo. No texto de Ex 12, a solicitação feita é que seja

sacrificado um cordeiro ou um bode; em Lv 16, a referência é a dois animais: bezerro,

pelos pecados do sumo sacerdote e sua família, e um bode, pelos pecados do povo. Com

isto, um gado miúdo assume os pecados de todo o povo de Israel.

Jesus, ao dialogar com a samaritana, tem consciência dos pontos de divergência110

,

mas, sobretudo, tem consciência da identidade comum entre os dois povos. Também a

comunidade cristã primitiva tem conhecimento destes pontos em comum, os quais

tornam fracos os pontos de conflitos, fazendo com que a aceitação de Jesus se torne um

elo de comunhão.

A Samaria é a primeira comunidade no corpo do Quarto Evangelho a acreditar em

Jesus111

. A fé da Samaria coleta toda a tradição da Torá e a reconhece em Jesus. No

ambiente judaico havia uma série de interpretações sobre a vinda do Messias; também

na Samaria subsistia uma esperança messiânica, inclusive suscitando, como na Galileia

e na Judeia, supostos messias. No início do 1º século d.C., houve na Samaria o

surgimento de um movimento messiânico, liderado por um “profeta samaritano”112

.

Neste movimento o fundador se fazia ver como o “Moisés redivivo”, como os

samaritanos esperavam a partir de Dt 18,15. Tal movimento parece ter encontrado

grande acolhida entre os samaritanos, pois mereceu a atenção de Pilatos, a ponto de este

massacrar o fundador e seus seguidores.

No paralelo entre o judaísmo oficial, presente no diálogo com Nicodemos (cf. Jo 3),

e o diálogo com a samaritana (cf. Jo 4), há uma expressão de fé por parte da samaritana

110

Cf. LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan, p

106. 111

Cf. KONINGS, Johan. Evangelho segundo João, p. 130: “No Evangelho de João a primeira

comunidade que acredita em Jesus é a dos samaritanos! Ora, qualificado com o título “Salvador do

mundo”, o Jesus-Messias dos samaritanos supera de longe os limites do judaísmo (o messias é salvador

de Israel).” 112

Cf. THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos: “uma teoria do cristianismo primitivo. São

Paulo: Paulinas, 2009, p. 59: “depois de Jesus, surgiu na Samaria um profeta samaritano que prometeu a

seus seguidores tornar acessível sobre o monte Garizim os utensílios do Templo que Moisés havia

ocultado (F. Josefo, Ant. 18,85). Algo fica evidente: aqui aparece alguém com a pretensão de ser um

Moisés redivivo e de decidir, em favor dos espaços samaritanos, a disputa entre judeus e samaritanos

quanto à legitimidade dos lugares de culto.”

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que não se encontra no diálogo com Nicodemos113

. Ao que parece, a comunidade

joanina intenta expor a dificuldade do judaísmo oficial em aceitar Jesus, ao passo que o

mundo samaritano, com toda a herança comum aos dois povos, consegue aceitá-lo

como o cumprimento da promessa feita em Dt 18,15ss.

Diante do já exposto na relação entre samaritanos e judeus, faz-se importante

verificar que proveito pode ter a imagem do cordeiro na comunidade joanina, uma vez

que tem membros de origem samaritana e judaica. Os preceitos do Pentateuco e

algumas festas que eram de conhecimento de judeus e samaritanos trazem à comunidade

cristã primitiva a riqueza de comunhão entre estes dois grupos, e, ao que parece, a

imagem do cordeiro chega a identificar, para eles, a ação que Deus realizou em Jesus114

.

O cordeiro para a tradição do Pentateuco é um sinal115

de intervenção divina. A

memória do Cordeiro Pascal traz para judeus e samaritanos a ação de Deus que

preservou o povo da morte. Os primogênitos do Egito morreram (cf. Ex 12), mas as

casas que tinham o sangue do cordeiro não sofreram qualquer dano. A memória

perpétua desta ação fazia com que judeus e samaritanos se sentissem Povo de Deus.

Levava-os a entender o patrimônio comum, pois da passagem de Deus, que trouxe a

saída do Egito, surgiram formas de organização e celebrações memoráveis a todo o

Israel, como exemplo, Sucot, memória do deserto, e Pessah, memória da saída do

Egito116

.

Diante do patrimônio comum se reforça que o fato de Samaria ter sido ocupada por

estrangeiros após a invasão Assíria não parece ser o argumento mais forte para a

cisão117

, nem a construção de Garizim, haja vista que “Garizim não foi o único templo

113

Cf. CASTRO SÁNCHEZ, Secundino. Evangelio de Juan: compreensión exegético-existencial. 3 ed.

Madrid: Comilas, 2001, p. 105: “los samaritanos han confesado lo que era imposible para Nicodemo (3,

3-5). Y ellos han hecho realidad la afirmación del Bautista: „es preciso que él crezca y que yo disminua‟

(3,30). Su radio de acción se extiende no solo al âmbito de Israel, sino al del mundo entero: „salvador del

mundo‟ (4,42).” 114

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 95. 115

O ritual do cordeiro trazia a memória que as casas marcadas pelo sangue do cordeiro foram

preservadas da morte dos primogênitos, deste modo, a cada ano, a Páscoa renovava este sinal da

intervenção, isto é, a marca do sangue do cordeiro sinaliza quem pertence a comunidade eleita e a quem a

ação de Deus preserva da morte. 116

Cf. ARAUJO, Gilvan Leite. História da festa judaica das tendas. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 11:

“as solenidades de pessach, shavuot e sucot são consideradas pelo Povo da Aliança como as principais

festas de Israel. Através delas, os israelitas celebram e transmitem a sua história.” 117

Cf. SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran, p. 103: “No Egito

Ptolomaico do meio do século III, uma aldeia do Fayum traz o nome de „Samaeria‟. Decerto esse nome

lhe foi dado por uma colônia samaritana que ali se instalou. Os habitantes dessa aldeia, quer judeus, quer

samaritanos, não se diferenciavam nem por seu onomástico nem por sua designação étnica: aqui como

alhures, nos papiros de Fayum uns e outros são designados como judeus: iudaioi. Em 1979, duas

inscrições samaritanas foram descobertas a menos de cem metros da sinagoga de Delos. Redigidas em

grego, suas datas se situariam entre 250 e 175 a.C. para uma e 150 a.C. para outra. Os samaritanos da ilha

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fora de Jerusalém”118

. Com a expansão asmonéia, os ânimos se alteraram, mas, segundo

Schmidt119

, Lohse e Maier120

, uma profunda separação ocorre quando João Hircano em

128 a.C. destrói o Templo de Garizim121

, tornando a convivência dos irmãos e vizinhos

sempre mais tensa e agressiva, fazendo com que cada um vivesse a tradição cúltica e

literária de Israel com pontos em comum, e sem diálogo entre si, mas sempre marcada

pelos ritos sacrificiais, como culto da fé monoteísta.

1.1.2 Jesus como cordeiro para judeus e samaritanos no interior da

comunidade joanina

A celebração da Páscoa judaica e samaritana acontece com o sacrifício do cordeiro,

como memória da passagem de Deus. As narrativas comuns aos dois povos trazem

forte acento litúrgico e o cordeiro se torna o símbolo material daquela noite. O cordeiro,

comum aos judeus e samaritanos, ao qual essa pesquisa se refere, é propriamente o

Cordeiro Pascal, aquele que recorda a noite de preparação para a saída do Egito. Essa

liturgia traz samaritanos e judeus para a mesma origem e os possibilita participar da fé

em Jesus como o Cordeiro de Deus.

O cordeiro na tradição comum de judeus e samaritanos se configura como um

possível ponto de unidade, isto é, ver Jesus como cordeiro seria um caminho para a

convivência entre os judeus e samaritanos que aderiram à comunidade do Discípulo

Amado, havendo, assim, proximidade entre os dois grupos acerca deste tema.

Para os judeus presentes na comunidade joanina, há ainda uma particularidade: às

vezes pode parecer que a imagem do cordeiro esteja mais ligada à população de

Jerusalém, por estar lá o Templo onde se oferecem os sacrifícios, no entanto não se

pode perder de vista que também os judeus da Galileia guardavam as festas de

peregrinação, não podendo se excluir os judeus da diáspora. Os judeus da Galileia

realizavam caravanas (cf. Lc 2,41) em direção a Jerusalém na época das festas122

. O

ali se definiam como os „israelitas de Delos que oferecem essas primícias ao santuário de Garizim‟. A

localização dessas inscrições, na proximidade da sinagoga, sugere que judeus e samaritanos estavam

estabelecidos no mesmo bairro.” 118

Idem ibidem, p. 106. 119

Cf. Idem ibidem, p 109. 120

Cf. MAIER, Johann. Entre os dois testamentos, p. 56. 121

Cf. LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento, p. 14. 122

Cf. ARAUJO, Gilvan Leite. História da festa judaica das tendas, p. 93: “festas de peregrinação

judaicas, ou seja, pessach, fazendo memória da libertação do Egito, shavout, fazendo memória da

Lei/Aliança no Sinai, e Sucot, fazendo memória dos quarenta anos pelo deserto.”

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Quarto Evangelho dá testemunho que, por ocasião de uma festa, alguns gregos

desejaram conhecer Jesus (cf. Jo 12), expondo, de forma enfática, que Jerusalém era o

centro cultual do judaísmo, o que leva todos os judeus a conhecerem e manterem viva a

memória das festas, inclusive da Páscoa e tudo que a envolve, como a imagem do

cordeiro.

Na Galileia123

, a pesquisa bíblica tem indagado pela vida judaica em uma terra

considerada sincrética. Muitos habitantes da Galileia não eram de origem israelita, de

forma que também os costumes se diferenciavam, todavia, na mesma Galileia persistia

forte influência teológica do Templo de Jerusalém124

, segundo Schmidt, graças à

expansão asmonéia125

. Para Horsley, Jesus e seu movimento estavam profundamente

enraizados nas tradições de judaicas126

, o que os agrupava entre os peregrinos galileus

que iam a Jerusalém para as festas127

. Também Pagola informa sobre a prática do

judaísmo na Galiléia, mesmo diante da distância geográfica,

De fato, Roma, Herodes e Antipas os tratavam como judeus,

respeitando suas tradições e sua religião. Por outro lado, as escavações

fornecem dados inquestionáveis sobre o caráter judaico da Galiléia

que Jesus conheceu. Por toda parte aparecem miqwaot ou piscinas

para as purificações: os galileus praticavam os mesmos ritos de

purificação como os habitantes da Judéia. A ausência de carne de

porco na alimentação, os recipientes de pedra ou o tipo de sepulturas

falam claramente de sua pertença à religião judaica.128

Quanto aos judeus da diáspora, eles se dirigiam a Jerusalém por ocasião das festas,

mas também em cada região estavam estabelecidas as sinagogas, o que mantinha

123

Cf. GUIJARRO OPORTO, Santiago. La tradición sobre Jesús y los comienzos del

cristianismo en Galilea. EstB. Madrid, v. 63, n. 04, 2005, p. 476. 124

Cf. HORSLEY, Richard A. Arqueologia, história e sociedade na Galiléia: o contexto social de

Jesus e dos rabis. São Paulo: Paulus, 2000, p. 157: “ao longo de sucessivas gerações, a Galiléia foi

incorporada ao estado-templo pelo sumo sacerdócio asmoneu.” 125

Cf. SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran, p. 112: “tratava-se

também de fazer das regiões anexadas um território que participasse da santidade do Templo e cuja

população fosse inteiramente judaica. Daí a política de judaização forçada das populações vencidas, a

entrada do judaísmo marcando-se pela adoção da circuncisão e das leis judaicas. Assim os idumeus, e sob

Aristóbulo I (104-103 ) os itureus na parte norte da Galiléia.” 126

Cf. HORSLEY, Richard A. Arqueologia, história e sociedade na Galiléia, p. 161: “Jesus e os

primeiros integrantes do seu movimento, naturais de aldeias como Nazaré, Caná, Cafarnaum e Corazim,

deviam ter suas raízes profundamente firmes nas traduções israelitas.” 127

Idem ibidem, p. 38: “o fato de que a Galiléia não estava mais sob a jurisdição política do Templo

(após a morte de Herodes Magno 4 a.C.) e dos sacerdotes de Jerusalém, levanta a questão sobre o tipo de

influência que Jerusalém pode ter tido sobre a Galiléia. Estudos sobre as peregrinações às festas no

Templo, como a Páscoa, fizeram uma avaliação exagerada do número de peregrinos em geral e dos

galileus em particular. Há evidências literárias para alguns peregrinos da Galiléia, mas os números

provavelmente baixos.” 128

PAGOLA, José Antonio. Jesus: aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 52.

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sempre presente a tradição e a memória do povo por meio do texto sagrado e a

lembrança das festas religiosas.

Como já mencionado, no culto o cordeiro passou a evocar não só a memória da

passagem, mas também uma figura expiatória (cf. Lv 16). No Dia da Expiação, o

sangue é aspergido sobre o sumo sacerdote e sobre o povo; na Páscoa o sangue é

aspergido sobre o umbral das casas. Com isto, a evocação de Jesus como Cordeiro

Pascal traz profundamente a memória do Êxodo. Aliás, segundo Mateos e Barreto, o

Evangelho segundo João está envolvido pelo projeto do Êxodo129

, ou seja, o Quarto

Evangelho retoma as raízes da fé de Israel, onde estão presentes as tribos do Norte e do

Sul.

No entender do Evangelho segundo João, o projeto de libertação iniciado na saída do

Egito é concluído em Jesus130

, o cordeiro imolado para a vida do mundo. Portanto, o

Cordeiro Pascal não só passa a ser uma identidade de cunho judaico para a comunidade

joanina, mas também dá espaço para a compreensão samaritana. Ainda que no ambiente

samaritano tenha a esperança messiânica, a partir de Dt 18,15-20, e espere o Filho de

José131

, este povo conhece bem a tradição do Cordeiro Pascal, o cordeiro que livrou os

primogênitos da morte e salvou o povo (cf. Ex 12,13), de modo que a tipologia do

cordeiro atribuída a Jesus podia contribuir para a convivência entre judeus e samaritanos

no interior da comunidade. Mas, considerando que a comunidade joanina possui sua

formação também com a presença de personagens vindos do Movimento de João

129

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 07: “O tema da Páscoa-aliança leva

em si o tema do êxodo e, com ele, inclui todos os temas subordinados: a presença da glória na Tenda do

Encontro ou santuário (114;2, 19-21) 19,36, o cordeiro (1,29, 19,36), a Lei (3,1ss), a passagem do mar

(6,1), o monte (6,3), o maná (6,31), o caminho do seguimento de Jesus (8,12), a passagem da morte para a

vida (5,24), a passagem do Jordão ( 10,40). Está intimamente relacionado com o tema do Messias (1,17),

que como outro Moisés, tinha de realizar o êxodo definitivo e, portanto, com o da realeza de Jesus. (1,49;

6,15; 12, 13s; 18, 33-19,22).” 130 Cf. BEUTLER, Johannes. L´ebraismo e gli ebrei nel Vangelo di Giovanni. Subsidia Biblica, Roma, v.

29, 2006, p 69: “Gesù è presentato nel quarto vangelo come un secondo Mosè, ma anche come colui che

„sorpassa‟ Mosè e ogni altro personaggio dell‟A.T. Un aspetto importante per il parallelismo tra Gesù e

Mosè è la corrispodenza tra le parole de Gesù „Ego eimi‟ e i temi dell‟ Esodo. Questo parallelismo

conferma l‟impressione che in Gesù Dio regala al suo popolo un nuovo Esodo con una nouva Pasqua e un

Sabato eterno nella Nuova Alleanza”. [tradução nossa: Jesus é apresentado no quarto evangelho como um

segundo Moisés, mas também como aquele que „ultrapassa‟ Moisés e qualquer outro personagem do A.T.

Um aspecto importante do paralelismo entre Jesus e Moisés é a correspondência entre as palavras de Jesus

„Ego eimi‟ e os temas do Êxodo. Este paralelismo confirma a impressão, de que, em Jesus, Deus oferece

ao seu povo, um novo Êxodo, com uma nova Páscoa e um Sábado eterno, na Nova Aliança.] 131

Cf. SILVA, Antonio Carlos Higino da. O Messias samaritano no Evangelho de João. Disponível

em: http://lattes.cnpq.br/7688414808630436. Acessado em 29/10/12, p, 07: “Sendo assim, associamos a

possível origem samaritana da comunidade joanina com a crença no messianismo do Filho de José como

o Taheb samaritano. Esta escolha nos conduz a ampliação do horizonte do judaísmo do segundo Templo e

das interações entre cristão e samaritanos na origem da comunidade”.

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Batista, vale perguntar pela leitura que eles tinham do cordeiro, isto é: estando eles na

comunidade joanina, como contribuíram à imagem do cordeiro no Quarto Evangelho?

1.2 João Batista e o judaísmo do Primeiro Século

Desde revoltas a partir da ocupação helênica, a Palestina estava permeada por

movimentos judaicos132

, havendo uma diversidade de grupos e uma diversidade de

interpretações da Lei e do Culto. O Quarto Evangelho faz saber a presença de alguns

destes grupos: Sacerdotes (cf. Jo 1,19), Batistas (cf. Jo 1,35) e Fariseus (cf. Jo 3,1).

Entre estes movimentos, o de João Batista possui relação estreita com Jesus, como se

verá ao longo da pesquisa.

João Batista é um personagem conhecido pela tradição neotestamentária cuja

presença é tratada pelos Evangelhos Sinóticos, Atos dos Apóstolos e o Quarto

Evangelho133

. A origem de João Batista é um tema com diversas contribuições. Para

Meier há a possibilidade de que esteja na comunidade de Qumran134

, um movimento

judaico identificado como essênio135

. Todavia, segundo Klein, o modo de João Batista

agir pode lhe ter causado o afastamento desta comunidade136

. Para Pagola, “João era de

família sacerdotal rural”137

, não possuía nenhum mestre e rompeu com o Templo138

,

deslocando-o totalmente da comunidade de Qumran, ao contrário do que defendem

Meier e Klein. Na visão de Barbaglio, “o Batista distancia-se também dos essênios, que

formavam um grupo à parte, um Israel miniatura de puros, devindos tais pela prática da

132

Cf. THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico, p. 150: “esse judaísmo foi, desde cerca de

200 a. C., tomado por uma corrente de movimentos de renovação, que se moviam no quadro das

convicções básicas comuns.” 133

Cf. URFELS, F. Le baptême a-t-il été institué par Le Christ?. NRT. Bruxelles, n. 04, 2010, p. 569. 134

Cf. MAIER, Johann. Entre os dois testamentos, p. 292-293: “A comunidade de Qumrã [em] seu

início está ligada à atuação do “Mestre da Justiça”, mas até hoje não foi possível identificar com certeza

este homem ou datá-lo[...] as escavações permitiram inicialmente a conclusão de que a construção para

fundação da Khirbet Qumran começou por volta de 130 a.C.” 135

Cf. LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento, p. 80: “Desde que foram

conhecidos os textos abrangentes descobertos em Qumrã, muitos pesquisadores têm defendido a tese de

que a comunidade de Qumrã era o centro dos essênios.” 136

Cf. KLEIN, Carlos Jeremias. Apontamentos sobre João Batista nos escritos não bíblicos da

antiguidade cristã. EB. Petrópolis, n. 108, 2010, p. 81: “Ildo Perondi, conta que quem visita a comunidade

de Qumran assiste, na recepção, um filme „ que informa sobre um personagem que esteve na comunidade,

mas que foi expulso por não se adaptar à comunidade. Esse personagem é identificado com o Profeta João

Batista. E se lermos os evangelhos sinóticos, vemos que os traços de João Batista (a radicalidade da sua

proposta) têm muito a ver com a comunidade de Qumran.” 137

PAGOLA, José Antonio. Jesus, p. 89. 138

Idem ibidem, p. 89.

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lei e pelos banhos de purificação, voltados espiritualmente à próxima vinda última de

Deus”139

.

Na literatura paralela ao Novo Testamento se encontram referências a João Batista,

visto que, “tanto João Batista como Pilatos têm sua existência confirmada não só por

todos os quatro Evangelhos e Atos, mas também por Josefo”140

. O relato de Flávio

Josefo141

sobre o Batista traz traços diferenciados dos Evangelhos; Josefo recolhe a

tradição que alia a causa da morte do Batista ao medo que Herodes Antipas tinha de

uma revolta popular. Distante da tradição dos evangelistas, Josefo liga a imagem do

Batista a questões filosóficas; “em Josefo, João é reduzido a um filósofo moral popular,

ao estilo Greco-romano, com uma leve sugestão de um neopitagórico que executa

purificações rituais”142

.

Para Meier, o problema do Batista entra de cheio na pesquisa sobre o Movimento de

Jesus. Para ele, Jesus está profundamente relacionado ao Batista143

e muitos traços do

ensinamento dele estão permeados pela influência deste. Para Blanchard, no Quarto

Evangelho, o Batista é considerado como o mestre de Jesus,

O quarto evangelho ressalta o enraizamento de Jesus no batismo

administrado do outro lado do Jordão (1,28). João Batista é

apresentado não como precursor, mas como contemporâneo de Jesus e

quase como mestre. Jesus aparece inicialmente na posição de

discípulo.144

Josefo não menciona o encontro entre Jesus e João Batista, mas os evangelhos

sinóticos e o Quarto Evangelho deixam claro que Jesus e o Batista tiveram contatos.

Taylor argumenta que a particularidade de João e de Jesus pode ser vista pela atitude

dos seguidores destes145

. Aliás, Taylor, como outros autores, afirma que João não

139

BARBALGIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galiléia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011,

p. 197. 140

Cf. MEIER, John P. Um judeu marginal: repensando o Jesus histórico. V. II, livro 01. Rio de

Janeiro: Imago, 1996, p. 33. 141

CF. Idem ibidem, p. 33: “O relato sobre João Batista não apresenta ligação, literária e teológica, com o

relato sobre Jesus [...] ela também difere dos quatro Evangelhos (mas não contradiz formalmente) em sua

apresentação tanto do ministério de João como de sua morte.” 142

Idem ibidem, p 90. 143

Cf. Idem ibidem, p. 19-20: “Com bastante frequência, em livros sobre o Jesus histórico, cabe ao

Batista, assim como às histórias de milagres, apenas uma menção descuidada e um mínimo de atenção.

No entanto, uma das coisas mais certas que sabemos sobre Jesus é que ele se submeteu voluntariamente

ao batismo de João pela remissão dos pecados, um evento embaraçoso, que cada um dos evangelistas

tenta neutralizar a seu modo. Mas não se pode neutralizar o Batista tão facilmente. Apesar de todas as

diferenças entre os dois, alguns elementos importantes da pregação e da prática de João se introduziram

no ministério de Jesus, como a água batismal. Portanto, não entender o Batista é não entender Jesus- uma

máxima defendida na obra de alguns estudiosos em tempos recentes.” 144

BLANCHARD, Yves-Marie. São João. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 80. 145

Cf. TAYLOR, Justin. As origens do Cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 52.

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constituiu propriamente um grupo de discípulos, mas que, após sua morte, alguns

buscaram viver seu estilo146

.

Em alguns textos evangélicos, o Movimento Batista aparece explicitamente como um

grupo de discípulos: no Evangelho segundo João, quando os discípulos de Jesus e de

João Batista têm um desentendimento, há uma espécie de ciúme da parte dos seguidores

do Batista (cf. Jo 3,26); outro episódio entre os dois grupos está no livro dos Atos dos

Apóstolos, quando alguns que Paulo encontra receberam o batismo de João (cf. At 19);

na literatura sinótica, em Marcos, os discípulos vão buscar o corpo de João para sepultar

(cf. Mc 6,29). Com isto se pode dizer que tanto o Quarto Evangelho como a

comunidade marcana tiveram contato com seguidores do Batista. Também o grupo

paulino encontrou em Éfeso um batismo que parecia ser ministrado por discípulos de

João.

O Movimento de Jesus e a possível identificação com o Batista ganham contornos

mais salientes ao se buscar o Batista e sua pregação. Ora, no contexto judaico do

Segundo Templo muitos eram os movimentos judaicos147

, alguns são conhecidos por

meio dos evangelhos: fariseus, saduceus, zelotes, batistas. Todos tinham a fervorosa

consciência de ser o verdadeiro Israel148

. A Lei encontrava diversas interpretações149

,

um exemplo é a comunidade de Qumran, que era formada por pessoas que a seguiam, e

se consideravam o verdadeiro Israel150

. O rito de ingresso era uma característica dessa

comunidade151

, fazendo com que os seus membros seguissem uma regra interna que os

146

Cf. Idem ibidem, p.53. 147

Cf. SAULNIER, Christiane. A Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 74:

“Josefo nos fala de três „seitas‟ (ou correntes de ideias) para depois apresentar efetivamente quatro:

fariseus, saduceus, essênios e Zelotes. De fato, é muito difícil definir esses grupos. Por um lado,

realmente o judaísmo admitia com bastante facilidade divergências consideráveis entre seus membros,

contanto que mantivessem algumas verdades essenciais.” 148

Cf. TAYLOR, Justin. As origens do Cristianismo, p. 91. 149

Cf. ARAUJO, Gilvan Leite. História da festa judaica das tendas, p. 47: “o judaísmo do segundo

Templo será fortemente influenciado pela estrita observância da Lei. Este fato acaba sendo o elemento

comum para a comunidade da restauração. Contudo, diversas correntes se chocam ao propor o modo pelo

qual a Lei deverá ser observada.” 150

Cf. TAYLOR, Justin. As origens do Cristianismo, p. 51: “A observância preceituada é definida em

termos da Lei de Moisés e do que „os profetas revelaram pelo Espírito Santo‟. A comunidade e somente

ela, tem a interpretação inspirada; somente ela é a aliança (1QS 5,8.20; 6,15) e, assim, o verdadeiro

Israel.” 151

Cf. LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento, p.78: “a partir do dia de admissão,

cada membro era obrigado a observar as constituições. Antes que alguém „possa aparecer à refeição

comunitária, deve fazer um juramento terrível aos membros da comunidade. Jura honrar e servir à

divindade, cumprir seus deveres com os seres humanos, jamais fazer voluntariamente mal a ninguém,

mesmo que isso lhe seja ordenado, sempre odiar os injustos e ajudar os justos e manter fidelidade a todos

e, particularmente, aos seus superiores.”

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diferenciava dos demais membros do povo. O grupo do Batista e o Movimento de Jesus

se inserem neste cenário do Segundo Templo, em que há diversos grupos.

A multiplicidade de movimentos internos no judaísmo não se dá pela gratuita

interpretação da Lei, mas pela busca de respostas às dificuldades que surgiam e devido à

busca de fidelidade a Deus, como atesta Overman,

o período de cerca de 165 a. C. a 100 d.C. apresentou uma tendência

crescente para a facciosidade e o sectarismo. O duro tratamento dado a

muitos israelitas por seus governantes selêucidas, a crescente

influência do helenismo e sua sedução para alguns israelitas e aversão

para outros, e os abusos de governantes asmoneus posteriores foram

fatores que levaram à divisão. Entre os elementos que provocaram a

fragmentação no século I d.C. estiveram a ocupação romana, as

escolas rivais e a destruição do Templo de Jerusalém.152

Sobre o Movimento de João Batista, alguns estudiosos como Taylor, como

mencionado, e Meier não consideram que ele tenha formado propriamente um grupo de

discípulos153

, mas sua pregação levou pessoas a se aproximarem dele e a assumirem a

sua prática. A vida do Batista apresentada nos Sinóticos é singular (cf. Mt 3,1-7; Mc

1,1-8; Lc 3,1-9.15-17), identificando-se muito com a vida dos essênios que viviam no

deserto e para lá se retiravam para se dedicarem à Lei; a vida de João, sua vestimenta e

sua alimentação forçam os estudiosos a identificá-lo com um essênio, com estilo

ascético à semelhança de Qumran154

.

Lohse lembra que Flávio Josefo e Filão falam de movimentos ascéticos que “criaram

comunidades estáveis para proteger-se contra qualquer impureza”155

; tinham um estilo

de vida marcado pela obediência à Lei e não estavam próximos ao Templo, aliás, como

escreve Theissen: “o primeiro grupo que suprimiu sua participação no culto sacrificial

foram os essênios”156

, pois a teologia essênia, com grande influência apocalíptica157

,

esperava o fim dos tempos e via no sumo sacerdócio grande impureza. Theissen

considera que João Batista estava na fileira dos judeus que tinham rompido com o

152

OVERMAN, J. Andrew. O evangelho de Mateus e o judaísmo formativo: o mundo das

comunidades de Mateus. São Paulo: Loyola, 1997, p. 21-22. 153

Cf. TAYLOR, Justin. As origens do cristianismo, p. 51: “há quem conclua que, João, sendo um líder

carismático, não tinha discípulos no sentido próprio da palavra, e que só depois de sua morte alguns

grupos afirmaram pertencerem a ele, a fim de se diferenciarem do povo ou resistirem aos discípulos de

Jesus.” 154

Cf. MEIER, John. Um judeu marginal. V. II, livro 1, p. 74: “A semelhança com a dieta dos essênios

ou de Qumrã, embora não prove uma ligação institucional com João, pode, no entanto ser a chave para

seus estranhos hábitos alimentares. Na realidade o que ele comia não é tão incomum entre as pessoas que

costumam habitar regiões desérticas.” 155

LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do Novo testamento, p. 77. 156

THEISSEM, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 194. 157

Cf. LOHSE, Eduard. Contexto e ambiente do Novo testamento, p. 65.

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judaísmo oficial de Jerusalém. “No anúncio de Batista está contida implicitamente [...] o

Templo vigente é impotente para oferecer o perdão efetivo dos pecados”158

.

Mesmo que João Batista receba o qualificativo de essênio, não há como o localizar

em um grupo segundo os apresentados por Filão e Josefo, pois, ao que parece, João não

se preocupava em formar159

um grupo. Ele aparece sozinho no deserto160

e tanto os

evangelhos Sinóticos como Josefo dizem que o povo ia até ele para receber o batismo

(cf. Mc 1,4-5), que é aplicado somente uma vez, ao contrário das abluções essênias161

,

que eram praticadas várias vezes para garantir a pureza.

A prática da imersão não era algo estranho ao povo israelita162

. Desde o livro de

Levítico se encontram muitas práticas de pureza (cf. Lv 11-15) que eram ritualmente

realizadas com água. O rito de imersão era também um rito de purificação comum do

povo. Taylor defende que a imersão era uma prática de adesão a um grupo religioso na

época do Segundo Templo, ou seja, “um rito de entrada em um grupo” 163

. Para o

Batista a imersão assume um caráter contestador-escatológico; a ação de purificação

vem de outro, indicando que, no tempo messiânico, Deus mesmo é quem irá garantir a

pureza ao povo.

contesterait la logique d´auto-justification des rites de purification de

judaïsme où l‟on se lave soi-même. En s‟imposant comme ministre du

baptême, il symboliserait la nécessaire intervention d‟une altetrité, et

finalement de Dieu, pour atteindre à la pureé interieure visée par les

ablutions rituelles.164

Urfels argumenta que o batismo de João possui também caráter profético. Segundo

ele, do ponto de vista profético, o Batista se alia bem aos sinais proféticos do Antigo

158

THEISSEM, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 195. 159

Cf. TAYLOR, Justin. As origens do cristianismo, p. 52: “ os evangelhos nunca o mostram [ João

Batista] organizando um grupo de discípulos, nem mesmo chamando-os pessoalmente.” 160

Cf. MEIER, John. Um judeu marginal. V. II, livro 1, p. 66-67: “A afirmação de João ter exercido seu

ministério em um „deserto‟ consta de Marcos 1, 3-34 e par., Q (Mt 11,7 // Lc 7, 24, tanto mais marcante

pois a referência é feita „de passagem‟) e implicitamente nas citações modificadas de Isaías 40, 3, pelo

Batista, em João 1,23: „ eu sou uma voz que clama no deserto, endireitai o caminho do Senhor‟. O uso

que Qumran faz de Is 40,3 para justificar sua própria presença no deserto na Judéia (1QS 8, 13-14; 9, 19-

20) e a descrição de Josefo para Bannus, „ que habitava no deserto , indicam que esse tipo de existência

no deserto era realmente adotado por alguns judeus ao tempo dos ministérios públicos de João e Jesus.” 161

Cf. SAULNIER, Christiane. A Palestina nos tempos de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 82. 162

Cf. CARRA, Elvécio de Jesus. Os movimentos políticos na época de Jesus: sobre a validade da

conflitividade como chave de leitura para compreensão atual da mensagem de Jesus. 2002, p. 38.

Dissertação (Mestrado em Teologia) Pontifícia faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, São

Paulo. 163

TAYLOR, Justin. As origens do cristianismo, p. 49. 164

URFELS, F. Le baptême a-t-il été institué par le Christ?, NRT, p. 571. [tradução nossa: contestaria a

lógica da auto-justificação de ritos de purificação do judaísmo em que se deve lavar-se a si mesmo.

Impondo-se como ministro do batismo, o mesmo simbolizaria a necessária intervenção de uma alteridade

e, finalmente, a intervenção de Deus, esperando a pureza interior visada pelas abluções rituais.]

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38

Testamento, que não se situavam no judaísmo oficial, mas ficavam à sua margem165

,

causando choque e estranheza ao judaísmo oficial, tal como nos revelam as perguntas

que são feitas a João no Quarto Evangelho (cf. Jo 1,19-22). As autoridades têm

dificuldade para decifrar quem seja João Batista, não sabem se é o messias ou um

profeta; em todo caso, a sua pregação, transmitida pelos evangelhos, expõe sua missão e

sua relação com o Movimento de Jesus; nos sinóticos (cf. Mt 3,3; Mc 1, 3-4; Lc 3,3-4) e

no Evangelho segundo João, ele é caracterizado como a voz que clama no deserto (cf.

Jo 1,23), preparando os caminhos do Senhor.

1.2.1 O Movimento de João Batista e sua relação com Jesus no Quarto

Evangelho

João Batista prega o batismo para o arrependimento dos pecados e requer que o

arrependimento seja verdadeiro para que aconteça a justiça. No Quarto Evangelho, ele

identifica sua missão a partir de Is 40,3, indicando que ele prepara o caminho para o

Messias. A respeito da vinda do Messias, a delegação de Jerusalém, que vai a João (cf.

Jo 1,19ss) revela que, no mundo de João Batista e de Jesus166

, corria uma esperança

messiânica, havendo uma inquietação pela vinda do Messias, seja dos que nela

acreditem ou rejeitem.

Segundo Scardelai, “é reconhecida a ausência de uma doutrina monolítica do

messianismo judaico”167

, mas o interrogatório que sofre João Batista indica que a sua

pregação alimentava uma proposta messiânica na Palestina de João e Jesus. Diz

Scardelai,

a expectativa messiânica judaica é um fenômeno diversificado,

emergente de um ambiente sociopolítico singular tenso, ligado à

Palestina do Império Romano. Consequentemente, as expressões

messiânicas também foram diversificadas.168

O Quarto Evangelho apresenta João não propriamente como um precursor, mas,

sobretudo, como uma testemunha do messianismo de Jesus169

. Ele se apresenta como a

voz, aquele que prepara o caminho (cf. Jo 1,23), de modo que o centro de sua pregação

165

Cf. Idem ibidem, p. 569. 166

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV, p. 52. 167

SCARDELAI, Donizete. Jesus e os messianismos de Israel. EB, Petrópolis, n. 99, 2008, p. 12. 168

Idem ibidem, p. 09 169

Cf. SÁNCHEZ NAVARRO, Luís. Estructura testimonial del Evangelio de Juan. Bib, Roma, v. 86,

fasc. 04. 2005, p. 515.

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39

no Quarto Evangelho é o próprio Cristo. Por isso, ao responder ao interrogatório ele não

se deixa confundir com o Messias.

A problematização de João como testemunha de Cristo ganha grandes debates; para

Meier “João foi um judeu independente [...] e que talvez tenha estado em contado

pessoal com Jesus de Nazaré apenas uma vez”170

, mas o Movimento de Jesus teria tido

grande contato com o Movimento de João Batista e alguns do grupo de João teriam

ingressado no grupo de Jesus já na primeira hora e, assim, o discurso de João ganha

relevância não só por uma possível contenda entre os seguidores de Jesus e os de João

Batista171

, mas também por haver membros no grupo de Jesus que vieram do grupo de

João (cf. Jo 1,35-37).

Meier defende que o seguimento a João Batista ganhou maior vitalidade após a sua

morte172

, pelo que os seus seguidores rejeitaram o comportamento dos discípulos de

Jesus. Para sanar dúvidas sobre o ministério de João e o ministério de Jesus, o Quarto

Evangelho não se ausenta em apresentar o ministério do Batista como um testemunho

em favor da messianidade de Jesus173

.

O fato de João ser testemunha de Jesus informa que sua pregação não é oriunda do

judaísmo oficial; os que foram ter com João, interrogá-lo, vieram de Jerusalém (cf. Jo

1,19-23) e estavam possivelmente ligados ao poder central, revelando que a postura do

Batista causava desconfiança às autoridades, tal como atesta Josefo174

. Para Theissen,

tanto João como o Movimento de Jesus se inserem entre os movimentos que criticavam

a maneira que o Templo era administrado e centralizado175

.

A pregação de João e o seu movimento se encontram “fora das instituições

judaicas”176

de sua época, e no lugar do Templo ele oferece o perdão177

; no

oferecimento do perdão se insere o rito do batismo e o anúncio de Jesus como “cordeiro

que tira o pecado do mundo” (cf. Jo 1,29).

170

MEIER, John. Um judeu marginal. V. II, livro 1, p. 36. 171

Cf. Idem ibidem, p.36 172

Cf. Idem ibidem, loc. Cit. 173

Cf. SILVA, Marciano Monteiro da. O testemunho de João Batista. EB, Petrópolis, n. 108, 2010, p. 65:

“O próprio João não atribuía a si mesmo nenhuma função que pudesse trazer a centralidade das atenções

sobre sua pessoa[...]o Batista é apenas testemunha precursora e Aquele que vem após ele é o que deve

revelar-se, o Messias.” 174

Cf. MEIER, John. Um judeu marginal. V. II, livro 1, p. 85. 175

Cf. THEISSEM, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 194. 176

CARRA, Elvécio de Jesus. Os movimentos políticos na época de Jesus: sobre a validade da

conflitividade como chave de leitura para compreensão atual da mensagem de Jesus. 2002, p. 38.

Dissertação (Mestrado em Teologia) Pontifícia faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, São

Paulo. 177

Idem ibidem, p. 39.

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A proposta de João Batista é um tanto desconcertante, mas não exclusiva. Os

essênios são marcados exatamente por um distanciamento do Templo178

. Contudo, o

mundo judaico da Palestina do Segundo Templo estava profundamente marcado pelo

conceito sacrificial e pela figura central do Templo de Jerusalém desde a Reforma de

Josias179

. Portanto, seria difícil considerar que algum grupo judeu se desligasse

facilmente da ideia de culto sacrificial, o que é confirmado pelos documentos de

Qumran, pelo discurso de João Batista no Quarto Evangelho e também pela releitura

que a comunidade de Jesus fez do Templo180

.

A João pode ser atribuída a busca de um culto puro. Ele era crítico com o Templo,

mas sua saudação (cf. Jo 1,29) indica que aguardava o culto puro, que expiaria Israel de

seus pecados. Todavia, no judaísmo oficial, a norma era ter no Templo o lugar do

sacrifício, de modo que uma proposta diferente gerava desconfiança, tal como se mostra

no interrogatório feito a João Batista (cf. Jo 1,24ss).

Ratzinger lembra que

para o judaísmo, a cessação do sacrifício, a destruição do Templo

haveria de ser um choque tremendo. Templo e sacrifício estão no

centro da Torá. Agora deixava de haver qualquer expiação no mundo,

nada que pudesse contrabalançar a sua crescente inquinação em

consequência do mal.181

A colocação de Ratzinger expõe o que significavam o Templo e o sacrifício para o

judeu palestinense, e para os judeus da diáspora que peregrinavam a Jerusalém por

ocasião das festas. Contudo, a respeito da relevância do Templo no Primeiro Século, é

possível encontrar interpretações como as de João Batista e de Qumran; eles

partilhavam a esperança de um culto purificado, por isso romperam com o sumo

sacerdócio. Era uma esperança vivida por outros grupos judaicos, haja vista, a

comunidade autora de Os salmos de Salomão e a comunidade que está por trás de

1Enoque. “As pessoas [das] comunidades dissidentes entendem-se como os verdadeiros

178

Cf. THEISSEM, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 194: “O primeiro grupo que suprimiu

sua participação no culto sacrificial foram os essênios. Eles consideravam o Templo de Jerusalém como

impuro. Flávio Josefo narra que eles enviavam para lá apenas ofertas sagradas. Isso ainda não era

fundamentalmente nenhuma recusa do culto sacrificial. A esperança de uma retomada de um culto puro

permanecia.” 179

Cf. DE VAUX, Roland. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004,

p. 376. 180

Cf. SARASA GALLEGO, Luis Guillermo. La filiación de los creyentes en el Evangelio de Juan.

Bogotá: D.C., 2009, p 341: “Jesús, en el EvJn, se a presentado como quien sustituye continuamente. En

Caná se sustituye las purificaciones de los judios; en Jerusalén, el Templo es sustituído con el cuerpo del

resuscitado; en Samaria se sustutuye el lugar del Templo.” 181

RATZINGER, Joseph- BENTO XVI. Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a ressurreição.

São Paulo: Planeta do Brasil, 2011, p. 42.

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41

seguidores e o verdadeiro povo de Deus”182

, o que lhes causava um distanciamento do

culto oficial e alimentava a esperança da purificação do culto.

Tanto para Qumran como para João, as pessoas necessitavam de purificação em

preparação ao tempo escatológico. Contudo, a mediação não era centrada no Templo de

Jerusalém, havendo assim uma alteração de mediação: para o judaísmo oficial, o que

purifica é um conjunto de ritos e o sacrifício no Templo; para João, o batismo se insere

como um rito de purificação em vista da espera do Messias; para Qumran, as constantes

abluções e outras exigências os deixavam prontos para a batalha contra o mal183

. No

Quarto Evangelho, João, como testemunha de Jesus, realiza um batismo provisório, que

prepara o tempo messiânico184

.

Tendo o Batista, segundo Pagola, raízes em uma família sacerdotal rural185

, é

provável que ele trouxesse uma esperança na restauração do culto em Israel, deste

modo, a figura do cordeiro não lhe é algo estranho, mas pelo contrário, assume a

teologia do Êxodo, o que contempla a menção ao Cordeiro de Deus, referida a Jesus.

Vale também ressaltar que a declaração de João só encontra lugar no Quarto Evangelho,

reforçando a teoria que coloca discípulos de João Batista no grupo de Jesus. Diante

disto, o anúncio do Batista também encontra relevância por dar sentido ao movimento

migratório: do grupo de João ao Movimento de Jesus.

Meier considera que o Movimento de João foi o ponto inicial da vida pública de

Jesus186

. Na convivência, os que estavam com João conheceram Jesus e passaram a

segui-lo. No entanto, tudo parece muito simples, mas não resolve o fato de, no texto

joanino, o Batista ser uma testemunha de Jesus, isto é, estar para o crescimento de Jesus

(cf. Jo 3, 30), reconhecendo-o como o Cordeiro de Deus.

Diz Meier, que os “mais importantes discípulos de Jesus primeiro dedicaram sua

fidelidade ao Batista”187

. No Quarto Evangelho, os discípulos de João estiveram com

Jesus quando ele estava na cena com o Batista (cf. Jo 1,35-37), o que deixa claro que o

testemunho de João foi crucial para que alguns de seus discípulos passassem a seguir

Jesus. O Evangelho joanino narra uma contenda quanto ao batismo: o grupo de Jesus

182

OVERMAN, J. Andrew. O evangelho de Mateus e o judaísmo formativo, p. 24. 183

Cf. SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran, p. 149: “a organização

da comunidade, como acampamento do deserto, não só lhe sustenta o distanciamento do Templo, mas a

coloca em marcha para os tempos glorioso-escatológicos.” 184

Cf. URFELS, F. Le baptême a-t-il été institué par le Christ?. NRT, p. 574. 185

Cf. PAGOLA, José Antonio. Jesus, p. 89. 186

Cf. MEIER, John. Um judeu marginal. V. II, livro 1, p. 162. 187

Cf. Idem ibidem, p.165.

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está batizando e o grupo de João reclama, mas o evangelista não deixa de expor esta

tensão como mais um testemunho a favor de Jesus188

.

O Batista ao anunciar que Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo

(cf. Jo 1,29), está possivelmente fazendo um anúncio messiânico, pois a Apocalíptica

judaica nutria a imagem de um cordeiro-messias189

, mas a afirmação não se encerra

nesta perspectiva, posto que possa reunir também a tradição do Cordeiro Pascal, aquele

que é usado no sacrifício da memória da libertação e ainda o cordeiro do rito expiatório,

que celebra o perdão de Deus. Todavia, há mais problemas nesta afirmação, pois existe

a associação do termo utilizado por João, como sendo traduzido servo por cordeiro, o

que daria ao Batista o texto de Isaías como fonte (cf. Is 53,7).

No anúncio de João Batista, o que ganha relevância é que João, apesar de não estar

associado ao Templo, de viver no deserto, não perdeu de vista que Israel espera o dia do

sacrifício verdadeiro, razão pela qual a teologia do cordeiro, em suas diversas

particularidades, não estava distante do Batista e tampouco de seus discípulos. Portanto,

o anúncio de João não entra em choque, seja com samaritanos, com judeus palestinenses

ou com judeus da diáspora que formaram a comunidade do Discípulo Amado, havendo,

pois uma releitura do ministério de Jesus em relação à teologia do cordeiro.

Na busca de passos mais largos sobre o cordeiro na tradição de Israel e sua

relevância para a comunidade do Discípulo Amado, são cabíveis uma passagem pela

analogia servo e cordeiro no texto de Is 53,7 e procurar na pesquisa bíblica, quais são as

luzes para a construção desta teologia no Evangelho segundo João.

1.3 A profecia e João Batista

A tradição neotestamentária e a patrística atribuíram a João Batista contornos

proféticos, inclusive reconhecendo-o como o último dos profetas, mas, sobretudo, na

tradição sinótica é aquele que realiza o batismo de conversão (cf. Mt 2,7-12; Mc 1,4; Lc

3,16) e anuncia que o Messias está próximo190

.

Segundo o livro de Malaquias (cf. Ml 3,22-24), antes do Dia da Ira do Senhor, viria o

profeta Elias para propor um caminho de conversão a Israel, chamando o povo a se

188

Cf. DODD, Charles H. A interpretação do Quarto Evangelho. São Paulo: Editora Teológica, 2003,

p. 308. 189

Cf. LEÓN-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 137. 190

Cf. ROSSI, Luiz Alexandre Solano. De Malaquias a João Batista: a volta de Elias. EB. Petrópolis, n.

108, 2010, p. 11.

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afastar da iniquidade, para seguir os mandamentos de Deus. Esta tradição estava viva no

judaísmo da época de Jesus e uma das constatações é o quadro de perguntas que é

dirigido a João no Quarto Evangelho, uma das perguntas feitas é se João é Elias (cf. Jo

1,19-21). O texto de Malaquias está no século V a.C.191

, indicando que esta tradição já

tinha estrutura sedimentada no corpo religioso do Israel do Primeiro Século, pois no

apêndice expõe a Lei e a Profecia, como entidades caras ao judaísmo palestinense.

Portanto, perguntar se João Batista é Elias não é algo exclusivo da tradição cristã, mas

se apresenta como algo possível no judaísmo do Primeiro Século.

O Batista com seu discurso e seu modo de vida se identifica com um “profeta

escatológico”192

, com estilo ascético semelhante a Elias, aquele profeta que antecederia

a vinda do Messias.

A tradição profética possui várias expressões, não havendo uma uniformidade. A

comunidade cristã logo se identificou mais com a tradição isaiânica, seja em Lucas, com

referência à concepção de Jesus (cf. Lc 1, 26ss), ou em Mateus, com o rebento de Davi

(cf. Mt 1,1), e todos os evangelistas com a tradição do Servo Sofredor para ler a Paixão

de Jesus. No Evangelho joanino, a pesquisa presente busca verificar se a proclamação

do Batista em Jo 1,29 tem raízes no profeta Isaías, aliás, para Beutler, está claro que a

designação de Servo a Jesus, encontra grande espaço no Quarto Evangelho:

Si deve dire che la „realtà‟ del Servo di Dio ha un ruolo importante nel

Vangelo di Giovanni. Anzi, il Servo sofferente sembra costituire una

cornice per la parte narrativa del vangelo, prima della Passione,

iniziando dalla doppia qualifica di Gesù come „agnello di Dio‟ da

parte del Battista in Gv 1,29.36 sino al capitolo 12, versetti 20-43,

dove la teologia del Servo è dominante[...]la figura del Servo di Dio

appare nel Libro d´Isaia in quattro testi: Is 42,1-10; Is 49,1-7; Is 50,4-

11; Is 52, 13-53,12.193

O livro de Isaías, segundo a pesquisa bíblica, não possui somente uma autoria, mas

uma Escola, sendo dividido em Primeiro, Segundo e Terceiro Isaías. A coleção dos

Cânticos do Servo Sofredor se encontra no Segundo Isaías (cf. Is 40-55). O Segundo

Isaías possui uma leitura da soberania de Deus e sua misericórdia. Reimer diz que nesse

191

Idem ibidem, p. 12 192

Cf. Idem ibidem, p. 15. 193

BEUTLER, Johannes. L´ebraismo e gli ebrei nel Vangelo di Giovanni. Subsidia Biblica, 2006, p. 76. [tradução nossa: deve-se dizer que a „realidade‟ do Servo de Deus tem um papel importante no

Evangelho de João. Aliás, o Servo sofredor parece constituir uma moldura na parte narrativa do

evangelho, antes da Paixão, iniciando pela dupla qualificação de Jesus como „cordeiro de Deus‟ por parte

do Batista em Jo 1, 29.36 até ao capítulo 12, versículos 20-43, nos quais a teologia do Servo é dominante

[...] a figura do Servo de Deus aparece no Livro de Isaías em quatro textos: Is 42,1-10; Is 49,1-7; Is 50,4-

11; Is 52, 13-53,12.]

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“bloco fala-se da consolação ao Israel deportado, da compaixão de Javé e também se

expressam críticas não mais sociais, mas religiosas”194

; com esta informação Reimer

abre a compreensão para os destinatários do Segundo Isaías: primeiro, é um livro para

os que sofreram a deportação, depois são pessoas que buscam uma alternativa à

proposta religiosa da época.

Colllins considera que o Segundo Isaías foi escrito no final do exílio e já tinha

conhecimento dos avanços do rei Ciro sobre a Babilônia, por isto pode celebrar a

libertação. A celebração é apresentada como um Novo Êxodo, como um marco na

exposição da soberania do Senhor sobre os deuses babilônicos e, como ulteriormente

será exposto, o Servo entra em cena com um sentido expiatório195

.

Nos quatro poemas do Servo Sofredor a identificação com personagens bíblicos é

inevitável. Contudo, o que se acentua é que o culto expiatório, antes realizado por

animais, agora é assumido por uma figura humana. Há uma novidade: o que era impuro,

alguém flagelado, considerado pecador, sofredor (cf. Dt 7,15; 28,59), carregou sobre si

as nossas culpas196

. O que diz Reimer sobre a crítica religiosa encontra aqui

plausibilidade, pois o Servo é exposto como alguém impuro (cf. Lv 17-26), mas é ele

que sofre por Israel, lembrando o sentido sacrificial e expiatório que está presente no

culto israelita. A crítica religiosa coloca os textos do Servo Sofredor dentro do período

persa, quando a comunidade que retorna a Israel enfatiza a Lei da Pureza como

identidade do povo, impondo sérias sanções ao seu descumprimento (cf. Esd 7,26).

Levando em consideração que o Segundo Isaías é atribuído a um grupo de sacerdotes

levitas, que foi vítima da segunda deportação; lançado em trabalhos semiescravos e, no

retorno, sofreu o descaso da elite197

, é natural que tivesse críticas a fazer ao sistema

político e religioso e, do mesmo modo, é natural que tivesse consciência da vida cultual

da tradição de Israel. Assim, não seria estranho encontrar no Segundo Isaías a

valorização da função do cordeiro, ainda que assumida por uma pessoa, por um grupo.

O que seria retomado no Primeiro Século, e possivelmente, presente no Movimento de

João Batista e no Movimento de Jesus.

194

Cf. REIMER, Haroldo. Segundo Isaías: Is 40-55. EB. Petrópolis, n. 89, 2006, p. 11. 195

Cf. BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (Orgs). Comentário Bíblico. V. I, p. 15. 196

Cf. Idem ibidem, p. 38: “A importância desta passagem vai além da identificação histórica do Servo.

Apresenta um modelo de devoção que admite que o sofrimento possa ter um propósito positivo. Como

tal, rompeu com uma longa tradição bíblica que considerava o sofrimento castigo pelo pecado.” 197

Cf. Idem ibidem, p. 14.

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1.3.1 A tradição do Servo Sofredor no Primeiro Século

O Cântico do Servo Sofredor encontrou grande acolhida no Israel do Primeiro

Século, conforme se assevera nas descobertas de Qumran e aparentemente se atesta na

afirmação de João Batista sobre Jesus em Jo 1,29. Isaías fez uma aplicação da função do

cordeiro a uma pessoa: a função expiatória é assumida por um servo, que é semelhante

ao “cordeiro levado ao matadouro” (cf. Is 53,7). O Segundo Isaías lega a Israel a figura

de uma pessoa que carrega por seu sofrimento um sentido expiatório-libertador.

A analogia feita em Is 53,6-7 deixa clara a consciência que o profeta tem sobre o

culto e sobre a pureza, no entanto, há uma substituição: o Servo é comparado ao

cordeiro, é o expiador. A analogia com o cordeiro em Isaías abre a possibilidade para

um Messias sofredor; pelo seu sofrimento ele cumpriria uma das funções messiânicas:

perdoar os pecados. O que, segundo Dodd, cumpriria, mesmo sem o sofrimento, pois

uma das funções do Messias judeu é tirar o pecado do mundo198

.

O servo vive claramente uma experiência de sofrimento, o que, no geral, destoa da

teologia oficial no tempo de Jesus e João Batista; no servo estava embrionária a ideia da

existência de um Messias sofredor, que inclusive não parece algo estranho a todo o

judaísmo palestinense. Aliás, o messianismo conhecia desde a espera de um Messias

davídico a um que sofreria a morte. O Messias sofredor, segundo Scardelai199

, nasce

dentro das experiências de frustração e rompimentos. Neste contexto, a experiência

pedia uma releitura da esperança messiânica à luz de fatos dolorosos. Citado por

Scardelai, Knohl menciona que Qumran, antes dos cristãos, já tinha a teologia de um

Messias sofredor a partir dos cânticos do Segundo Isaías200

. A teologia de um Messias

oferecido em sacrifício pelo povo já se encontra em movimentos anteriores ou paralelos

ao Movimento de Jesus, de modo que a afirmação de João Batista ganha novo contorno

e, ao mesmo tempo, Is 53 ganha visibilidade nas experiências de frustrações e

debilidades de Israel201

.

198

Cf. DODD, Charles H. A interpretação do Quarto Evangelho, p. 314: “dar cabo do pecado é uma

função do messias judeu.” 199

Cf. SCARDELAI, Donizete. Jesus e os messianismos de Israel. EB, p. 18: “o clima social tenso pode

ter gerado um „modelo de messias catastrófico‟, apoiado na interpretação de textos bíblicos. Em

ambientes socialmente caóticos como esse, novas crenças em torno de um messias sofredor, e até de um

messias morte podem ter emergido como forma de compensar a desilusão e a perda de expectativas da

nação judaica sob o domínio estrangeiro.” 200

Cf. Idem ibidem, p. 18. 201

Idem ibidem, p. 18: “Os famosos „cânticos do Servo Sofredor‟, do Segundo Isaías, foram usados mais

tarde pelos primeiros cristãos, para iluminar o sentido da morte redentora de Jesus na cruz. Para Knohl,

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O Segundo Isaías fala de um servo que sofrerá e expiará os pecados do povo,

todavia, alguns autores esforçam-se por associar, pela pesquisa lingüística, a fala de

João Batista em Jo 1,29 ao profeta Isaías. A saber, o Quarto Evangelho, em tradição

remota, para Dautzenberg202

, teria emprestado do aramaico o termo talya, que quer

dizer „cordeiro‟, „menino‟, e „servo‟; com esta possibilidade semântica, o texto joanino

estaria diretamente ligado à substituição sacrificial, pois talya indica também o Cordeiro

Pascal, segundo Dautzenberg. Jeremias, por sua vez, argumenta que o entendimento de

Jesus como cordeiro está originariamente na locução talja de‟laha203

, do aramaico, que

deu origem no grego a amnos tou Teou, isto é, Cordeiro de Deus204

. Blanchard

argumenta que a dificuldade de clareza quanto ao uso de servo ou cordeiro, encontra-se

no fato de servidor, em hebraico, talèh, estar próximo a talja, jogo de palavras que

levou a comunidade joanina a transmitir a afirmação do Batista como amnos, ao invés

de diakomiste205

.

Caso a indicação do Batista tenha suas bases em Is 53,7, cria-se uma dificuldade,

pois o profeta veterotestemantário não utiliza o termo cristhós mas ´ebed e kebes, isto

é, servo e cordeiro, o que leva a crer que a evolução para um Messias sofredor foi um

processo vivido bem posteriormente à escrita de Isaías. No entanto, vale considerar que

o conjunto da obra expõe o Espírito do Senhor sobre o servo, haja vista que, em Is

42,1(eis o meu servo, o meu eleito, em quem tenho prazer. Pus sobre ele meu espírito) o

servo conta com o Espírito de Deus206

. Os essênios ao lerem Isaías viram no quarto

cântico o mesmo personagem sobre quem pousou o espírito, o ungido, de modo que os

primeiros passos para a teologia do Messias sofredor já estavam dados. Com isto, a fala

de João Batista já introduz, no início do Evangelho segundo João, a missão messiânica

de Jesus.

porém, a comunidade de Qumran já se havia apropriado dos textos proféticos do „servo sofredor‟ para

descrever a crença no messias.” 202

Cf. DAUTZENBERG, G. amnós- cordero. In: DENT. Salamanca: Sigueme, 1996, p.211. 203

Cf. JEREMIAS, J. amnós. In: GLNT. V I. Brescia: Paideia, 1965, p. 921: “Nella comunità Cristiana le

parole del Batista assunsero un nuovo significato allorché Giovanni, ovvero la tradizione che egli aveva

presente, tradusse talja´ de´laha con e raffigurò Gesù come il vero agnelo Pasquale.”

[tradução nossa: Na comunidade Cristã, a palavra do Batista assumiu um novo significado, no momento

em que João, ou bem, a tradição que ele tinha presente traduziu talja´ de´laha como e

representou Jesus como o verdadeiro cordeiro Pascal.] 204

Cf. Idem ibidem, p. 917-925. 205

BLANCHARD, Y. Cordeiro de Deus. In: DCT. São Paulo: Paulinas; Loyola, 2004, p. 461. 206

Cf. SILVA, Valmor da. Eis meu servo: leitura do primeiro canto do Servo Sofredor, segundo Is 42, 1-

7. EB. Petrópolis, n. 89, 2006, p. 47-48.

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1.3.2 A saudação do Batista e o ministério expiatório de Jesus

Pela tradição profética que o marcou, a afirmação de João Batista não

necessariamente seria posterior à Páscoa, isto é, uma elaboração teológica pós-pascal,

mas, pelo contrário, ao menos em parte, possui todo um contexto que possibilita ser

próprio do Batista esperar e anunciar um Messias que reestabeleceria o culto puro e

verdadeiro em Israel.

Não parece estranho à tradição de Is 53 o conhecimento de um Cordeiro Pascal, de

um cordeiro expiatório, mas é estranho expor uma pessoa como aquele que expia os

pecados de Israel. Todavia, o Quarto Evangelho, ao coletar a tradição da afirmação do

Batista, parece estar dando sustentação à teologia do sacrifício em Jesus e, ao mesmo

tempo, a uma nova teologia da expiação.

O cordeiro em Isaías carrega o pecado de Israel, já a declaração de João Batista diz

que Jesus tira o pecado do mundo. Portando, o indicativo do Quarto Evangelho é mais

amplo, a função expiatória do Cordeiro de Deus tem maior alcance, o que contrasta com

a perspectiva cultual de Isaías e do judaísmo no tempo de Jesus, pois ambos pareciam se

referir unicamente ao povo de Israel e não ao mundo.

Buscando a proclamação Batista e a relação com Is 53, pode-se entender que a

comunidade do Discípulo Amado faz a assimilação de servo por cordeiro na busca de

aliar, desde o início do Evangelho, a imagem de Cordeiro Pascal e de Servo de Deus.

Trazendo, em Jesus, a confluência das funções: expiatória e pascal. Aceitas tanto por

judeu-cristãos como pelo judaísmo marginal de João e o mundo samaritano. Com isto, a

fala do Batista não perde sentido, mas é modelada por uma leitura cristã.

Na perspectiva de Is 53 há uma superação da teologia da pureza, pois o servo assume

as culpas, é impuro, havendo, pois, no último Cântico do Servo, uma superação da

compreensão corrente sobre pureza. Segundo Collins,

a importância desta passagem vai além da identificação histórica do

Servo. Apresenta um novo modelo de devoção que admite que o

sofrimento possa ter um propósito positivo. Como tal, rompeu com

uma longa tradição bíblica que considerava o sofrimento castigo pelo

pecado.207

O sofrimento e inocência do servo são contemplados em Jesus, e assimilados pela

tradição cristã208

, tendo em vista que todos os evangelistas, ao olharem a Paixão de

207

BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (Orgs.). Comentário Bíblico. V. I, p. 38. 208

Cf. PAGOLA, José Antonio. Jesus, p. 490-492.

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Jesus, fizeram-no dentro desta perspectiva, encontrando em Isaías um de seus

fundamentos. Sobressaindo, porém, o Quarto Evangelho, por expor o Batista como uma

testemunha da entrega redentora de Jesus. Segundo Ratzinger, a palavra de João Batista

se torna incompreensível em um primeiro momento, parece até mesmo não haver

clareza se a fala faz alusão à Páscoa de Ex 12, Lv 9 ou Lv 16, e ainda ao servo de Is 53.

No entanto, lembra Ratzinger que em Jo 19 há

uma recordação tácita dos inícios da história de Jesus, daquela hora

em que o Batista dissera: „ eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado

do mundo (Jo 1,29). Aquilo que então devia permanecer ainda

incompreensível – era apenas uma misteriosa alusão a algo do futuro-

agora é realidade. Jesus é o Cordeiro escolhido pelo próprio Deus. Na

Cruz, Ele carrega o pecado do mundo e „tira-fora‟.209

O testemunho do Batista é confirmado somente na cruz, mas, por outro lado, tal

testemunho só é possível em virtude do legado de Is 53, pois o texto construído em

experiência de dor e de crítica religiosa traz para a época de Jesus grande possibilidade

de reflexão, seja para os essênios em Qumran, seja também para os cristãos, visto que

ambos não se diferenciavam do judaísmo oficial por ser um não-judaísmo, mas, ao

contrário, buscavam a fidelidade ao patrimônio da fé judaica.

Ao sofrimento da época, diante da dominação romana e do peso de correntes

legalistas, “o cristianismo primitivo quis oferecer a solução dos problemas fundamentais

do Israel de sua época”210

. Neste propósito, a comunidade joanina viu a teologia do

Servo Sofredor e aplicou-a já na semana inaugural do ministério de Jesus.

De modo geral, o Servo Sofredor é contemplado na Paixão de Cristo, e no Quarto

Evangelho a proclamação do Batista demonstra quem é Jesus já na semana inaugural de

seu ministério, expondo a seus ouvintes a origem de Jesus. João Batista logo em seguida

fala do que aconteceu no batismo de Jesus e revela sua pré-existência (cf. Jo 1,30-35);

mas já na evocação isaiânica se encontra uma leitura da origem do servo; no Segundo

Isaías o servo é de Deus: “eis o meu servo”(Is 42,1). Assim, a analogia expiatória

lançada sobre o sofrimento do servo é feita em virtude de Deus ter dado um servo

expiador. Em Is 52,13 o sucesso do servo é alcançado na medida de sua fidelidade, seu

êxito é carregar os pecados da multidão. Este é o êxito do cordeiro expiador, levar os

pecados, o que ele não faz por si só, mas é apresentado, ofertado pelo próprio Deus211

.

209

RATZINGER, Joseph- BENTO XVI. Jesus de Nazaré, p. 203-204. 210

MAIER, Johann. Entre os dois testamentos, p. 302. 211

Cf. GODOY, Edvilson de. O sacrifício de Cristo: abordagem a partir de René Girard e Raymond

Schwager. São Paulo: Palavra e prece, 2012, p. 107.

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Léon-Dufour recorda que a fala do Batista coincide de certa forma com Isaías

também na oferta do cordeiro, ou seja, nos cânticos do Servo em Isaías, o servo é de

Deus212

(eis o meu servo- cf. Is 52,13); na proclamação de João, o genitivo de Deus não

coincide com o subjetivo, divino, de tal forma que não se pode substituir por - “eis o

cordeiro divino”, mas de fato João fala “eis o cordeiro de Deus”, indicando, que o

cordeiro é de Deus. O cordeiro joanino assume a função expiatória exatamente por ser

uma oferta de Deus para perdoar os pecados213

.

Levando em consideração a sintaxe da frase, Dautzenberg argumenta que a

afirmação de João Batista está passível de uma analogia à pré-existência e em referência

à morte expiatória de Jesus, pois, o que João diz, faz com que a pessoa de Jesus assuma

a imagem como um ato de verdade, isto é, ele passa a ser não uma referência ao

cordeiro, mas o cordeiro, ele cumpre o que está designado214

, evidenciando a lucidez da

fala de João, que possuía também, clara alusão ao sacrifício expiatório de Jesus.

Seja como cordeiro dado por Deus, segundo León-Dufour, ou como realidade em si

mesma, segundo Dautzenberg, a fala do Batista contempla a tradição do cordeiro e a

tradição do servo. Todavia, a locução do Batista abre para a referência a Isaías ainda

uma questão: o servo „carrega‟ o pecado, já o cordeiro do Batista „tira‟ o pecado. No

212

Cf. LEÓN-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 135. 213

Cf. MOLONEY, Francis J. Belief in the Word: reading John 1-4.Minneapolis: Fortress press, 1993,

p. 65: “perhaps we need to look further than the Passover lamb to the whole of the ritual practice of Israel,

where the lamb was used both for the sacrificial rites of communion and reconciliation after sin. Through

the use of the lamb, the people of Israel established and renewed their union with God and among

themselves after having sinned. Jesus is now presented as the lamb, but he is not of the same order. Again

the reader reaches beyond familiar traditions. Jesus is not a cultic offering. Jesus is “of God”. The former

way of reconciliation with God was through the ritual of the sacrificed lamb. These rites, so important to

the history, faith, and culture of the People of God have been transcended. [Jesus] he is the one through

whom God enters the human story, offering it perfect reconciliation with him.” [tradução nossa: Talvez,

tenhamos que olhar mais profundamente, para além do cordeiro pascal, o conjunto da prática ritual de

Israel, em que o cordeiro era usado respectivamente para os ritos sacrificiais de comunhão e reconciliação

após o pecado. Através do uso do cordeiro, o povo de Israel estabeleceu e renovou sua união com Deus e

entre si após ter pecado. Jesus é então apresentado como o cordeiro, mas Ele não é cordeiro na mesma

ordem. Novamente o leitor tem um alcance para além das tradições familiares. Jesus não é uma oferta

cultual. Jesus é “oferta de Deus”. A antiga forma de reconciliação com Deus era através do ritual do

cordeiro sacrificado. Estes ritos, tão importantes para a história, a fé e a cultura do Povo de Deus foram

ultrapassados. [Jesus] é aquele através de quem Deus entra na história humana, oferecendo-lhe perfeita

reconciliação com ele.] 214

Cf. DAUTZENBERG, G. amnós- cordero. In: DENT, p. 210: “el Bautista da testimonio no sólo de la

preexitencia de Jésus(Jo 1,30) sino también de su muerte expiatória. Se trata de un enunciado en

imágenes y que sirve para identificar a alguien: una cosa análoga a las palavras ego eimi en Jn. El

genitivo „de Deus‟ tiene en Jn 1,29 una función análoga a la que el adjetivo „verdadero (aletnós)

desempeña en 1,9; 6, 32; 15, 1, es decir, designa a Jesús como el que cumple en si la realidad designada

por la imagem.”

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léxico do Novo Testamento, o biblista alemão, Jeremias considera clara a função

expiatória universal presente na fala de João215

.

Na reviravolta da indicação de Isaías e de João Batista se encontram as funções que o

cordeiro exercia no culto de Israel. Em Lv 9,1-3, o cordeiro é listado entre os animais do

sacrifício expiatório, com as características de um animal sem defeito. Em Ex 12,1-14 o

cordeiro é usado na memória da saída do Egito e também aqui há referência à escolha

de um cordeiro macho e sem defeito, de um ano. Com isto, pode-se dizer que Is 53

esteja comparando o servo com um “animal” puro, qualificado para o culto: o servo traz

a dignidade de ser uma oferta agradável a Deus. Já a afirmação de João Batista informa

que Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado, portanto, Jesus é uma oferta

agradável, aliás, “ele é aquele por quem Deus intervém oferecendo aos homens a

reconciliação perfeita com ele mesmo”216

.

1.3.3 A declaração do Batista e o seu ministério

João Batista ao apresentar Jesus como aquele que tira o pecado do mundo cria um

problema para o seu próprio ofício. O batismo de João tira o pecado, mas a sua

declaração sobre Jesus coloca em crise o seu próprio rito; nos sinóticos (cf. Mt 3,1-6;

Mc 1,4; Lc 3,3), fica claro que o batismo de João é para remissão dos pecados. No

início do Quarto Evangelho, ele mesmo atesta que batiza (cf. Jo 1,26), mas na tensão do

terceiro capítulo entra a função do batismo de João: purificar. A tensão ocorre entre o

grupo de Jesus e o grupo do Batista (cf. Jo 3,22-36), pelo que o Batista dá seu último

testemunho sobre Jesus. Contudo, tanto os sinóticos quando Josefo expõem o batismo

de João como um ato de perdão. Diante disto, por que João afirma que Jesus tira o

pecado do mundo?

João Batista, ao revelar que batiza com água e Jesus com o Espírito Santo (cf. Jo

1,32-33), traz já a noção de seu batismo. Para Monteiro, o Batista não tem fim em si

mesmo, isto é, ele não anuncia a si, mas faz um anúncio acerca da vinda do Messias,

sobretudo no Quarto Evangelho. João Batista é uma testemunha do Messias, por isso

atesta que “ele batiza com água, mas este seu batismo seria seguido de outro superior,

215

Cf. JEREMIAS, J. amnós. In: GLNT. V. I, p. 921: “nello stesso tempo anche (Jo 1,29)

acquista un nuovo significato, quello di „redimire‟ (con un´espiazione che elimina la colpa, - ”.

[tradução nossa: Ao mesmo tempo, também (Jo 1,29) adquire um novo significado, ou seja, o de

„redimir‟ (com uma expiação que elimina a culpa, - 216

LEÓN-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 138.

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com o próprio Espírito Santo (Jo 1,33)”217

. O batismo de João estaria preparando o

batismo de Cristo. De acordo com Monteiro,

a água está na esfera física, apenas um elemento natural, mas o

Espírito penetra no próprio interior do coração humano; se por um

lado a água pode simbolizar transformação e purificação, por outro, só

o Espírito é força Divina que pode realizar tais coisas e trazer vida

nova. Portanto, o Batista é apenas testemunha precursora e Aquele que

vem após ele é o que deve revelar-se, o Messias.218

Como visto, Monteiro dispõe de uma base de explicação para a diferença entre o

batismo de João e o batismo de Jesus no Quarto Evangelho, mas a afirmação de João

traz a questão de diferenciação entre „tirar e carregar‟. João, ao falar que Jesus é o

Cordeiro que tira o pecado do mundo, não está relacionado diretamente ao batismo.

Alguns, como Ratzinger, relacionam diretamente ao sacrifício da cruz, onde Jesus

assume, não pelo batismo, mas pela cruz, a função de tirar o pecado.

Quanto à diferenciação entre “tirar e carregar”, Dautzenberg pensa que se faz

desnecessária uma alusão a Isaías, já Monteiro diz que a afirmação do Batista parece

reunir todas as alusões ao cordeiro no AT219

, seja o Cordeiro Pascal, o cordeiro

mencionado em Isaías 53 ou até mesmo o cordeiro para o sacrifício cotidiano, de forma

que a referência se afirma como reconhecimento da função expiatória de Jesus. Mas, em

algumas tradições messiânicas do judaísmo do Segundo Templo, o Messias tinha esta

função, a função de tirar o pecado, isto é, “os judeus esperavam do Messias uma

intervenção que purificaria o povo de seus pecados”220

. Com isto, João Batista estaria

apresentando Jesus como o Messias e abrindo o tempo escatológico, pois o Messias

viria neste tempo, no fim, como lembra a profecia de Malaquias (cf. Ml 3,22-24).

Portanto, a referência a Is 53, para a comunidade joanina, no testemunho do Batista já

traz a missão expiatória e messiânica de Jesus221

.

217

SILVA, Marciano Monteiro da. O testemunho de João no Quarto Evangelho. EB. Petrópolis, n. 108,

2010, p. 65. 218

Idem ibidem, p. 65. 219

Cf. Idem ibidem, p. 66. 220

LEÓN-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 34. 221

GASPAR, Verônica. Gesú Cristo- L´agnelo Pasquale. Disponível em HTTP://bib.irb.hr/prikazi-

rad?rad=565730. Acessado em 28/06/12: “a partire dalla pasqua la simbologia dell´agnello è divenuta

fondamentale per la comprensione di Cristo. Le parole di Giovanni Battista: „ ecco l´agnello di Dio, ecco

colui Che toglie Il peccato del mondo‟ (Gv 1, 29) possono aver indicato anzitutto il servo de Dio,che com

le sue penitenze vicarie „porta‟ i peccati del mondo; ma nello stesso tempo esse lo facevano riconoscere

come il vero agnelo Pasquale, che espiando cancela i peccati del mondo. Paziente come um agnelo offerto

in sacrifício, il Salvatore è andato a morte per gli altri sulla Croce: con la forza espiatrice della sua morte

innocente ha cancellato la colpa di tutta l´umanitá.” [tradução nossa: a partir da páscoa, a simbologia do

cordeiro se tornou fundamental para a compreensão de Cristo. As palavras de João Batista: „eis o cordeiro

de Deus, eis aquele que tira o pecado do mundo‟ (Jo 1,29) podem ter indicado, acima de tudo, o servo de

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Ainda sobre as palavras harein e pharein222

vale ressaltar que pharein em Isaías quer

dizer carregar, e no quarto Cântico do Servo Sofredor indica que o servo carrega os

pecados; em Is 53,10 o profeta apresenta que a vida do servo foi oferecida em

„sacrifício pelo pecado‟. A expiação retira o pecado; alguém assume o pecado de

outrem. É o que acontece com o Servo Sofredor, „ele foi traspassado por causa de

nossas transgressões, esmagado em virtude de nossas iniquidades‟ (Is 53,5). O profeta

tem clareza que o servo, cumprindo as funções de „cordeiro levado ao matadouro‟,

expia os pecados, pode-se dizer também, tira o pecado.

Gess considera que a evocação „tira o pecado do mundo‟ está vinculada a Is 53, pois,

como o servo, o cordeiro do Batista é uma oferta pelos pecados. Esta vinculação não

está desprovida de problemas, mas traz luz à declaração do Batista, pois “nenhuma

oferenda trazida pelos homens pode levar embora o pecado do mundo. O próprio Deus,

no entanto, providencia uma oferenda que pode realmente remover o pecado” 223

.

Entre a fala de João e o texto do Segundo Isaías ainda há uma pendência: do mundo.

O servo aparece como aquele que está diretamente relacionado com Israel, havendo

quem defenda que o servo seja Israel mesmo e as nações pagãs os espectadores224

.

Contudo, chama a atenção que o profeta esteja falando para Israel; considerando o texto

como uma crítica religiosa, falando de pessoas excluídas de seu tempo, fica claro que os

pecados carregados, perdoados são os pecados de Israel, o que está em harmonia com

uma grande tradição israelita. Entretanto, a fala do Batista se refere a „tirar o pecado do

mundo‟, o que parece não ser uma expressão que indique pecados individuais ou de

uma nação como Israel, mas do mundo no geral, universalizando a ação expiatória de

Jesus225

.

A fala de João se identifica com a fala dos samaritanos, quando vão até Jesus e o

reconhecem como o „salvador do mundo‟ (cf. Jo 4,42). Salvaguardando a universalidade

da ação de Jesus, a comunidade joanina não só atesta sua acolhida a membros vindos do

Movimento Batista e da Samaria, mas também imprime uma crítica à teologia

exclusivista e centrista do judaísmo oficial.

Deus, que com suas penitências vicárias carrega os pecados do mundo; mas, ao mesmo tempo, as mesmas

o faziam reconhecê-lo como o verdadeiro cordeiro Pascal, que expiando elimina os pecados do mundo.

Paciente como um cordeiro oferecido em sacrificio, o Salvador morre na cruz pelos outros: com a força

expiadora de sua morte inocente cancelou a culpa de toda a humanidade.] 222

BLANCHARD, Yves-Marie. Cordeiro de Deus. In: DCT, p. 461. 223

GESS, J. amnós. In: DITNT. 2 ed, p. 430. 224

Cf. SILVA, Valmor da. Eis meu servo: leitura do primeiro canto do Servo Sofredor, segundo Is 42, 1-

7. EB, p. 46. 225

Cf. GODOY, Edvilson de. O sacrifício de Cristo, p. 106.

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Apesar de Jesus ser visto em várias festas judaicas, no Evangelho do Discípulo

Amado, há na fala de João uma compreensão messiânica universalista, seja pela

influência samaritana ou pela influência apocalíptica, o que não coincide com a tradição

essênia, visto que a comunidade de Qumran esperava um Messias que viesse

restabelecer o povo de Israel, o resto puro e santo que se refugiou no deserto226

, com um

exclusivismo para o “verdadeiro Israel”. Por outro lado, a saudação samaritana propõe

Jesus como o salvador do mundo, fazendo da crítica ao Templo de Jerusalém um

universalismo da salvação. Jeremias expõe que João ultrapassa a compreensão essênia e

se aproxima da visão dos samaritanos, portanto, não é sem identidade com o todo que o

Evangelho joanino coletou tal tradição. Blanchard nos diz, inclusive, que Jo 1,29 se

integra à teologia do Quarto Evangelho227

, ou como diz o próprio Jeremias,

Gesú ha compiuto la liberazione (elutrotete, 1 Petr. 1,18) dalla

schiavitù del peccato (en tes mataias umon anástrofes patroparadotou,

1 Petr. 1, 18.). Ma la forza espiatrice della sua morte non è, come

quella dell´agnello Pasquale, limitata ad Israel; quale agnus Dei egli

espia la colpa di tutto il mondo (Jo. 1,29 - cosmos), inesorabilmente

sottoposto, senza distinzione di religione e di razza, al giudizio di

Dio.228

O Cordeiro Servo de Deus em Isaías abre diversas possibilidades de problematização

e, como proposto na presente pesquisa, a busca pela relevância da imagem do cordeiro

passa a ganhar tonicidade, seja para os samaritanos, para os que vieram da comunidade

do Batista ou já na tradição judaica mais ampla, como visto na analogia realizada por Is

53.

Sendo assim, chega-se à hipótese de que a morte de Jesus é compreendida pelos

primeiros cristãos como expiatória e universal e, diante do exposto, vale enveredar pelos

ritos de expiação no Israel do Segundo Templo e verificar como a imagem do cordeiro

foi construindo um caminho teológico na comunidade joanina.

226

Cf. URFELS, F. Le baptême a-t-il été institute par le Christ?. NRT, p. 575. 227

Cf. BLANCHARD, Y. Cordeiro de Deus. In: DCT, p. 462. 228

JEREMIAS, J. amnós. In: GLNT. V. I, p. 917-925. [tradução nossa: Jesus realizou a libertação

(elutrotete, 1 Petr. 1,18) da escravidão do pecado (en tes mataias umon anástrofes patroparadotou, 1 Petr.

1, 18.). Mas, a força expiadora de sua morte não é como aquela do cordeiro Pascal, limitada a Israel;

como agnus Dei ele expia a culpa de todo o mundo (Jo1,29 – cosmos), inexoravelmente submisso ao

juízo de Deus, sem distinção de religião e de raça.]

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CAPÍTULO II

O CORDEIRO NO CULTO NO SEGUNDO TEMPLO E A

INTERPRETAÇÃO JOANINA

INTRODUÇÃO

A vida cultual do Segundo Templo, aquele Templo que Jesus conheceu reformado

por Herodes, o Grande, era o centro da vida litúrgica do judaísmo229

e atraía todos os

anos muitos peregrinos de todas as partes, inclusive da Galileia, onde Jesus viveu e

iniciou o seu ministério. Toda a vida do Templo acontecia por meio de ritos que

estavam na memória do povo e celebravam a intervenção de Deus em seu favor ao

longo da história.

A memória da libertação do Egito tem em sua cerimônia um rito de imolação do

cordeiro (cf. Ex 12), rito que foi assumido na vida litúrgica do Israel antigo e se firmou

ao longo dos anos, gerando uma liturgia sacrificial, merecendo uma legislação própria,

como atesta, sobretudo o Livro de Levítico (cf. Lv 1-7). Nesta mesma linha segue a

vida litúrgica do Segundo Templo, que não foge à regra do sacrifício, o que levava os

cristãos joaninos a conhecerem as prescrições sobre o culto sacrificial e estabelecerem

com este um novo parâmetro a partir da fé em Jesus Cristo.

A vida sacrificial no Segundo Templo dispõe de um vocabulário que vinha se

firmando em Israel desde o período pré-exílico, como atesta Willi-Plein230

; nesse

vocabulário os sacrifícios se mostram com vários fins. Willi-Plein lista zebah selamim

que quer dizer abate de um animal, e era realizado por meio de imolação, em vista da

felicidade do ofertante; hatta´t era realizado pelo pecado e asham era o sacrifício pela

culpa. Von Rad, por sua vez, considera que o texto sacerdotal referente aos sacrifícios é

um tanto complicado231

, mas mesmo assim lista distintamente os sacrifícios em

Israel232

. Para a tradição israelita, o sacrifício indica “fazer aproximar ou então fazer

229

Cf. LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004, p 139:

“nos dias de Jesus, o Templo da cidade santa não tinha perdido a importância que desde sempre lhe fora

atribuída na história de Israel.” 230

Cf. WILLI-PLEIN, Ina. Sacrifício e culto no Israel do Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2001,

p. 27. 231

Cf. VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento. 2 ed. São Paulo: Aste; Targumim, 2006,

p. 244. 232

Cf. Idem ibidem, p. 245: “os principais tipos de sacrifícios que P distingue são os seguintes: 1. O

„holocasto‟ (´olah ou Kalil, Lv 1); 2. A „oblação‟ (minhah, mistura de farinha, óleo e incenso, Lv 2); 3. O

„sacrifício de comunhão‟ ou „de ação de graças‟ (Shélem, Lv 3); 4. O „sacrifício pelo pecado‟ ou „de

expiação‟ (hatta´t, Lv 4,1-5.13); 5. O „sacrifício pela culpa‟ ou „de reparação‟ (asham, Lv 5,14-19).”

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subir [...], depois o sacrifício significa a busca de comunhão, de união com Deus”233

,

compreendendo o que diz Monloubou, pode-se facilmente entender porque holocausto

em hebraico é dito com a palavra ´olah que quer dizer subir. Para De Vaux, holocausto,

o ´olah “é o sacrifício que faz subir sobre o altar, do qual sobe a fumaça para Deus

quando é queimado”234

. No holocausto, toda a vítima é queimada, nenhuma parte da

vítima fica para o ofertante.

Entre as nomenclaturas, parece que minhah seja a mais antiga e por isso mais

generalizada. Inicialmente dizia respeito tanto para os sacrifícios cruentos como não

cruentos e queimados ou não no fogo, mais tardiamente é que passou a se referir à

oferta de alimentos235

. Tornou-se a oferta vegetal, “Lv 2,14-16 assimila à minhah a

oferta das primícias, espigas tostadas ou pão assado, acompanhados de azeite e incenso;

uma parte só é queimada sobre o altar”236

. Normalmente acompanhava um sacrifício237

.

O sacrifício zebah selamim ou somente zebah que se convencionou chamar de

sacrifício de comunhão; o que o diferencia do holocausto (´olah) é que “não é a carne

toda da vítima que é sacrificada sobre o altar, mas somente as partes da gordura”238

; a

vítima é repartida entre as partes que participam do sacrifício: Deus, o sacerdote e o

ofertante. Aquele que oferta leva uma parte para consumir; esse rito é observado como

uma refeição sagrada, “o ofertante convidava comensais à refeição, para comer na

presença de Javé”239

.

Além dos sacrifícios já citados, tinham os sacrifícios expiatórios, que na época do

Segundo Templo se tornaram os mais comuns240

. São eles: sacrifício pelo pecado

(hatta´t) e o sacrifício de reparação (´asham). O que os distingue do holocausto é o uso

do sangue, “que não era apenas derramado em torno do altar, mas devia também marcar

os chifres do altar (Lv 4,25-30)”241

. O sacrifício pelo pecado (hatta´t) deve ser oferecido

por três intenções: o pecado individual, pecado do sumo sacerdote e o pecado do povo

de Israel. O elemento principal é o sangue da vítima, que figura como elemento

expiador. Quando o sacrifício é oferecido pelo povo ou pelo sumo sacerdote, o oficiante

233

MONLOUBOU, L.; DU BUIT, F.M. Sacrifício. In: DBU. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 708. 234

DE VAUX, Roland. Instituições de Israel. São Paulo: Vida Nova, 2004, p.453. 235

Cf. VAN IMSCHOOT, P. Sacrifício. In: DEB. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 1356. 236

DE VAUX, Roland. Instituições de Israel, p.459. 237

Cf. VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento, p. 250. 238

Idem ibidem, p. 251. 239

Idem ibidem, p. 251. 240

Cf. MONLOUBOU, L.; DU BUIT, F.M. Sacrifícios. In: DBU, p. 709. 241

VON RAD, Gerhard. Teologia do Antigo Testamento, p. 253.

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56

“faz uma sétupla aspersão diante do véu que fecha o Santo dos Santos”242

. Alguns

pesquisadores, como Von Rad, expressam dificuldade em distinguir o sacrifício pelo

pecado do sacrifício de reparação. No entanto, segundo De Vaux, o sacrifício de

reparação “só é previsto para indivíduos e, por consequência, o sangue nunca é levado

ao Santo”243

e é acompanhado de uma multa prevista em Lv 5,14-26; 7,1-6. Com isto se

podem diferenciar esses dois sacrifícios expiatórios. Um dado relevante, é que,

sobretudo o hatta´t estava presente no Kippur244

.

Enfim, a temática sacrificial de Israel não é central na presente investigação, mas

relevante, pois atesta que estes nomes e os ritos não eram estranhos aos grupos que

formavam a comunidade joanina, sejam samaritanos ou judeus, pois compartilhavam o

livro do Levítico e, possivelmente, em Garizim, os samaritanos realizavam estes

sacrifícios que eram plenamente realizados em Jerusalém.

No geral, os sacrifícios ganhavam um caráter expiatório245

, expressando o

arrependimento dos pecados e a reconciliação com Deus. No Segundo Templo havia

uma forte consciência de puro e impuro, o que despertava nos judeus a necessidade de

sacrifícios para se purificarem de seus pecados, de modo que, aos poucos, o culto

expiatório foi sendo o mais praticado246

.

Theissen considera que a vida do Segundo Templo é marcada profundamente pelo

sacrifício; sendo o sacrifício o centro do culto judaico, de modo que sustenta os dois

axiomas fundamentais do judaísmo: “monoteísmo exclusivo e um nomismo da

aliança”247

. Ambos eram celebrados no sacrifício, que teve início já nos primórdios da

formação do povo, mas se sistematiza à medida que se constroem um templo central,

um clero para servi-lo e uma estrutura ritual a ser observada, que tem seu ponto alto

com a Reforma de Josias, mas alcança o caráter central absoluto para a religião de Judá,

no Segundo Templo, no período pós-exílico. Para De Vaux o “Templo é o sinal visível

da eleição divina, [ por isto] o judaísmo helenístico elege o Templo como o centro do

mundo”248

.

242

DE VAUX, Roland. Instituições de Israel, p.457. 243

Idem ibidem, p.458. 244

Cf. Idem ibidem, p.457. 245

Cf. LÉON-DUFOUR, X. Ritos sacrificiales. In: VTB. Barcelona: Editorial Herder, 1967, p. 730. 246

Cf. THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos: uma teoria do cristianismo primitivo. São

Paulo: Paulinas, 2009, p. 211: “uma característica da práxis sacrificial pós-exílica é que toda a práxis

sacrificial é compreendida de forma nova a partir da mentalidade expiatória. Todo culto tem por

finalidade simplesmente a expiação de delitos.” 247

Idem ibidem, p. 30. 248

DE VAUX, Roland. Instituições de Israel, p.366.

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Dentro da vida litúrgica, vários elementos eram solicitados para a celebração do

culto, como por exemplo, o minhah, que era uma oferenda de alimentos levada ao

culto249

, no entanto, central era o sacrifício de animais, onde aparece em evidência a

figura do cordeiro como animal sacrificial. Ele estava presente no rito diário e nos

grandes eventos da vida celebrativa do judaísmo, por isso, a referência feita no Quarto

Evangelho a Jesus como cordeiro é quase impossível que esteja alheia a toda a realidade

do cordeiro no Segundo Templo. Pelo que Theissen concebe que a comunidade do

Quarto Evangelho logo realizou uma substituição250

. Antes, o Templo era o lugar do

encontro, isto é, “o templo é a mediação entre a divindade e a humanidade”251

, mas

agora ninguém vai ao Pai senão por Jesus (cf. Jo 14,6).

Considerando a vida litúrgica do judaísmo no Primeiro Século d.C. e o Evangelho

segundo João, vê-se que o texto está descrito envolto na vida litúrgica do judaísmo,

como atesta Beutler. Para ele, a parte narrativa do Quarto Evangelho acontece dentro

das grandes festas judaicas da época de Jesus252

; também Moloney expõe que o Jesus de

João está relacionado com as grandes festas de peregrinação da época do Segundo

Templo253

, inclusive levantando a suspeita de que na origem da redação do Quarto

Evangelho ainda estivesse em funcionamento o Segundo Templo, isto é, seria antes do

ano 70 d.C., em todo caso, fica evidente que a comunidade redatora conseguiu captar e

transmitir uma relação entre o ministério público de Jesus e a vida litúrgica de

Jerusalém.

249

Cf. WILLI-PLEIN, Ina. Sacrifício e culto no Israel do Antigo Testamento, p. 27. 250

Cf. THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 197. 251

SCHMIDT, Francis. O pensamento do Templo de Jerusalém a Qumran. São Paulo: Loyola, 1998,

p. 77. 252

Cf. BEUTLER, Johannes. L´ebraismo e gli ebrei nel Vangelo di Giovanni. Subsidia Biblica, Roma, v.

29, 2006, p. 07. 253

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV. Minnesota: Michel Glazier Book, 1998, p.

194: “other Jewish feasts then follow in the correct sequence of the Jewish year: 6:1-71: Passover

(celebrated for seven days in the first month of the year), 7:1-10:21: Tabernacles( celebrated for seven

days in the seventh month of the year), and 10:22-42: Dedication (celebrated for eight days in the ninth

month of the year). The Johannine story of Jesus presence at the feasts of „the Jewish‟ captures the spirit

of Jewish writing that preserves traditions that may be roughly contemporary with the writing of the

Fourth Gospel”. [tradução nossa: segue-se, então, outras festas Judaicas na correta sequência do ano

Judaico: 6:1-71: Páscoa (celebrada durante 7 dias no primeiro mês do ano), 7:1-10:21: Tabernáculos

(celebrada durante 7 dias no sétimo mês do ano) e 10:22-42: Dedicação (celebrada durante 8 dias no nono

mês do ano). O relato Joanino da presença de Jesus nas festas „Judaicas‟ capta o espirito do escrito

Judaico que preserva tradições que podem ser aproximadamente contemporâneas ao escrito do Quarto

Evangelho.]

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Dentro da liturgia do Templo, um dos elementos que ganhava destaque era o

cordeiro; ele estava presente no culto diário (cf. Lv 6), em grandes festas254

, e ganhava

destaque na solenidade da páscoa (cf. Ex 12). Portanto, o fato de somente o Evangelho

segundo João, entre os evangelhos, registrar Jesus com esta tipologia, leva a algumas

interpretações: primeiro, que possivelmente houvesse sacerdotes no interior da

comunidade joanina255

; também outra possibilidade vai ganhando maior clareza: Jesus

substitui o lugar do encontro com Deus e os ritos256

; outra hipótese levantada é que a

imagem do cordeiro fosse uma tipologia que ajudasse na coesão da comunidade, uma

vez que os grupos da primeira hora, que compuseram esta comunidade, conheciam bem

as tradições aliadas à imagem do cordeiro257

. Pelo que vale a busca pelo cordeiro no

culto do Segundo Templo.

2.1 Cordeiro como elemento cultual

O cordeiro é um dos elementos que está presente no culto judaico, como descreve o

Livro do Levítico; que nos seus primeiros capítulos elenca alguns elementos para o

sacrifício e para ser ofertado no altar (cf. Lv 1-7). Para os sacrifícios são prescritos os

gados graúdos e miúdos, isto é, bovinos e caprinos; para as oblações são prescritos

grãos, sobretudo, trigo (cf. Lv 1-7).

Entre os animais elencados pelo Levítico, está o cordeiro na classe de caprinos, pois

quando o texto utiliza o termo kebe´s do hebraico, está fazendo associação com função

ritual, visto que “se emprega normalmente em passagens classificadas entre os escritos e

em Ezequiel, i.é, em trechos de uma natureza ritualística e sacrificial”258

. Ao traduzir

kebe´s por amnós do grego259

, os textos bíblicos enfatizam que o cordeiro é reconhecido

como um animal para o sacrifício.

254

Cf. GONZÁLEZ ECHEGARI, Joaquín (Org.). A bíblia em seu entorno. São Paulo: Ave-Maria,

2000, p. 330. 255

Cf. SIMOENS, Yves. L´évangile selon Jean: positions et propositions. NRT, Bruxelles, 2000, p. 189. 256

Cf. SARASA GALLEGO, Luis Guillermo. La filiación de los creyentes en el Evangelio de Juan.

Bogotá: D.C., 2009, p 341: “Jesús, en el EvJn, se apresentado como quien sustituye continuamente. En

Caná se sustituye las purificaciones de los judios; en Jerusalén, el Templo es sustituído con el cuerpo del

resuscitado; en Samaria se sustituye el lugar del Templo.” 257

Cf. GASS, Ildo B. Uma introdução à bíblia: as comunidades cristãs da primeira geração. São Paulo:

Paulus, 2005, p. 45-47. 258

Cf. GESS, J. amnós, „cordeiro‟; arên, „cordeiro‟; arnion „cordeiro‟. In: DITNT. São Paulo: Vida

Nova, 2000, p. 429. 259

Idem Ibidem, p. 429.

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59

Há na classificação dos caprinos outros termos utilizados que recebem outra

significação, como por exemplo, so´n do hebraico, traduzido na versão grega por

probaton, que “no AT significa, primariamente, a „ovelha‟ como animal útil e gregária

(Gn 30:38; Is 7:21; Am 7:15) e menos como sacrifício”260

. Assim, quando o Evangelho

segundo João, referente a Jesus, utiliza amnos ao invés de probaton tem clara a

referência ao sacrifício; há ainda o termo arnión, originalmente um diminutivo de arén,

também cordeiro, mas o primeiro coincide com a palavra hebraica kaba´s (cf. Jr 11,19

na LXX), que “designa al carnero joven, y en la mayoría de los casos como animal para

el sacrifício”261

. A semântica vai esclarecendo o propósito da comunidade joanina. Ao

chamar Jesus de cordeiro, ela está inclinada à vida sacrificial da religião de Israel.

As referências a Jesus como cordeiro sempre são amnos e arén, e não probaton,

sobretudo no Quarto Evangelho, que utiliza por 17 vezes probaton, mas nunca aplicada

a Jesus, deixando clara a perspectiva sacrificial assumida em Jesus.

O cordeiro era o único elemento que estava, obrigatoriamente, todos os dias no rito

sacrificial no Templo, que consistia,

fundamentalmente nos dois sacrifícios perpétuos, matutino e

vespertino, de um cordeiro de um ano e sem defeito. Ao nascer o sol,

começava o culto com a abertura das portas do santuário, a retirada

das cinzas do altar dos perfumes e a reativação do candelabro. Seguia-

se a degola do cordeiro do sacrifício [...] depois, completava-se o

sacrifício com a queima dos membros da vítima e das oferendas e com

as libações de vinho sobre o altar, e tudo terminava com os cânticos

dos levitas. O sacrifício vespertino transcorria de maneira parecida.262

Como observado, o cordeiro era um elemento essencial no sacrifício diário, e além

destes sacrifícios matutinos e vespertinos, aconteciam ainda os sacrifícios individuais,

que eram celebrados com cordeiros ou outros animais (aves e bois).

O sacrifício do cordeiro ganhou, na vida do Segundo Templo, tamanha

respeitabilidade e necessidade, que, mesmo durante momentos de crise, buscava-se

guardar o sacrifício diário. Sobre tal, recorda Lohse, “durante o sítio de Jerusalém pelos

romanos, ofereceram-se, com grande fidelidade, os sacrifícios diários, até o último

dia”263

. A insistência no sacrifício era também a esperança da intervenção divina, a

quem, pelo sacrifício, o povo se expressa fiel.

260

Idem ibidem, p. 431. 261

DAUTZENBERG, G. amnós- cordero. In: DENT. V. I. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1996, p. 212. 262

GONZÁLEZ ECHEGARI, Joaquín (Org.). A bíblia em seu entorno, p. 329. 263

LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento, p. 144.

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60

A oferenda para o sacrifício matutino e vespertino havia se tornado o cordeiro, por

isso, quando a Jesus é aplicada esta tipologia, o Quarto Evangelho tem claro que Jesus é

uma oferenda para o sacrifício, ou seja, é o cordeiro do novo culto, o que leva os

membros da comunidade joanina a construírem o Evangelho em um espaço que

transcorre dentro das festas judaicas; momentos que Jesus, como um judeu, participou

como peregrino, mas propondo uma interpretação própria sobre as festas em Jerusalém.

2.1.1 O cordeiro nas festas judaicas e a relação com o Quarto Evangelho

Em Jerusalém, no período do Segundo Templo, celebravam-se três grandes

peregrinações por ocasião das três grandes festas. Eram elas: Páscoa, Pentecostes e

Festa das Tendas; além dessas festas existiam ainda outras com menor afluência de

peregrinos: chanukká e o Purim. E outra grande concentração, que pelo caráter

penitencial não seria festa, mas uma grande celebração penitencial era o Yom Kippur, o

Dia do Grande Perdão, que no calendário litúrgico se vinculava à festa das Tendas.

Entre as festas, o Quarto Evangelho registra a presença de Jesus em três delas: Páscoa,

Tendas e Chanukká, chamado no texto evangélico de Dedicação264

. Todas as festas em

Jerusalém tinham particularidades e eram enriquecidas pelos sacrifícios que se

realizavam segundo a intenção da festa e, em sua maioria, o cordeiro aparecia como o

elemento cultual central ou ao menos em destaque na hora dos sacrifícios.

Ao se tratar das festas judaicas, o Evangelho joanino considera que eram conhecidas

não só pelos judeus ligados ao Templo, mas por todos os grupos judaicos do I séc. d.C;

algumas delas eram conhecidas e celebradas pelos samaritanos, em virtude do

Pentateuco. Já a relação entre as festas e os gregos, o que se revela no Quarto

Evangelho, é que alguns gregos vão até Jesus, e o querem conhecer por ocasião de uma

“festa dos judeus” (cf. Jo 12,20); no entanto, apesar de estarem em Jerusalém por

ocasião da Festa da Páscoa, parecem ser prosélitos que subiram a Jerusalém265

. O que

mais uma vez se firma é que os grupos que formaram a comunidade joanina da primeira

hora conheciam a vida litúrgica prescrita pela Torá e, nelas, a presença do cordeiro

como oferta para o sacrifício.

264

Cf. BEUTLER, Johannes. L´ebraismo e gli ebrei nel Vangelo di Giovanni. Subsidia Biblica, , p. 07. 265

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni: parte segunda. Brescia: Paideia, 1977, p.

634.

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61

No período do Segundo Templo, a Páscoa tinha se tornado uma festa muito

importante para a vida do Templo266

, pois de uma festa familiar passou a ser uma festa

que, obrigatoriamente, deveria passar pelos sacerdotes do Templo. Todavia, devido a

sua origem familiar, há quem não a considere um sacrifício, mas um ritual em família.

Não há como negar que, no Segundo Templo, somente os sacerdotes podiam sacrificar

o cordeiro para a festa da Páscoa.

Murphy-O´connor, escrevendo sobre Paulo, atesta que “na Páscoa, leigos podiam

degolar cordeiros, mas, como eram vítimas para sacrifício, deviam fazer isso no

templo”267

. Por sua vez, Crüsemann268

considera a Páscoa judaica uma celebração

fortemente comunitária, realizando-se como um rito e não necessariamente como um

sacrifício, visto que em Ex 12 a ordem é “que cada um” prepare um cordeiro por

família, o que se repete no livro de Números, referindo-se a “cada israelita”, deixando

claro que no Documento da Torá, a Páscoa não é uma prescrição restrita aos sacerdotes,

como ocorrerá na Reforma de Josias e se cimentará no período do Segundo Templo (cf.

2Rs 23; Esd 6,19-20). Os membros da comunidade joanina pareciam compreender a

Páscoa como uma festa sacrificial, como se perceberá ulteriormente, a tanto que viram

no sacrifício de Jesus a nova Páscoa (cf. Jo 19,37).

A festa da Páscoa, no I séc. d.C., acontecia com grande movimentação de fiéis e com

grande número de sacrifícios de cordeiros269

. O cordeiro deveria ser sacrificado no 14

de Nisan, antes do entardecer (cf. Nm 9). Em si, a Páscoa, no tempo de Jesus, segundo a

tradição judaica, era celebrada “para recordar a libertação do Egito”270

. No Evangelho

segundo João, a Páscoa ganha uma dimensão de analogia com a obra de libertação de

Jesus, sobretudo com a imagem do cordeiro271

, com a qual se entende Jesus como a

oferta de Deus para livrar a humanidade do mal.

No Quarto Evangelho, ao contrário dos sinóticos, Jesus não participa somente de

uma Páscoa, mas está presente em três páscoas, sendo a última o episódio de sua

266

Cf. ARAUJO, Gilvan Leite. História da festa judaica das tendas. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 961. 267

Cf. MURPHY-O´CONNOR, Jerome. Paulo de Tarso: história de um apóstolo. São Paulo: Paulus;

Loyola, 2007, p. 37. 268

Cf. CRÜSEMANN, Frank. A Torá: teologia e história social da Lei do Antigo Testamento.

Petrópolis: Vozes, 2008, p. 493: “A festa é em família, mas se refere a toda a „comunidade‟ (edah, qahal,

v. 3.6). o evento é totalmente comunitário. Não se trata de um sacrifício. O Documento Sacerdotal é claro

nisso: os sacrifícios são parte do culto, o qual não existe aqui.” 269

Cf. MURPHY-O´CONNOR, Jerome. Paulo de Tarso, p. 37. 270

GONZÁLEZ ECHEGARI, Joaquín (Org.). A bíblia em seu entorno, p. 328. 271

Cf. TAYLOR, Justin. As origens do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 2010, p. 148: “um vestígio da

Páscoa judaica com o qual os cristãos estão muito familiarizados, por causa dos evangelhos e da liturgia,

é o uso da expressão „cordeiro de Deus‟ para Jesus.”

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62

execução (cf. Jo 2,13; 6,4; 11,55). Nessas idas a Jerusalém, os discípulos e Jesus

puderam atestar como as pessoas se apressavam para sacrificar o cordeiro272

, uma vez

que, “o elemento mais característico [da Páscoa] era o sacrifício do cordeiro pascal”273

.

Cinquenta dias após a Páscoa acontecia a festa de Pentecostes, que no Evangelho

joanino não possui repercussão; ela celebrava as primícias e teologicamente estava

ligada à entrega da Torá no Sinai. No tempo de Jesus, nesta festa se levavam as

oferendas dos primeiros frutos ao Templo. Nela também os peregrinos podiam

participar de sacrifícios, inclusive dos sacrifícios diários que eram celebrados com o

cordeiro.

No outono acontecia a festa mais popular do I séc. d.C., a Festa das Tendas, mas

também chamada simplesmente de “A Festa”274

. No Evangelho segundo João, nesta

festa (cf. Jo 7) acontece de forma mais explícita a revelação de Jesus275

como Messias,

aliás, era uma festa propícia para tal, dado que nela se vivia a “expectativa do libertador

que Deus mandaria para caçar os invasores romanos e iniciar o novo tempo anunciado

pelos profetas”276

, ou seja, era a festa onde se esperava que o Messias se

manifestasse277

. A manifestação de Jesus, no Templo, no último dia da festa, é colocada

pelo Quarto Evangelho como a revelação do Messias278

(cf. Jo 7,41).

A relação da Festa das Tendas com o cordeiro acontece porque também nela se

celebravam sacrifícios, aliás, “os sacrifícios no Templo eram mais numerosos”279

, pelo

que vale reconhecer que entre eles estava a figura do cordeiro como oferta agradável ao

culto. Vale também atentar que esta festa era bastante popular280

, por isto os discursos

de Jesus devem ter ecoado entre vários que estavam em Jerusalém para celebrar esta

festa, como demonstra o evangelista, ao expor a reação do povo (cf. Jo 7, 31.40-42) e

272

Cf. LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento, p.145. 273

GONZÁLEZ ECHEGARI, Joaquín (Org.). A bíblia em seu entorno, p. 329. 274

MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV, p. 233: “Tabernacles was the most popular of the

three pilgrimage feasts and was known as „the feast of YHWH‟ (Lev 23:39; Judg 21:19) or simply „the

feast‟ (1Kgs 8:2, 65; 2 Chron 7:8; Neh 8:14; Isa 30:29; Ezek 45:23)”. [tradução nossa: Tabernáculos era a

mais popular das três festas de peregrinação e era conhecida como „a festa de YHWH‟ (Lev 23,39; Jz

21,19) ou simplesmente „ a festa‟ (1Rs 8,2.65; Cr 7,8; Ne 8,14; Is 30,29; Ez 4,23).] 275

Cf. RODRIGUEZ-RUIZ, Miguel. Estructura del Evangelio de San Juan desde el punto de vista

cristológico y eclesiológico. EstB. Madrid, n. 56, 1998, p. 88: “La revelación de Jesús ante las

autoridades del pueblo judio y la presencia de la Iglesia em 7,1-11,54.” 276

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II. São Paulo: Loyola, 1992, p. 356. 277

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni: parte prima. Brescia: Paideia, 1977, p.

261. 278

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 365. 279

GONZÁLEZ ECHEGARI, Joaquín (Org.). A bíblia em seu entorno, p. 330. 280

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV, p. 233.

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63

das autoridades (cf. Jo 7,47)281

. Na festa das Tendas, Jesus também pontua sua Paixão,

mas acentuada como regresso para o Pai282

(cf. Jo 7,32-36).

Há também outras festas que são importantes para a vida litúrgica de Israel e trazem

particularidades na relação com o cordeiro. São elas: Chanucá e Purim, no entanto, as

três festas citadas: Páscoa, Pentecostes e Tendas eram as grandes festas de peregrinação

e prestavam serviço à unidade dos judeus283

. As demais festas, Chanucá e Purim

traziam sua importância como festas da memória recente do povo judeu.

A festa da Dedicação remonta à história da libertação do julgo dos selêucidas, em

especial, o julgo de Antíoco IV Epífanes, que profanou o Templo e as práticas religiosas

de Judá284

. Ela era celebrada por meio da iluminação do Templo e das casas e poderia

também ser chamada de celebração das luzes. No Quarto Evangelho, Jesus se declara a

luz do mundo (cf. Jo 8,12), e isto está colocado na transição entre a festa das Tendas (cf.

Jo 7) e a festa da Dedicação (cf. Jo 10). Esta festa acontecia com celebração festiva,

com sacrifícios. No início, na dedicação do Templo, no tempo dos Macabeus,

sucederam sacrifícios como parte das celebrações, o que eram retomados a cada ano na

festa; entre os animais para o sacrifício também se encontra o cordeiro.

A festa do Purim acontecia no mês de Adar (entre fevereiro e março); era a memória

da libertação vinda por Ester (cf. Est 7-8). Na relação com os sacrifícios havia algo

diferenciado: não se celebravam sacrifícios individuais, mas somente coletivos e se

guardava o sacrifício do cordeiro, como prescrição ritual285

. De modo que,

281

Cf. FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II, p. 355: “Jesus e os judeus à parte,

há um terceiro protagonista: a multidão. Esta demonstra reações espontâneas, mas também contraditórias,

e tem medo dos chefes. A revelação de Jesus é pública e franca; não provoca somente os judeus, mas o

auditório todo, e o divide: 7, 12-13.20.25-27.31.40-43.” 282

Cf. NEVES, Joaquim Carreira das. Escritos de São João. Lisboa: Universidade Católica Editora,

2004, p. 170. 283

Cf. SAULNIER, Christiane. A Palestina no tempo de Jesus. São Paulo: Paulinas, 1983, p. 47: “três

festas exercem, em Israel, um papel importante; são momentos em que o povo faz questão de se reunir

para manifestar a solidariedade que une seus membros e para celebrar as grandes intervenções do Senhor,

libertador do seu povo: são as três festas de peregrinação, Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos (ou

Tendas). Três vezes ao ano, declara o Deuteronômio, todos os vossos varões se apresentarão diante do

Senhor vosso Deus no lugar em que ele tiver escolhido: na festa dos Ázimos, na festa das Semanas e na

festa das Tendas (Dt 16,16).” 284

Cf. GONZÁLEZ ECHEGARI, Joaquín (Org.). A bíblia em seu entorno, p. 331: “festa de Hanukká (

ou dedicação, cf. Jo 10,22) tinha sido instituída para celebrar a purificação do templo feita por Judas

Macabeu depois da profanação de Antíoco Epífanes (IMac 4,59; IIMac 1,18). O gesto mais característico

era a iluminação do templo, das sinagogas e das casas particulares.” 285

Cf. Idem ibidem, p. 331: “a festa do Purim (das sortes) celebrava-se em meados do mês de Adar para

comemorar a libertação dos judeus persas. Segundo a tradição rabínica os elementos característicos

seriam a leitura sinagogal do livro de Ester, as obras caritativas e os banquetes, precedidos de um dia de

jejum. [no sábado durante o purim] o ritmo dos sacrifícios do templo era diferente nesse dia: não se

ofereciam sacrifícios individuais, senão unicamente os da coletividade, com um sacrifício adicional dos

cordeiros.”

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reconhecidamente, o cordeiro estava presente em todas estas festas e na vida cotidiana

do Segundo Templo286

.

Entre as práticas religiosas de peregrinação e grande concentração em Jerusalém

existiam ainda duas “festas”, eram o Rosh Hashana (a festa do Ano Novo) e o Yom

Kippur (Dia das Expiações). Estas festas estavam conectadas entre si e com a festa das

Tendas, pois a Rosh Hashana como festa de Ano Novo, era exatamente uma preparação

para o grande Dia de Expiação, que acontecia dez dias depois, o que a condicionava

como uma festa austera. O Rosh Hashana acontecia por volta do mês de tishri

(setembro e outubro).

Na festa de Ano Novo, a tradição do cordeiro como elemento do culto cotidiano, era

mantida, não havendo traços diferenciados do ponto de vista sacrificial, a não ser o

comportamento mais austero da comunidade dos sacerdotes e de todo o povo, como que

já vivendo um exame de consciência, dez dias antes do Dia das Expiações.

Sobre o Kippur, existia na tradição israelita grande respeito por este dia, pois era o

único dia em que o sumo sacerdote estava autorizado a entrar no Santo dos Santos,

lugar onde, segundo a tradição judaica, esteve antes a arca da Aliança com as tábuas da

Torá. Nele também se inseriam ritos de expiação pelo sumo sacerdote e por todo o povo

de Israel, uma vítima era oferecida pelos pecados de todo o povo, o que configurava o

dia como penitencial287

.

Sobre a vítima expiatória do Kippur há clareza sobre o boi que era o animal para

expiar os pecados do sumo sacerdote, já sobre os pecados do povo, a expressão indica

gado miúdo, ao que as traduções se furtam a traduzir por cordeiro e usam os termos

carneiro e bode.

Relendo a Paixão de Jesus e sua relação com o Kippur, os primeiros cristãos logo

justificaram a morte de Jesus como uma morte expiatória288

. Identificaram-no como

286

Cf. COENEN, L.; BEYREUTHER,E.; BIETENHARD, H. Amnós. In: DCBNT. Bologna: EDB, 1976,

p. 62: “amnos vienne usato specialmente dal códice sacerdotale e da Ez, cioé da quegli scritti Che hanno

orientamento sacerotale e cultuale. Secondo essi, l ´agnello è molto importante nel culto israelitico come

vitima sacrificale.”-[tradução nossa: amnos é usado especialmente pelo código sacerdotal e de Ez, isto é,

por aqueles escritos que têm orientamento sacerdotal e cultual. Segundo estes, o cordeiro é muito

importante no culto israelítico como vítima sacrificial.] 287

Cf. GUIJARRO OPORTO, Santiago; SALVADOR GARCIA, Miguel (Org.). Comentário ao Antigo

Testamento. V. I. São Paulo: Ave-Maria, 2002, p. 203: “acontece uma vez por ano (Lv 16,34; Ex 30,10;

Hb 9,6-7), no dia dez do sétimo mês (Lv 16,29), o grande dia da expiação, uma das maiores festas do

outono (Lv 23,27-32; cf. o comentário a Lv 23). Esse era dia de jejum, dia penitencial no qual o povo

esperava conseguir o favor de Deus (Es 8,21-23; Jl 1,14; 2,12.15).” 288

Vários textos bíblicos expõem como as várias interpretações do I séc. d.C. viram a morte de Jesus

como expiatória: 1Cor 15,3; 1Pd 3,18; Rm 5,8; 1Ts 5,10; Ef 1,7; Cl 1,20; Rm 3,25; Hb 2,17; 1Jo 2,2; Hb

9,12; 9,28; 10,10, 10,12.

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aquele que é ofertado pela culpa do povo, isto talvez tenha se dado mais pela

interpretação da profecia de Isaias, que pelo Kippur289

. No entanto, o Quarto

Evangelho, onde Jesus é chamado de cordeiro, registrou uma oração, que segundo

Ratzinger, citando Feuillet, a entrega de Jesus é sacrificial expiatória, segundo o rito do

Kippur,

a estrutura do rito descrito em Levítico é retomada minuciosamente na

oração de Jesus: tal como o sumo sacerdote cumpre a expiação por si,

pela classe sacerdotal e por toda a comunidade de Israel, assim

também Jesus reza por si mesmo, pelos apóstolos e finalmente por

todos aqueles que depois, por causa da palavra deles, haveriam de

acreditar nEle, ou seja, pela Igreja de todos os tempos (cf. Jo 17,20).290

Na descrição de Ratzinger, inspirada em Feuillet, fica claro que Jesus realiza as três

funções solenes exercidas no Dia de Expiação: sacerdote, oferta e sacrifício. Ele é o

sumo sacerdote que tem acesso ao Santo dos Santos. É também a oferta apta para

perdoar os pecados e, ele mesmo, na sua carne, realiza o sacrifício de perdão.

O Kippur era a única celebração a que o sumo sacerdote estava obrigado a

presidir291

; aliás, sua função se impunha exatamente em virtude do Dia do Perdão, pois

somente ele, neste dia, e unicamente neste, podia entrar no Santo dos Santos292

. Em

nenhum outro dia do ano se podia entrar neste recinto sagrado, do ponto de vista

litúrgico. Neste dia, ele utilizava uma capa de uma costura só; sacrificava os animais e,

com o sangue, aspergia a pedra onde esteve a Arca da Aliança e também aspergia o

povo; e pelo povo e por si apresentava orações de intercessão ao Senhor. O sumo

sacerdote, após a imposição das mãos, despedia o bode para o deserto, para onde levava

o pecado do povo. No entanto, não é, o ir para o deserto que liberta os pecados, mas o

elemento vital que está no animal, isto é, o sangue. Para este mundo sacrificial, o que

289

Cf. BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galiléia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas,

2011, p. 531: “Marcos ou sua fonte quiseram especificar qual serviço realizou de fato Jesus, inserindo ali

a crença cristã na sua morte redentora, talvez deixando-se inspirar por uma passagem de Isaías sobre o

servo sofredor de Deus: „para os quais (anth´hon)[os muitos] sua vida (He psykhe) foi entregue à morte

[...] e ele carregou os pecados de muitos e por seus pecados foi entregue à morte‟ (Is 53,12).” 290

RATZINGER, Joseph- BENTO XVI. Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a

ressurreição. São Paulo: Planeta, 2011, p. 81. 291

Cf. JEREMIAS, J. Jerusalém no Tempo de Jesus: pesquisa de história econômico-social no período

neotestamentário. São Paulo: Paulus, 1983, p. 212: “os deveres inerentes ao cargo de sumo sacerdote

eram de natureza principalmente cultual. A Lei de modo expresso prescrevia um único dever para o sumo

sacerdote: o de oficiar no Dia das expiações (Lv 16).” 292

Cf. Idem ibidem, p. 210: “O privilégio mais importante permitia-lhe, e somente a ele entre os mortais,

penetrar no Santo dos santos um dia por ano. A tríplice entrada neste recinto, no Dia das expiações,

significava a entrada diante do Deus propício; tal dignidade traduzia-se nas aparições divinas particulares

com que era honrado o sumo sacerdote nesse Santo dos santos.”

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realmente expia os pecados é o sangue293

, aquele dom que pode manter a vida: tira-se a

vida de um para doá-la a outros.

O Evangelho joanino, ao relacionar o Dia de Expiação com Jesus, prescreve,

exatamente, que se tira a vida de um para salvar a vida do povo, como se revela na fala

de Caifás294

a respeito da execução de Jesus, mas a relação se intensifica ainda mais,

quando a imagem do sangue é expressada no Quarto Evangelho (cf. Jo19,34). Aliás,

para a tradição judaica, é exatamente o sangue que expiava os pecados (cf. Lv 17). Mas

além do culto expiatório por excelência no Kippur, havia também, no culto diário, a

intenção do perdão dos pecados (cf. Lv 6), o que revelava o sacrifício como expiatório.

Toda esta vida litúrgica era conhecida pela comunidade joanina, que não se demorou a

ver, em Jesus, a vítima expiatória.

Visto que o cordeiro estava fortemente presente na vida litúrgica do Segundo

Templo, fica ainda mais clara a referência cultual presente no Evangelho segundo João,

pelo que vale verificar um caminho teológico que se impõe de Jo 1,29 a 19,34.

2.2 Caminho teológico de Jo 1,29 a 19,34-36

Como explicitado ao longo da pesquisa, a comunidade joanina guardou grande

apreço pela imagem do cordeiro, pelo que não lhe bastando citar por duas vezes na

semana inaugural da atividade pública de Jesus (cf. Jo 1,29.36), ainda guardou relação

com este no episódio da Paixão, seja a lança, na mesma hora da imolação do cordeiro

pascal no Templo (cf. Jo 19,34) e a citação referente ao cordeiro pascal, “não quebrarão

nenhum dos seus ossos”(cf. Jo19,36b), tornando esta imagem algo enfático em sua

redação, tanto que vale recolher algumas passagens relacionadas à semana inaugural e à

Paixão. As passagens indicadas para tal fim são: Jo 2,1-11; 2,13-22; 3,14; 4,13-14.39-

42; 6,44.47; 7,37; 10,18; 12,27-28; 17,1. Diante de tais textos se torna necessário

reforçar que eles estão dispostos para buscar compreender o caminho teológico entre a

saudação do Batista e o episódio da Paixão.

293

Cf. SELTZER, Robert M. O povo judeu, pensamento judaico. V. I. Rio de Janeiro: A.koogan, 1991,

p. 64: “Uma segunda categoria consumava a expiação através do sangue derramado no altar. Porque o

sangue, de acordo com o Pentateuco, é o princípio da vida; o sangue de uma vítima animal expiava

simbolicamente a culpa do ofertante.” 294

Cf. BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galiléia, p. 494: “o quarto evangelho apresenta dois

traços próprios [na paixão de Jesus]: Caifás o quer condenar como bode expiatório: „é melhor que um só

morra pelo povo‟ (Jo 18,14; 11,49-50); Pilatos fazia de tudo para o libertar, pois estava certo de sua

inocência (Jo 19,12).”

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Schnackenburg considera que a mensagem do Evangelho joanino passa exatamente

pela constatação da messianidade de Jesus, tendo seu cume na morte expiatória,

havendo um elo entre a saudação do Batista e a Paixão,

Gesù è il Messia nel senso pieno della professione di fede Cristiana, al

quale spetta la preesistenza (1,30, cf. 15) e che con la sua morte

sacrificiale ed espiatrice come „angello di Dio‟ (1,29.36) porta la

salvezza al mondo intero.295

O elo entre Jo 1,29.36 e 19,32-37 será tecido ao longo do Quarto Evangelho,

revelando Jesus como a oferta de Deus. Em várias passagens esta oferta vai se

configurando como oferta de amor que pode chegar até a morte. Já, no capítulo segundo

do Evangelho joanino, encontra-se um episódio ligado com a hora de Jesus: a passagem

das Bodas de Caná, onde acontece o primeiro sinal. Quando é enfatizado na resposta de

Jesus, que “ainda não chegou a minha hora”(cf. Jo 2,4), o que, para comentadores

como Mateos e Barreto, está diretamente ligada ao Gólgota, pois “a novidade que ele

traz está ligada ao momento futuro, „a sua hora‟ (cf. Jo 7,30;8,20;12,23.27;17,1), que

será a hora da sua morte 19,31: sua hora, a de passar deste mundo ao Pai”296

. Também

Léon-Dufour expõe que a referência à hora esteja ligada à exaltação e à glorificação de

Jesus297

. O Evangelho segundo João ilustra que a hora de Jesus transcorrerá todo o

Evangelho e, ao passo que Marcos e as tradições mateana e lucana inserem anúncios da

Paixão (cf. Mt 16,21-23; Mc 8,31; Lc 9,22), o Quarto Evangelho apresenta discursos e

sinais onde a hora fica subentendida.

Além da consideração à hora, neste trecho (cf. Jo 2,1-11), o Evangelho joanino expõe

um tema que aparecerá em momentos cruciais da entrega de Jesus, o tema da

glorificação, isto é, a manifestação da glória de Jesus, que glorifica o Pai (cf. Jo 1,14;

11;40; 12,41), o que terá seu acabamento na cruz298

, quando Jesus, como cordeiro,

realizar a sua entrega, pois o cordeiro ao ser sacrificado, não o faz para a glória do

homem ou para a glória do próprio cordeiro, mas com o intuito de agradar a Deus, de

295

SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni: parte prima. Brescia: Paideia, 1977, p. 379. [tradução nossa: Jesus é o Messias no sentido pleno da profissão de fé Cristã, ao qual pertence a

preexistência (1,30, cf.15) e que com a sua morte sacrificial e expiadora, como „cordeiro de Deus‟

(1,29.36) leva a salvação ao mundo inteiro.] 296

MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 140. 297

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 181. 298

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 147: “na cruz ocorrerá a

manifestação plena e definitiva da glória-amor, de que dará solene testemunho o evangelista (19,35). De

forma simbólica, a glória-amor manifesta-se ao ficar aberto pela lançada o interior de Jesus e derramar-se

sangue (seu amor que chega a dar a vida pelo homem) e a água (o Espírito ou amor que ele comunica ao

homem).”

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ser-lhe útil à sua glória, ou seja, à sua presença. Deste modo, já aqui nas bodas de Caná,

além da hora que vai se dirigindo para a cruz (cf. Jo 12,27), também o tema da

glorificação irá se direcionando para este momento (cf. Jo 12,28), onde a entrega do

servo será plena, “levado como cordeiro ao matadouro” (Is 53,7).

Segue-se à passagem de Caná o episódio de Jesus no Templo (cf. Jo 2,13-22). A sua

presença inicialmente se parece com a presença de justos que quiseram purificar o

Templo299

; também se identifica com uma esperança que podia estar em João Batista e

em movimentos como os essênios de Qumran, que pareciam esperar a purificação do

culto, ou seja, esperavam, no tempo de “salvação vindouro, a restauração do culto

legítimo”300

. Mas, em Jo 2,13-22, a temática é da substituição, isto já havia se

configurado na saudação do Batista e ganhado ênfase na substituição das águas para

purificação (cf. Jo 2,7-9); agora ganha maior notoriedade na passagem do Templo, o

que Mateos e Barreto titulam: substituição do Templo301

.

A relação de Jesus com o Templo expõe uma conexão com o contexto anterior em

que Jesus é chamado de Cordeiro de Deus302

, sobre esta passagem (cf. Jo 2,13-22) vale

ressaltar que o Evangelho segundo João, coloca dentro da festa da Páscoa, quando se

imola o cordeiro pascal. Expondo que a relação aqui disposta, no início da vida pública

de Jesus, torna-se reflexo da expectativa do novo culto303

e, ao mesmo tempo, passa a

apontar para a manifestação da glória do Pai na glorificação de Jesus, fazendo de Jesus

o lugar do encontro com Deus304

. Aquele, que antes, havia usado a água da purificação,

agora se torna também o lugar do encontro com Deus, o que será plena na reconstrução

de seu corpo, quando da ressurreição (cf. Jo 2,22).

Nesta passagem de Jo 2,13-22, Jesus desmonta não só a estrutura comercial do

Tempo, mas simbolicamente desestrutura a ordem dos sacrifícios, como se eles já não

299

Cf. MOLONEY, Francis J. Reading John 2:13-22: the purification of the temple. RB, Paris, n 3, 1990,

p. 443: “the disciples in the story and the implied reader who is emerging from the story are able to

recognize in Jesus a passionate figure committed to the honour of God unto death, like Phineas, Elijah or

Mattathias (see Num 25:11; 1Kings 19:10, 14; Sir 48:2; 1 Macc 2:24-26).” [tradução nossa: os discípulos

do relato e o leitor implicado que emerge do mesmo estão aptos a reconhecerem em Jesus uma figura

apaixonada e comprometida com a honra devida a Deus até à morte, tal como Finéias, Eleazar ou

Matatias (cf Num 25,11; 1Rs 19,10.14; Eclo 48,2 Mac 2,24-26).] 300

LOHSE, Eduardo. Contexto e ambiente do Novo Testamento, p. 92. 301

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 150. 302

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 193. 303

THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 194. 304

Cf. MOLONEY, Francis J. Reading John 2:13-22: the purification of the temple. RB, p. 428: “the

presence of God to Israel in this Temple will be replaced by the presence of the Temple of the body of

Jesus.” [tradução nossa: “a presença de Deus para Israel neste Templo será substituída pela presença do

Templo do corpo de Jesus.”]

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fossem necessários305

, uma vez que o cordeiro ofertado por Deus estava lá e agora a

ordem do amor é o que seria agradável a Deus306

, substituindo a antiga ordem. Vale

recordar que desde os antigos profetas já existiam posições contrárias à lógica sacrificial

e propostas de substituição por práticas vinculadas à justiça e a misericórdia (cf. Is 1,

11-17; Os 5,6-7).

O sumo sacerdote, responsável pelo Templo, para grupos essênios e apocalípticos

tinha se tornado impuro para prestar culto a Deus307

, e Jesus ao criticar o Templo o faz

direto aos dirigentes do povo, uma vez que a estrutura mercantil do Templo favorecia a

estes. Na discussão com os chefes judeus, Jesus, pela linguagem, demonstra a proposta

de superação dessa estrutura para se chegar ao essencial, pois ao fazer o paralelo

destruir-reerguer, ele utiliza a palavra naós, isto é, santuário. Deixando na descrição

joanina uma sutileza: o santuário é o lugar mais íntimo do Templo e como se pode ver

na descrição do Kippur, somente o sumo sacerdote entra lá uma vez por ano. É, por

excelência, o lugar do encontro com Deus. É também o nome que a tenda recebia antes

da construção do Templo, e agora, o naós, santuário a ser reerguido em três dias será o

seu corpo308

, o mesmo que levará as marcas da entrega e exaltação na cruz (cf. Jo

20,27).

Theissen lembra que não há registro em que Jesus tenha realizado os ritos de

purificação ao se aproximar a Páscoa309

. No entanto, como um judeu que subia em

peregrinação a Jerusalém é possível que os celebrasse. Em si, o caminho teológico do

Jesus joanino é gradual, com aceitações e rejeições, em direção ao sacrifício do

cordeiro. No paralelo entre as bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11) e a purificação do Templo

(cf. Jo 2,13-22), Moloney enfatiza que Maria acreditou na palavra de Jesus, ao passo

que os chefes se furtaram a tal confiança310

, o que se estenderá até a execução de Jesus

na cruz. Sua mãe estará lá, e os chefes o entregarão porque não o aceitaram. Por sua

vez, os discípulos mais tarde verão que Jesus não é somente mais um piedoso que zela 305

Cf. TAYLOR, Justin. As origens do cristianismo, p. 55: “no episódio da purificação do Templo (Jo

2,13ss), com uma alusão a sua morte e ressurreição, Jesus neutraliza o sistema comercial de sacrifícios e,

assim, todo o culto expiatório.” 306

Cf. THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 268-269. 307

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 202. 308

Cf. KONINGS, Johan. Evangelho Segundo João: amor e fidelidade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 109:

“numa típica „reflexão joanina‟ (como no v. 17), o evangelista comenta que Jesus estava falando não do

templo de pedras, e sim do santuário que é ele mesmo (v. 21: „seu corpo‟). Ele é quem vai ser destruído e

„erguido‟ em três dias. Jesus é o verdadeiro santuário, o lugar ou morada em que Deus se deixa

encontrar.” 309

Cf. THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Loyola, 2002, p.

459. 310

Cf. MOLONEY, Francis J. Reading John 2:13-22: the purification of the temple. RB, p. 447.

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pela casa do Pai, a exemplo de personagens antigos, mas, o lugar do encontro com o

Pai311

.

Dentro do caminho teológico da saudação Batista ao Gólgota, chama a atenção o fato

de o Quarto Evangelho ter colocado a „purificação do Templo‟ no início da vida

pública de Jesus, ao invés de seguir a cronologia sinótica, que coloca este

acontecimento na semana da Paixão (cf. Mt 21,12-17; Mc 11,15-19; Lc 19,45-48). Para

Flanagan312

, a cronologia sinótica para a purificação do Templo, próxima à morte de

Jesus, é mais aceitável, visto que este seria um gesto chave para sua execução. No

entanto, para a comunidade joanina, a purificação do Templo está posta aí neste paralelo

entre os que crêem e os que não creem, mas o relevante é que o conflito se dá com os

chefes do povo, aqueles que viviam às custas da estrutura central do Templo, ou seja,

aqueles que tinham esvaziado o culto a Deus, mas agora, o “cordeiro de Deus não só

põe ordem no Templo, como manifesta que sua presença torna esses ritos sacrificiais

peremptos”313

. Aqui se apresenta mais um passo do caminho teológico: a Páscoa, que os

chefes impunham ao povo, será substituída pela Páscoa celebrada pelo cordeiro ofertado

por Deus. O ápice desta Páscoa será a reconstrução do santuário que é o corpo chagado

do cordeiro reerguido.

Os dois textos, até agora expostos no caminho teológico, deixam claro que o

Evangelho segundo João se nutre da entrega gratuita de Jesus, por amor ao Pai e aos

seus. Esta oferta recebe forte acento na saudação do Batista e se cumpre no Gólgota;

sendo que Jo 2,1-11 de Jo 2,13-22, apresentam-se mais estreitamente ligados à saudação

do Batista, mas já convergindo para o Gólgota. Como menciona Cavicchia, todo o

Quarto Evangelho anda para o Gólgota314

; lá acontece a glorificação do cordeiro.

No capítulo do Evangelho segundo João, que se segue, aparece um personagem da

aristocracia judaica do Templo. Ora, se antes havia uma dificuldade entre Jesus e os

chefes do Templo, agora aparece Nicodemos, “um dos fariseus e um dos chefes dos

judeus” (cf. Jo 3,1), reforçando a tese de Blanchard, de que havia no grupo de Jesus

311

Cf. Idem ibidem, p. 449. 312

Cf. BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (Orgs.). Comentário Bíblico: Evangelhos e Atos,

Cartas, Apocalipse. V. III. São Paulo: Loyola, 2010, p.112: “Jesus vai a Jerusalém no tempo da páscoa

(v.13) no início de seu ministério. Isso contrata com os outros Evangelhos, nos quais Jesus vai a

Jerusalém apenas uma vez e, então, bem no fim de seu ministério[...] é provável que a purificação do

Templo tenha ocorrido quase no fim da vida de Jesus, como os sinóticos indicam (Mateus, Marcos e

Lucas), sendo a última gota que levou à condenação de Jesus.” 313

LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 197. 314

Cf. CAVICCHIA, Alessandro. Guarderanno a Colui che hanno trafitto. Ant. Roma, n. 3, 2012, p. 452.

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alguns membros que teriam vindo do grupo dos mestres de Jerusalém315

. A presença de

mestres de Jerusalém, na comunidade do Discípulo Amado, ratifica que a imagem do

cordeiro foi se impondo, porque as bases da comunidade joanina estavam montadas em

grupos que conheciam tal tradição e suas implicações na vida litúrgica de Israel. Mas,

aqui, a pesquisa se deterá sobre o v. 14, quando no diálogo com um dos chefes dos

judeus, o Jesus joanino aproveita o ensejo para indicar qual seria o ganho da fé nele.

O personagem Nicodemos, unicamente presente na tradição joanina, aparece três

vezes: no encontro com Jesus (cf. Jo 3), tentando defender Jesus (cf. Jo 7,50) e nas

narrativas da Paixão, inclusive no sepultamento (cf. Jo 19,39). O fato de se encontrar

buscando o corpo de Jesus parece que Nicodemos compreendeu a fala de Jo 3,14, isto é,

que Jesus, sendo exaltado, traria a vida que se ganha pela elevação, outrora da serpente,

agora do servo-cordeiro316

, pois uma das esperanças prescritas para o servo em Is 52,13,

é que ele será elevado, isto é, glorificado, portanto quando o Quarto Evangelho faz a

transposição da imagem da serpente à Jesus, ele recorre a mais uma das fortes tradições

do deserto (cf. Nm 21,9), a qual era por demais cara aos fariseus, mas aliando-a ao tema

da elevação do servo, trazendo para o centro uma imagem conhecida para Nicodemos.

Todavia, sua plena compreensão será possível no evento do Gólgota, a exemplo da

saudação do Batista.

Na visão de Mateos e Barreto, em Jo 3,14 segue-se a descrição da messianidade de

Jesus, dentro da trajetória do amor que pode assumir até mesmo a morte, uma vez que o

seu poder não se alia aos padrões dos impérios, mas se mostra na capacidade de doar a

própria vida: esta é a messianidade de Jesus, como um cordeiro levado ao matadouro.

Por esta entrega legará a vida eterna, e ao ser humano compete a adesão de fé,

o homem deve dar o passo, saindo das trevas para entrar na zona da

luz, onde está Jesus. Este passo identifica-se com o seu êxodo, que

consiste em sair do „mundo‟, a ordem injusta (8,23; 15,19;

17,6.14.16). Em oposição à adesão recebida em Jerusalém (2,23), que

Jesus não aceitou porque supunha concepção equivocada do seu

messianismo, expõe [agora em 3,14] o verdadeiro termo da adesão: o

Homem levantado, e a autêntica concepção do Messias: o Filho de

Deus, prova de amor.317

O jogo de palavras utilizado pelo evangelista crer e ver se implicam ao longo do

texto evangélico. O crer de Jo 3,14 está relacionado ao olharão de Jo 19,37, seria o “ver

315

Cf. BLANCHARD, Yves-Marie. São João. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 34-35. 316

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 232. 317

MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 185.

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da fé”318

; ao ter contato com a narrativa de 19,37 “o leitor/ouvinte lembra-se do olhar

salvífico dirigido ao Filho do Homem „enaltecido‟, simbolizado na serpente que Moisés

alteou no deserto (Jo 3,14-15)”319

. O crer emerge da visão que consegue ultrapassar o

imediato que acontecerá na cruz, lugar da exaltação do amor de Jesus. O ver no

Evangelho joanino não corresponde unicamente à visão óptica, mas, sobretudo, “ver é

ser transformado nessa visão da realidade”320

, ao mesmo tempo, ver é crer, é estar na

presença de Deus (cf. Jo 14,9), e “estar na presença de Deus é ter „a vida eterna‟”321

.

Cavicchia considera que ver e crer se entrelaçam quando a lança traspassa o lado de

Jesus322

, onde se chega à fé ao olhar-crer na prova de amor de Jesus. O ver-crer requer

a adesão ao Filho de Deus e, com isto, o evangelista retoma o tema da oferta de Jo 1,29

e suas conseqüências em Jo 19,34-37, colocando o caminho do crer entre os dois

episódios: a oferta dada por Deus e o sacrifício aceito por amor, o ver e crer estão de tal

modo implicados, que “aquele que vê dá testemunho” (Jo 19,35).

Após o encontro com Nicodemos, aquele que figura a presença de mestres judeus na

comunidade joanina, agora se segue mais uma conexão entre Jo 1,29 e Jo 19,34-37 na

passagem de Jesus pela Samaria (cf. Jo 4,1-42). Uma passagem que fundamenta a

presença de samaritanos no interior da comunidade joanina323

. O primeiro capítulo desta

pesquisa já se deteve sobre a relação entre judeus e samaritanos e as implicações a

respeito do culto e da Torá. No entanto, agora esta passagem se mostra como mais um

passo que converge para o Gólgota e expõe Jesus mais uma vez propondo uma

substituição cúltica. Aqui a pesquisa se deterá sobre dois pontos específicos: Jo 4,10:

Jesus respondeu: „se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: dá-me de

beber‟, tu lhe pedirias, e ele te daria a água viva e ainda o texto de Jo 4,21: mulher

acredita-me: vem a hora em que nem nesta montanha, nem em Jerusalém adorareis o

318

MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da paixão. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 328. 319

MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 186. 320

SCROGGS, Robin. O Jesus do povo: trajetórias no cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2012,

p. 285. 321

Idem ibidem, 284. 322

Cf. CAVICCHIA, Alessandro. Guarderanno a Colui che hanno trafitto. Ant., p. 463: “la temática

„vedere‟ e „credere‟ diventa oltremodo significativa quando è conessa con il segno del Figlio dell´Uomo,

che ricorre in modo esplicito in quatro brani: 1,50-51, nel dialogo con Natanaele; in 3,12-18, nel dialogo

con Nicodemo; in 8,28-30 durante la Festa de Capanne;[...]tra questi brani si può notare una sorta di lenta

manifestazione del fatto che l´essere innalzato e glorificato coincide con il dare la vita e morrire.” [

tradução nossa: a temática „ver e „crer‟ torna-se sobremodo significativa quando é interligada ao sinal do

Filho do Homem, que ocorre de modo explícito em quatro trechos: 1,50-51, no diálogo com Natanael; em

3,12-18, no diálogo com Nicodemos; em 8,28-30 durante a Festa das Tendas; [...] nestes trechos é

possível perceber uma espécie de lenta manifestação do fato que o ser exaltado e glorificado coinscide

com o dar a vida e morrer.] 323

Cf. BLANCHARD, Yves-Marie. São João, p. 35.

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Pai. Estas duas passagens, dentro do conjunto do encontro com a samaritana, expõem a

convergência para o Gólgota.

Em Jo 4,10, Jesus se coloca como a fonte de água viva; fonte que antes era

identificada com a Torá324

, e agora sofre uma substituição, segundo a comunidade

joanina. Tal fato será pleno quando do lado de Jesus sair sangue e água. Na cruz, no

episódio do coração traspassado (cf. Jo 19,37), Jesus é a fonte de água viva, que é

interpretado como doação da vida eterna, pois Jesus doa a própria vida e doa o

Espírito325

, uma vez que a imagem da água viva326

passa a ser vista como o Espírito327

.

A água viva indica o Espírito que Jesus dará aos que nele creem,

observe-se que Jesus nunca diz „Eu sou a água viva‟ como diz „Eu sou

o pão‟, mas sempre: „darei a água...‟, porque a água é o símbolo do

Espírito, e não imediatamente de Jesus. Mas no conjunto do

Evangelho a água é símbolo não somente do Espírito, mas também da

revelação de Cristo.328

Segundo o Evangelho joanino, além da substituição da fonte de água viva, que a

tradição judaica e samaritana reconheciam como sendo a Torá, Jesus propõe também

uma substituição do lugar do culto. Aquilo que havia sido indicado na passagem da

„purificação‟ do Templo (cf. Jo 2,13-22), agora é retomado no diálogo com a

samaritana; isto é bastante relevante para a convivência de judeus e samaritanos no

interior da comunidade joanina, uma vez que, um dos grandes entraves entre estes

povos era o lugar para o culto. Segundo os samaritanos, o lugar seria Garizim e para os

judeus, o lugar determinado por Deus seria Jerusalém. No entanto, o Jesus joanino

depõe os dois lugares e declara que nem aqui nem ali, mas em espírito e verdade (cf. Jo

4,23), despertando mais uma reflexão sobre a substituição que ele realiza: primeiro a

Torá, sendo ele a fonte de água viva; depois Garizim e Jerusalém, sendo ele o lugar de

culto, aliás, como cordeiro ele é o novo lugar de culto e a oferta para a nova Páscoa,

onde os reinos do Norte e do Sul podem ser novamente um só povo.

324

Cf. SEGALA, Giuseppe. Giovanni. Tusculli: Pauline, 1978, p. 192: “nella tradizione guidaica ed

anche a Qumran (CD 3,16; 6,3-9; 19,34) „acqua viva‟ era chiamata la Tora (= Legge). Gesù la sostituisce.

L´acqua viva che dona diventa principio interiore di vita.” [tradução nossa: na tradição judaica, bem como

em Qumram (CD 3,16; 6,3-9;19,34) „água viva‟ era o nome dado à Tora (=Lei). Jesus a substitui. A água

viva que Ele oferece se torna princípio interior de vida.] 325

Cf. CAVICCHIA, Alessandro. Guarderanno a Colui che hanno trafitto. Ant., p. 456. 326

Cf. SEGALA, Giuseppe. Giovanni, p. 192. 327

Cf. KONINGS, Johan. Evangelho Segundo João, p. 126. 328

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos, p. 361.

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Aquele que dará a água viva, que é o Espírito, é o mesmo que trará o verdadeiro

culto329

, ainda no v. 22 há uma referência à hora, ligando esta fala do Jesus joanino com

o momento do Gólgota, como afirma Rubeaux,

no quarto Evangelho tudo converge para essa hora, que é a hora da

glorificação. É nessa hora que a glória de Deus será total e plenamente

revelada em Jesus Cristo. É nessa hora que Jesus realizará em todos os

sentidos a simbologia do Cordeiro. É nessa hora que vai manifestar-se

a sua divindade.330

De fato, a hora liga profundamente a compreensão de cordeiro com o momento da

entrega, que acontece na cruz; deste modo, o diálogo com a samaritana, não só viabiliza

uma superação de conflito entre os dois povos, “pois o culto e o lugar do culto eram

pontos de divergências entre samaritanos e judeus”331

; mas substitui o núcleo deste

conflito, favorecendo o encontro de samaritanos e judeus no interior da comunidade

joanina. Assim, neste caminho teológico, desde a saudação do Batista até a cruz, a

parada na Samaria foi providencial para se compor mais um nexo entre as duas

passagens, revelando que a adoração não será mais nem em Jerusalém e nem em

Garizim, mas na pessoa de Jesus, aquele que é a verdade do Pai, a oferta do verdadeiro

culto332

.

Em Jo 6,44.47 se encontram mais elementos deste caminho teológico, no que se

refere ao uso do verbo atrair (elkiso), também utilizado em Jo 12,32, quando Jesus no

discurso da despedida se refere a ser exaltado (upsotenai), levantado, para indicar de

que morte iria morrer (cf. Jo 12,33), referindo-se à morte na cruz. Nestas duas

passagens Jo 6,44 e Jo 12,32 o uso do verbo elkiso333

, segundo Schnackenburg, recorda

a atração por amor que Deus promete em Os 11,4 e em Jr 38,3, segundo a tradução

LXX334

, revelando que a atração é um ato de amor de Deus e não uma imposição,

329

Cf. RUBEAUX, Francisco. Ainda não havia o Espírito: o Espírito Santo no quarto Evangelho. EB,

Petrópolis, n.45, 1995, p. 38: “Jesus é o Novo Templo e, portanto o lugar onde reside o Espírito. A

presença em Jesus, do Espírito, o revela também como o Templo escatológico: o Templo, nem em

Jerusalém nem nessa montanha, mas onde estão os adoradores em Espírito e Verdade.” 330

Idem ibidem, p. 39. 331

Cf. BERNARDINO, Orides. O diálogo de Jesus com a samaritana: os verdadeiros adoradores adorarão

o Pai em espírito e em verdade. EB, Petrópolis, n. 106, 2010, p. 70. 332

Cf. DEBATIN, Osmar. A compreensão da verdade no Quarto Evangelho. EB, Petrópolis, n. 106,

2010, p. 53: “A „verdade‟ de Cristo é a „verdade‟ porque é a „verdade‟ de Deus: „eu estou no Pai e o Pai

em mim‟ (Jo 14,11). Ela, portanto, nos é transmitida na pessoa de Jesus Cristo. E, a „verdade‟ que está em

Cristo conduz os seres humanos à „verdade‟ de Deus (14,6), porque, em realidade, eles também se tornam

uma partícula da „verdade‟, desde que venham a ser remidos pelo sangue do Cordeiro (Jo 3,33; 17,3; Ap

3,7).” 333

Cf. RODRIGUEZ LLAMAS, Juan Miguel. Za 12,10 en Jn 19,37: estudio desde la perspectiva de la

teologia bíblica. CD, v. 57, 2011, p. 34: “designa en definitiva la función soteriológica del Hijo del

Hombre: el Padre llama a los hombres en Cristo, invitándoles a compartir su vida divina.” 334

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni: parte seconda, p. 110.

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portanto, inserir este verbo dentro do discurso do pão da vida, expõe a entrega como um

ato gratuito de amor.

Uma peculiaridade da concepção de atração joanina é o paralelo levantado pelo

comentário de Mateos e Barreto335

: na primeira Páscoa que, no Quarto Evangelho, Jesus

foi a Jerusalém, ele fez a substituição a respeito do Templo e na terceira Páscoa, “nesta

festa devia-se subir a Jerusalém (cf. Jo 2,13; 11,55), mas o povo seguirá Jesus em vez

de ir em peregrinação à capital”336

, indicando, já um conflito entre os que se sentem

atraídos e os que optam por rejeitar Jesus. O que vai delineando, segundo Mateos e

Barreto, a diferenciação entre a Páscoa dos chefes judeus e a Páscoa de Jesus, “dando

início ao novo êxodo”337

, naquele que é o Cordeiro Pascal, o qual atrai, pela graça do

Pai, todos a si, não excluindo ninguém, a não ser aqueles que optam pelo contrário338

.

A atração será plena na cruz, onde o crer e o ver coincidem339

, de modo, que ter a

visão atraída por Jesus pode implicar fé, visto que se contemplará a prova de amor de

Deus em Jesus340

, e, ao mesmo tempo, abrir-se-á à comunhão com Deus, pelo que se

pode recordar que um dos fins dos sacrifícios no culto em Israel é retomar esta

comunhão. E uma vez, a Páscoa sendo vivida agora em Jesus, Ele é o lugar da

comunhão e a nova Páscoa, isto é, o cordeiro assume aquela função que tinha se dado na

noite do antigo êxodo. A marca nos umbrais atraía o favor de Deus e poupava da morte

(cf. Ex 12,13); por sua vez, agora o Pai atrai a Jesus e poupa da morte eterna os que nele

creem, dá a vida eterna (cf. Jo 6,47).

Prosseguindo na constatação do caminho teológico entre Jo 1,29 e 19,34-37, verifica-

se que na redação do Quarto Evangelho, a comunidade joanina se empenhou em coletar

tradições que viabilizassem o seu projeto teológico, tendo seu ponto alto no Gólgota;

elemento que percorre todo o Evangelho, com acenos bem claros, com o fim de

convergir para a elucidação da saudação Batista: eis o cordeiro de Deus (Jo 1,29), que

acontece no evento da cruz341

.

335

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 293. 336

Idem ibidem, p. 300. 337

Idem ibidem, p. 300. 338

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni: parte seconda, p. 110. 339

Cf. RODRIGUEZ LLAMAS, Juan Miguel. Za 12,10 en Jn 19,37: estudio desde la perspectiva de la

teologia bíblica. CD, p. 39. 340

Cf. Idem ibidem, p. 34: “sin embargo el evangelista va más allá: contempla la crucifixión como el

comienzo de la glorificación de Cristo, de su ascenso al Padre trás cumplir la misión que le fue

encomendada. La tarea de Cristo es, por su própria natureleza soteriológica e se orienta a mostra el amor

de Dios a los hombres, para que éstos, atraídos por Jesucristo entren en comunión con el Padre.” 341

Cf. CAVICCHIA, Alessandro. Guarderanno a Colui che hanno trafitto. Ant. Roma, n. 3, 2012, p. 452:

“tutto il Vangelo, e verosimilmente molti dei singoli episodi che lo costituiscono, sembrano convergere

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Em Jo 7,37 se encontra mais um aceno entre a saudação do Batista e o Gólgota. Até

o presente texto, os acenos estão mais referentes à festa da Páscoa, mas aqui ele se

encontra dentro da festa mais popular em Jerusalém342

, a Festa das Tendas. O relato

informa que “no último dia e mais importante da festa” (Jo 7,37), Jesus se proclama

aquele que mata a sede do povo. Ora, a Festa das Tendas acontecia com vários ritos,

entre eles o rito de libação da água343

, que inclusive lembrava a travessia do deserto344

e

agora, aquele que já havia substituído, segundo o Evangelho joanino, o cordeiro, o

Templo, as talhas da purificação, a Torá, agora substitui a fonte da água da festa345

. O

rito de se ir à piscina de Siloé346

perde sentido, pois agora Jesus é a fonte da verdadeira

vida, o que se cumprirá plenamente na cruz. Lá é dado o Espírito, como menciona Jo

7,39; Espírito que seria concedido mediante a sua glorificação347

. O Quarto Evangelho

ao aliar o dom da água com o dom do Espírito coloca Jesus em mais uma situação de

substituição em relação ao Templo, uma vez que na tradição do profeta Ezequiel, é do

Templo que jorra a água que vai gerando vida por onde passa (cf. Ez 47,1.8-12), mas,

agora, a vida verdadeira nasce do Espírito que jorra do lado aberto de Jesus na hora da

sua glorificação348

.

O caminho rumo ao Gólgota vai ganhando contornos de entrega; o cordeiro vai se

apresentando como oferta consciente e livre como atesta Jo 10,18, ao Jesus afirmar que

“ninguém me tira a vida, mas eu a dou por própria vontade. Eu tenho o poder de dá-la,

como tenho poder de recebê-la de novo”. Neste contexto do discurso do bom pastor,

Jesus expõe sua capacidade de se despojar da própria vida para garantir a vida ao

verso il momento del Golgota, che diventa culminante”. [tradução nossa: todo o Evangelho, e

verossimilmente muitos dos episódios singulares que o constituem, parecem convergir para o momento

do Gólgota, que se torna culminante.] 342

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV, p. 233. 343

Cf. AVRIL, Anne-Catherine. As festas judaicas. São Paulo: Paulus, 1997, p. 75: “na época do

Templo, a partir da segunda noite da festa, tirava-se água, solenemente, em Siloé. Levavam-se em

procissão, com círios e muita alegria, até o altar do Templo pra fazer as libações. Esta cerimônia estava

provavelmente ligada à próxima chegada das chuvas. A água era o símbolo do Espírito Santo.” 344

Cf.Idem ibidem, p. 62. 345

Cf. SEGALA, Giuseppe. Giovanni, p. 260. 346

Cf. GONZÁLEZ ECHEGARI, Joaquín (Org.). A bíblia em seu entorno, p. 330: “[na Festa dos

Tabernáculos] os pátios do templo eram ilumados e o povo dançava durante toda a noite até a chegada do

alvorecer, quando se descia à piscina de Siloé para recolher a água da libação que seria oferecida no altar” 347

Cf. RUBEAUX, Francisco. Ainda não havia o Espírito: o Espírito Santo no quarto Evangelho. EB, p.

40: “do lado aberto de Jesus, que está na cruz da glorificação, não podemos esquecer, saem sangue e

água, fato que nos faz lembrar a atitude de Jesus no último dia da festa das tendas, no Templo de

Jerusalém.” 348

Cf. Idem ibidem, p. 40: “a simbologia usada por João para falar do Espírito encontra, na hora da cruz-

glorificação, seu pleno sentido. Se nos lembrarmos ainda do profeta Ezequiel: „a água descia do lado

direito do Templo[...]‟(Ez 47,1), poderemos unir este pensamento teológico ao de João quanto ao dom do

Espírito [pois][...] do novo Templo que é Jesus, vem o Espírito que como uma água viva sacia todos

aqueles que buscam o Caminho, a Verdade e a Vida.”

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rebanho; agora parece que o Evangelho segundo João quer substituir aqueles que ao

longo o Evangelho foram resistindo à revelação de Jesus, isto é, agora ele demonstra

que os chefes dos judeus, aqueles que ele chamou de judeus ao longo do texto, nem

cuidam das ovelhas e nem são capazes de dar a vida, retomando uma crítica à lideranças

que havia sido feita pelo profeta Ezequiel (cf. Ez 34). No entanto, em Ezequiel não

figurava a capacidade de o pastor dar a vida por suas ovelhas, mas cuidar delas, por sua

vez, o discurso de Jesus traz uma novidade: a capacidade de o pastor dar a vida349

.

Ao se considerar a proposta de Rodriguez Llamas, a figura do bom pastor joanino

seria a ação de Deus contrária à má atitude dos maus pastores em Zc 10,2, àqueles que

causaram a dispersão do povo350

; por atitude contrária, o pastor vai reunir o rebanho,

mesmo que entregando sua vida,

el hecho de el redactor de Cuarto evangelio haya considerado

oportuno incluirlos a continuación del v. 16 sugere que la muerte de

Jesucristo era condición necesaria para que se produjera la reunión

efectiva de las ovejas [...] las esperanzas de unidad de Zacarías

proyectadas en el capítulo 10 de San Juan hacen surgir una nueva

característica del pastor: se trata de una figura mesiánica cuyo

cometido es reunir nuevamente a los que estabam dispersos.351

Seguindo esta linha de raciocínio, Rodriguez Llamas considera que as lamentações

que se seguem a Zc 12,10 são assumidas no Quarto Evangelho, quando se vive uma

contemplação dolorida do transpassado352

. Por sua vez, para Cavicchia, a fórmula

introdutória em Zc 12 se assemelha aos cânticos do Servo Sofredor (cf. Is 42-53),

fazendo do Senhor aquele que provê um servo, que, por uma morte expiadora, trará a

misericórdia ao seu povo, de modo que o traspassado de Zc 12,10 chega a se identificar

com o servo de Is 53,5353

, ou seja, aquele que é traspassado é o mesmo que é “levado

como cordeiro ao matadouro” (Is 53,7). O texto de Isaías revela que este servo vai

trazer o perdão354

e dá a entender que reunirá a multidão, algo semelhante ao que propõe

Rodriguez Llamas quando identifica o traspassado com o pastor.

349

Cf. RODRIGUEZ LLAMAS, Juan Miguel. Za 12,10 en Jn 19,37: estudio desde la perspectiva de la

teologia bíblica. CD, p. 62. 350

Cf. Idem ibidem, p. 74. 351

Idem ibidem, p. 75. 352

Cf. Idem ibidem, p. 78. 353

Cf. CAVICCHIA, Alessandro. Guarderanno a Colui che hanno trafitto. Ant., p. 247. 354

Cf. Idem ibidem, p. 247: „Il texto di Isaia non dice tuttavia como quest´uomo sia stato ucciso, o da chi,

ma solo che il risultato della sua morte offerta in sacrifício espiatorio è la reintegrazione del servo stesso,

adombrando così un´idea di risurrezione, ed il perdono di coloro che hanno condannato”. [tradução nossa:

O texto de Isaías não diz, no entanto, como este homem foi morto, nem por quem, mas tão somente, que o

resultado de sua morte, oferecida em sacrifício expiatório é a reintegração do servo mesmo, velando

assim uma idéia de ressurreição e de perdão daqueles que o condenaram.]

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O dom do perdão favorece uma identificação entre a figura do servo e o dia do

traspassado do profeta Zacarias (cf. Zc 13,1 e Is 53,11), o que faz esses textos terem

caráter messiânico. Segundo Cavicchia, em Zc 12,10 e em Is 53: aí está a origem da

espera de um Messias que viria a sofrer pelo povo355

.

Diante de toda a problematização que passa o discurso do bom pastor, o relevante

para a presente pesquisa é que o Jesus joanino assume as esperanças messiânicas,

sobretudo as que dizem respeito àquela referente ao Messias sofredor, como já era

pontuado no primeiro capítulo desta pesquisa. De certo modo, o plano teológico da

comunidade joanina vai se desenvolvendo com a constatação de que o cordeiro é o

servo-expiador, o mesmo traspassado, que traz o perdão e a vida eterna para todos os

que se deixarem atrair. Todavia, esta entrega não se configura como uma imposição,

mas numa entrega livre e consciente, como expõe o texto de Jo 10,18: “ninguém tira a

minha vida, eu a dou”.

Dando continuidade ao caminho teológico entre Jo 1,29 e 19,34-37, chega-se a dois

textos que se interpenetram e comunicam a proximidade da hora de Jesus. São eles Jo

12,27-28 e Jo 17,1. Ambos são dados como textos da despedida de Jesus356

, o que será

demonstrado também pela linguagem, uma vez que a partir de 11,55, não se verá mais

a expressão „Páscoa dos judeus‟, mas somente Páscoa, o que Mateos e Barreto analisam

considerando que,

a partir de 12,1 (11,55b é ambíguo), chamar-se-á simplesmente de „a

Páscoa‟, pois se referirá, sobretudo à Páscoa de Jesus, que é a de

Deus. Esta chegará ao seu termo com o sacrifício do Cordeiro (19,28-

30), ao passo que a Páscoa judaica ficará trancada na preparação e

nunca chegará a ser celebrada (19,42).357

O nexo entre a saudação do Batista e a hora da auto-oferta de Jesus se entrelaçam,

significando que, de fato, o novo cordeiro manifesta a glória do Pai; ele é a presença de

Deus, como outrora o foi a tenda no deserto; Jesus que tanto substitui, agora é a

shekinah de Deus358

. A manifestação da glória acontece nos sinais, mas por excelência

acontece no Gólgota, uma vez que “a glorificação de Jesus não é levada a efeito

355

Cf. Idem ibidem, p. 442. 356

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 517. 357

Idem ibidem, p. 517. 358

Cf. ARAÚJO, Gilvan Leite de. ARCA DA ALIANÇA, in

http://periodicos.est.edu.br/index.php/estudos_teologicos/article/viewFile/205/224 acessado em

03/11/2012, p. 247: “No relato da consagração do Templo de Jerusalém, o tema da nuvem,

possivelmente, aparece dentro da tradição sacerdotal e quer dizer que o Senhor toma posse do Templo,

como é sugerido pelo próprio texto a partir da exclamação de reconhecimento de Salomão. Nessa

perspectiva, entramos no tema da shekinah ou da presença divina.”

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meramente por sua entrada no céu; torna-se uma realidade por seus sofrimentos, morte e

ressurreição (Jo 12:23-28)”359

.

A passagem de Jo 12,27-28 é uma expressão do lamento de Jesus, e de sua

intimidade com Pai, de modo que o seu propósito se expõe como sendo o desejo de

glorificar o nome de seu Pai (cf. Jo 12,28a), aliando o conceito da hora da morte de

Jesus à hora da glorificação360

, fazendo de ambos um só momento teológico, no qual se

cumpre todo o caminho teológico do Quarto Evangelho. Este cumprimento, segundo

Schnackenburg, é tão tenebroso em João quanto nos sinóticos361

, ou seja, a hora da cruz,

não se romantiza no Evangelho segundo João, mas pelo contrário, ao Jesus joanino

dizer: “minha alma está perturbada” (Jo 12,27a), está exatamente dando à proximidade

da cruz o temor que lhe é devido, no entanto, a determinação de Jesus e sua fidelidade

ao Pai se revelam como mais fortes que a dor da cruz (cf. Jo 12,27b). Por sua vez, o Pai

não lhe falta e o glorificará logo (cf. Jo 12,28), de modo que Jesus conta com o amor

eterno do Pai362

e convictamente não se sente sozinho.

A chegada da hora é também tema em Jo 17,1, quando em mais uma moldura de

despedida Jesus eleva orações ao Pai, com uma clara conotação de conclusão da obra

que o Pai lhe confiou. Aqui em 17,1, apresenta-se mais uma vez a temática da hora363

aliada à glorificação, no entanto, trazendo um adicional (cf. Jo 17,5): Jesus existia antes

da criação do mundo, como é atestado no prólogo joanino (cf. Jo 1,1-3), e que se

expressa de forma cabal em Jo 17,5.

O que ocorrerá, a partir de Jo 17 será o processo de execução de Jesus, e a

manifestação de sua glória, mas sempre com as marcas da exaltação na cruz (cf. Jo

20,27). Quanto a sua execução, é chegada em Jo 19, entretanto, para a comunidade

joanina, a morte de Jesus não se dá como a entrega de um homem à morte; Jesus não é

somente um homem de fé, que confia em Deus e aceita a morte. Ao contrário, a

comunidade joanina, ao longo deste caminho teológico vai tecendo a verdadeira

natureza da morte de Jesus e a sua função dentro do plano de salvação de Deus. Para o

359

AALEN, S. doxa, „esplendor‟, „glória‟, „reputação‟. In: DITNT. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 903. 360

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni: parte seconda, p. 641. 361

Cf. Idem ibidem, p. 642. 362

Cf. Idem ibidem, p. 643. 363

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 517: “chegou „a hora‟ anunciada em

Caná (2,4), cujo período começou seis dias antes da Páscoa (12,1.23); esta hora provoca a crise de Jesus

(12,27). Aqui não só anuncia que chegou, mas que também a aceita plenamente. Diante de sua hora, que

culminará em sua morte, Jesus está inteiramente tranquilo.”

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Evangelho segundo João, Jesus é o Cordeiro Pascal, o sangue da nova aliança. Aqui se

realiza e conclui o novo êxodo364

que se havia anunciado na saudação do Batista.

O crucificado-traspassado é entendido, como visto em Rodriguez Llamas, como o

pastor ferido de Zacarias. Entretanto, deve chamar a atenção do leitor, que a imagem do

traspassado, está aí colocada na confirmação de uma prescrição pascal: “não lhe

quebraram nenhum osso” (Jo 19,36), no que agora a pesquisa se deterá.

2.3 Não lhe quebraram nenhum osso (Jo 19,36)

A comunidade joanina vai ao longo do Evangelho dando traços de sua composição e

trabalho de redação, pelo que vale recordar: a imagem do cordeiro, comum às várias

tradições no interior da comunidade joanina, favoreceu que a comunidade olhasse a

vida de Jesus e sua Paixão dentro de uma perspectiva litúrgica, em um processo

litúrgico que acompanhou por três anos as festas de Israel365

. Por exemplo, Jesus vai a

Jerusalém a três Páscoas (cf. Jo 2,13; 6,4; 12,1), ao passo que a tradição sinótica

menciona apenas uma Páscoa (cf. Mt 26,17; Mc 14,12ss; Lc 22, 7ss), informando o

leitor como a vida litúrgica do Povo da Aliança é importante para a comunidade

joanina.

Além da constatação da relevância das festas religiosas no Quarto Evangelho, toma

importância a saudação do Batista em Jo 1,29 e uma citação no episódio da Paixão, em

Jo 19,36; que atentam para a imagem do Cordeiro Pascal. Sobre a fala de João Batista,

como já mencionado, diz-se que pode haver, segundo o biblista Jeremias, quanto à

fonte, uma identificação com o Servo Sofredor, tendo sido possível um erro de

tradução, ao se traduzir talja de´laha do aramaico (que no hebraico seria:´ebed jhwh-

servo do Senhor) por amnós tou Teou para o Grego, visto que talja indica no aramaico

tanto servo como cordeiro366

. Parece que a comunidade joanina optou por uma junção

entre servo e cordeiro, na pessoa de Jesus. A imagem do Cordeiro Pascal recorda a

memória do Êxodo, isto é, da Páscoa, tema bastante frequente no Evangelho joanino,

364

Cf. Idem ibidem, p. 94: “a menção do cordeiro de Deus deve-se considerar, em primeiro lugar, à luz do

prólogo (1,14-17), dada a íntima conexão que tem com ele esta perícope (1,15.30). Ali, a pessoa e obra de

Jesus foram apresentadas em chave de êxodo (1,14: acampou, plenitude de glória; 1,14.16: nova

comunidade; 1,15.17: nova aliança), ou seja, em chave pascal. Também a oposição de Jesus Messias a

Moisés (Jo 1,17) inclui a idéia de novo êxodo. [...]estes dados tornam indubitável a expressão „o Cordeiro

de Deus‟, que anuncia ao mesmo tempo a morte de Jesus e a nova Páscoa, ou seja, o êxodo que Deus

realizará.” 365

Cf. BLANCHARD, Yves-Marie. São João, p. 13. 366

Cf. JEREMIAS, J. amnós. In: GLNT. V. I. Brescia: Paideia, 1965, p. 920.

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como visto no caminho teológico e constatado ao se buscar a presença do cordeiro na

vida litúrgica de Israel. Por sua vez, a imagem do servo retrata o justo que carrega

nossos pecados, não tendo nenhuma culpa. Assume a expiação pelos pecados de

outrem. Diante do exposto, outro problema relevante, refere-se à fonte da citação: “não

lhe quebraram nenhum osso” (Jo 19,36), pelo que se pergunta: o Evangelho segundo

João está se referindo ao Cordeiro Pascal ou ao justo do Sl 34,21?

Segundo Léon-Dufour, Jo 19,36, teria a fonte em mais de uma passagem bíblica367

,

isto é, o redator joanino teria pensado não somente no Cordeiro Pascal de Ex 12 e Nm 9,

mas também no justo que sofre, do qual Deus conserva os ossos, segundo o Sl 34,21 (o

Senhor preserva todos os seus ossos, nem um só se quebrará). Deste modo, o Quarto

Evangelho faria uma junção entre as duas imagens. Esta perspectiva quanto à fonte

joanina também é compartilhada por Moloney, ao considerar que o Evangelho segundo

João utiliza, de forma não literal, a frase do Sl 34, mas tendo também em vista uma

prescrição ritual para o Cordeiro Pascal368

, constituindo, teologicamente, Jesus como

cordeiro e como o justo que sofre, mesmo sendo inocente, como ocorre na associação

entre a Paixão de Jesus e o destino do Servo Sofredor.

Tanto Léon-Dufour quanto Moloney, para fundamentar suas posições, utilizam a

pesquisa realizada por Menken369

, que defende em Jo 19,36 a citação do Sl 34,21, mas

mantendo a proposta de entender a entrega de Jesus, como a entrega do Cordeiro de

Deus; assim, Jesus é, segundo a pesquisa sobre a fonte, apresentado como o justo

sofredor e como o Cordeiro Pascal.

A respeito da fonte joanina ainda se levanta a possibilidade de o Sl 34,21 estar aí

para indicar desde a cruz o evento da ressurreição, como hipoteticamente lembra León-

Dufour; de fato, a tradição judaica defende a integridade do corpo, inclusive dos ossos,

para que aconteça a ressurreição. Deste modo, a citação estaria aí posta não para

367

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João: palavra de Deus. V. IV. São

Paulo: Loyola, 1996, p. 123: “essa citação interpreta o fato de que os soldados não quebraram as pernas

do Crucificado. A citação não é literal e pode corresponder a duas passagens diferentes da Bíblia.” 368

Cf. MOLONEY, Francis J. Reading John 2:13-22: the purification of the temple. RB, p. 505. 369

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV, p. 509: “as well as the reference to Exod

12:10,46; Nm 9,12, there may also be reference to the righteous sufferer (cf. Ps 34,20-12). Menken, Old

Testament Quotations 147-166, shows that elements from the psalm and the Pentateuchal texts have been

combined in a way common in contemporary Jewish and Christian exegesis. Psalm 34,21 is the primary

text but the addition of the Pentateuchal texts indicates the evangelist´s understanding of Jesus as both the

righteous sufferer and the Paschal Lamb.” [tradução nossa: assim como a referência a Êxodo 12,10.46;

Nm 9,12, pode haver também referência ao justo sofredor (cf Sl 34,20-12). Menken, em Old Testament

Quotations (Citações do Antigo Testamento) 147-166 mostra que elementos dos salmos e dos textos

pentateuticos foram combinados de maneira comum na Exegese Judaica e Cristã contemporâneas. O

Salmo 34,21 é o texto principal, mas a adição dos textos pentateuticos indica a compreensão do

evangelista sobre Jesus como o justo sofredor e o Cordeiro Pascal.]

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identificar Jesus com este ou aquele, mas para registrar que o seu corpo permaneceu

apto à ressurreição370

, no entanto, considerando a fala do Batista, a ligação do Jesus

joanino com a vida litúrgica de seu povo e os passos dados ao longo do caminho

teológico, é provável que tal intenção não estivesse distante, contudo não deve ser a

central.

Na comparação entre os textos, León-Dufour, a partir da pesquisa de Menken,

constata que “Jo retém o futuro singular do verbo do Salmo, mas usa o termo de Ex/Nm

para „osso‟”371

, isto é, há uma clara junção joanina no uso da fonte, de modo que “o

evangelista pode assim estar mostrando, pela referência simultânea a Sl 34 e Ex 12, que

o Cristo, que cumpre a profecia do Servo fiel, é também o verdadeiro Cordeiro pascal,

pelo qual Deus liberta o seu povo”372

.

No entender de Vidal, a proposta joanina ao fazer uma citação em Jo 19,36 não está

inicialmente aludindo a nenhuma teologia, seja do cordeiro ou do justo sofredor, mas

cumprindo algo que era corriqueiro nas situações de crucificação. Para se apressar a

morte aos crucificados, praticava-se o crurifragium, ou seja, quebravam-se as pernas

para que morressem mais rápido ou se aplicava outro golpe com o mesmo fim. No caso

de dúvida se podia atestar a morte pelo uso da lança, como ocorreu com Jesus373

.

Portanto, segundo Vidal, o que o Evangelho joanino narra, não passa de algo comum

nas crucificações, tanto que ele aplica o fato de saírem sangue e água como algo

inicialmente desprovido de simbolismo, visto que,

la frase „al punto salió (por la abertura hecha en el „pecho‟) sangre y

água‟ tiene la clara función de señalar la muerte efectiva de Jesús. No

hay que entenderla como un informe de un testigo ocular, sino como

una expresión tópica de la muerte, desde los conocimientos médicos

de entonces [...] ni tampoco señala un acontecimiento extraordinário,

con um sentido profundo simbólico.374

Todavia, apesar de Vidal considerar inicialmente Jo 19,34-37 como acontecimentos

fáticos, e desconsiderar elementos simbólicos, o mesmo Vidal passa a buscar como a

comunidade joanina viu estes acontecimentos, no que reconhece uma série de

interpretações a partir das escrituras375

. Para ele, os acontecimentos comuns ao processo

de crucifixão são lidos em Jesus em uma ótica de cumprimento da Escritura. Em 19,36,

370

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. IV, p. 124. 371

Idem ibidem, p. 124. 372

Idem ibidem, p. 124. 373

Cf. VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus, p.

273. 374

Idem ibidem, loc. Cit.. 375

Cf. Idem ibidem, p. 274.

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Vidal, ao buscar a interpretação da comunidade joanina, considera que o redator não

queria se referir ao cordeiro pascal, mas ao justo sofredor do Sl 34.

Diferente de León-Dufour e de Moloney que seguem a linha de raciocínio de

Menken; indo por outra via, Vidal argumenta que

uno de cuyos motivos claves es la presentación de Jesús como él

„justo sufriente‟ (cf. especialmente notas a 19,23-24.28.30), y no la

que lo refiere al cordero Pascual (Ex 12,10 [según el texto griego];

12,46; Núm 9,12): la forma imperativa, de mandato legal („no

romperéis‟, „no romperám‟), de estos textos sobre el cordero Pascual

no equivale a la forma afirmativa, de promesa („no será roto‟), de

nuestro texto, idêntica a la del Sal 34,21.376

Com a argumentação sobre a introdução e sobre o modo verbal, torna-se viável a

proposta de Vidal, que ao considerar a junção das imagens, cordeiro pascal e justo

sofredor, argumenta que tal só se faz no que ele considera uma segunda etapa de

redação, em vista de fazer encontrar sentido a saudação do Batista em Jo 1,29377

,

contudo, a elaboração de Menken, aceita por Léon-Dufour e Moloney, ao considerar as

versões e o uso linguístico do Quarto Evangelho, que “retém o futuro singular do verbo

do Salmo, mas usa o termo de Ex/Nm para osso”378

, expõe que o redator joanino

intentou uma junção das duas imagens, isto é, Jesus é o Cordeiro Pascal e o justo

sofredor. Entretanto, algumas notas da narrativa joanina da paixão pendem com maior

afinco à imagem de Cordeiro Pascal.

O episódio que narra Jo 19,36 acontece dentro de um contexto de Páscoa. Era

„preparação‟ (cf. Jo 19,31), não somente para shabat, mas, sobretudo para a Páscoa,

fazendo coincidir a morte de Jesus com a imolação dos cordeiros no Templo, aqueles

cordeiros que serviriam ao ritual pascal. Assim, pode-se constatar uma primeira ligação

entre a Páscoa dos judeus e a narrativa do Quarto Evangelho379

.

O fato de o evangelista recorrer ao detalhe da preparação cria outra possibilidade que

liga Jo 19,36 ao evento pascal, pois a tradição judaica prescreve que os corpos

executados em penas capitais devem ser sepultados no mesmo dia380

(Dt 21,22-23:

quando alguém tiver cometido um crime de pena capital e for executado e suspenso

376

Idem ibidem, p. 274. 377

Cf. Idem ibidem, p. 273. 378

LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. IV, p. 124. 379

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 817. 380

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. IV, p. 116: “a iniciativa dos

„judeus‟, isto é, dos sumos sacerdotes (cf. 19,21) é historicamente plausível: os judeus não toleravam o

costume romano segundo o qual os crucificados ficavam expostos diversos dias da morte, pois a lei

judaica prescrevia o enterro antes do por-do-sol, para que a maldição que os atingira não contaminasse a

terra de Israel.”

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numa árvore, o cadáver não poderá ficar ali durante a noite, mas deverá sepultá-lo no

mesmo dia. ), assim, mesmo que não fosse Páscoa, os corpos deveriam ser tirados do

madeiro, para que se observasse a lei judaica. Ao Evangelho joanino insistir por duas

vezes em „preparação‟ (cf. 19,14.31), diz-nos que o seu foco não é o cumprimento da lei

judaica, mas a festa pascal, emoldurando, a execução de Jesus com o enredo pascal,

vendo-o como um elemento central na festa: o cordeiro.

Ao invocar a „preparação‟, a comunidade joanina está informando um dado histórico,

sobre o qual a Páscoa de fato, caiu no Shabat, algo que no calendário gregoriano

corresponde a 7 de abril do ano 30381

. Portanto, a conexão feita pelo Quarto Evangelho,

além de favorecer maior prescrição histórica, também liga profundamente o evento da

Paixão de Jesus com a Páscoa, em especial com o cordeiro ritual, aquele que realiza o

novo êxodo382

.

Na construção da narrativa joanina sobre a Paixão, chama a atenção um dado próprio

joanino em Jo 19,14, onde o redator uniu o dado da hora com o informe da preparação

(Jo 19,14: era o dia de preparação da páscoa, por volta do meio-dia). Tal constatação

joanina é interpretada por Mateos e Barreto como mais uma ironia joanina, levando a

entender que os chefes dos judeus ficarão na preparação, mas não a celebrarão, ao

passo, que Jesus, o novo cordeiro, celebrará a nova Páscoa383

, realizando assim o novo

êxodo384

.

A hora em que Jesus é entregue para ser crucificado (cf. Jo 19,14-16) é a mesma

hora, em que, no dia de preparação, as mulheres estão em casa preparando a sala para a

festa e os homens se dirigem com o cordeiro ao Templo para serem imolados, pois esse

rito iniciava por volta da sexta-hora. Destarte, o que se afirma mais uma vez, é que a

comunidade joanina quis que a entrega de Jesus aos que lhe iriam sacrificar, coincidisse

com a mesma hora que os cordeiros eram sacrificados no Templo. Assim, aquele que

381

Cf. BLANCHARD, Yves-Marie. São João, p. 32. 382

Cf. ANDERSON, Ana Flora. O Evangelho da Cruz. EB. Petrópolis, n. 8, 1987, p. 36: “A unidade

teológica do todo poderá, pois, ser estruturada a partir do sentido da libertação e da nova integração da

humanidade que vem pela morte de Jesus como realidade pascal. Pois de fato, Ele é o Cordeiro de Deus

que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29).” 383

Cf. BARRIOCANAL GÓMEZ, José Luis. Jesus como nuevo Moisés en El Evangelio de Juan. EB.

Madrid, v. 67, n. 3, 2009, p. 434: “con Jesucristo se cumple um nuevo y definitivo êxodo de la esclavitud

del pecado, que conduce a la muerte, a la vida de gracia y verdad [...] Jesús es, pues, el verdadero

„cordero pascual‟.” 384

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 790: “sendo a cena toda antecipação

da cruz, também a hora adiantada a de sua morte; são os sumos sacerdotes que, ao rejeitar Jesus, matam o

Cordeiro. Preparam assim, como Judas (13,29 lit.), o necessário para a páscoa, da qual não participarão.”

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antes havia substituído o Templo, a Torá, agora substituísse o cordeiro, cumprindo o

que se havia anunciado em Jo 1,29: “eis o cordeiro de Deus”.

Tanto Anderson quanto Mateos e Barreto concordam que esta associação de Jesus

com o cordeiro, tão elaborada pelo Quarto Evangelho, está para o fim de expor a

messianidade de Jesus, uma vez que tanto na semana inaugural de seu ministério, como

na última semana estão contidos a condição de Filho de Deus e o dom do Espírito doado

à comunidade385

, da mesma forma que antes o Batista o havia revelado cordeiro e Filho

de Deus e também como aquele que doa o Espírito (cf. Jo 1,29.33.34),

Jo retoma aqui [19,14], portanto, o tema do Cordeiro de Deus, que

abre o testemunho de João Batista a respeito de Jesus (1,29.36); com

ele identificava o Messias e descrevia sua missão. Recorde-se que a

designação de „o Cordeiro de Deus‟ estava em paralelo com a de

„Filho de Deus‟ (1,34) e que a missão do Cordeiro „tirar o pecado do

mundo‟, seria realizada „batizando com o Espírito Santo‟ (1,33). Toda

esta concepção do Messias está presente nesta passagem, ao se

retomar o tema pascal para levá-lo à sua conclusão. Esta é a última de

seis festas mencionadas no evangelho (2,13; 5,1; 6,4; 7,2; 10,22; 12,1)

e a terceira Páscoa (2,13;6,4; 12,1).386

A comunidade joanina, como conhecedora da vida litúrgica de Jerusalém, sabia o

que vinha a significar chamar Jesus de cordeiro e ainda mais de Cordeiro Pascal, por

isso, tal insistência, que perpassa todo o texto, por meio de um caminho teológico,

esclarece-se, agora, na moldura pascal colocada envolta da Paixão de Cristo, seja na

referência ao dia de preparação ou à sexta-hora, como também no fato de sair

imediatamente sangue e água do lado de Jesus (cf. Jo 19,34). Além destes aspectos já

salientados, a referência a ramo de hissopo reforça a ligação entre a narrativa joanina da

Paixão e o ritual da Páscoa.

Quanto ao hissopo, caso se retome o texto de Ex 12,22-23, lá este ramo está dentro

do rito do cordeiro pascal, diz-se: “Moisés convocou todos os anciãos de Israel e lhes

disse:‟ ide, tomai um animal para cada família e imolai a vítima da Páscoa. Tomai um

ramo de hissopo[grifo nosso], molhai-o no sangue que estiver na bacia e marcai com o

sangue a moldura das portas”. O Evangelho segundo João usa a mesma expressão:

ramo de hissopo, o que, segundo Segala, o evangelista faz identificando Jesus com o

rito do cordeiro pascal. Por outro lado, chama também a atenção, que esta referência

está unicamente em João, uma vez que breve vista pela Paixão nos sinóticos não se

385

Cf. ANDERSON, Ana Flora. O Evangelho da Cruz. EB, p. 36: “a paixão ou a morte e ressurreição de

Jesus, é o princípio e a fonte de libertação e de integração na verdade e no amor. A paixão é o serviço

messiânico que resgata, ou comunica o Espírito de liberdade e vida.” 386

MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 790.

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encontra esta menção (cf. Mt 27,32-44; Mc 15,21-32; Lc 23,26-43), fazendo desta

referência mais um aporte à constatação da teologia joanina, que vê Jesus como

Cordeiro Pascal387

.

Na visão de Segala há uma simbologia entre Jesus e o cordeiro pascal, quando o

evangelista utiliza a expressão ramo de hissopo. Por sua vez, Lopez Rosas levanta a

ligação entre passagem de Jo 19,29 e Ex 12,22-23; no entanto, lembra que o hissopo

está presente em outros ritos litúrgicos de Israel, por exemplo, no rito de purificação da

lepra em Lv 14,4-6. Diante disto, Lopez Rosas propõe que a função tanto pascal, quanto

nos ritos de purificação é proteger as pessoas, estar sob a proteção de Deus, de modo

que João teria colocado aí esta referência, exatamente para isto, para deixar nítido que

Jesus estava sob a proteção de Deus388

.

Entre a proposta de Segala e a de Lopez Rosas, não se omite a relação entre a

menção joanina sobre o uso do hissopo e o ritual pascal. O que os diferencia é o

alargamento do uso do hissopo nos ritos de purificação que Lopez Rosas constata em

Lv 14; todavia, permanece como uma referência pascal no episódio da Paixão segundo

o Evangelho joanino.

Para concluir o projeto teológico, não bastou ao Evangelho segundo João mencionar

que era a preparação, que havia sido entregue à sexta hora, que se usou o hissopo ou que

não lhe quebraram os ossos (cf. Jo 19,14.36); ele ainda quis dizer mais: imediatamente

saiu sangue e água (Jo 19,34). Este dizer retoma uma das prescrições rituais de Israel

referente ao sacrifício. Segundo Lv 17, as leis que regem a santidade, a lei sobre o

sangue requer que todo o sangue seja tirado do animal, tanto para os sacrifícios como

387

Cf. SEGALA, Giuseppe. Giovanni, p. 455: “l´issopo è una pianta que cresce sui muri ( 1Re 4,33). Ce

ne sono di diverse specie, ma anche le più grandi sembrano possano servire allo scopo. Di solito serviva

per aspergere. Da qui l´origine della variante „giavellotto‟ (cfr. Apparato critico). Se „issopo‟ è originale

potrebbe darsi abbia un senso simbólico in rapporto a Es 12,22, dove l´issopo viene usato per aspergere il

sangue dell´agnello pasquale. Certo, il simbolismo è lontano da un paralelismo, ma Esso non segue la

nostra lógica. In questo caso Gesù sarebbe indirettamente indicato come agnello Pasquale.” [ tradução

nossa: o hissôpo é uma planta que cresce sobre os muros (1Rs 4,33). Existem várias espécies, mas, até

mesmo as mais velhas, parecem poder servir ao objetivo a que se prestam. Geralmente serviam para

aspergir. Daí brota a origem da variante „dardo‟ (cf. Apparato critico). Se o „hissôpo‟ é original poderia

ser que tenha um sentido simbólico em relação a Ex 12,22, em que o mesmo é usado para aspergir o

sangue do cordeiro pascal. É verdade que o simbolismo está longe de um paralelismo, mas, o mesmo, não

segue a nossa lógica. Neste caso, Jesus seria indiretamente indicado como cordeiro Pascal.] 388

Cf. LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan.

Navarra: Verbo Divino, 2006, p. 271: “se trata quizá de un tipo de orégano, cuyos talos, cortos y

delgados, serían incapaces de soportar una esponja empadada de vinagre, si no es un manojo atado. Sin

embargo, hay que recordar que esa yerba se emplea en asperciones purificatórias (Lv 14,4), y está

prescrita para el ritual pascual (Ex 12,22); sirve para señalar las puertas de las casas de los israelitas con

la sangre de la víctima Pascual y recordar que Yahvé preservó a los israelitas ante el exterminador. Esta

función puede tener en Jn 19,29s: garantizar la protección del Dios fiel a su Hijo enviado.”

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para o consumo, sendo, portanto, proibido ao israelita comer “qualquer espécie de

sangue” (Lv 17,10), pois “a vida da pessoa está no sangue” (Lv 17,11). Com isto, a

tradição das leis em Israel propõe o sangue como sagrado e como vida, daí decorre que

tirar o sangue é tirar a vida, mas o animal ao ser sacrificado ou se prender uma caça, o

sangue tem que ser tirado imediatamente, seja para ser posto sobre o altar (cf. Lv

17,11), para que aconteça a expiação ou para lançá-lo à terra e cobri-lo (cf. Lv 17,13),

no caso de uma caça, para que não se perca o reconhecimento de “Deus como fonte da

vida”389

. Desta normativa sacerdotal, o que se relaciona diretamente com o Evangelho

segundo João, é que nos cordeiros ao serem sacrificados, o sangue não poderia coagular,

pois todo o sangue deveria ser tirado, seja com o cordeiro ou com os demais animais

apresentados para o sacrifício (cf. Lv 17), e isto, a comunidade joanina, que conhecia a

função do cordeiro como elemento ritual, devia saber bem. Por isso chama a atenção o

uso que o Quarto Evangelho faz da expressão “e imediatamente saiu sangue e água”

(Jo 19,34). Informando ao leitor que o sacrifício foi realizado corretamente, e à hora que

os cordeiros eram sacrificados no Templo, o cordeiro dado por Deus se apresentava em

sacrifício agradável, para que se celebrasse a nova Páscoa. Nesta celebração, também o

cordeiro dá o seu sangue que não teve tempo para coagular, mas jorrou do lado390

, como

acontecia com os cordeiros sacrificados no Templo.

Sair imediatamente sangue e água pode dizer respeito a algo puramente natural391

,

todavia, para a comunidade joanina, que viu na entrega de Jesus a imagem do cordeiro,

fica claro que o imediatamente queria dizer mais que algo natural; quis dizer que o

sangue de Jesus não havia coagulado, e que da doação de sua vida (sangue) a

humanidade teria agora a acesso à vida eterna, no sangue do Cordeiro Pascal392

.

A comunidade joanina, tendo na sua base grupos que conheciam as normativas

rituais da Torá, ao usarem a citação não lhe quebraram nenhum osso não só

expressaram uma junção entre o justo perseguido (cf. Sl 34,21) e a imagem do cordeiro,

como quiseram unir na narrativa outra prescrição ritual de sacrifício, que também se

389

BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (Orgs). Comentário Bíblico. V. III, p. 135. 390

Cf. SEGALA, Giuseppe. Giovanni, p. 456: “altri, il segno del sacrificio della vittima- il sacerdote

infatti doveva colpire la vittima al cuore per farne uscire il sangue.” [ tradução nossa: mais ainda, como

sinal do sacrifício da vítima – o sacerdote, de fato, devia ferir a vítima no coração para fazer sair o

sangue.] 391

Cf. KONINGS, Johan. Evangelho Segundo João, p. 342. 392

Cf. BARREIRA, Álvaro. Vimos sua glória: como Jesus vê e olha e como é visto e olhado no

evangelho de João. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 144: “[João] penetra no mistério do lado aberto de Jesus

crucificado e proclama o sentido espiritual do sangue e da água que saíram de seu peito: o sangue do

Cordeiro pascal que liberta os cativos e a água que lava os pecados do mundo.”

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aplicava ao cordeiro pascal: providenciar que o sangue saísse imediatamente393

. Para a

comunidade joanina, há na narrativa da Paixão uma junção de imagens que convergem

para a cruz, todas pré-anunciadas no interior do texto do Quarto Evangelho, sobretudo o

Servo Sofredor, o justo perseguido, a morte expiatória do justo e a imagem que se

sobrepõe: o Cordeiro Pascal394

. O Evangelho segundo João, coloca a Paixão na

preparação da Páscoa dos judeus, dia e hora referencial das imolações dos cordeiros395

,

fazendo cumprir o que tinha sido anunciado em Jo 1,29: “eis o cordeiro do Deus que

tira o pecado do mundo”.

Na Paixão se manifesta a glória de Jesus396

, que se estenderá à ressurreição, projeto

que a comunidade joanina construiu em suas várias etapas de redação397

, constituindo

assim, a unidade teológica do Evangelho segundo João, e pode-se até mesmo dizer, da

tradição joanina, uma vez que a imagem do cordeiro parece ter se cimentado de tal

forma no interior da teologia desta comunidade, que a fazia diferenciar e coincidir com

outras comunidades de seguidores de Jesus.

393

Cf. MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da Paixão. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 30: “o

cordeiro pascal não somente não devia ser quebrado, mas era morto de modo que o sangue saísse. Uma

das leis mais severas era, justamente, que o sangue não coagulasse. Talvez seja também por isso que

aparece a anotação de João: „e imediatamente saiu sangue[...]‟(Jo 19,34).” 394

Cf. BARREIRA, Álvaro. Vimos sua glória, p. 144: “como pano de fundo do relato está também o

tema do Servo Sofredor (Is 53,10-12), do Justo que carrega os pecados de mundo, que nos liberta da

escravidão. Pela morte de Jesus Cristo na cruz, o novo povo de Deus é libertado de toda escravidão e de

todo pecado (1,29; 8,21.23), é feita a nova e eterna aliança de Deus com os seres humanos”. 395

Cf. COTHENET, Eduard. Os escritos de são João e a epístola aos Hebreus. São Paulo: Paulinas,

1988, p. 106: “o relato da paixão termina com uma citação que evoca o ritual do cordeiro pascal: „nenhum

osso lhe será quebrado‟ (Jo 19,36). Ora, João tivera o cuidado de retificar a cronologia sinótica situando o

processo e a morte de Jesus na véspera da páscoa judaica (18,28). Jesus morre, pois, na hora em que, no

Templo, imolavam-se os cordeiros. Assim se realiza a profecia misteriosa de João Batista.” 396

Cf. BARREIRA, Álvaro. Vimos sua glória, p. 149: na morte de Jesus Cristo na cruz brilhou com o

máximo esplendor sua glória, a glória que tinha junto do Pai „antes que o mundo existisse‟ (17,5). A hora

da „glória‟, anunciada no discurso de despedida de Jesus em forma de oração- „Pai, chegou a hora.

Glorifica teu filho, para que teu filho te glorifique‟ (17,1)-, realizou-se na crucifixão e morte de Jesus

elevado na cruz.” 397

Cf. VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus, p. 15.

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CAPÍTULO III

A COMUNIDADE E O CORDEIRO

INTRODUÇÃO

Reconhecidamente a comunidade joanina foi marcada pela centralidade da pessoa de

Jesus, isto é, se os sinóticos enriqueceram seus escritos com a imagem do Reino de

Deus398

, por sua vez, a comunidade do Discípulo Amado, centrou os discursos e

imagens na pessoa de Jesus399

, tendo-o como o centro absoluto em comunhão com o

Pai, de modo que Jesus e o Pai são um só (cf. Jo 10,30); Jesus é o revelador do Pai e o

faz por ser a oferta de Deus para que o mundo se reconcilie e entre em comunhão com

ele. No ato da reconciliação se encontra o evento da cruz, como o centro de todo o

Evangelho400

. Como observado no capítulo anterior, todo o Quarto Evangelho converge

para o Gólgota, fazendo deste momento a glorificação-exaltação de Jesus e do Pai (cf.

Jo 17,1). No acontecimento do Gólgota dá-se o que João Batista havia anunciado na

semana inaugural da atividade pública de Jesus (cf. Jo 1,29): a oferta do cordeiro, pois

“Jesus morre como cordeiro pascal, como João Batista havia anunciado”401

.

A comunidade joanina, originada de um judaísmo heterodoxo402

e também com

membros provindos do mundo samaritano403

, está marcada pelo conhecimento da vida

litúrgica do Segundo Templo, o que leva seu escrito a coincidir a vida pública de Jesus

com o calendário litúrgico do povo de Israel, pelo que a comunidade associa a pessoa de

398

No Quarto Evangelho a temática do Reino de Deus que está nos Sinóticos corresponde a Vida, isto é,

“a vida de que fala João é sempre a vida definitiva que começa com o dom do Espírito Santo” (MATEOS,

Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 19). Jesus vem para

oferecer esta vida, ou seja, estão em paralelo, nos sinóticos, Jesus irrompe o Reino de Deus, no Evangelho

segundo João, ele vem dar a vida verdadeira. 399

TUÑÍ, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas apostólicas. São Paulo: Ave-Maria,

1999, p. 75: “nas apresentações dos sinóticos o tema „reino de Deus‟ (dos céus) é um tema especialmente

preferido e amplamente desenvolvido [...] a ausência de qualquer temática do reino de Deus em João-

com exceção de Jo 3,3-8, que por outra parte, tem interpretado o tema joaninamente - e a concentração,

por sua vez, de toda a pregação de Jesus em sua mesma pessoa, confere a esse escrito um caráter de

concentração cristológica de primeira ordem.” 400

Idem ibidem, p. 68: “na atual estruturado evangelho está claro que o relato da morte de Jesus atua

como ponto de atração que polariza todo o ministério de Jesus. Neste sentido podemos afirmar que ele

atua como princípio estruturador de toda a obra.” 401

Idem ibidem, p. 66. 402

Por judaísmo heterodoxo se incluem e compreendem aqueles grupos que estavam fora da ortodoxia do

Templo, apesar de conhecê-la. Dois exemplos deste judaísmo seriam os essênios de Qumran e o

Movimento de João Batista. 403

GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia: as comunidades cristãs a partir da segunda geração. São

Paulo: Cebi; Paulus, 2005, p. 120: “as comunidades do Discípulo Amado organizaram-se a partir de

judeus, especialmente da Galiléia, onde Maria Madalena certamente teve um papel destacado. Juntaram-

se a eles muitos discípulos de João Batista, samaritanos e helenistas.”

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Jesus a elementos litúrgicos, por exemplo, o cordeiro404

, fazendo de seu ministério algo

semelhante ao que já estava na tradição judaica: um servo sofredor, que dá a vida pelo

seu povo405

. Para Pagola, Jesus viveu sua morte como consequência de uma opção que a

colocava claramente como possibilidade. Pagola afirma que, historicamente, “Jesus não

interpretou sua morte a partir de uma perspectiva sacrificial. Não a entendeu como um

sacrifício de expiação oferecido ao Pai”406

. Entretanto, a comunidade dos seguidores de

Jesus logo viu na sua entrega um evento salvífico, a tanto que para o Quarto Evangelho,

só nela, na morte, pode-se compreender o ministério de amor de Jesus, aliás,

“compreender o significado da morte de Jesus é entender a revelação que move o

Evangelho: o triunfo do amor sobre a morte”407

.

Uma das maneiras que o Quarto Evangelho encontrou para interpretar o ministério

de Jesus foi identificando-o com o cordeiro408

, fazendo desta imagem uma identificação

da teologia da comunidade. Sendo, assim, marcada pela vida cúltica de Israel com esta

imagem, a comunidade do Discípulo Amado expõe a iniciativa divina em favor do

povo, uma vez que, na antiga páscoa, “é o próprio Deus que realiza [...], é ele que, por

amor, intervém diretamente em favor de seu povo”409

. Do mesmo modo, agora, na

Páscoa de Jesus, segundo a saudação do Batista (cf. Jo 1,29), a iniciativa é do próprio

Deus em favor do povo, isto é, Deus oferta o cordeiro410

para a reconciliação com a

humanidade, destarte que o ministério de Jesus, culminado na cruz, está para a

comunhão e reconciliação com Deus. A Páscoa de Jesus é “por assim dizer a festa para

sempre acessível da reconciliação de Deus com os homens”411

.

A comunidade joanina, enriquecida pela imagem do cordeiro, entra na grande

comunidade dos seguidores de Jesus, uma vez que tradições neotestamentárias (cf. At

8,32-34; 1Pd 1,19) também fizeram esta associação de Jesus com a imagem do

404

DIEZ MERINO, Luis. El cordero de Dios en el Nuevo Testamento y en el Targum. EstB, Madrid, v.

64, n. 3-4, 2006, p. 582: “en El templo se oferecían corderos como holocaustos y como víctimas (Lv 9,3;

Nm 15,5) para reconciliar o purificar al pueblo, o a personas individuales (p.e. leprosos: Lv 14,10).” 405

Cf. ÁBREGO DE LACY, José Maria. La esperanza mesiânica en los libros proféticos: evolución y

desarrollo. EstB, Madrid, v. 62, n. 4, p. 423, 2004. 406

PAGOLA, José Antonio. Jesus: aproximação histórica. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 419. 407

ERANDES FERNANDES, Cézar L. O sentido da cruz: no evangelho de João. São Paulo: Paulina,

2002, p. 21. 408 LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João: palavra de Deus. V. I. São Paulo:

Loyola, 1996, p. 138: “o termo „cordeiro‟ evoca por si mesmo os sacrifícios de Israel, onde normalmente

eram utilizados os animais de pequeno porte, tanto nos ritos de comunhão como nos de reconciliação

depois do pecado. O cordeiro era usado igualmente no sacrifício cotidiano do Templo.” 409

AVRIL, Anne-Catherine. As festas judaicas. São Paulo: Paulus, 1997, p. 39. 410

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 135. 411

RATZINGER, Joseph- BENTO XVI. Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a

ressurreição. São Paulo: Planeta, 2011, p. 82.

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cordeiro412

. A comunidade joanina entra em uma tradição já corrente. Todavia, na

compreensão joanina, a imagem do cordeiro, pelo evento da cruz e pelas alusões no

interior do Evangelho, torna-se nuclear para o entendimento do ministério de Jesus413

.

Portanto, a imagem do cordeiro, além de realizar uma junção entre várias

tipologias veterotestamentárias (Cordeiro Pascal, Sacrifício Expiatório, Servo do Senhor

e Justo Perseguido), também marcou a identidade da comunidade, pelo que, poderia ser

chamada de a comunidade do Cordeiro.

3.1 A imagem do cordeiro como elemento de identidade

A atribuição de Jesus como cordeiro está presente no Evangelho segundo João e em

outros escritos neotestamentários, mas com o termo amnós, encontra-se somente em At

8,32 e 1Pd 1,19414

. Em outros textos a referência aparece com termos distintos415

. Em

At 8,32, a referência se dá quando Filipe encontra um etíope que está lendo o texto do

profeta Isaías, sem saber a quem se refere, quando o profeta diz: como ovelha levada ao

matadouro e como um cordeiro...; ao que Felipe logo apresentou Jesus como o servo-

cordeiro exposto pelo profeta Isaías (cf. Is 53). No entanto, o texto de Atos não se

demorou na descrição da catequese de Filipe, mas passou rápido à conversão do etíope,

registrando o seu desejo de ser batizado (cf. At 8,36-38). Tal contexto informa que a

comunidade dos Atos dos Apóstolos não fugiu em compreender que a analogia do

cordeiro, referida ao servo de Is 53,7, na verdade se aplica a Jesus, pois nele se cumpre

a profecia. E, mesmo não tendo a descrição da catequese de Filipe, torna-se evidente

que esta passagem foi o ponto de partida do anúncio, pois o próprio texto diz: e

começando por esta passagem da Escritura, Filipe pôs-se a falar anunciando-lhe Jesus

(At 8,35). O termo utilizado em At 8,32 é amnós, o mesmo de Jo 1,29.

O Filipe que se encontrou com o camareiro etíope é o mesmo a quem os gregos

procuraram em Jo 12,20-21. Também é o mesmo que em At 8,4-5 esteve em Samaria

anunciando o evangelho. Revela-se a presença de Filipe como interlocutor com culturas

diferenciadas da judaica, fazendo-lhe, como defende Gass, um autêntico membro da

412

DIEZ MERINO, Luis. El cordero de Dios en el Nuevo Testamento y en el Targum. EstB, p. 585-586:

“La tradición ha considerado a Cristo como „al verdadero cordero‟ Pascual. [...]esta tradición primitiva

vio en Cristo al verdadero cordero Pascual, y así lo comprobamos en las orígenes mismo del

cristianismo.” 413

Cf.Idem ibidem, p. 592, 2006. 414

Cf. GESS, J. Amnós. In: DITNT. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 430. 415

Cf. JEREMIAS, J. Arnión. In: GLNT. V. I. Brescia: Paideia, 1965, p. 924.

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comunidade joanina, pois as comunidades joaninas “teimavam em ser fiéis ao projeto de

Jesus de Nazaré, vivendo a partilha fraterna em comunidades, onde não havia

discriminação nas relações de gênero, nem de etnia ou de classe”416

.

Em 1Pd 1,19 Jesus é reconhecido como o amnós, o cordeiro sacrificial, a quem a

carta petrina relaciona dois atributos do cordeiro pascal: cordeiro sem defeito e sem

mácula (cf. 1Pd 1,19b). Deste modo, a relação da Primeira Carta de Pedro com a

imagem do cordeiro se diferencia na fonte da passagem de At 8,32; lá o termo amnós

está posto dentro de uma citação de Is 53, o que se torna base da pregação de Felipe417

.

Por sua vez, a Primeira Carta de Pedro, faz menção à prescrição do Cordeiro Pascal, que

estava em Ex 12 (um macho sem defeito), mas pode também estar se referindo aos

vários ritos sacrificiais realizados com o cordeiro418

. Nenhum dos dois textos se deixou

deter por muito tempo na temática do cordeiro; todavia, indica, claramente, que esta

imagem era uma das tipologias com que as comunidades cristãs tornavam o ministério

de Jesus mais conhecido. Por sua vez, o Quarto Evangelho tem consciência de que há

outras tipologias atribuídas a Jesus, mas quis usar a imagem do cordeiro, citada duas

vezes (cf. Jo 1,29.36) e com uma referência ao Cordeiro Pascal no episódio da Paixão

(cf. Jo 19,36).

Como proposto por vários estudiosos419

, o Quarto Evangelho é fruto de um longo

processo de redação, mas guardou a sua unidade, isto é, o “4º Evangelho como temos

hoje, certamente passou por um processo de redação que durou várias décadas”420

; mas

isso não lhe tirou a unidade temática. Assim, existe entre a primeira intuição e a intuição

do redator final uma comunhão que faz com que não se descarte e nem se desconecte a

416

GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia, p. 138. 417

BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (Orgs). Comentário Bíblico: Evangelhos e Atos, Cartas,

Apocalipse. V. III. São Paulo: Loyola, 2010,p. 158: “Lucas também insiste repetidas vezes que as

escrituras precisam ser explicadas. Os discípulos na Estrada de Emaús e em Jerusalém precisam que

Jesus ressuscitado interpretasse para eles as Escrituras (Lc 24,25-32.44-47) […] por isso, aqui Filipe tem

de explicar ao eunuco que Is 53, 7-8 não se referia a Isaías, mas a Jesus (como At 2 explicara que Sl 16;

110 não se referiam a David, mas a Jesus) e profetizava sua morte abnegada (At 8,31-35).” 418 Cf. DODD, Charles. A interpretação do Quarto Evangelho. São Paulo: Editora Teológica, 2003, p.

306. 419

A saber: SHREINER, Josef; DAUTZENBERG, Gerhard. Forma e exigências do Novo Testamento.

São Paulo: Paulus-Teológica, 2004; TUÑÍ, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas

apostólicas. São Paulo: Ave-Maria, 1999; GASS, Ildo Bohn. Uma introdução à Bíblia: as comunidades

cristãs a partir da segundo geração. São Paulo: Cebi/Paulus, 2005; BROWN, R.E. A comunidade do

discípulo Amado. São Paulo: Paulinas, 1983; BLANCHARD, Yves-Marie. São João. São Paulo:

Paulinas, 2004; MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV. Minnesota: Michel Glazier Book,

1998; VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus: El

Evangelio y lãs cartas de Juan. Salamanca: ediciones sigueme, 1997. 420

GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia, p. 120.

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vida toda de Jesus421

: sua encarnação e morte-ressurreição422

. Fica assim, evidente, que

apesar do Gólgota ser o ponto de convergência do Quarto Evangelho, o ministério

público de Jesus está em unidade temática, de modo que o plano teológico orientado

para o Gólgota perpassa todo o Quarto Evangelho. Mas o relevante, agora, é que a

imagem do cordeiro dentro do processo de redação do Evangelho não se perdeu e foi,

segundo Vidal423

, realçada, pelo que considera que numa etapa posterior às narrativas da

Paixão, o redator aliou a imagem de 19,36 (não lhe quebraram nenhum osso) com o que

tinha em mãos em Jo 1,29 (eis o cordeiro de Deus)424

.

A imagem do cordeiro marcou profundamente a comunidade joanina; é o que se

percebe também ao se considerar a imagem presente em outros escritos atribuídos a esta

comunidade, aliás, quando se buscou a raiz do Evangelho joanino, encontrou-se, o que

alguns estudiosos, como Zumstein, consideram uma Escola Joanina, visto que,

o trabalho literário e teológico que levou à redação de João se estende

por vários decênios. Supõe a existência de um meio estável no qual as

tradições próprias das Igrejas joaninas foram recolhidas, cotejadas,

reinterpretadas e transmitidas, um meio em que esse trabalho

teológico e literário desembocou na redação progressiva do evangelho

e, depois, das epístolas. É, portanto, legítimo supor que esta tarefa

tenha sido cumprida por um círculo teológico- a escola joanina.425

Este meio joanino, chamado de Escola Joanina426

, foi se desenvolvendo a partir de

um núcleo histórico que inicialmente estava formado pelo judaísmo palestinense e se

421 Vale recordar que as teorias acerca da redação do Quarto Evangelho ainda se encontram em amplo

debate, mesmo considerando as importantes contribuições de Bultmann, Brown, Moloney e mais

recentemente, Vidal. 422

RODRÍGUEZ RUIZ, Miguel. Cuarto Evangelio, Cartas de Juan: introducción y comentário de J. José

Bartolomé. EstB, Madrid, v. 61, n. 4, 2003, p. 568: “ciertamente hay uma continuidad entre la

encarnación y la muerte en la cruz o exaltación en ella, porque la persona del Verbo es la misma, pero la

muerte de Jesús es algo más que „la última prueba‟, es la prueba por excelência de que Jesús, por así

decir, recupera la „gloria de su preexistencia‟ (cf. 1,1-2; 13,1; 17,2).” 423

Senén Vidal considera que o IV Evangelho passou por várias etapas de redação e o material coletado

se organiza em diferentes titulações: TB- Tradições Básicas, que são comuns tanto a João como aos

sinóticos; T- Tradições Soltas, estão aí tradições como as de João Batista; CM- Coleção de Milagres,

estão aqui os relatos dos sinais; RP- Relatos da Paixão, é uma fonte para os textos da Paixão, tanto em Jo

como nos sinóticos; estas fontes originaram as várias etapas de redação: E1: primeiro Evangelho; E2:

segundo Evangelho; E3: terceiro Evangelho; E4: quarto Evangelho. Fonte: VIDAL, Senén. Los escritos

originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus: El Evangelio y las cartas de Juan.

Salamanca: ediciones sigueme, 1997. 424

VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus: El

Evangelio y lãs cartas de Juan. Salamanca: ediciones sigueme, 1997, 274: “sin embargo, sí es muy

probable que el autor de E1 entendiera ese texto de RP tradicional en referencia a Jesús como cordero

pascual, ya que se trata de un motivo típico de su obra.” 425

MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento: história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola,

2009, p. 457. 426

Cf. VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus, p. 41.

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abriu aos samaritanos427

, demonstrando a comunidade joanina como uma comunidade

com raízes profundamente judaicas, mas ao mesmo tempo aberto, dando assim

possibilidade para que várias tradições possam ser nela encontradas, o que demonstra

uma comunidade que se abre ao diálogo, como se pode constatar nos vários diálogos

que estão presentes no Evangelho segundo João (cf. Jo 3,1-21; 4,1-26 e 8,1-11); os

vários elementos, que marcam a pluralidade do ambiente do Quarto Evangelho, expõem

sua dinâmica missionária para levar vários povos a aceitar Jesus428

.

Quanto à relação com o judaísmo, sabe-se que o Evangelho joanino expõe bem a

expulsão da sinagoga429

(cf. Jo 9,22;12,42;16,2), o que requereu maturar a

reinterpretação do legado judaico dentro da comunidade joanina, isto é, houve uma

ressignificação do judaísmo à luz da pessoa de Jesus, pois os grupos que antes

frequentavam o Templo e a sinagoga, e tinham a Lei como centro da Revelação, agora

passavam a ver em Jesus a realização da Palavra, das Festas e da Lei430

. Uma destas

interpretações é a imagem do cordeiro, que não está somente no corpo do Quarto

Evangelho, mas também ressoa em outros escritos da Escola Joanina. Informando, que a

reinterpretação não foi somente na primeira hora, mas foi sendo gestada ao menos por

duas gerações da comunidade joanina, o que culminou no registro escrito que se tem

hoje.

No que se nomina Escola Joanina, a referência a Jesus com a tipologia de cordeiro

também se encontra na Primeira Carta de João431

. Entre as diferenciações levantadas

entre a Carta e o Evangelho está no centro a temática da imagem do cordeiro, pois

estudiosos, como Gass, defendem que o Evangelho segundo João ao se referir ao

cordeiro, não faz uma leitura expiatória sobre o ministério de Jesus,

427

Cf. MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 452-454. 428

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II. São Paulo: Loyola, 1995, p. 26: “um

evangelho aberto em muitas direções, este é um primeiro dado que deve de toda maneira ser reconhecido,

sendo uma das razões do fascínio do evangelho de João. Espíritos diversos se sentem interpelados por sua

mensagem. É aberto, não no sentido de aflorarem ora numa, ora noutra página motivos disparatados,

cada um referindo ao seu próprio ambiente. Pelo contrário, os mesmos motivos (não muito numerosos,

nem motivos variados), símbolos, vocábulos são simultaneamente abertos a ressonâncias múltiplas [...]e

não se pense que as diversas mentalidades possam ler simplesmente o evangelho cada um de seu modo,

interpretando-o conforme seus próprios conceitos. Pelo contrário: cada espírito se sente envolvido e

julgado, convidado a sair da própria idolatria para abrir-se a Cristo.” 429

Cf. SHREINER, Josef; DAUTZENBERG, Gerhard. Forma e exigências do Novo Testamento. São

Paulo: Paulus-Teológica, 2004, p. 306. 430

Cf. GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia, p. 124. 431

MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 477: “um inegável parentesco- seja no nível da

terminologia/estilística, seja no nível teológico- une 1Jo a João. Essa proximidade não tem nada de

surpreendente, já que tanto João como 1 João emanam de uma mesma escola teológica e partilham,

portanto, a mesma linguagem- uma linguagem muito original, aliás, no ambiente do cristianismo

nascente.”

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podemos perceber diferenças teológicas entre o 4º Evangelho e as

Cartas. Uma é que 1Jo 2,2 e 4,10 apresentam Jesus como „vítima de

expiação‟. Nenhuma vez, o 4º Evangelho compreende a morte de

Jesus no sentido de sacrifício. Outra diferença teológica é a espera da

parusia, da vinda iminente de Jesus [e] no Evangelho, não se espera

pelo retorno de Jesus.432

Tanto Gass como Zumstein reconhecem que algumas diferenças teológicas não

anulam a relação profunda que há entre as Cartas e o Quarto Evangelho433

, fazendo com

que estes sejam memórias de uma mesma comunidade, mas em momentos vivenciais

diferentes. Todavia, a proposta de Gass, sobre a ausência de compreensão sacrificial a

respeito da morte de Jesus no Quarto Evangelho, parece desprovida de fundamento

escriturístico, visto que a saudação do Batista (cf. Jo 1,29), utilizando o termo amnós

trazia exatamente a figura do cordeiro que se utilizava no sacrifício. Com este termo se

evidenciava que “o cordeiro desempenhava um papel importante como animal

sacrificial no culto público de Israel”434

. Sobre a expiação pode-se reconhecer a fala de

Caifás (cf. Jo 18,14) como uma nota que dá tom expiatório à entrega de Jesus435

e na

mesma linha seguem as imagens que relacionam Jesus com o rito do Dia de

Expiação436

. Ademais, a visão da morte de Jesus como expiatória, não foi algo comum

somente à comunidade joanina, mas corrente no cristianismo nascente, como atestam

várias referências (cf. 1Cor 15,3; 1Pd 3,18; Rm 5,8; 1Ts 5,10; Ef 1,7; Cl 1,20; Rm 3,25;

Hb 2,17; 1Jo 2,2; Hb 9,12; 9,28; 10,10, 10,12).

Na relação com a expiação, a particularidade joanina se encontra na continuidade, ou

seja, não bastasse constar e incidir no texto do Quarto Evangelho, também aparece na

Primeira Carta de João, onde Jesus morre para expiar os pecados437

da humanidade.

Em meio às demais comunidades cristãs, o grupo joanino foi profundamente

marcado pela imagem do cordeiro e pela ressignificação do patrimônio judaico. Sobre a

escolha do cordeiro como tipologia para Cristo, há que se perguntar “por que”; ao que

432

GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia, p. 133. 433

MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 477: “o fato de surgirem diferenças substanciais

tanto no vocábulo utilizado como nas representações teológicas não constitui um argumento que exclua,

de uma vez, a hipótese de um só autor [escola] para dos dois escritos. De fato, temos o direito de supor

que tais mudanças possam resultar de situações, de gêneros literários e de estratégias argumentativas

diferentes.” 434

GESS, J. amnós. In: DITNT. 2 ed, p. 429. 435

BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, hebreu da Galiléia: pesquisa histórica. São Paulo: Paulinas, 2011, p.

494: “o quarto evangelho apresenta dois traços próprios [na paixão de Jesus]: Caifás o quer condenar

como bode expiatório: „é melhor que um só morra pelo povo‟ (Jo 18,14; 11, 49-50).” 436

RATZINGER, Joseph- BENTO XVI. Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a ressurreição, p.

82: “a oração sacerdotal de Jesus é a atuação do dia da Expiação, é por assim dizer a festa para sempre

acessível da reconciliação de Deus com os homens.” 437

Cf. FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II, p. 295.

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se pode responder primeiro, que é devido ser uma imagem comum aos vários grupos da

primeira hora que estão na base da tradição joanina; todos conhecem as funções

atribuídas ao cordeiro, tanto na vida cúltica de Judá quanto na da Samaria.

Fabris e Maggioni defendem o que seria a segunda razão para o uso da imagem do

cordeiro atribuída a Jesus. Para eles, “o cordeiro é a imagem de uma obediência e de um

amor que vão até a cruz; e o cordeiro é a imagem do servo de Deus que toma sobre si

(leva) o pecado do povo”438

. Fazendo da imagem do cordeiro a constatação da entrega

voluntária e amorosa de Jesus por obediência e amor para levar ao conhecimento do

amor do Pai439

. Na base do pensamento de Fabris e Maggioni parece estar a descrição

de Is 53, que faz a analogia entre a mansidão do cordeiro e a mansidão do Servo do

Deus. Ora, a comunidade joanina parece ter entendido exatamente isto, de modo que a

morte de Jesus no Quarto Evangelho é retratada com serenidade e de forma

majestosa440

: uma entrega voluntária que fará Jesus voltar para o Pai441

.

Sendo a tradição joanina uma tradição aberta, em diálogo; fica evidente que a

comunidade do cordeiro se caracteriza também por anunciar que o evento da cruz tem

alcance universal442

, ou seja, a oferta de Jesus é para que o mundo saia da condição de

pecado, daí a expressão “tira o pecado do mundo” (cf. Jo 1,29), pois o cordeiro que

serviria unicamente para o povo de Israel, agora expande a toda a humanidade o bem do

seu ministério443

. Nesta mesma linha segue a Primeira Carta de João, que parece

parafrasear o Evangelho ao dizer: “Ele é a oferenda de expiação por nossos pecados, e

não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro”(1Jo 2,2), à

semelhança de “eis o cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29).

O cordeiro é de Deus, de modo que Deus tem direito sobre ele, e faz dele aquela

oferta pelos pecados do mundo; a oferta a que se refere 1Jo 2,2, é exatamente a

438

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II, p. 294. 439

Cf. ERNANDES FERNANDES, Cézar L. O sentido da cruz, p. 21. 440

TUÑÍ, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas apostólicas, p. 65: “é Jesus quem

dá a própria vida, ninguém lhe tira (cf. 10,18). A Paixão se converte numa marcha triunfal de Jesus para a

cruz. A morte de Jesus é mais uma vitória de que uma derrota. A cruz é mais um trono que um patíbulo.” 441

Cf. SCROGGS, Robin. O Jesus do povo: trajetórias no cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus,

2012, p. 278. 442

Cf. LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan.

Navarra: Verbo Divino, 2006, p. 269. 443

Cf. DIEZ MERINO, Luis. El cordero de Dios en el Nuevo Testamento y en el Targum. EstB, p. 588:

“paciente, como un cordero, ofrecido en sacrifício, el Salvador fue la muerte por los otros sobre la cruz;

con fuerza expiadora de su muerte inocente borro la culpa (cf. Jn 1,29) de toda la humanidad (Jn 1,29).

Así como en outro tiempo la sangre de los corderos pascuales tuvo parte en la liberación de Egipto, así,

con la fuerza expiadora del su sangr, Jesús há realizado la liberación (elytrozete, 1 Pd, 1,18). De la

esclavitud del pecado (1Pd 1,18). Pero la fuerza expiadora de su muerte, no está, como la del cordero

Pascual, limitada a Israel. Como cordero de Dios expíala culpa de todo el mundo (Jn 1,29), que está

sometido inexorablemente, sin distinción ni de religión ni de raza, al juicio de Dios.”

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anunciada já no Quarto Evangelho, em Jo 1,29. É nela que Deus tira os pecados não só

da comunidade, mas do mundo inteiro444

. Jesus é a oferenda de Deus, aceita em total

liberdade445

. Diante disto se pode entender que não há cisão teológica entre as Cartas e o

Evangelho no que toca ao ministério do cordeiro, mas uma acentuação diferenciada; no

Evangelho segundo João, a acentuação pende mais para o rito da Páscoa e as Cartas

pendem mais para o rito do Dia de Expiação, mas ambos se encontram aliadas à

imagem do cordeiro dentro da tradição judaica, fazendo desta imagem algo significativo

a toda a Escola Joanina.

A diferença de acentuação compõe já uma realidade presente no Quarto Evangelho,

pois, “o Evangelho não é uma túnica sem costura. As tradições utilizadas pelo autor não

são de todo consistentes; é quase certo que a própria comunidade tinha várias

perspectivas, e todas concordavam umas com as outras.”446

Do mesmo modo, as Cartas

Joaninas, e, em primeiro lugar, a Primeira Carta de João traz uma realidade diferenciada

do Evangelho, o que a faz reinterpretar o Evangelho de outro lugar histórico, isto é,

1Jo se situa depois da composição do evangelho, isso significa que os

conceitos teológicos fundamentais utilizados pelo evangelista foram

reinterpretados em 1Jo. Em outras palavras, o autor de 1Jo, apoiando-

se no evangelho como numa tradição estabelecida, tenta dizer de novo

o seu sentido numa situação nova.447

Esta reinterpretação de temas do Evangelho acontece também na Segunda e Terceira

João, aliás, “os dois temas principais de 1Jo, a saber, a explosão de uma crise no seio

das Igrejas joaninas e a exortação a amar o irmão reaparecem em 2 e 3 João.”448

No

entanto, não se deve “ignorar diferenças substanciais”449

. Todavia, um traço comum

nesta tradição é a referência, ainda que subentendida, à entrega voluntária de Jesus, isto

é, mesmo com a crise interna, que se revela nestas Cartas, o mandamento do amor e da

obediência, que são virtudes de Jesus, estão presentes nas Cartas, fazendo eco à entrega

de Jesus por amor, pois, “não há maior amor que dar a vida por seus amigos” (cf. Jo

15,31).

Além do Evangelho e das Cartas, há ainda o livro do Apocalipse, que se chegou a

considerar como um escrito do meio joanino. Sobretudo, pelo fato de o autor se nomear

444

Idem ibidem, p. 589: “El Cordero de Dios es um cordero que pertenence a Dios en propriedad, sobre el

que tiene derecho; si a esta idéia se le une lo de “quitar el pecado” se puede fácilmente concluir que Dios

usará de su derecho y que es por el sacrifício del Cordero de Dios como será quitado el pecado.” 445

Cf. TUÑÍ, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas apostólicas, p. 65. 446

SCROGGS, Robin. O Jesus do povo, p. 281. 447

MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 479. 448

Idem ibidem, p. 489. 449

Idem ibidem, p. 489.

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João (cf. Ap 1,9), alguns comentadores antigos, como Irineu, chegaram a ligar o João do

Apocalipse ao mesmo João das Cartas e do Evangelho450

. No entanto, a pesquisa bíblica

caminha no sentido que partilha Cuvilier, ao dizer que o autor de Apocalipse “deve

tratar-se de um personagem importante das comunidades asiáticas do fim do século I,

talvez um membro influente de um círculo de profetas cristãos itinerantes (cf. Ap

22,6)”451

. Com isso se desloca claramente a autoria do Apóstolo João, mas não a

descarta dos círculos joaninos.

O livro do Apocalipse traz influência da “teologia paulina, mas de modo especial das

comunidades do Discípulo Amado”452

e mesmo que haja uma diferença quanto à

linguagem e ao uso de termos, há certa semelhança: algumas delas são “o tema da água

viva (cf. Ap 7,16s; 21,6; 22,1.17/ Jo 4,10.13s; 7,37-39), a designação de Jesus como

„Palavra de Deus‟ (cf. Ap 19,13, cf. Jo 1,1) e o título cristológico „Cordeiro‟ (29 vezes

no Apocalipse, cf. Jo 1,29.36)”453

. Já com as Cartas coincide “as divisões internas das

comunidades provocadas pelas tendências gnósticas, tanto o Apocalipse como as Cartas

atribuídas a João fazem referência a elas (cf. Ap 2-3; 1Jo 4,1-6)”454

.

Para Gass é possível que o meio onde surgiu o Apocalipse de João tenha tido contato

com a tradição joanina, mas até mesmo é possível que esteja em outra comunidade que

não as joaninas455

, contudo, chama a atenção o uso do termo „cordeiro‟, que ocorre 29

vezes neste livro, e duas vezes no texto do Quarto Evangelho.

Em Jo 1,29 o termo utilizado para cordeiro é o termo amnós456

, já bastante explorado

ao longo da pesquisa, ao passo que o termo utilizado pelo livro do Apocalipse é

arnion457

. Este termo aparece no Apocalipse por 29 vezes, dos quais 28 referidas a Jesus

e uma referida ao anticristo (cf. Ap 13,11)458

. Mesmo com a diferença entre os termos

usados, pesquisadores como Cuvilier e Gass levam em consideração como identidade

entre a tradição joanina e o Apocalipse a ocorrência de cordeiro nestes escritos.

O termo arnion acontece no Evangelho segundo João somente em Jo 21,15

(apascenta meus cordeiros) e não está aplicado a Jesus, como acontece em Jo 1,29.36

com amnós, mas ao grupo que deveria ser apascentado por Pedro, ao que indica a Igreja.

450

Cf. Idem ibidem, p. 500. 451

Idem ibidem, p. 500. 452

GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia, p. 100. 453

MARGERAT, Daniel (Org). Novo Testamento, p. 502. 454

GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia, p. 100. 455

Cf. Idem ibidem, p. 100. 456

Cf. BLANCHARD, Y. Cordeiro de Deus. In: DCT, p. 462. 457

Cf. Idem ibidem, p. 461: “na origem diminutivo de arén.” 458

Cf. JEREMIAS, J. amnós. In: GLNT. V. I. Brescia: Paideia, 1965, p. 917-925.

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Fora dessa passagem, o termo se encontra somente no Apocalipse459

e aqui ele designa

o “Cordeiro Vencedor”460

. Dodd já havia interpretado que a base do cordeiro na tradição

joanina estaria na linha da apocalíptica judaica, que conhece um cordeiro vencedor461

associado à imagem de Messias. Assim, a tradição joanina estaria contemplada no

Apocalipse de João, contudo, Dodd está pensando no cordeiro retratado na literatura

apocalíptica judaica462

. Já o Apocalipse de João apresenta o cordeiro imolado, ou seja, o

cordeiro vitorioso traz as marcas do imolado, que por sua vez traz semelhança com o

cordeiro joanino, pois as imagens de cordeiro na tradição joanina apontam para uma

oferta, em vista de tirar o pecado do mundo (cf. Jo 1,29), e, em Primeira João, para

expiar os pecados da humanidade com o seu sangue (cf. 1Jo 2,2). Portanto, o cordeiro

com as marcas da imolação (cf. Ap 5,6; cf. 5,9.12; 13,18) não se distancia do cordeiro

apresentado para o sacrifício, o amnós463

, aliás, “la desginación del arnin „como

inmolado‟ (cf. Ap 5,6.9,12;13,18) y la referencia al efecto salvífico de su sangre señalan

la conexón con los enunciados del NT acerca de Jesús como cordero sacrificial”464

.

Blanchard defende que “desde os LXX os três termos amnós, arén e arnion parecem

equivalentes”465

. Pode-se, pois, considerar que o Apocalipse, fazendo uso de um tipo

literário bastante difundido no judaísmo do Primeiro Século, e diante “do motivo dos

sofrimentos da comunidade, a sua resposta é [...] claramente cristã”466

, partilhando,

então, a tipologia do cordeiro, presente também na tradição joanina, aliando-a com a

tipologia da literatura apocalíptica judaica, por isto, “em resumo, pode se dizer que

amnós tou theou denota a oferenda de Deus, Cristo, destinado por Ele para levar os

pecados do mundo, enquanto arnion ressalta o fato de que Aquele que é o Senhor eterno

também é Cristo crucificado por nós”467

.

O uso de um termo correlato para cordeiro, mas com uma teologia associada, reforça

o argumento de que o autor do Apocalipse de João tenha tido conhecimento dos escritos

joaninos que circulavam em algumas comunidades do cristianismo do Primeiro Século,

ou até mesmo que o autor seja de uma comunidade de “herança do Discípulo

459

Cf. GESS, J. amnós. In: DITNT, p. 430. 460

BLANCHARD, Y. Cordeiro de Deus. In: DCT, p. 461. 461

Cf. DODD, Charles. A interpretação do Quarto Evangelho, p. 311-314. 462

Cf. PROENÇA, Eduardo (Org.). Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia. V.I. São Paulo: Fonte

Editorial, 2010, p, 313: “Então o Senhor das ovelhas enviou o cordeiro e estabeleceu-o com carneiro e

líder das ovelhas.” 463

Cf. JEREMIAS, J. amnós. In: GLNT. V. I, p. 926. 464

DAUTZENBERG, G. arnion. In: DENT. V. I. Salamanca-ES: Ediciones Sigueme, 1996, p. 211. 465

BLANCHARD, Y. Cordeiro de Deus. In: DCT, p. 461. 466

SHREINER, Josef; DAUTZENBERG, Gerhard. Forma e exigências do Novo Testamento, p. 432. 467

GESS, J. amnós. In: DITNT, p. 430.

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Amado”468

. Contudo, o que fica claro é que a identidade das comunidades do Discípulo

Amado passa pelo mandamento do amor e pela entrega de Jesus como cordeiro. Seriam

estes elementos o elo comum entre o Evangelho, as Cartas e até mesmo o Apocalipse,

incluindo aí a divisão interna da comunidade e o combate ao gnosticismo, presentes

tanto nas Cartas, quanto no Apocalipse469

.

Como observado, a titulação e analogia de Jesus como cordeiro, entre os escritos

neotestamentários, não é exclusividade da Escola Joanina, no entanto, a acentuação

acontece nesta Escola, passando por elaboração teológica a cada contexto que se

impunha, mas mantendo os elementos comuns dentro de acenos próprios exigidos pela

realidade. Diante disto, vale buscar a relação implícita entre Messias e Cordeiro, uma

vez que a expectativa do Messias é temática fundamental no Quarto Evangelho.

3.2 O cordeiro e sua relação com a expectativa do Messias

A comunidade joanina guardou apreço pela imagem do cordeiro, conciliando várias

nuances, seja no sacrifício expiatório ou no rito pascal, no entanto, há ainda outras

imagens aplicadas a Jesus no Quarto Evangelho: o Logos (cf. Jo 1,14), a Luz (cf. Jo

8,12), o Bom Pastor (cf. Jo 10,14), o Filho do Homem (cf. Jo 1,51), o Pão da Vida (cf.

Jo 6,35). Todas estas imagens estão relacionadas com o grande título dado a Jesus, o de

Cristo, isto é, o ungido, de modo que no Quarto Evangelho,

A „busca‟ pelo Messias é um movimento fundamental da parte das

pessoas que crêem e esperam, movimento que atravessa todo o

evangelho (Cf. 1,38; 6,24.26; 7,11.31-36; 18,4.8; 20,15). A essa busca

corresponde a „vinda‟ do Messias para os que o buscam, que assim

podem encontrá-lo (1,41.45).470

As perguntas dirigidas a João Batista revelam que alguns grupos judeus, no I séc.

d.C., tinham a preocupação pela vinda do Messias. Pelo registro do interrogatório do

Batista, pode-se bem compreender que a comunidade joanina não se saiu deste contexto,

como afirma Klopstock: o tema da busca do messias seria um tema central na produção

literária da comunidade joanina471

. No entanto, na pesquisa surge um complicador:

segundo Blanchard472

, as raízes messiânicas do Evangelho segundo João se encontram

vinculadas com a Samaria, todavia, o Evangelho está repleto da tradição judaica, ao que

468

GASS, Ildo B. Uma introdução à Bíblia, p. 100. 469

Cf. Idem ibidem, p. 100. 470

KLOPSTOCK, Friedrich G. O Messias. São Paulo: Loyola, 2008, p. 113. 471

Cf. Idem ibidem, p. 114. 472

Cf. BLANCHARD, Yves-Marie. São João. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 91.

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Higino da Silva, com base em Boismard, argumenta que no processo de redação foi se

assumindo mais as tradições do Sul e abrindo mão das tradições do Norte473

. Inclusive

no que toca ao tema do Messias.

Na perspectiva joanina de apresentar o messias, tema recorrente no Quarto

Evangelho, o Prólogo já guarda acenos claros acerca da pré-existência e da

messianidade de Jesus474

, mas é na semana inaugural que se dá a titulação que revela

Jesus como Messias. Nesta semana encontra-se João Batista, aquele que declara não ser

o Messias, mas o que tem a missão de revelar Jesus475

. Assim, a partir do testemunho de

João Batista, Jesus recebe alguns títulos que o expõe como Messias, alguns deles são:

Cordeiro de Deus, Filho de Deus e Rei de Israel (cf. Jo 1,29.49), que fazem parte de

uma cena que os entrecruzam e lhes tornam equivalentes, isto é, “a expressão o amnos

tou theou, na sua primeira intenção é provavelmente um título messiânico, virtualmente

equivalente ao basileus tou Israel”476

.

Para Mincato, a indicação de Jesus como Messias, que se dá no encontro com o

Batista, acontece inicialmente com o título Cordeiro de Deus e se conclui com o título

de Filho de Deus, de modo que ambos estejam correlacionados ou paralelos477

. Sobre o

título „Filho de Deus‟ há uma aproximação com a teologia davídica, pois “ao entronizar

o rei Davi, Deus o declara seu filho”478

. Dessa maneira, Jesus assume um messianismo

régio, visto que „a concepção de Messias como filho de Deus é preparada nas tradições

veterotestamentárias do rei (também chamado „ungido‟) como filho de Deus: cf. Sl

2,2.7; 89,26s.; 1Sm 7,12-14”479

. A titulação do rei não acontece direta como no caso

referente a Jesus, mas na expressão „meu filho‟. Aqui se pode compreender a fala de

Natanael, ao chamar Jesus de rei de Israel, ou seja, a afirmação está associada à imagem

messiânica de realeza. No entanto, o rei Davi ou outro rei ao ser chamado de „filho de

473

SILVA, Antonio Carlos Higino da. O Messias samaritano do Evangelho de João. Disponível em

HTTP://lattes.cnpq.br/7688414808630436. Acessado em 10 de Maio de 2013 às 10:45:25. P. 06: “as

adequações que encontramos vão paulatinamente transferindo a base da tradição da Samaria para a

Judéia. O Profeta vai ganhando as configurações do Messias (Cristo) que era esperado pelos judeus de

Jerusalém.” 474

Cf. TUÑÍ, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas apostólicas, p. 87. 475

KLOPSTOCK, Friedrich G. O Messias, p. 115: “a tarefa de João Batista consiste em „revelar a Israel‟

Jesus como Messias (1,31). Para tanto, ele declara veementemente não ser o „Cristo‟ (1,20; 3,28), mas se

apresenta como a primeira testemunha eminente de Jesus como „aquele que vem depois dele‟ e portador

exclusivo do Espírito (1,6-8.15.19-34).” 476

DODD, Charles. A interpretação do Quarto Evangelho, p. 315. 477

MINCATO, Ramiro. Confissão de Natanael (Jo 1,43-51) e o modo da revelação no Quarto Evangelho.

TC, v. 159, Porto Alegre, 2008, p. 10: “Na primeira parte, quando trata do testemunho de João Batista

(1,19-34), a confissão culminante é o título „Filho de Deus‟ (1,34), paralelo a „Cordeiro de Deus‟ (1,29).

Ambos esses títulos são messiânicos.” 478

Idem ibidem, p. 11. 479

THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico: um manual. São Paulo: Loyola, 2002, p. 638.

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Deus‟ o é de forma metafórica, porque não há neles a condição metafísica de filho de

Deus; já em Jesus, o Quarto Evangelho trabalha exatamente para expor isto: Jesus é

Filho de Deus, participa de sua natureza divina e, ao mesmo tempo, este filho é dado à

humanidade para demonstrar o amor do Pai.

O título Filho de Deus diz que Jesus veio de Deus, e o seu messianismo é vontade do

Pai, do mesmo modo, o paralelo „Cordeiro de Deus‟ se revela como uma expressão

aplicada a Jesus, no mesmo grau de Filho de Deus. Por outro lado, há de se considerar

que por trás da expressão „Cordeiro de Deus‟ está a analogia do Servo Sofredor, com

bases em Is 53480

, mas ao mesmo tempo, segundo uma antiga tradição, não elimina a

concepção de um Messias régio.

A comunidade joanina trazia a forte preocupação de Jesus como centro do seu

Evangelho, porque o tem como o tema mais importante. Ele é “o objeto da fé”481

, pois é

o Messias (cf. Jo 1,41). Assim, a declaração Batista de que Jesus é o Cordeiro de Deus

não está isenta deste propósito joanino de apresentar Jesus como o Messias482

, todavia,

o título de cordeiro assimila várias perspectivas, entre elas a de Servos Sofredor483

.

Então, como o título de Filho de Deus e Rei de Israel, que trazem a hermenêutica de um

Messias régio, podem ser paralelos a Cordeiro de Deus?

Segundo Ábrego de Lacy, a fundamentação de Jesus como Messias está

profundamente enraizada nas tradições veterotestamentárias484

. Já no que se refere ao

título Cordeiro de Deus, segundo Léon-Dufour, “não se reconhece na tradição judaica

um „título‟ messiânico semelhante”485

, todavia, “é sobre a designação de Jesus como

Cordeiro de Deus que, depois de seu colóquio com ele, André declara a seu irmão

Pedro: „nós encontramos o Messias‟ (1,41)”486

. De fato, esta titulação não está

registrada na tradição judaica do Messias, ao menos de forma mais comum; uma prova

480

Cf. TUÑÍ, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas apostólicas, p. 294. 481

Idem ibidem, p. 87. 482

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II, p. 294: “a narração que encontramos

no vv. 29-34 não pretende narrar o batismo de Jesus, e sim indicar quando e como o Batista reconheceu o

Messias. Mas é sobretudo uma confissão de fé em Cristo que se articula em três afirmações: eis o

Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (v. 29); eu vi o espírito descer como uma pomba e

permanecer sobre ele (v. 32); ele é o Filho de Deus (v. 34).” 483

Cf. Idem ibidem, p. 294. 484

ÁBREGO DE LACY, José Maria. La esperanza mesiânica en los libros proféticos: evolución y

desarrollo. EstB, p. 414: “la originalidad del NT en el tratamiento del mesianismo no se limito a mezclar

heterodoxamente dos figuras salvíficas de perfiles tan diferentes como el Siervo de Yahvé y el Mesias

político. El perfil de Jesús, el Mesìas, tal como lo dibuja el NT hunde sus raíces en una corriente de

esparanza mesiànica ya presente en el AT y fundamentalmente revisada en el destierro.” 485 LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 136. 486

Idem ibidem, p. 136.

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103

disto é que tal título aparece somente no Quarto Evangelho, como que não interessando

à tradição sinótica.

Na linha interpretativa da saudação do Batista (cf. Jo 1,29) e sua relação com a

esperança messiânica, Dodd reconhece que é difícil associar cordeiro a Messias dentro

do judaísmo do Primeiro Século, o que causa à interpretação joanina uma dificuldade487

.

Para Dodd, esta associação só pode acontecer, como já exposto, com base na literatura

apocalíptica, isto é, o Quarto Evangelho, segundo Dodd, utilizou de uma fonte

apocalíptica para aplicar a Jesus a titulação messiânica de cordeiro, segundo ele,

não obstante o evangelista não ter simpatia alguma para com a

escatologia apocalíptica, ele certamente não a ignora. A dificuldade

principal é que o termo usado no Apocalipse de João não é amnós mas

arnion. Todavia, nos apocalipses que estão detrás deles amnós, como

também aren, krios e probaton, é usado em se tratando do carneiro-

guia do rebanho. Enquanto que o autor de Apocalipse de João

escolheu o termo arnion, outros cristãos de língua grega que

pensavam no Messias em termos apocalípticos, podem perfeitamente

ter escolhido amnós.488

O mesmo Dodd, ao se fazer a pergunta sobre a associação de Cordeiro de Deus e os

títulos posteriores: Filho de Deus e Rei de Israel (cf. Jo 1,49), que são títulos

messiânicos régios, encontrados na tradição judaica, considera que esta associação

provém da literatura apocalíptica que o Quarto Evangelho teve como fonte, nela “o

cordeiro de chifres ou o jovem cordeiro como chefe do rebanho”489

assume função

régia, o que fundamentaria a sessão de títulos messiânicos no primeiro capítulo do

Quarto Evangelho490

.

Ao lado da proposta de Dodd, que afirma Cordeiro de Deus como título

messiânico491

, está Léon-Dufour, que, considerando a fonte apocalíptica nos apócrifos,

vê o uso de Cordeiro, no Evangelho segundo João, também como um título

messiânico492

. Ao lado destas propostas se encontra a visão de Diez Merino, para ele, o

Quarto Evangelho, ao registrar a saudação Batista (cf. Jo 1,29), tinha em mente a

487

Cf. DODD, Charles. A interpretação do Quarto Evangelho, p. 315. 488

Idem ibidem, p. 313-314. 489

Idem ibidem, p. 314. 490

Idem ibidem, p. 303: “o primeiro capítulo do evangelho, desde o fim do Prólogo, é formado por uma

série de „testemunhos‟ sobre Jesus, levando a uma declaração solene de sua parte. O evangelista compôs

assim esta introdução como que para apresentar os principais títulos dados a Jesus na Igreja primitiva:

„Messias‟, ou „Cristo” (1,41). [...]começou sua obra citando os títulos messiânicos tradicionais do Senhor.

Pois no uso do cristianismo primitivo todos eles são messiânicos, embora quanto à maioria deles não se

consegue provar que foram correntes neste sentido no judaísmo pré-cristão.” [itálico nosso]. 491

Idem ibidem, p. 314: “pelo contexto se nota que o evangelista entendeu „o Cordeiro de Deus‟ como

sinônimo de „Messias‟.” 492

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 138.

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messianidade de Jesus, e sim, queria fazer uma analogia entre o Messias e o cordeiro,

que ao mesmo tempo é Filho de Deus493

. É possível que tal analogia entre um Servo

Sofredor e um título régio estivesse sustentada em uma tradição que decorria ainda do

período pré-exílico; esta tradição remonta, segundo Ábrego de Lacy, ao rei Josias.

O título Messias inicialmente está ligado a figuras históricas, a pessoas que eram

ungidas, e por isso passavam a ganhar relevância em meio ao resto do povo; aos poucos,

o rito dirigido a sacerdotes, profetas e reis494

, vai adquirindo uma interpretação de

intervenção divina, isto é, Deus enviaria um ungido para libertar o povo; este enviado de

Deus vai recebendo muitas conotações. Devido à teologia davídica, Davi se torna um

modelo messiânico; afirmando assim, que Deus age em favor de seu povo por meio do

rei495

. De fato, a obra de Davi, segundo alguns textos veterotestamentários, mostrou-se

tão agradável aos olhos de Deus, que o oráculo do profeta Natan prescreve um

compromisso de Deus com a descendência de Davi (cf. 2Sm 7,16), o que „fundará‟ a

esperança de um Messias davídico496

.

Historicamente, o rei que mais se assemelhou a Davi em obras e piedade, teria sido o

rei Josias497

, merecendo grande reconhecimento na tradição judaica, isto porque fez um

projeto de reunificação de todo o território de Israel, por meio de uma reforma político-

religiosa (cf. 2Rs 22), o que atribui ao rei Josias os requisitos de um grande rei, ou ao

menos de um rei desejado por Judá498

.

A passagem de Josias pela monarquia do Sul foi marcada por expansões. É

justamente em uma batalha que ele morre; tal morte em batalha causou crise à teologia

da dinastia davídica, pois surgia a questão: Deus foi ou não fiel a Davi?- A respeito de

sua morte, em 2Rs 23,28-30, a narrativa é sucinta e não permite acompanhar o seu

significado. Já Crônicas ao relatar a morte do rei procura uma causa: “não escutou as

493

DIEZ MERINO, Luis. El cordero de Dios en el Nuevo Testamento y en el Targum. EstB, p. 592:

“Juan Bautista tênia, pues, em su mente, al Mesías, justo e inocente, voluntariamente inmolado y quitando

el pecado del mundo, después de haberlo tomado a su cargo y haberlo expiado su sangre. El Cordero que

se há mostrado no es solamente el cordero divino, el cordero enviado por Dios; él es el Cordero de Dios, a

título de propriedad, el Hijo de Dios que cumplía con los sufrimientos y la muerte, su misíon redentora.” 494

Cf. THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico, p. 559. 495

ÁBREGO DE LACY, José Maria. La esperanza mesiânica en los libros proféticos: evolución y

desarrollo. EstB, p. 416: “con David la monarquia adquirió características de intervención específica de

Yahvé en favor de su pueblo.” 496

Cf. Idem ibidem, p. 417. 497

NAKANOSE, Shigeyuki. Uma história para contar: a páscoa de Josias. São Paulo: Paulinas, 2000,

p.66: “ao ler 2Rs 22,1-23,30 constatamos que os redatores ressaltam o papel de Josias como o melhor rei,

um homem fiel a Javé (22,2), empenhado na conservação do Templo (23,4-7) e no cumprimento da Lei

(22,13.19;23,1-3).” 498

ÁBREGO DE LACY, José Maria. La esperanza mesiânica en los libros proféticos: evolución y

desarrollo. EstB, p. 420; “1) el sentimiento anti-Betel, 2) la tendencia pro-levítica en el culto, y 3) la

ideologia del David redivivus.”

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palavras de Nacao, as quais vinham de Deus” ( 2Cr 35,22). Justificando que a morte de

Josias foi fruto de desobediência, contudo não deixou de merecer pranto em Jerusalém e

homenagens (cf. 2Cr 35,25), visto que sua obra foi “de acordo com a Lei do Senhor”(

2Cr 35,26).

O fim não desejado de Josias fez surgir uma interpretação de morrer pelo povo, isto

é, o rei justo não morreu simplesmente, mas morreu em uma batalha a favor de sua

nação. Deste modo, a dinastia davídica, que havia entrado em crise passa a se refazer, a

tal ponto, que para Ábrego de Lacy, concordando com Laato, este fato se torna o relato

base de Zc 12,9-13,1 e de Is 53; portanto, Ábrego de Lacy lança sobre Is 53 a releitura

do que se passou em Meguido, pelo que enumera as semelhanças, a saber,

en efecto, una lamentación suele tener una eulogia acentuada del

difunto (el siervo, „sin rostro ni apariencia‟); se destaca su importancia

en la sociedad (el siervo, „despreciado, sin atención‟); se alaba su

heroicidad y coraje (el siervo, „como cordero al matadero‟); es

esencial un funeral solemne (no para el siervo „con los malvados‟). La

muerte de Josías, duro golpe para los círculos dtrs, formaria un

transfondo histórico-tradicional homogêneo para la magnitud del

dolor reflejado em Is 53.499

Com a consideração de Ábrego de Lacy, partilhada por Laato, estaria em Meguido

não somente um fundo histórico da narrativa de Is 53, mas também um possível

fundamento para a morte vicária, e, também, estaria fundamentando a sorte da morte de

um justo pelos pecados do povo500

, de sorte que a analogia de cordeiro e servo estaria

justamente aliando duas tipologias, a princípio muito distantes: o messias régio e o

messias servo sofredor.

O Messias régio é Filho de Deus e, ao mesmo tempo, é Servo Sofredor. Está disposto

a dar sua vida pelo povo, assim, pode-se compreender que a comunidade joanina, ao pôr

em paralelo os títulos „Cordeiro e Deus‟ e „Filho de Deus‟, provavelmente, além da

hipótese de Dodd, ligada aos apócrifos apocalípticos, tivesse também em mente esta

junção que, segundo Ábrego de Lacy, já havia sido feita em Is 53.

Ainda que com fontes diversas, tanto Dodd, quanto Léon-Dufour, Diez Merino e

Ábrego de Lacy concordam que o cordeiro joanino torna-se uma tipologia messiânica

atribuída a Jesus, com o Batista cumprindo sua missão: revelar o Messias501

. Por sua

499

Idem Ibidem, p. 422. 500

Idem ibidem, p. 423: “con Josías- y con su muerte-, no sólo se refuerza la corriente mésianica que

unifica los reinos bajo un nuevo David, sino que tambiém se inicia la reconsideración del justo que muere

por los pecadores.” 501

Cf. FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II, p. 293.

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106

vez, a comunidade que convivia com outras perspectivas messiânicas502

viu nesta

imagem algo que reunia as características do ministério de Jesus, ou seja, a tipologia de

cordeiro-servo reúne não somente a visão régia do Messias, mas também a de

conhecedor da Lei e a função expiatória, que se esperava do Messias503

. Quanto a

esperança de reunificação, parece que a contribuição samaritana foi importante, pois a

tipologia do Messias samaritano trazia esta atribuição: a reunificação de Israel e a

universalização da ação do Messias (cf. Jo 4,42).

Segundo Ábrego de Lacy, com Josias a corte passou a sonhar com a reunificação de

Israel504

, o que na tradição foi sonhado por alguns profetas505

.

3.2.1 O Cordeiro de Deus e as tipologias samaritanas de Messias

No encontro com Natanael, que surge da segunda evocação de Jesus como

cordeiro506

(1,36), o Quarto Evangelho relaciona títulos messiânicos: Messias, Filho de

José, Filho de Deus e Rei de Israel (cf. Jo 1,41.45.49). Dentro da perspectiva de

reunificação do povo, o título „filho de José‟, aparecerá não somente aí, mas também em

Jo 6,42. A princípio, ambos parecem dizer respeito à família de Jesus, sua origem. No

entanto, considerando a ironia joanina e sua perspectiva de revelar o Messias, esta

referência se dirige também à antiga tradição sobre o messianismo do Filho de José507

.

502

GARCÍA MARTÍNEZ, Florentino. Qumran e o Novo Testamento: mitos e realidades. AT. Rio de

Janeiro, n. 31, 2009, p. 51: “o Messias no Novo Testamento tem muitas facetas: é um homem,

descendente de Davi; é, ao mesmo tempo, um Sacerdote que expia os pecados do mundo (o que parece

implicar numa descendência aarônica ou levítica); é um profeta, como Moisés que proclama uma nova

Lei; e é, ao mesmo tempo, uma figura celeste, o Filho de Deus.” 503

DIEZ MERINO, Luis. El cordero de Dios en el Nuevo Testamento y en el Targum. EstB, p. 594:

“tanto el Cordero, como el Siervo, tienen una misma misión universal, que es la de abolir el pecado[...]

será de diversos modos: 1) el Siervo se mostrará como Siervo-doctor de la Ley de Dios, en especial en la

persona de Jesús; pues la misión del Siervo será una enseñanza que permitirá que los hombres conozcan y

cumplan la voluntad de Dios, y como consecuencia, evitarán el pecado (Is 42, 1-4); 2) El Siervo será

totalmente puro, y proporcionará a los hombres fuerza para que no vuevan a pecar; por eso la santidad del

pueblo de Dios será uno de los caracteres de los tiempos mesiánicos; 3) El Siervo, afinazado en su

inocência, bautizará en el Espíritu, que él mismo recebió, y comunicará este mismo Espíritu que se

transformará en el hombre en princípio de vida nueva y de proceder intachable (Is 2,1-9;32,15-19;44,3-5;

cf. Ex 36,26s); 4) El Siervo tendrá, ante todo, una misión expiatória: ha de sufrir y morir por los

hombres.” 504

ÁBREGO DE LACY, José Maria. La esperanza mesiânica en los libros proféticos: evolución y

desarrollo. EstB, p. 420. 505

Cf. Idem ibidem, p. 418-419. 506

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 108:

“João pronuncia sua declaração em presença de dois discípulos. Ao repetir o incipit da declaração

anterior (1,29: olhai o Cordeiro de Deus), o autor faz ver que João comunica aos seus discípulos o

conteúdo inteiro daquela. Eles conhecem assim a qualidade do Messias; sabem que ele inaugurará a nova

páscoa e a nova aliança e realizará a libertação definitiva.” 507

Cf. Idem ibidem, p. 109.

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O Filho de José, como título messiânico está diretamente ligado à esperança da

reunificação dos dois reinos, pois esse título, na Judéia, estaria relacionado à Ez 37,15-

28, pelo que a “interpretação de Ez 37,24 [...] buscaria reunificar as regiões da Samaria

e da Judéia sob o reinado de Jesus. Um rei para os dois povos, Judá e Israel

(Samaria)”508

. Para Mateos e Barreto, “o conteúdo deste texto profético corresponde

perfeitamente à descrição de Jesus feita por Felipe e Natanael”509

, uma vez que

consideram Jesus não somente como Filho de Deus, mas também como rei de Israel,

trazendo à messianidade de Jesus, iniciada com a saudação Batista (1,36: eis Cordeiro

de Deus), a condição régia.

A condição régia está sutilmente sob a imagem da reunificação, pois se cordeiro

lembra o Servo Sofredor, que tem, segundo Ábrego de Lacy e Laato, suas raízes

históricas no episódio de Meguido, por sua vez, associa-se à imagem messiânica de

Filho de José, que lembra, segundo Silva, um Messias sofredor510

, a exemplo do que se

cimentou a partir de Is 53, que seria uma das bases da saudação Batista em Jo

1,29.36511

.

O cordeiro como elemento comum aos vários grupos que formaram a comunidade

joanina, traz à teologia do Quarto Evangelho a constatação de que Jesus é Messias e

Rei; aqui se entende porque a sequência de proclamação se abre com a declaração do

Batista (cf. Jo 1,29.36ss), o que se segue pelo movimento dos discípulos que vão

conhecendo Jesus e mostrando a outros. O processo de proclamações culmina com o

título rei de Israel; e mesmo que Natanael esteja pensando em uma perspectiva

nacionalista, o Quarto Evangelho deixa entre linhas que há a conjugação com o Filho de

José, fazendo de Jesus o reunificador.

Levando em consideração a sucessão de títulos messiânicos após a proclamação

Batista (cf. Jo 1,29.36), constata-se que essas interpretações trazem a messianidade de

Jesus mais para o mundo judaico, contudo, há alguns trechos desde Jo 1,29 que inserem

já uma associação com o meio samaritano.

508

SILVA, Antonio Carlos Higino da. O Messias samaritano do Evangelho de João. Disponível em

HTTP://lattes.cnpq.br/7688414808630436. P. 5, acessado em 10 de Maio de 2013 às 10:45:25. 509

MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 120. 510

SILVA, Antonio Carlos Higino da. O Messias samaritano do Evangelho de João. Disponível em

HTTP://lattes.cnpq.br/7688414808630436. Acessado em 10 de Maio de 2013 às 10:45:25, p. 10: “o

messias filho de Davi é um messias triunfante enquanto o Ephraim, ou o messias Filho de José é um tipo

muito diferente de messias e reflete um novo tipo de messianismo. Este tipo de messianismo envolve

sofrer e morrer.” 511

Cf. NEVES, Joaquim Carreira das. Escritos de São João. Lisboa: Universidade Católica Editora,

2004, p. 131.

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108

O cordeiro era símbolo de libertação tanto para judeus como para samaritanos, pelo

que a imagem do Cordeiro Pascal perpassa todo o Quarto Evangelho512

; realizando

associação entre Jesus e o cordeiro. O Evangelho segundo João parece associar também

outras imagens no título Cordeiro de Deus513

, mas é a partir de Jo 1,36 que aparecem

algumas atribuições do Messias samaritano: aquele de quem escreveu Moisés na Lei e

Filho de José.

Aquele sobre quem escreveu Moisés na Lei (cf. Jo 1,45) é o profeta esperado pelos

samaritanos: o novo Moisés514

; o Messias samaritano está fundamentado em Dt 18,15-

20, o que teria sido predito por Moisés, daí se pode compreender a fala de Felipe ao

dizer que Jesus estava na Lei de Moisés515

. Vendo Jesus como o Messias esperado pela

Samaria, o Quarto Evangelho faz acontecer, mais uma aproximação entre estes dois

povos, por sua vez, ao evocar os profetas (cf. Jo 1,45), Felipe traz o patrimônio do Sul,

aliando as duas tradições no interior da comunidade joanina, mas, para amadurecer a

concepção de um Ungindo sofredor, parece ter sido essencial à comunidade joanina a

contribuição samaritana516

.

Blanchard expõe que os samaritanos trouxeram grande contribuição à interpretação

messiânica sobre Jesus, assim, o aporte samaritano “pode ter mudado o curso da

cristologia joanina conferindo ao „Salvador‟ atribuições muito mais amplas do que as do

Messias de Israel”517

. Com isso, a saudação Batista ganharia uma interpretação mais

plausível, isto é, a imagem cordeiro-servo com alcance universal seria mais bem aceita.

512

Cf. MOLLAT, Donatien. Études Johaniques. Paris: editions Du seuil, 1979. P. 22: “ mais c´est la fête

de la paque, qui est mise par Jean avec le plus d´insistance en relation avec Jésus. Une première fois, au

seuil du ministère public, Jésus monte à Jerusalém pour purifier le Temple, centre des solennités pascales,

des profanations qui le souillent; Jésus annonce qu´immolé par les Juifs, et ressuscité, il será dans son

corps la victime et le sanctuarie de la Pâque nouvelle et veritable. Puis c´est la multiplication des pains

que est à son tour liée à la Pâque[...]surtout, le lien de la mort de Jésus avec la fete de la Pâque.” [tradução

nossa: porém, é a festa da páscoa, que é apresentada, com mais insistência, por João, em relação a Jesus.

Uma primeira vez, no início do ministério público, Jesus se dirige a Jerusalém, para purificar o Templo

(centro das solenidades pascais) das profanações que lhe contaminam; Jesus anuncia que imolado pelos

Judeus e ressuscitado, Ele será, no seu corpo, a vítima e o santuário da Páscoa nova e verdadeira. Depois,

por sua vez, a multiplicação dos pães é associada à Páscoa[...]especialmente a ligação da morte de Jesus

com a festa da Páscoa.] 513

LAGRANGE, Le P. M. Évangile selon Saint Jean. Paris: Librairie Lecoffre, 1948, p. 39: “Cet agneau

est, ou bien l ´agneau des sacrifices du Temple, ou bien l´agneau pascal, ou bien une figure du serviteur

de Iahvé dans Isaïe.” [tradução nossa: este cordeiro é tanto o cordeiro dos sacrifícios do Templo, como o

cordeiro pascal, ou ainda, uma figura do servo de Iahvé do livro de Isaías.] 514

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II, p 317: “Os samaritanos esperavam o

Messias como um novo Moisés, um Moisés redivivo.” 515

LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan, p.

63: “en efecto, en Dt 18, 15-20 Moisés escribió sobre la venida de un gran profeta que recibiría de Dios

mismo sus palabras y las transmitiría para vida o para muerte según fueran escuchadas o no.” 516

Idem ibidem, p. 111: “quizá fueron esos médios [samaritanos] los que aportaron elementos para forjar

una cristología no davídica, donde los rasgos dolientes del Mesías tendrían cabida.” 517

BLANCHARD, Yves-Marie. São João, p. 91.

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109

Frente a isto, vale ressaltar que o ministério de João Batista também se deu em território

samaritano, onde provavelmente encontrou alguns adeptos, o que já antecipa a

convivência no interior da comunidade joanina.

O fato de João Batista ter se ocupado também da Samaria não é um consenso entre

os pesquisadores. Nomes como Konings, Mateos e Barreto e Castro Sánches

argumentam que a indicação de Enon e Salim, podem se referir à Decápole518

, em

Citópolis. Mas, para Moloney, os nomes sugerem a Samaria519

. Em todo caso, João

Batista passa a exercer seu ministério fora das terras da Judéia, onde provavelmente

havia recebido alguma repressão520

. Castro Sánches diz que este trecho está posto aí

para fazer uma transição entre a Judéia de Nicodemos e a Samaria da mulher

samaritana521

. Do ponto de vista da expansão do anúncio da vinda do Messias, a

localização de João Batista antecipa a proclamação que farão os samaritanos, quando

veem Jesus como o salvador do mundo (cf. Jo 4,42).

João Batista está fora do território da Judéia522

, possivelmente na Samaria. Assim,

seu ministério testemunhal523

, presente no Quarto Evangelho, ultrapassa a Judéia e

chega à Samaria, indicando que também a este povo estava destinado o Messias, aquele,

que ele deveria testemunhar524

. De modo, que a alusão a uma terra fora da Judéia traz, à

memória, a primeira saudação que João dirigiu a Jesus: eis cordeiro de Deus que tira o

pecado do mundo (Jo 1,29), não encerrando o ministério redentor do Cordeiro de Deus

somente em Israel, mas alargando-o a todo o mundo.

João Batista parece está mais perto da Samaria (cf. Jo 3,23), segundo Léon-Dufour

“uns quatro ou cinco quilômetros a leste de Siquém”525

. Esta localização traz uma das

518

KONINGS, Johan. Evangelho Segundo João: amor e fidelidade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 120;

CASTRO SÁNCHEZ, Secundino. Evangelio de Juan: compreensión exegético-existencial. 3 ed.

Madrid: Comilas, 2001, p. 97-98; MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João. São Paulo:

Paulinas, 1989, p. 200-201. 519

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV. Minnesota: Michel Glazier Book, 1998, p.

105. 520

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 201. 521

Cf. CASTRO SÁNCHEZ, Secundino. Evangelio de Juan: comprensión exegético-existencial. 3 ed.

Madrid: Comilas, 2001, p. 100. 522

Cf. MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 201. 523

ZEVINI, Giorgio. Evangelho segundo João. São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco, 1987, p. 69:

“o Batista, que Deus enviou para o meio dos homens para batizar com água (v. 33) e tem sua missão de

reconhecer o Messias.” 524

SILVA, Marciano Monteiro da. O testemunho de João Batista no Quarto Evangelho. EB. Petrópolis,

n. 108, 2010, p. 59: “No Quarto Evangelho a figura de João, mais que um batizador, é a testemunha que

o próprio Deus envia para ser a voz que anuncia a chegada daquele que batizará com o Espírito Santo.

Ele vem não para manifestar a si mesmo, mas para que, através dele, o Cristo-Esposo se revele a Israel

numa abertura universal.” 525

LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 247.

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110

propriedades do Quarto Evangelho: fatos ocorridos na Samaria. Higino da Silva lista

alguns fatos526

e algumas alusões ao mundo samaritano, culminando com a estadia de

Jesus em Efraim (cf. Jo 11,54), associando-o ao Ben Efraim (Filho de José). Toda a

relação messiânica entre João Batista e Jesus tem seu início na saudação do cordeiro527

,

ainda que com influência apócrifa528

, aliás, desde a negação messiânica do Batista se

abre a sequência da revelação de Jesus, relacionando, na semana inaugural vários títulos

messiânicos com Jesus,

No primeiro dia (1,19-28), João Batista explica que ele não é o

messias, nem Elias ( o precursor do Dia de Javé, segundo Ml 3,23-24;

Eclo 48,9-10), nem o „Profeta‟ (título messiânico). No segundo dia

(1,29-34), o Batista apresenta Jesus aos discípulos como o „Cordeiro

de Deus‟ (1,29) e como „Filho de Deus‟ (1,34), títulos com valor

messiânico, que vêm completar a negação do Batista, quanto à sua

própria messianidade.529

O tema da messianidade no Evangelho segundo João é bastante evidente, o que se

pode ver ao considerar que,

João é único em todo o NT a traduzir para grego a forma

hebraica/aramaica meshiah (1,41: „encontramos o Messias! – que quer

dizer Cristo‟; 4,25: eu sei que o Messias, que é chamado Cristo, está

para vir”). O designativo Christos aparece 17 vezes em João, o

composto “Jesus Cristo” duas vezes (1,17; 17,3).530

A relação entre Cordeiro de Deus e Messias é evidente no texto do Evangelho

segundo João, sem deixar de considerar a fonte apocalíptica judaica e profética em Is

53; portanto, como atesta Konings, Cordeiro de Deus é um título messiânico531

. Ele

dialoga com as várias tradições presentes no Evangelho segundo João. Por sua vez,

526

SILVA, Antonio Carlos Higino da. O Messias samaritano no Evangelho de João. Disponível em:

http://lattes.cnpq.br/7688414808630436. Acessado em: 29 outubro 12, 10:45:20, p. 08: “Os fatos

ocorridos na Samaria que são relatados no evangelho são únicos na narrativa dos evangelhos canônicos,

como:

• João Batista em Enom - O evangelho apresenta o Batista é colocado na região de Siquém (Enon e

Salim), no coração da Samaria dando independência a esta tradição se comparada aos sinópticos que o

coloca a margem do Jordão.

• Vocação de Filipe e Natanael – Jesus é anunciado como o Profeta semelhante a Moisés, anunciado em

Dt 18,18. E lembramos que Filipe e Natanael são encontrados entre os primeiros convocados apenas no

evangelho de João. Destacamos que as expectativas messiânicas dos samaritanos estão centradas neste

Profeta.

• A tradição samaritana em 1,43ss que apresenta Jesus como rei de Israel, herdeiro do patriarca José.

Diferente da linha de sucessão patriarcal davídica apresentada nos sinópticos.

• Jesus e o diálogo com a Samaritana: a fonte de Jacó não é longe de Enon onde estava o Batista. Na

verdade, estão próximos também pela teologia que coloca o Batista na Samaria para que os samaritanos

estejam prontos ao anúncio de Jesus.” 527

Cf. KONINGS, Johan. O tema do messias no Quarto Evangelho. EB. Petrópolis, n. 52, 1997, p. 90. 528 Cf. DODD, Charles. A interpretação do Quarto Evangelho, p. 307. 529

KONINGS, Johan. O tema do messias no Quarto Evangelho. EB, p. 90. 530

NEVES, Joaquim Carreira das. Escritos de São João, p. 84. 531

Cf. KONINGS, Johan. O tema do messias no Quarto Evangelho. EB, p. 90.

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111

Neves considera que a proclamação de Jesus como Messias é o grande tema na teologia

do Quarto Evangelho532

, que tem seu esquema discursivo inaugural na negação de João

Batista (cf. Jo 1,19-21) versus afirmação sobre Jesus (cf. Jo 1,29-34). De fato, como diz

Moloney, João Batista introduz o tema messiânico533

. Esta introdução é feita

inicialmente com a saudação Batista: eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do

mundo (Jo 1,29).

A comunidade joanina soube acolher a tradição do Batista e a contribuição

samaritana e inseri-las em seu escopo escriturístico, o que, com certeza, tinha um

propósito: relacionar o Cordeiro de Deus à missão de Jesus; de modo que a teologia do

Quarto Evangelho parece pretender expor o que decorre da imagem de Jesus como

Cordeiro de Deus. Frente a isto, já se pode dizer que a primeira implicação seja “tirar o

pecado do mundo” (Jo 1,29), o que já está claro na saudação Batista. Este “tirar o

pecado”, indica reconciliar, de sorte, que o ministério do Cordeiro de Deus traria uma

humanidade reconciliada com o próprio Deus, tal é o que nos ocupará no próximo

tópico.

3.3 Cordeiro: a humanidade reconciliada com Deus

Reconhecendo a saudação Batista como uma saudação com fundo sacerdotal534

, está

se expondo que a vida e morte de Jesus podem ser entendidas como uma entrega, e de

fato, o Quarto Evangelho organiza seu projeto rumo à cruz535

. Deste modo, já está

vislumbrada a possibilidade da morte violenta com a qual Jesus haveria de morrer.

Entretanto, não parece ser esta ao longo do texto, a consciência de Jesus536

. Jesus e João

Batista conheciam o fim de alguns dos profetas; por conseguinte, já poderiam suspeitar

de seu próprio fim. Levantar a hipótese de uma morte violenta por parte das autoridades

não seria algo impossível, nem a João Batista e tão pouco a Jesus.

A respeito da interpretação da vida e execução do Batista, alguns dos seus discípulos

deram uma interpretação gloriosa, pelo que continuaram a batizar seguindo sua

532

Cf. NEVES, Joaquim Carreira das. Escritos de São João, p. 84. 533

Cf. MOLONEY, Francis J. The Gospel of John. V. IV, p. 52. 534

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 126. 535

COLAVECCHIO, Ronaldo L. Jesus de Nazareu: a experiência de Deus no Evangelho de São João.

São Paulo: Loyola, 2007, p. 11: “desde cedo, no Evangelho de João, o leitor sabe que Jesus de Nazaré é

um homem condenado à morte.” 536

THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos: uma teoria do cristianismo primitivo. São

Paulo: Paulinas, 2009, p. 198: “é improvável que, historicamente, Jesus tivesse conscientemente querido

sua morte como morte sacrificial.”

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112

prática537

, mas esta tradição não se expandiu largamente, seja no tempo ou no espaço.

Por sua vez, a morte de Jesus encontrou entre seus discípulos uma interpretação que se

sustentou e levou-os a reinterpretarem a Escritura e a Lei à luz de Jesus538

. Os escritos

compilados no Novo Testamento são uma prova cabal destas interpretações.

Inicialmente, a morte de Jesus foi um desastre, “os discípulos experimentaram sua

execução como uma catástrofe”539

; mas eles tinham, na vida pública de Jesus, alguns

elementos que ajudaram a uma reinterpretação, pois “na vida do Jesus histórico já

existia um suporte para a posterior interpretação sacrificial de sua morte”540

. Não foi

difícil aos discípulos chegarem a interpretar a morte de Jesus do ponto de vista da

teologia sacrificial.

A teologia sacrificial de reconciliação em Israel traz no seu seio a teologia da

substituição, isto é, por meio de um sacrifício o devedor paga a sua dívida; aquele que

cometeu um pecado contra um preceito, ou um ato de impureza, expõe uma vítima

sacrificial em seu lugar. O sangue desta vítima recoloca o devedor conciliado com o

credor, no caso da fé de Israel: Deus e o pecador. Dentro deste raciocínio sacro de

Israel, os discípulos passaram a compreender a morte de Jesus, tendo-a como um ato de

reconciliação, que perdoava as dívidas do mundo (cf. Jo 1,29).

A teologia da dívida parece bastante simples, porém, requer uma substituição radical

para os judeu-cristãos, pois até então, os judeu-cristãos conheciam os sacrifícios do

Templo, que eram realizados com animais, e por outro lado, tanto os judeu-cristãos

como os samaritanos, convertidos a Jesus, conheciam a rejeição do Deus da Aliança ao

sacrifício humano (cf. Gn 22,1-18). Os seguidores de Jesus levaram a termo o que havia

sido predito em Is 53: um servo será sacrificado pelo povo, de modo que agora os

cristãos passavam a cultuar um sacrifício humano541

. Neste sacrifício humano, a

537

LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 125: “sua atividade [do

Batista] se estende do outono de 27 à primavera de 29, durante o segundo período de Qumran, em que

dominava um essenismo de característica zelote. Profundamente original, este período teve repercussão

notável, como aponta o mesmo Josefo. Um movimento batista brilhava em Éfeso, segundo uma menção

dos Atos dos Apóstolos [19,1-4], bem depois da morte de João; sua sobrevivência pode ser encontrada na

Síria até o ano 300.”

538 Cf. THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 268.

539 Idem ibidem, p. 198.

540 Idem ibidem, p. 198.

541 Idem ibidem, p. 16: “os primeiros cristãos desenvolveram, na verdade, um sistema de sinais sem

templo, sem sacrifício, sem sacerdote, e conservaram, então, de forma dissimulada em suas

interpretações, esses elementos tradicionais de sistemas religiosos, muitas vezes até mesmo numa forma

arcaica já então ultrapassada: eles cessaram, com efeito, de sacrificar animais, mas, em suas

interpretações, reativaram uma forma de sacrifício de há muito superada: o sacrifício de pessoas – como o

sacrifício expiatório de Jesus.”

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comunidade experimentou a salvação542

e soube que “a entrega de Cristo, Filho de

Deus, na cruz tem um significado infinitamente superior ao culto sacrificial sangrento

do Templo de Jerusalém”543

, pois traz a paga da dívida, isto é, Deus não precisa mais de

sacrifícios, agora, o amor se expressa como a maior exigência da fé, pois, a morte de

Jesus, apesar de sangrenta, foi uma entrega por amor544

, e é exatamente o amor que

redime.

No Quarto Evangelho, apesar dos pontos que indicam a morte de Jesus como

sacrifício, predomina a visão gloriosa da morte de Jesus. A partir do capítulo doze (Jo

12) deste Evangelho se faz mais acentuada uma teologia da morte de Jesus, vendo-a

como glória, de onde decorre a salvação do homem. Esta morte está paralela à Páscoa

dos judeus, para a qual eles se preparavam (cf. Jo 12,1). De fato, Jesus sobe a Jerusalém

para ir a mais uma páscoa545

. Aqui intensifica o conflito com as autoridades judaicas

que o querem desacreditar e até mesmo prender546

, mas o que visualizam é o

crescimento do seguimento a Jesus (cf. Jo 12,20), inclusive com a procura de gregos por

ele, e não somente estes, mas também um número de judeus. Sobre os gregos,

Schnakenburg considera que sejam prosélitos, pessoas pagãs próximas ao judaísmo547

.

Esta busca por Jesus revela o alcance universal de sua salvação, pois, a sua morte não se

configura, primeiramente, em sacrifício particular, mas em uma exaltação, que dará

frutos abundantes à missão do próprio Jesus e à sua comunidade.

542

GODOY, Edvilson de. O sacrifício de Cristo: abordagem a partir de René Girard e Raymund

Schwager. São Paulo: Palabra &p prece, 2012, p. 144: “Os cristãos viveram a experiência da salvação

realizada por Cristo.” 543

Idem ibidem, p. 144. 544

ERNANDES FERNANDES, Cézar L. O sentido da cruz, p. 21: “compreender o significado da morte

de Jesus é entender a revelação que move o Evangelho: o triunfo do amor sobre a morte” 545

GODOY, Edvilson de. O sacrifício de Cristo, p. 58: “Jesus vai a Jerusalém para celebrar a páscoa,

como qualquer hebreu daquela época.” 546

SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni: parte segunda. Brescia: Paideia, 1977, P.

600: “le autorità giudaiche procedono inesorabili contro Gesù (11,57) e cercano di soffocare con ogni

mezzo la fede in lui (cfr. 12,10s.). Ma già si delinea la vitoria della fede in Cristo: un grande numero di

Giudei non si lascia dissuadire dal seguire Gesù (12,12.19) e vengono dei Greci per vedere Gesù

(12,20s.): un quadro molto promettente della chiesa costituita di giudei e pagani. Il trionfo di Gesù è

fondato sulla sua morte: con essa suona l´ora della glorificazione del Figlio di Dio (12,23).” [tradução

nossa: as autoridades judaicas agem inexoráveis contra Jesus (11,57) e procuram sufocar, por quaisquer

meios a fé que é depositada nele (cfr. 12,10s.). Porém, já se delineia a vitória da fé em Cristo: um grande

número de Judeus não se deixa dissuadir do seguimento a Jesus (12,12.19) e alguns gregos vêm para ver

Jesus (12,20s.): um quadro muito promissor da igreja constituída de judeus e pagãos. O triunfo de Jesus é

fundado sobre a morte: com a mesma, soa a hora da glorificação do Filho de Deus (12,23).] 547

Idem ibidem, p. 634: “I „greci‟ non sono giudei di língua grega, ma greci di nascita(cfr. A 7,35), che

come proseliti hanno aderito al giudaismo. Il loro proposito di „adorare‟ in occasione della festa, vale dire

di venerare Dio, fa pensare che si tratti di cosiddetti‟timorati di Dio‟,che non potevano mangiare l´agnello

pascuale.” [tradução nossa: os „gregos‟ não são judeus de língua grega, mas gregos de nascimento (cfr. A

7,35), que como prosélitos aderiram ao judaísmo. O propósito deles de „adorar‟ por ocasião da festa e,

vale dizer, de venerar a Deus, faz pensar que se trate dos assim chamados „tementes a Deus‟ que não

podiam comer o cordeiro pascal.]

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A morte de Jesus é salvação universal; é para todo o mundo. Tal como havia se

expressado João Batista em sua saudação (cf. Jo 1,29). Esta salvação consiste em ter a

vida de volta, a vida eterna a partir da cruz, visto que, “a salvação do homem é realizada

de forma decisiva, não só pela sua encarnação ou na continuidade de sua vida mortal,

mas na sua morte”548

.

Nas comunidades primitivas logo se considerou que o Pai exaltou Jesus após a

ressurreição (cf. Fl 2,9; At 2,33). Por sua vez, o Quarto Evangelho passa a considerar tal

exaltação na cruz; o que se havia anunciado no encontro com Nicodemos (cf. Jo 3,14)

passa em Jo 12 a ficar mais claro a qual exaltação Jesus se referia. Deste modo, o

Quarto Evangelho antecipa a exaltação, com o que anuncia sua obra: atrair todos a si

(cf. Jo 12,32). Com isto, o Evangelho joanino se coloca dentro da tradição primitiva da

exaltação, convergindo para o que transmitem outros escritos neotestamentários549

.

Todavia, guardando primeiro o conceito de exaltação-glorificação para a morte de

Jesus, ao invés de propriamente condicioná-los à ressurreição. De fato, a hora da morte

no Evangelho segundo João, é a hora da glória e da exaltação550

, tanto que a narração da

Paixão é moldada por uma pompa de realeza551

. Da morte de Jesus emerge a reunião

dos filhos de Deus552

, agora compostos não mais somente por judeus, mas também por

pagãos e inclusive por samaritanos, que formam a família de Deus553

.

548

ERNANDES FERNANDES, Cézar L. O sentido da cruz, p. 34. 549

SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni, parte segunda, p. 659: “la morte di Gesù sulla

Croce per Giovanni ha acquisitato un determinato aspetto, un valore teologico suo proprio. Sulla Croce

egli conferisce un significato traslato teologico che concorda con quello elaborato molto presto nella

chiesa primitiva, secondo cui Gesù con la sua risurrezione o dopo di essa è stato „esaltato‟ presso Dio.”

[tradução nossa: a morte de Jesus na Cruz, adquiriu, para João, um determinado aspecto, um valor

teológico próprio. Na Cruz, ele confere um significado teológico metafórico que concorda com aquele

elaborado bem cedo na igreja primitiva, segundo o qual, Jesus com a sua ressureição ou depois desta, foi

„exaltado‟ junto de Deus.] 550

Idem ibidem, p. 600: “Il seme di frumento che morre da molto frutto (12,24), la Croce diventa

esaltazione, per la quale il Figlio dell´uomo trae tutti a sé (12,32s). In tal modo l´ora più oscura di Gesù se

muta in rivelazione della sua gloria (12,27), la potenza del principe di questo mondo è infranta (12,31).

Questo Cristo rimane in eterno, per paradossale che ciò posa sembrare di fronte alla sua morte (cfr.

12,34).” [tradução nossa: o grão de trigo que morre dá muito fruto (12,24), a Cruz se torna exaltação pela

qual o Filho do homem atrai todos a si (12,32s). Desta forma, a hora mais obscura de Jesus se transforma

em revelação de sua glória (12,27), o poder do príncipe deste mundo é quebrado (12,31). Este Cristo

permanece para sempre, por mais que isto possa parecer um paradoxo diante de sua morte (cfr.12,34).] 551

Cf. NEVES, Joaquim Carreira das. Escritos de São João, p. 263. 552

Idem ibidem, p. 274: “a finalidade da acção do Êxodo é „não deixar que o exterminador entre nas casas

[dos judeus] para as ferir‟ (12,23c) e a da Cruz, segundo João, é levar à „consumação‟ a obra do Pai no

seu Filho para que „os seus‟ (ta idia) sejam um só na nova família nascida na Cruz.” 553

SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni, parte segunda, p. 652: “ l´aspetto positivo più

importante dell´ora di Gesù consiste nella salvezza dei credenti, e precisamente in una dimensione

universale: di tutti gli uomini che vengono a lui e da lui si lasciano guidare.” [tradução nossa: o aspecto

positivo mais importante da hora de Jesus consiste na salvação dos crentes, e precisamente numa

dimensão universal: de todos os homens que vêm a ele e se deixam guiar por ele.]

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O conceito de morte sacrificial não ficou fora do Quarto Evangelho, ainda que

predominando uma visão gloriosa da hora de Jesus. O Evangelho segundo João possuía

a consciência de que o pecado gerava uma separação entre Deus e o homem. Separação

que no mundo de Israel era quebrada pelos ritos de sacrifício, pelos quais o povo se

reconciliava com Deus, de sorte que, a vida do animal, doada em sacrifício, reconstituía

a relação quebrada. A relação também estava rompida entre os homens, mas a morte de

Jesus cumpria o desejo de reunificação do povo, sonho que se alimentava em alguns

grupos judaicos desde o tempo de Josias. Agora, a comunidade joanina, diante da

pluralidade de seu grupo, via os frutos da glorificação de Jesus e compreendia o que

queria dizer atrairei todos a mim (cf. Jo 12,32). Outra esperança messiânica que se

cumpria é o perdão dos pecados554

, foi isto que o Batista pronunciou, e uma vez o

Mestre exaltado, cumpria-se este anúncio; agora, os pecados não são perdoados pelos

sacrifícios do Templo, mas pela cruz de Jesus. Diante disto, o Quarto Evangelho

assimila a morte de Jesus também como sacrifício, como sacrifício de reconciliação.

A separação entre Deus e o homem vigorava555

na consciência dos judeus, haja vista

a numerosa sucessão de sacrifícios no Templo e a celebração de Kippur556

. Por sua vez,

a comunidade cristã não dispensou tal compreensão, pois intuía, desde os ensinamentos

de Jesus, que o Pai mesmo iria buscar se reconciliar com o povo, o próprio Deus

tomaria a iniciativa. O Quarto Evangelho, com forte acento sacerdotal, ao expor Jesus

como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (cf. Jo 1,29), não faz outra coisa

senão dizer: Deus tomou a iniciativa. Assim, a entrega de Jesus está no programa do

Evangelho desde o início. Esta entrega se faz necessária557

, segundo a teologia do

Quarto Evangelho, tanto que “ninguém tira minha vida eu a dou” ( cf. Jo 10,18); é o

que afirma o Jesus joanino, fazendo de sua morte uma entrega de amor, amor que

reconcilia558

.

554

DODD, Charles. A interpretação do Quarto Evangelho, p. 314: “dar cabo do pecado é uma função

do Messias judeu, sem ligação alguma com o pensamento de uma morte redentora. Por exemplo:

Testamento de Levi, 18,9.” 555

THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 202: “nas interpretações da morte de Jesus

como sacramentum não existe nenhuma analogia entre o agir de Deus, de Cristo e do ser humano; ao

contrário, acentua-se exatamente a distância entre Deus e o ser humano. A ordem da „justiça‟, que liga

Deus e homem, é profundamente perturbada pela injustiça humana: sua restauração exigia a „expiação‟. O

relacionamento pessoal entre Deus e homem tornou-se „inimizade‟, de modo que Deus e homem precisam

ser reconciliados.” 556

Cf. AVRIL, Anne-Catherine. As festas judaicas, p. 123. 557 SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni, parte segunda, p. 636: “ la morte de Gesù è

necessária per portare abbondanti frutti missionari.” [tradução nossa: a morte de Jesus é necessária para

levar abundantes frutos missionários.] 558

Cf. ERNANDES FERNANDES, Cézar L. O sentido da cruz, p. 37.

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O sacrifício do cordeiro trazia benefícios para quem o ofertava, por sua vez, o

sacrifício do Cordeiro de Deus traz benefícios para a humanidade. Deus oferta e nós

somos beneficiados, somos aí reconciliados com Deus, ou seja, Jesus se entrega para

romper o muro que se tinha imposto entre o homem e Deus, e o rompe com a sua

entrega por amor, a ponto de poder nos reconciliar com o Pai559

.

O ato de entrega de Jesus é também um ato de obediência; para o Evangelho segundo

João, a morte de Jesus identificada com a entrega do Servo do Senhor, é um ato de

entrega consciente, por isso é possível supor que Jesus mediante a proximidade da

perseguição e o rumo que ia tomando sua vida, pode ter se identificado pessoalmente

com o Servo do Senhor560

. No que diz respeito à comunidade joanina, ela facilmente

interpretou a saudação do Batista como um sinal de obediência, pois o Servo, em

analogia ao cordeiro, torna-se sinal de obediência; tal sinal é encarnado na pessoa de

Jesus. Ora, se há necessidade de reconciliação é porque uma das partes desobedeceu ao

estabelecido, por isso, pode-se considerar que a obediência era elemento chave na

Aliança com Deus561

.

A Nova Aliança, agora destinada a toda a humanidade, é celebrada por Deus mesmo,

[a] fidelidade consiste no fato de Ele agir não apenas como Deus

diante dos homens, mas também como homem diante de Deus,

fundando assim a Aliança de modo irrevogavelmente estável. Por isso

a figura do Servo de Deus, que carrega o pecado de muitos (Is 53,12),

deve ser ligada com a promessa da Nova Aliança fundada de maneira

indestrutível.562

A figura do Servo, ou sua analogia ao cordeiro, aparece como elemento de

obediência563

, até mesmo frente à morte. Ao que parece, foi isto que a comunidade

joanina viu plenamente em Jesus, uma obediência capaz de corrigir a desobediência

humana. Diz Ratzinger que, na última ceia, Cristo quis atrair a “humanidade na sua

obediência vicária”564

, que leva à cruz, que é glória, mas também é sacrifício de

reconciliação565

.

559

THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 204: “ morrer pelos pecados ou por nós, pode

também aparecer como doação de amor. O amor visa à reconciliação entre parceiros inimizados.” 560

GODOY, Edvilson de. O sacrifício de Cristo, p. 58: “Jesus interpretou sua missão, paixão e morte à

luz da figura do servo do Senhor.” 561

Cf. RATZINGER, Joseph- BENTO XVI. Jesus de Nazaré, p. 126. 562

Idem ibidem, p. 126. 563

FABRIS, Rinaldo; MAGGIONI, Bruno. Os Evangelhos. V. II, p. 294: “o cordeiro é a imagem de uma

obediência e de um amor que vão até a cruz; e o cordeiro é a imagem do servo de Deus que toma sobre si

(leva) o pecado do povo.” 564 RATZINGER, Joseph- BENTO XVI. Jesus de Nazaré, p. 126. 565

Cf. THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 204.

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117

A comunidade do Discípulo Amado566

, dada sua rica presença de diversas tradições,

viveu uma síntese sobre o evento da crucificação. Para ela, a cruz é o ponto mais alto da

revelação de Jesus, o que faz da ressurreição um desdobramento da realeza e da

revelação estabelecida na cruz567

. É lá onde sua exaltação acontece; onde sua glória é

manifestada568

. Assim, cumpre-se o que o Quarto Evangelho havia anunciado em Jo

1,29: Jesus é obediente até a morte, como o Servo, semelhante ao cordeiro vivendo a

entrega.

A morte do Servo de Deus, que é levado ao matadouro como cordeiro (cf. Is 53), traz

o perdão dos pecados. Segundo o Quarto Evangelho, a cruz de Jesus atrai todos a si, e

manifesta a glória do Pai no Filho. Jesus reconcilia o mundo com Deus, apaga a dívida

dos homens. Ora, o Servo carrega o pecado (cf. Is 53), Jesus tira o pecado (cf. Jo 1,29);

o ministério do Cordeiro de Deus é exatamente este: tirar o pecado, reconciliar.

Os escritos neotestamentários são herdeiros de uma antiga consciência de

rompimento com Deus, que gerava a necessidade de reconciliação, pelo que surgiram

ritos para tal fim. Deste modo, também o Evangelho segundo João, apesar de

predominar a visão de gloria e exaltação, o evento da morte de Jesus não foge a atender

à lógica de rompimento com Deus e necessidade de reconciliação569

.

A respeito da necessidade de reconciliação, o Antigo Testamento utiliza ritos e

termos referentes. Um deles é Kapar, que diretamente quer dizer: cobrir, ocultar. Este

termo foi utilizado no culto “em sentido técnico, para indicar um ato de expiação,

realizado através da aspersão do sangue da vítima”570

. Com este rito, o ofertante do

sacrifício retira o que impedia a reconciliação. O que acontece é a oferta de um inocente

em lugar de um culpado. Na teologia do substituto, o animal torna-se o substituto do

566

Cf. VIDAL, Senén. Los escritos originales de la comunidad del Discípulo “amigo” de Jesus, p. 40. 567

Cf. NEVES, Joaquim Carreira das. Escritos de São João, p. 278. 568

SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni, parte segunda, p. 632: “tutta la sezione 12,20-

36 opera dell´evangelista, che inoltre utilizza a modo suo soltanto alcuni „logiasinottici‟ (vv. 25s) e la

scena sul Monte degli Olivi (v. 27). Com grande abilità costrittiva egli ha trovato una conclusione adatta

all´atività pubblica di Gesù: uno sguardo alla morte de Gesù sulla Croce (vv. 24.33), che però egli

considera come l´ora della „esaltazione‟ del Figlio dell´uomo (vv. 23.32), cioè della glorificazione e della

vittoria di Gesù (vv. 31s)” [tradução nossa: toda a sessão 12,20-36, obra do evangelista, que além disso,

utiliza, a seu modo, apenas alguns „logiasinottici‟ (vv.25s) e a cena do Monte das Oliveiras (v.27). Com

grande habilidade coercitiva ele encontrou uma conclusão adaptada à atividade pública de Jesus: um olhar

direcionado à morte de Jesus na cruz (vv.24.33), que, porém, ele considera como obra da „exaltação‟ do

Filho do homem (vv.23.32), isto é, da glorificação e da vitória de Jesus (vv.31s).] 569

Cf. THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 202. 570 MACKENZIE, J. L. Expiação. In: DB, 3 ed. São Paulo: Paulus, 1983, p. 329.

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pecador, para que aconteça a reconciliação. A palavra Kapar, em sua derivação koper,

traduz bem a compreensão veterotestamentária de reconciliação571

.

Mackenzie considera que koper não indicaria propriamente expiação no sentido

genérico, mas estaria mais especificamente ligado a resgate, redenção572

, mas, tal

compreensão não rompe o que se busca com a expiação: reconciliar; assim, tornam-se

linguagens para comunicar o meio de chegar ao mesmo fim: reconciliação.

No Novo Testamento, a compreensão de reconciliação herda o que decorre de

expiação e resgate do Antigo Testamento. Há quem chegue a considerar, que Kapar,

cobrir e ocultar estariam posto para indicar, providencialmente, de forma prefigurada,

que os ritos do Antigo Testamento somente encobriam o pecado, pois quem o apagaria

de fato seria Jesus Cristo. Contudo, segundo Harris, “não existe quase nada que

favoreça este ponto de vista”573

.

Na passagem para o grego os termos Kapar e koper assumem traduções e derivados

que são utilizados pelo Novo Testamento: hilaskesthai, hilasmos, hilasterion que

indicam: reconciliar, tornar favorável, reconciliação, o meio de reconciliação574

. Além

do uso na literatura paulina (cf. Rm 3,25), o uso de hilasmos se dá na Primeira Carta de

João, de forma recorrente, em 1Jo 2,2 e 4,10, onde “o próprio Cristo é hilasmos,

reconciliação para os nossos pecados”575

. Com isso se ratifica que a comunidade joanina

também via a entrega de Jesus como um ato de reconciliação; ato que ele faz enquanto

representante da humanidade. Tal interpretação vigorava nas primeiras comunidades e

se transmitiu pelos escritos neotestamentários576

, pelo que o Quarto Evangelho, logo

considera que a vítima inocente, dada em razão de nossa culpa é o cordeiro; o Cordeiro

de Deus como vítima de reconciliação.

A reconciliação realizada por Jesus, o Cordeiro de Deus, é iniciativa do próprio

Deus, como recorda León-Dufour577

. Antes, o homem ofertava oferendas para chegar a

Deus, agora, a ação se inverte e Deus doa uma oferenda para chegar ao homem. A

571

HARRIS, R. L. koper. In: DITAT. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 744: “a partir do sentido de koper,

„resgate‟, pode-se entender melhor o significado de Kapar. Significa „expiar mediante o oferecimento de

um substituto‟. A grande maioria dos usos diz respeito ao ritual realizado pelos sacerdotes de aspergir o

sangue sacrificial, assim, „fazendo expiação‟ pelo adorador. Existem 49 casos de tal uso apenas em

Levítico, e nesse livro não há confirmação do uso da palavra com qualquer outro sentido.” 572

Cf. MACKENZIE, J. L. Expiação. In: DB, 3 ed. São Paulo: Paulus, 1983, p. 329. 573

HARRIS, R. L. koper. In: DITAT, p. 743. 574

Cf. MACKENZIE, J. L. Expiação. In: DB, 3 ed, p. 329. 575

Idem ibidem, p. 329. 576

THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos, p. 180: “o perdão dos pecados se dava,

segundo um antigo consenso cristão primitivo, com a morte expiatória de Jesus (1Cor 15,3-5).” 577

Cf. LÉON-DUFOUR, Xavier. Leitura do Evangelho segundo João. V. I, p. 135.

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oferenda de Deus é Jesus. Mas esta ação, iniciada por Deus não é uma ação que viola a

liberdade de Jesus, pelo contrário, o Quarto Evangelho, além da imagem do cordeiro

atribuída a Jesus, vai enfatizar que a entrega de Jesus é um ato de livre amor para

manifestar a glória do Pai, que consiste em um serviço à própria humanidade,

é justamente o fato de que Jesus manifestará a glória do Homem que

possibilitará sua missão. Não proporá doutrina nem ideologia, e sim

mostrará o desígnio criador de Deus, que significa a plenitude

humana. Quer devolver ao homem seu valor fundamental, acima de

toda a ideologia.578

De fato, a morte de Jesus, antes de ser uma condenação é uma entrega que estava

programada desde o início do Quarto Evangelho, não primeiramente como um

sacrifício, mas como um serviço do Servo de Deus. Em Jo 12, volta a referência ao

Servo de Deus, visto que o Servo manifestará a glória de Deus (Disse-me: „tu és o meu

servo, Israel, em ti manifestarei minha glória‟ Is 49,5), assim, o Jesus joanino não

chega a fazer anúncios da Paixão, como nos sinóticos (cf. Mt 16,21-23; Mc 8,31-32; Lc

9,22-23), mas, com a manifestação da glória, entra em um itinerário de entrega

semelhante a de um cordeiro (cf. Is 53,7) que, objetivamente, traduziu-se na cruz. A

vida de Jesus revela a glória do Pai em situação contraditória: dor e sofrimento versus

glória e salvação579

.

A manifestação da glória é um tema recorrente no Quarto Evangelho (cf. Jo 1,14),

mas com maior incidência nos textos diretamente ligados à Paixão, o que faz o leitor

joanino colocar a obra de Jesus dentro do conjunto teológico que chega à cruz,

o tema da glorificação se encontra no início (13,31-32) e no final

(17,1.4-5.10.22.24) dos diálogos de despedida. Mas, à margem desta

relação literária, existe uma relação mais profunda: o tema da

exaltação e glorificação, com o seu enlace inequívoco com a cruz e

com a morte de Jesus (ser erguido na cruz, cf. 3,13-14; 8,28; 12,32-

33), apresenta a vertente palpável e visível do mistério da morte. Pois

bem, esta morte, vista em profundidade- quer dizer, vista

teologicamente-, é a passagem ao Pai, a caminhada de Jesus, a volta

para onde se encontrava antes da criação do mundo (17,24; f. 17,5).580

A Paixão de Jesus no Evangelho segundo João é profundamente marcada pela lógica:

glorificação-exaltação, que perpassa a entrega do servo. Há inclusive entre os teólogos,

quem defenda que Jesus, em um dado momento de sua vida, viu-se como o Servo

Sofredor. Um destes teólogos é Godoy, ao elucidar que Jesus, viu-se como o Servo de

578 MATEOS, Juan; BARRETO, Juan. O Evangelho de João, p. 545. 579

Cf. LÓPEZ ROSAS, Ricardo; RICHARD GUSMÁN, Pablo. Evangelio y Apocalipsis de San Juan,

p. 217. 580

TUÑÍ, Josep-Oriol; ALEGRE, Xavier. Escritos joaninos e cartas apostólicas, p. 61.

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Deus581

, fazendo de sua eventual morte, um evento vicário, pois “o sofrimento do servo

é vicário, deve aceitar a morte para realizar o plano de Deus”582

. Diante do avanço das

hostilidades das autoridades judaicas, Jesus percebeu que poderia sofrer uma morte

violenta583

, o que pode tê-lo levado a uma interpretação do Servo Sofredor sobre si.

Para o Evangelho segundo João, não basta ver a morte de Jesus como um evento

violento, o que o faz expressá-la como uma entronização584

, pois a morte torna-se

exaltação à semelhança da exaltação da serpente no deserto (cf. Jo 3,14), onde se poderá

contemplar a fé e a salvação585

.

A exaltação a que se refere o Quarto Evangelho também liga a Paixão joanina à

tradição do Servo do Senhor, pois uma das promessas dirigidas ao servo é a promessa

de exaltação (eis que meu Servo será bem sucedido, subirá, será exaltado e elevado bem

alto. Is 52,13), de modo que ela não traz somente a memória da serpente no deserto,

mas se insere no programa joanino que ricamente interpreta o ministério de Jesus à luz

do Servo do Senhor586

.

Considerando que glorificação e exaltação sejam duas atribuições que estão na

relação entre Deus e o seu servo, pode-se claramente ratificar a imagem cordeiro-servo

no Quarto Evangelho. Frente a isto, Diez Merino considera que a imagem do servo e a

imagem do Cordeiro de Deus se referem à missão universal de tirar o pecado do

mundo587

, de modo que,

el bautismo de Jesús inicia la actuación de la salvación, y a su vez,

prefigura el misterio Pascual en sus dos fases: humillación y

glorificación, y ya contiene en gérmen toda la obra salvífica. Para

Juan evangelista, cuando el Precursor presenta a Jesús como „Cordero

de Dios‟ que sale de las águas del Jordán, ya contempla la salvación

de la humanidad mistéricamente anticipada.588

581

Cf. GODOY, Edvilson de. O sacrifício de Cristo, p. 58. 582

Idem ibidem, p. 58. 583

Cf. Idem ibidem, p. 96. 584

Cf. NEVES, Joaquim Carreira das. Escritos de São João, p. 262. 585

AUWERS, Jean-Marie. La nuit de Nicodème. (Jean 3,2;19,39) ou l´ombre Du langage. RB. Paris, n.

04, 1990, p. 486: “Une nuit à l´époque de la Pâque- et peut-être la nuit même de la Pâque- Nicodème

vient trouver Jésus et lui dit, en des termes qui rappellent la mission de Moïse: „nous savons que tu es un

prophete accrédité par Dieu‟. A cette confession de foi, Jésus répond par un enseignement sur la Pâque

définitive qu´accomplira son exaltation et à laquelle le baptême associera les croyants.” [tradução nossa:

numa noite do período da Páscoa e, talvez, a noite mesma da Páscoa, Nicodemos vem encontrar-se com

Jesus e lhe diz em termos que fazem recordar a missão de Moisés: „Nós sabemos que tu és um profeta

acreditado por Deus‟. A esta confissão de fé, Jesus responde com um ensinamento sobre a Páscoa

definitiva que cumprirá sua exaltação e à qual o batismo associará os crentes.] 586

Cf. DIEZ MERINO, Luis. El cordero de Dios en el Nuevo Testamento y en el Targum. EstB, p. 594. 587

Cf. Idem ibidem, p. 594. 588

Idem ibidem, p. 595.

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A entrega de Jesus obediente ao Pai, como observado até então, faz parte de um

projeto de reconciliação, que passa pelo perdão dos pecados, celebrado na entrega do

Cordeiro de Deus. A morte de Jesus se torna um evento glorioso e de exaltação589

, que

manifesta o amor de Deus. De fato, “o convite à comunhão [com Deus] se dá no alto da

cruz, onde Deus revela em Jesus Cristo o seu amor atraente pelos homens”590. Com isso,

a comunidade joanina quis expor a dimensão gloriosa da entrega de Jesus, mas sem

negar o sacrifício que reconcilia a humanidade com Deus, pois a morte de Jesus é um

ganho para a salvação da humanidade591

.

A comunidade do Discípulo Amado, claramente, viu a morte de Jesus como a

reconciliação, pois foi uma entrega de amor que chamou a humanidade à comunhão

com Deus. Entre o Pai e o Filho se manifestou abundantemente esta comunhão, assim,

por meio do Filho, exaltado e glorificado, a humanidade pode chegar ao Pai.

589 KONINGS, Johan. A memória de Jesus e a manifestação do Pai no Quarto Evangelho. PT, Belo

Horizonte, n. 20, 1988, p. 192: “Para Jo, a morte de Jesus não é um acidente de percurso consertado

posteriormente por Deus na ressurreição-exaltação. A própria morte é exaltação, levantamento ao alto: é

ato soberano, no qual Jesus manifesta a doxa (glória) que também transparece na ressurreição [...] é na

cruz que aparece o rosto do Deus-que-é-amor, o Deus que se experimenta na ágape, e que Jesus veio

mostrar ao mundo.” 590

ERNANDES FERNANDES, Cézar L. O sentido da cruz, p. 37. 591

Cf. SCHNACKENBURG, Rudolf. Il Vangelo di Giovanni, parte segunda, p. 652.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa se pautou pelo método de pesquisa bibliográfica, com o fim de

coletar dados que dessem suporte à intuição que a fez surgir: a imagem do Cordeiro no

Evangelho segundo João, sua aceitação e relevância para a comunidade joanina.

Como exposto, a comunidade joanina se formou a partir de vários grupos que

existiam na Palestina no Primeiro Século d.C.; destes grupos alguns membros saíram

para ingressarem no Movimento de Jesus. Um exemplo apresentado ao longo da

pesquisa são alguns membros do grupo de João Batista, mas, também relevante é a

presença de membros vindos do meio samaritano e grego, além daqueles que viviam o

judaísmo oficial em Jerusalém, como gente vinda do farisaísmo. De tudo isto, a

pergunta elaborada é sobre a imagem do cordeiro para estes grupos, uma vez que se

apresenta de forma direta em Jo 1,29.36 e de forma implícita em Jo 19,36: como esta

imagem se impôs? Qual a sua fundamentação?- Tais perguntas primeiro se justificam

porque entre os evangelhos, somente João tem o texto da saudação do Batista e somente

ele lembra que de Jesus não se quebrou nenhum osso na Paixão (cf. Jo 19,36), assim, a

imagem do cordeiro se impõe como uma propriedade da cristologia joanina.

A afirmação do patrimônio comum entre judeus e samaritanos é algo problemático,

visto que o Israel do norte se miscigenou com outros povos, em virtude da ação Assíria

(cf. 2Rs 17,24ss) e, no entanto, este povo miscigenado continuou a guardar elementos

que eram próprios da tradição de Israel, como as festas e uma versão do Pentateuco.

Havendo uma predominância de aspectos religiosos que vinculavam a Samaria com a

Judéia. Por isso, no primeiro momento da pesquisa, o que se viu foi uma herança

comum, isto é, judeus e samaritanos partilhavam a imagem do Cordeiro Pascal como

símbolo de libertação. A cada Páscoa que celebravam, recordavam a libertação do Egito

e comemoravam a intervenção de Deus em favor do povo, aliás, o livro de Segundo

Crônicas registra que no tempo de Ezequias, pessoas das tribos no Norte, subiram para

festejar a Páscoa em Jerusalém (cf. 2Cr 30,10-15); fizeram a memória da libertação,

com os ázimos e a imolação do cordeiro.

Em Jesus o cordeiro é novamente dado, ou seja, Deus tinha tomado a iniciativa no

passado, o faz novamente, assim, em Jesus, o Cordeiro da nova Páscoa, Deus toma

novamente a iniciativa; aquele do qual não se quebrou nenhum osso, é o verdadeiro

Cordeiro e a verdadeira Páscoa; a herança comum era novamente recolocada, judeus e

samaritanos podiam celebrar a libertação definitiva. O povo que vivia um conflito

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étnico-religioso, agora, no interior da comunidade joanina, em convivência, podia

celebrar a Páscoa universal.

No interior da comunidade do Quarto Evangelho, a convivência com os que outrora

eram discípulos do Batista parece ter sido um elemento importante para sustentar a

imagem do cordeiro. A menção feita a Jesus com este título está nos lábios de João

Batista, e se repete (cf. Jo 1,29.36), levando os discípulo de João a quererem seguir

Jesus (cf. Jo 1,37). Pode-se concluir que provavelmente a comunidade joanina teve no

seu interior membros vindos do meio Batista. A pesar de momentos de tensão (cf. Jo

3,24-26), o que sobressai no Quarto Evangelho é João Batista como a grande

testemunha da messianidade de Jesus. De fato, nas suas várias fases de redação é

possível que o Quarto Evangelho tenha abandonado alguns dados, explicado termos,

adicionando outra conclusão, no entanto, a relação de João Batista com Jesus se mantém

na feição de testemunho deste em relação a messianidade de Jesus. A imagem do

cordeiro é uma demonstração do testemunho de João Batista. Ela permanece aí, não

somente para dizer que Jesus é maior que João Batista, mas para afirmar que Jesus é o

Cordeiro de Deus.

As possibilidades de fontes para a saudação Batista, como abordado na pesquisa, vão

desde Is 53,7 a apocalíptica judaica; a possibilidade de Is 53,7 como fonte, alia a missão

de Jesus com a mística do Servo Sofredor, e coloca o tema do sacrifício em pauta, pois

o servo em Isaías é semelhante ao cordeiro levado para o matadouro (cf. Is 53,7), ele

carrega os pecados de outrem; aqui se pode entender porque Jesus tira o pecado do

mundo, pois assume a função expiatória do cordeiro, seja no culto cotidiano do Templo

de Jerusalém, seja no Grande Dia de Expiação. Este mesmo Jesus, saudado por João

Batista, é aquele do qual não se quebrou nenhum osso (cf. Jo 19,36), o que

imediatamente lembra a prescrição para a Páscoa (cf. Ex 12,46; Nm 9,12); colocando na

Paixão de Jesus o elemento pascal, o que se afirma por todo o entorno na narração

joanina, pois na narrativa da Paixão, o Quarto Evangelho escreve várias vezes algo que

esteja relacionado a proximidade da Páscoa (cf. Jo 12,1; 13,1; 18,28; 19,14), expondo

Jesus como a nova Páscoa, o Cordeiro de Deus, aquele que traz a libertação definitiva.

A associação imediata entre Jo 19,36 e o Cordeiro Pascal é questionada, sobretudo ao

se considerar que o Quarto Evangelho pode ter como fonte o Sl 34,21, que faz

referência ao justo que sofre, e que conta com a guarda do Senhor, no entanto, segundo

se demonstrou ao longo da pesquisa, apoiado em nomes como Moloney e Léon-Dufour,

o Quarto Evangelho utilizou de um cruzamento entre as duas fontes: Ex 12,46 e Sl

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34,21, ao utilizar recursos lingüísticos para proveito de uma, sem destituir a outra. Mas

ganha relevo considerar que todo o contexto joanino aponta com maior clareza para o

Cordeiro Pascal.

A titulação de Cordeiro de Deus (Jo 1,29.36) a Jesus é colocada dentro de uma série

de títulos messiânicos, que eram utilizados na comunidade primitiva, o que leva a crer

que seja um título messiânico, pelo que a investigação levou à fonte apocalíptica, pois

nela há a imagem de um caprino-rei que é apresentado com características messiânicas,

o que sustentaria a afirmação de Cordeiro de Deus como um título para o Messias.

Outra possibilidade, levantada pela pesquisa, é o patrimônio do Servo Sofredor que se

havia formado a partir de Is 53,7. A imagem do Servo Sofredor agregaria também a

esperança de um Messias, que a exemplo do rei Josias morreria pelo povo. Portanto, o

título Cordeiro de Deus se mostra com pretensão messiânica e dialoga com várias

correntes judaicas, a apocalíptica e a tradição do Servo Sofredor, de modo que, a

saudação Batista, sustenta-se como um testemunho da messianidade de Jesus.

A aceitação da imagem do cordeiro atribuída a Jesus tinha a seu favor o culto diário

de Jerusalém. É sabido que entre os animais usados no Templo de Jerusalém, o cordeiro

estava no sacrifício matinal e vespertino, pelo que, associar uma pessoa a cordeiro

estaria ligando-a diretamente ao culto de Israel. Assim, a afirmação Batista, presente

apenas no Quarto Evangelho, expõe que essa comunidade conhece o culto de Israel e

por conhecê-lo, assimilou uma das imagens do culto para ver, em Jesus, a substituição

cultica, isto é, Jesus que substitui as talhas da purificação em Caná (cf. Jo 2,6-9), e que

se refere ao seu corpo como santuário (cf. Jo 2,19), é também o cordeiro do culto

definitivo, ou seja, na construção da identidade própria, a comunidade joanina pode ver

em Jesus, o Cordeiro de Deus, aquele em quem se encerra todo culto sacrificial.

O cordeiro era de fato relevante para o culto em Israel, não somente no culto diário,

mas na celebração da Páscoa. Por sua vez, o Jesus joanino, ao ser titulado como

cordeiro, traz um atributivo: que tira o pecado do mundo (Jo 1,29). O cordeiro do culto

diário cumpria várias funções desde ação de graças a expiação; já o Cordeiro Pascal

pela sua imolação lembrava a libertação realizada por Deus, quando da saída do Egito;

no entanto, existia ainda uma celebração em que um gado miúdo ganhava destaque, era

o Dia da Expiação. Nele, ritualmente, os caprinos tinham proveito de perdoar, por meio

de ritos conduzidos pelo sumo sacerdote. Mas agora, segundo a cristologia joanina,

Jesus, que reza a oração sacerdotal (cf. Jo 17), e chega ao sacrifício com uma túnica sem

costura (cf. Jo 19,23), substitui o sumo sacerdote. Mas o Quarto Evangelho é mais

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complexo e envolve a Paixão e Morte de Jesus como uma entrega voluntária, com

dignidade real, de modo, que sua condenação e execução recebem ares monárquicos; de

fato, para o Evangelho Segundo João, a morte de Jesus é sua glorificação, é o seu

retorno ao Pai, ao que era antes (cf. Jo 17,5). Este Jesus, que é glorificado, sua morte

tem o poder de perdoar pecados, sua missão é salvar, é trazer a vida verdadeira, diante

disto, a afirmação Batista traz o Cordeiro de Deus como aquele que tira o pecado do

mundo, exatamente por ser a Páscoa definitiva, aquela que vence o chefe deste mundo

(cf. Jo 16,11): o mundo do pecado. É sua entrega voluntária por força do amor, que

reconcilia a humanidade com Deus, dado que o cordeiro também trazia esta imagem de

reconciliar, em especial no culto expiatório, onde substituía o culpado e era ofertado em

sacrifício, como vítima de reconciliação. Assim, a entrega de Jesus é reconciliação para

o mundo e ganha para a humanidade o acesso à glória de Deus, pois “a Lei foi dada por

Moisés, a graça e a verdade por Jesus” (Jo 1,17).

A imagem do cordeiro, portanto, é aceita na comunidade joanina, primeiro por ser

comum aos membros da comunidade, isto é, todos conheciam a tradição do Cordeiro

Pascal e a vida sacrificial prescrita pelo livro do Levítico e lá a presença do cordeiro.

Quanto a imagem do Servo Sofredor, em especial os membros oriundos da Judéia ou

próximos aos seus círculos, inclusive na diáspora, conheciam a analogia entre o servo e

o cordeiro no profeta Isaías, e também sabiam da florescente produção apocalíptica

judaica, onde se encontrava um messias-cordeiro. Com isto, ratifica-se não somente que

a imagem do cordeiro foi aceita pela comunidade joanina, mas, sobretudo, foi relevante

para expor o ministério de Jesus à humanidade: reconciliá-la com o Pai.

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