1 pontifícia universidade católica de são paulo puc/sp
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP
Bruno Godoi Barroso
“Moda boa”: música caipira e cotidiano
(Fernandópolis/SP – 1955-1975)
Mestrado em História
São Paulo 2019
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC/SP
Bruno Godoi Barroso
“Moda boa”: música caipira e cotidiano
(Fernandópolis/SP – 1955-1975)
Mestrado em História
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial à obtenção do título de Mestre em História, sob a orientação da Professora Doutora Maria Izilda Santos de Matos.
São Paulo 2019
3
Banca Examinadora __________________________________________ __________________________________________ __________________________________________
4
Para Nelson e Vilma, meus amores eternos. Para Claire, Ana, Heitor e Jake, razão de viver.
5
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de
Financiamento 001. Nº do Processo: 88887.148411/2017-00.
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AGRADECIMENTOS
A conclusão deste mestrado é a realização de um sonho, idealizado desde o
final da graduação. Em meio ao trajeto que me conduziu até aqui, senti-me
amparado pelas mãos divinas, da mesma maneira que por companheiros de
caminhada, sem os quais nada disso seria possível.
Reverencio a memória de meus amados pais, Nelson e Vilma, meus
“progenitores caipiras”, por todo o amor e dedicação doados a mim desde a infância,
por empreenderem um esforço descomunal para que eu chegasse ao ensino
superior, custando inúmeras bolhas nos braços de minha mãe, que apurava no seu
tacho, em alta temperatura, doces em compota que eram vendidos por meu pai, com
o fim de auxiliar no pagamento das mensalidades do curso de História na Fundação
Educacional de Fernandópolis.
Agradeço ao meu “amor fernandopolense”, minha esposa Claire,
companheira, amiga e interlocutora, por todo o incentivo e paciência dispensados,
por me tomar nos braços, literalmente, nos momentos mais difíceis. Sem o seu amor
e respaldo eu não reuniria forças para chegar até esse momento.
À minha doce e amada filha Ana Laura, agradeço por toda a sua doçura e
afeto, pela sua compreensão frente à minha ausência nos momentos de lazer e
diversão; agradeço pelos “cafunés” enquanto me empenhava na escrita desta
dissertação, o seu toque de amor me aliviava.
Ao meu pequeno Heitor, que neste momento está a caminho, um presente
de Deus para coroar essa conquista tão almejada por todos nós.
Agradeço aos meus professores da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, dos quais serei eternamente tributário. Ao longo desses cinco anos, entre o
Lato Sensu e o Stricto Sensu, recebi incontáveis contribuições de pesquisadores da
mais alta competência: Maria Izilda Santos de Matos, Yvone Dias Avelino, Heloísa
de Faria Cruz, Maria do Rosário da Cunha Peixoto, Olga Brites, Estefânia Knotz
Canguçu Fraga, Jurema Mascarenhas Paes, Amailton Magno Azevedo, Antônio
Rago Filho, Luiz Antônio Dias e Maria Auxiliadora Guimarães Guzzo (Lilia, in
memoriam).
Agradeço à minha orientadora, Dr. Maria Izilda Santos de Matos, pelo
respaldo dado a mim durante toda a caminhada, auxiliando pacientemente da
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elaboração do projeto à escrita desta dissertação, contribuindo com o seu vasto
conhecimento na área da pesquisa em História.
Aos colegas dos créditos cursados, pelo carinho e cooperação nos
momentos de “divisão das angústias”, em especial ao meu amigo, o “caipira de
Sorocaba”, Fernando Miramontes Forrattini.
Venho demonstrar gratidão à Coordenadora do Centro de Documentação e
Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis, que também foi minha
professora na graduação, Rosa Costa, querida Rosinha. Gentilmente me atendeu
nas dependências do CDP e na sua própria residência, auxiliando-me no “garimpo”
de documentos para a elaboração desta pesquisa. Do mesmo modo, agradeço à
Valdenice Pereira Santana (Nicinha), coordenadora do Museu Municipal Edward
Coruripe Costa, na cidade de Votuporanga-SP, pela amabilidade demonstrada para
com este estudo, cedendo o acesso ao acervo de imagens da referida instituição.
Agradeço aos meus colegas professores da EMEF Carlos Augusto de
Queiroz Rocha por todo o incentivo, em especial aos meus diretores Geraldo
Guedes Fagundes e Shirley Pereira.
Aos meus amados familiares, minha irmã Selma, meus sobrinhos João
Pedro, Davi, Fefê, Pam, Ricardo e à minha segunda mãe, Aparecida.
Dedico um agradecimento todo especial àqueles que ocupam a centralidade
neste estudo, “meus caipiras fernandopolenses”. Farei agradecimentos nominais a
Darci Romão Liberato, meu sogro, que ocupou a função de mediador entre o
pesquisador e os personagens desse universo musical caipira, a José Luiz Liberato
Inocêncio, Geraldo Ricco, Antônio Sanchez, Mauro André, Adonai César Mendonça,
Jorge Spósito Ribeiro, Eunice Maria da Silva, Miguel e João Ferreira de Souza, ou
Quintino e Quirino, dupla que orgulha a nós fernandopolenses. Agradeço a tantos
outros que de uma forma ou de outra passaram pelos registros de áudio e vídeo que
foram objetos de análise.
À “Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior”
(CAPES), por ter subsidiado, através da concessão de uma bolsa, a produção deste
trabalho.
Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nas figuras de seus coordenadores
Profa. Dra. Carla Reis Longhi e Prof. Dr. Luiz Antonio Dias.
8
Assim definido, o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns casos como o provérbio, mas para muitos casos, como o sábio. Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia. O narrador assimila à sua substância mais íntima aquilo que sabe por ouvir dizer).1
1 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
Obras escolhidas. Vol. 1. 3ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.221.
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RESUMO
BARROSO, Bruno Godoi. “Moda boa”: música caipira e cotidiano (Fernandópolis/SP – 1955-1975). Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018.
O presente estudo examina as dimensões de produção e atuação do gênero musical
caipira na cidade de Fernandópolis entre as décadas de 1950 e 1970, sobretudo
diante da sua relevância na trama de laços identitários e na mobilização de emoções
variadas, operados por meio da construção de práticas e representações do
cotidiano rural e urbano que são narradas nas letras das canções. A apreensão
desse universo de produção da música caipira na cidade de Fernandópolis se dá por
meio da análise das canções compostas por músicos da cidade, por vezes em
parceria com colegas de outros municípios que constituem a região, assim como
mediante depoimentos desses compositores, intérpretes e de apreciadores do
gênero musical caipira. Nesse cenário, destaca-se o papel da Rádio Cultura AM de
Fernandópolis como fomentadora dessa cultura, assim como no incentivo à
formação de duplas locais e regionais (por meio de festivais de viola) e na
divulgação da produção fonográfica de duplas, na época, de renome nacional,
conectando os ouvintes por meio do entretenimento e da prestação de serviços,
questão última que fez dessa emissora, no período, o principal meio de
comunicação entre o campo e a cidade nessa região do Noroeste Paulista. Por
intermédio dessas canções delineiam-se representações que permitem capturar as
tensões entre campo e cidade em meio às paisagens sonoras; a representatividade
do violeiro como cronista da cena cultural caipira; a dimensão masculina dos amores
e paixões; a natureza como materialização do sagrado. Aspectos marcantes que
atuam na configuração da cultura caipira fernandopolense.
Palavras-chave: História e Música, cultura caipira, práticas e representações, urbano
e rural, Fernandópolis, radiodifusão, religiosidade, cotidiano, identidade.
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ABSTRACT
BARROSO, Bruno Godoi. “Moda boa”: bumpkin and everyday music (Fernandópolis/SP/Brazil - 1955-1975). Dissertation (Master in History), Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2018.
The present study examines the dimensions of production and performance of the
“caipira” musical genre in the city of Fernandópolis between the 1950s and 1970s,
especially due to its relevance to the formation of identity ties and to the mobilization
of varied emotions, both operated through the construction of rural and urban daily
routines‟ practices and representations, which are described in the songs lyrics. The
apprehension of this universe of bumpkin music production in the city of
Fernandópolis occurs through the analysis of songs composed by city musicians,
sometimes in partnership with colleagues from other municipalities from the region,
as well as through testimonies of these composers, performers, and lovers of this
musical genre. In this scenario, we highlight the role of Fernandópolis‟ radio station,
“Rádio Cultura AM”, as a promoter of this culture, as a supporter for the formation of
local and regional duets (through viola festivals), and as a disseminator of these
duets music production, which ate the time were of national renown, connecting the
listeners through entertainment and service provision. Those characteristics
transformed, at the time, this station in the main means of communication between
the countryside and the city in the Northwest of the state of São Paulo. Through
these songs are depicted representations that capture the tensions between the
countryside and the city in the midst of the soundscapes; the representativeness of
the viola player as a chronicler of the bumpkin cultural scene; the masculine
dimension of loves and passions; the nature as the materialization of the sacred.
Important aspects that act in the configuration of Fernandópolis‟s bumpkin culture.
Keywords: History and Music, bumpkin culture, practices and representations, urban
and rural, Fernandópolis, broadcasting, religiosity, daily life, identity.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................. 14
I – A “VILA PEREIRA” EM EBULIÇÃO: FERNANDÓPOLIS NOS ANOS 1960... 22
1.1 NA ROTA DE EXPANSÃO PARA O NOROESTE PAULISTA........................ 23
1.2 RURALIDADE E URBANIDADE...................................................................... 39
1.3 EM BUSCA DA “CIDADE PROGRESSO”....................................................... 56
II – “A REVOADA DOS CANÁRIOS”: PRODUÇÃO MUSICAL,
RADIODIFUSÃO E SONORIDADES.................................................................... 69
2.1 MÚSICA E MUSICALIDADE EM FERNANDÓPOLIS..................................... 70
2.2 RÁDIO CULTURA AM: O RANCHO DOS CANÁRIOS................................... 84
2.3 PAISAGENS SONORAS NA CIDADE............................................................. 100
III – REPRESENTAÇÕES: O VIOLEIRO E A VIOLA, AMORES,
RELIGIOSIDADE E NATUREZA.......................................................................... 110
3.1 O PONTEIO DA VIOLA E DA VIDA................................................................. 110
3.2 NO LIMIAR ENTRE AMORES E DORES........................................................ 123
3.3 ENTRE O SAGRADO E A NATUREZA........................................................... 135
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 152
FONTES E BIBLIOGRAFIA.................................................................................. 157
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Períodos de expansão da Frente Pioneira e delineamento ferroviário no estado de São Paulo......................................................................................... 26 Figura 2 – Planta de reconhecimento para a criação de uma nova estrada de rodagem entre a cidade de Jaboticabal e o Porto Taboado no Rio Paraná – São Paulo, 1895................................................................................................. 31 Figura 3 - “Planta geral de Pereira”, publicada no jornal Folha de Rio Preto, em 1942................................................................................................................. 35 Figura 4 - Cerimônia de instalação do Cartório de Paz de Brasilândia, 3ª Zona Distrital de Monteiro, 1943............................................................................ 38 Figura 5 - Avenida Amadeu Bizelli no ano de 1959............................................... 47 Figura 6 - Máquina pertencente à Prefeitura Municipal de Fernandópolis, sendo utilizada na manutenção das vias do município durante a década de 1950.................................................................................................................. 49 Figura 7- Praça Joaquim Antônio Pereira (Praça da Matriz) entre as décadas de 1950 e 1960...................................................................................................... 51 Figura 8 - Rua Brasil no ano de 1955.................................................................... 54 Figura 9 - “Iniciado o Serviço de Esgôto em Fernandópolis”, matéria publicada no jornal “O Município”, em 17 de abril de 1959.................................................... 64 Figura 10 - Início do serviço de esgoto, no primeiro quarteirão, trecho da atual Rua São Paulo (área central da cidade), entre as Avenidas Amadeu Bizelli e Manoel Marques Rosa. Jornal “O Município”, 1959.............................................. 65 Figura 11 - Manchete anunciando a inauguração da iluminação pública na cidade. Fernandópolis Jornal, 1968....................................................................... 66 Figura 12 - Cartão de divulgação da dupla confeccionado pela Rádio Cultura AM em parceria com o Estúdio 7........................................................................... 77 Figura 13 - Darci e João, em um almoço de confraternização das duplas Quintino e Quirino e Darci e Dorimar, realizado na casa do Sr. Darci Romão Liberato...... 83 Figura 14 - Em frente ao primeiro estúdio da Rádio Cultura AM de Fernandópolis estão os irmãos Elizabeth e Jorge, dois dos sete filhos do Sr. Moacyr Ribeiro.... 90 Figura 15 - Cartão de divulgação da dupla Quintino e Quirino e “Nhô Cido”, início dos anos 1960....................................................................................................... 98
13
Figura 16 - Encontro quinzenal de violeiros realizado no Centro de Convivência do Idoso da Vila Veneto, Fernandópolis - SP, 2018............................................. 118 Figura 17 - Encontro quinzenal de violeiros realizado no Centro de Convivência do Idoso da Vila Veneto, Fernandópolis - SP, 2018.............................................. 120 Figura 18 - Família Rolim em pequena embarcação na Cachoeira dos Índios, s/d........................................................................................................ 135 Figura 19 - Barragem da Usina José Ermírio de Moraes – Água Vermelha/CESP, 2011...................................................................................................................... 138 Figura 20 - Fotografia da antiga Cachoeira dos Índios entre as décadas de 1950 e 1960.................................................................................................................... 141 Figura 21 - Fotografia da antiga Cachoeira dos Índios entre as décadas de 1950 e 1960, período anterior à construção da Usina Hidrelétrica da Água Vermelha.. 141 Figura 22 - Trecho da antiga “Estrada da Boiadeira”, entre as regiões de Fernandópolis - SP e Votuporanga – SP.......................................................... 145 Figura 23 - Registro fotográfico efetuado na Festa de Santos Reis realizada na propriedade da família Candido em 6 de janeiro de 2018................................ 148
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APRESENTAÇÃO
Seria um equívoco pensar a pesquisa em História a partir de uma
perspectiva de negação dos laços que unem o objeto e o historiador. Ambos estão
conectados por anseios, angústias e inquietações que colocam em curso o diálogo
entre o presente e o passado. O resultado desse movimento é externado nos
questionamentos que surgem da composição desse “enlace”, sob o entendimento de
que tais indagações são prerrogativas do historiador na prática de seu ofício, que
também é dotada de temporalidade, em outras palavras, “seu presente”, no qual se
formulam e do qual partem essas perguntas.
O interesse pelo estudo da música caipira2 na cidade Fernandópolis vem no
encalço das dimensões de atuação dessa música na cidade, sobretudo quando
pensada na sua função de catalizadora de emoções3 variadas e criadora de laços
identitários que operam na construção das representações do campo e da cidade,
assim como das representações do cotidiano rural presentes nas narrativas das
canções e na fala dos produtores e intérpretes dessas letras e melodias, trazendo à
cena também a perspectiva dos apreciadores dessa música.
Essas inquietações estão ligadas à minha infância, no encontro com as
minhas vivências no interior do estado de São Paulo, no chamado “Sertão do
Noroeste Paulista”4. Na cidade de Fernandópolis convivi com as modas de viola
caipira ouvidas pelos meus pais e avós, com os relatos de suas experiências de uma
“vida na roça”, das histórias contadas pelo meu avô materno, que animava com o
seu acordeom os bailes que ocorriam na sede da fazenda de seu pai, localizada
2 O termo “música caipira” é utilizado nesta dissertação para designar as canções apreciadas pelos
sujeitos entrevistados no decorrer da pesquisa. Estes fizeram menção a essa música a partir de variadas referências, como: caipira, moda, sertaneja. Cabe ressaltar que a análise dessas falas, assim como da produção e recepção dessas músicas, indica que o cerne está na ligação com a memória rural desses indivíduos, no potencial socializador dessa música, como poderá ser observado mais adiante. A questão da distinção entre música caipira e a sua variante moderna, a música sertaneja, suscitou extensos debates teóricos. Para uma análise mais profunda, ver: GUTEMBERG, Jaqueline Souza. No limiar entre a música sertaneja e a música caipira: o perfil da dupla Zé Furtuna e Pitangueira na vertente moderna da música sertaneja. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da Associação Nacional de História. São Paulo, 2011, p.1-16. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300892880_ARQUIVO_textoanpuh.pdf>. Acesso em: abril/2018. 3 MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de Emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades.
Bauru: EDUSC, 2005, p.91-92. 4 PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Fernandópolis: Bom Jesus,
1996, p.10-17.
15
entre os municípios de Cardoso e Riolândia5, e em outras propriedades do entorno.
Espaços onde se reuniam familiares e moradores das colônias, revelando registros
importantes do papel exercido pela música na constituição dos laços de
sociabilidade, materializados nessas atividades de lazer6 presentes nas áreas rurais
do Noroeste Paulista.
É também pelo intermédio da música que os homens e as mulheres do lugar se reúnem e se organizam para fazer que os ritos de celebração da vida e realizações pessoais sejam manifestos.7
Não obstante, essas canções trazem à cena também indícios das tensões
que marcam o processo histórico das relações de trabalho no campo brasileiro8,
temática que se insere nas letras do cancioneiro caipira. A prática da exploração da
mão de obra dos trabalhadores rurais, como foi o meu pai ainda adolescente
acompanhando seus tios e avós na colheita do café na região de Lins-SP9,
apresentava-se em uma dimensão complexa para um adolescente que tinha
naquele momento outras preocupações. Todavia, os episódios que encaminhavam
os assuntos para a recuperação dessas memórias da sua infância e juventude
geravam em mim um incômodo profundo, principalmente por perceber a sua tristeza.
Esses elementos presentes nas memórias dos meus familiares edificaram
um elo afetivo entre eu e as formas de expressão da cultura caipira10, não somente
5 São dois municípios do Noroeste Paulista que compõem a mesorregião de São José do Rio Preto.
Estão localizados às margens da confluência entre os Rios Grande e Turvo. 6 CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação
dos seus meios de vida. 10ª. ed. São Paulo: Editora 34, 2003, p.157. 7 VILELA, Ivan. Cantando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: EDUSP,
2015, p.59. 8 MOREIRA, Vagner José; NARDOQUE, Sedeval; PERINELLI NETO, Humberto (Orgs.). Noroeste
Paulista: práticas e movimentos sociais, trabalhadores e experiências. São Paulo: Outras Expressões, 2013, p.11-16. 9 A cidade de Lins está localizada na região centro-oeste do estado de São Paulo, compondo a
mesorregião de Bauru. 10
Cabe mencionar, como princípio norteador desta dissertação, que todo conceito deve ser historicizado, como no caso do conceito de caipira, que passou por inúmeros processos e reelaboração de modelos. Um dos modelos que ganhou espaço na literatura brasileira foi o constructo lobatiano, presente originalmente na crônica “A Velha Praga”, publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 1914, e que quatro anos mais tarde daria forma à publicação de um compilado de 14 contos sob o título “Urupês”: “O Caipira preguiçoso estereotipado no „Jeca Tatu‟ de Monteiro Lobato contrasta radicalmente com a profunda valorização do trabalho entre as populações caipiras do Alto Paraíba, nas vizinhanças da mesma região montanhosa em que Lobato trabalhou como promotor público e fixou as impressões que definiram este personagem [...] As observações deste autor estão diretamente fundadas na valorização do modo de vida urbano contra o tradicionalismo agrário, o que constitui um dos núcleos da ideologia da modernização que se
16
pela escuta dos discos tão apreciados pelo meu pai, que me apresentou artistas
como Bambico, Tião Carreiro e Pardinho, Belmonte e Amarai, Abel e Caim, entre
outros, como também pela frequente participação, ao lado dos meus pais, nas
chegadas de Santos Reis e nas visitas aos sítios de tios e primos maternos.
Episódios que compõem a minha memória individual11, resultado de experiências
variadas que me levaram ao gosto pelos elementos da cultura caipira, considerando
as especificidades que resultam das múltiplas variações do que aqui nomeamos
como cultura caipira. Nesse sentido, uma definição mais adequada, ou “menos
arriscada”, para o conceito de cultura seria “culturas”, no viés da pluralidade que
opera nos vários pontos de contato, configurando assim um processo híbrido12 e
contínuo que supera algumas crenças como originalidade e imutabilidade de uma
determinada expressão cultural.
O meu ingresso no curso de Pós-Graduação Lato Sensu em História,
Sociedade e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a partir do
segundo semestre de 2013, possibilitou que as ideias ganhassem contornos mais
concretos, sobretudo pelo contato com as disciplinas e seus respectivos professores
que na ocasião ampliaram o meu horizonte no tocante à pesquisa em História, a
partir do diálogo com autores assentados no arcabouço da História Cultural13. Assim,
posso afirmar de maneira incisiva que esse processo marcou um divisor de águas
na minha formação.
estrutura no país ao menos desde o início do século e que veio a ser um dos componentes básicos do extensionismo rural do Brasil.” MARTINS, José de Souza. Capitalismo e Tradicionalismo. São Paulo: Pioneira, 1975. Apud: VILELA, Ivan. Contando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: EDUSP, 2015, p.167. Cabe ressaltar ainda que neste estudo o caipira é entendido sob outra perspectiva, convergente com os elementos de resistência desses sujeitos históricos, na operação dos rearranjos frente às transformações ocorridas no Brasil, especificamente nas relações de trabalho no campo entre as décadas de 1950 e 1960, como será desdobrado no primeiro capítulo desta dissertação. 11
Faço aqui a reconstrução da minha memória pessoal, que difere da memória social, contudo, essa memória autobiográfica está, segundo Halbwachs, apoiada na memória histórica, pois “toda a história da nossa vida faz parte da história geral”. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990, p.55. 12
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. 4ª. ed. São Paulo: EDUSP, 2015, p.18-23. 13
As perspectivas da História Cultural são norteadoras deste estudo, sob o entendimento de que as práticas culturais, na sua pluralidade, são registros repletos de significados que constituem um terreno fértil de investigação para o historiador. “Trata-se, antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo. A cultura é ainda uma forma de expressão e tradução da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos conferidos às palavras, às coisas, às ações e aos atores sociais se apresentem de forma cifrada, portando já um significado e uma apreciação valorativa”. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. 3ª. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p.15.
17
Depois de receber o convite, via COGEAE14, para participar de uma “Oficina
de Elaboração de Projetos de Mestrado em História”, organizada pelo Programa de
Pós-Graduação em História Social da PUC-SP, em 17 de agosto de 2013, tive o
privilégio de conhecer a Professora Olga Brites e o Professor Fernando Torres-
Londoño, este que na ocasião estava à frente da coordenação do Programa que
promovia a oficina. Ambos ministraram o curso nesse dia oportunizando a abertura,
em um dado momento da Oficina, para que os participantes compartilhassem suas
aspirações em relação a possíveis temas que poderiam se desdobrar em futuras
pesquisas.
Assim como todos os colegas presentes, apresentei o meu interesse pelo
estudo do tema que me proponho a abordar nesta dissertação. De maneira muito
gentil e solícita, no momento do intervalo, o Professor Londoño me abordou
enaltecendo as possibilidades de pesquisa com História e Música. Na sequência,
destacou as atividades da Professora Maria Izilda Santos de Matos, sua vasta
produção acerca do tema e o seu papel como docente na PUC-SP, tanto no Stricto
Sensu como no Lato Sensu, em que eu acabara de ingressar.
Os primeiros contatos com a Professora Maria Izilda se deram durante o
curso de Especialização, especialmente a partir da disciplina “História, Sociedade,
Cotidiano e Poder”, ministrada pela referida professora e que, na ocasião, fez parte
do quarto módulo do curso em questão. Para além da sala de aula, o processo de
consolidação da orientação se constituiu por contatos estabelecidos com a
professora em outros espaços da universidade e trocas de e-mails, caminhos pelos
quais surgiram as primeiras indicações de leituras e discussões acerca dos
delineamentos do tema. Os incentivos por parte da orientadora, presentes desde as
primeiras conversas, encaminharam-me para a conclusão do curso de
especialização e a motivação para o ingresso no curso de mestrado.
Dessa forma, direcionamos o trabalho de conclusão do curso (Lato Sensu)
para a modalidade de um projeto de mestrado, que posteriormente foi utilizado no
processo de seleção do Programa de Pós-Graduação em História Social da PUC-
SP, no qual ingressei no início do primeiro semestre de 2017.
14
A Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão (COGEAE) é o setor responsável pelos cursos e atividades de especialização, aperfeiçoamento, aprimoramento e extensão da Pontifícia Universidade de São Paulo.
18
Em meio ao trabalho com as fontes, em consenso com a orientação, foram
selecionadas 12 entrevistas no total, realizadas entre os anos de 201115 e 2018,
incluindo depoimentos de radialistas, violeiros e ouvintes, escolhidos a partir da sua
relação com a música caipira na cidade de Fernandópolis, da participação nos
programas de rádio desde o final da década de 1950, com a extinta Rádio Cultura
AM Fernandópolis, até outras atrações inseridas na programação de emissoras na
atualidade, além dos encontros de violeiros que ocorrem com frequência na cidade.
Encontros esses dos quais também fui e sou participante, realizando registros
fotográficos e anotações diversas acerca das impressões captadas nesses eventos,
que permitiram estreitar os laços e me aproximar desses sujeitos que contribuíram
com os seus depoimentos.
O trabalho com a história oral16 me permitiu o acesso às canções produzidas
por compositores da cidade de Fernandópolis e oriundos de outros municípios do
Noroeste Paulista, mas que se fizeram presentes na cidade por meio dos laços de
amizade com os seus intérpretes fernandopolenses, bem como das visitas17 à Rádio
Cultura AM. É o caso de Joaquim Moreira da Silva, Vieira e Vieirinha, Moacyr dos
Santos e Dino Franco, compositores parceiros de Quintino e Quirino, dupla de
violeiros que compõem o objeto deste estudo.
Foram compiladas para análise na pesquisa canções da discografia da dupla
Quintino e Quirino, assim composta: um disco 78 RPM, nove Long Plays e um CD
de coletâneas lançado em 2011. São analisadas também canções que não
passaram por registro fonográfico, porém foram captadas e registradas a partir de
gravador digital, perfazendo um total de 93 músicas catalogadas. Após esse
levantamento, foi dado início ao processo de transcrição e organização dos temas
15
Desde o ano de 2011 realizo o registro de imagens e das “conversas” com os violeiros e apreciadores da música caipira presentes em diversos espaços na cidade de Fernandópolis, uma vez que almejava, em algum momento, utilizar esses materiais na produção de uma pesquisa de mestrado. Isso foi possível a partir do ingresso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sobretudo da aprendizagem adquirida, que me permitiu trabalhar criticamente com esses materiais, na concepção da análise das fontes orais, o que foi sendo aprimorado no decorrer dos cursos realizados na instituição (Lato e Stricto Sensu), a partir das discussões propostas por professores que me permitiram o contato com teóricos e seus textos, possibilitando assim a ampliação da perspectiva metodológica no trabalho com as fontes orais e dos horizontes da pesquisa em História. 16
No trabalho com a “documentação oral”, privilegiou-se a transcrição literal das entrevistas e das letras das canções, visando alcançar os elementos linguísticos do “modo de falar caipira”. PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Projeto História. São Paulo, v. 14, jan./jun. 1997, p.25-39. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/issue/view/788/showToc>. Acesso em: junho/2018. 17
De acordo com os entrevistados, a presença de artistas renomados na cena caipira/sertaneja da época era frequente na Rádio Cultura AM, como no caso de Vieira e Vieirinha.
19
abordados nas letras, sobretudo pautado pela leitura crítica desses textos, o que
possibilitou a estruturação dos primeiros sumários.
Seguindo as diretrizes estabelecidas pela Profa. Dr. Maria Izilda Santos de
Matos, que orientou com muita paciência todo o processo de realização desse árduo
exercício, em paralelo com o trabalho documental foi utilizada uma bibliografia que
ampliou metodologicamente o trabalho com História e Música, concebendo a música
como documento “com grande potencial para a revelação do cotidiano e das
paixões, já que é algo que todos os dias está na boca de todos”18.
Dessa maneira, delimitava-se o recorte temporal do estudo, atravessando
três décadas, entre os anos de 1955 e 1975, período marcado por intensa atividade
de violeiros na cidade de Fernandópolis, assim como pela presença da Rádio
Cultura AM, uma das emissoras pioneiras da radiodifusão na região. Esta, segundo
os depoentes, tinha no período mencionado uma programação que dedicava horas
significativas à execução da música caipira, promovendo rodas de viola e festivais
de violeiros que reuniam músicos de Fernandópolis, cidades vizinhas e até de outros
estados.
Os indícios convergiram para certo destaque ao programa “Rancho dos
Canários”, à dupla Quintino e Quirino e ao radialista Aparecido Francelino Ribeiro,
mais conhecido pelo seu personagem “Nhô Cido”. Da mesma forma, sobressai-se a
consolidação de uma significativa audiência, que pode ser percebida mediante
fragmentos dos depoimentos de ouvintes que se manifestaram oralmente ou a partir
da escrita de correspondências destinadas à Rádio Cultura AM de Fernandópolis
nos idos de 1960, revelando “os esforços de aproximação”19 empenhados por esses
apreciadores da programação da emissora, em específico, ouvintes do programa
“Ranchinho do Quintino e Quirino: comando do Nhô Cido”. Essa análise foi possível
pela recuperação de três cartas enviadas à atração apresentada pela dupla Quintino
e Quirino e por Nhô Cido, uma carta enviada no ano de 1964 e outras duas datadas
de 1966. Cabe salientar ainda que a emergência dessas missivas20 ocorreu no
18
MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p.29-30. 19
MATOS, Maria Izilda Santos de; TRUZZI, Oswaldo. Saudades: sensibilidades no epistolário de e/imigrantes portugueses (Portugal-Brasil 1890-1930). Revista Brasileira de História. São Paulo, v 35, n. 70, jun./dez. 2015, p.2. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472015v35n70011>. Acesso em: junho/2018. 20
O acesso às cartas foi autorizado pelo Sr. Miguel Ferreira de Souza (Quintino) e pelo Sr. João Ferreira de Souza (Quirino), que durante a pesquisa foram extremamente colaborativos, permitindo o
20
percurso de elaboração do primeiro capítulo do estudo. Assim, seguiu-se a
preparação da dissertação, composta por três capítulos.
O primeiro tem como objetivo a abordagem de algumas questões acerca da
cidade de Fernandópolis no início dos anos 1960, num processo de transformações
de âmbito histórico e cultural nesse espaço urbano até então de formação recente,
sem limites muito definidos que o separassem do espaço rural. Ainda nesse capítulo
é discutido o diálogo entre Fernandópolis e as mudanças que estavam ocorrendo no
Brasil durante o mesmo período, sobretudo no que tange às relações campo/cidade
através de um significativo crescimento populacional dos centros urbanos,
marcadamente entre as décadas de 1950 e 1960, período no qual as elites políticas
de Fernandópolis reivindicavam o seu ideal de progresso para a cidade.
O segundo capítulo dará enfoque à produção musical caipira na cidade de
Fernandópolis, ancorado na voz de seus compositores, intérpretes e apreciadores,
partindo do cotidiano de sujeitos com experiências variadas, que constroem através
das músicas representações articuladas a toda uma gama de signos
compartilhados. Ainda nesse capítulo serão tratados os espaços de promoção do
gênero musical caipira na cidade, especificamente as atividades da Rádio Cultura
AM de Fernandópolis durante a década de 1960, período em que referida emissora
trazia uma programação voltada para a execução de músicas do gênero caipira,
referenciado por atrações como “O Rancho dos Canários” e “O Ranchinho do
Quintino e Quirino: comando do Nhô Cido”. A última parte desse capítulo busca uma
reflexão sobre a constituição da paisagem sonora na cidade de Fernandópolis
durante o período supracitado, num cenário de entrecruzamento do campo com a
cidade.
O terceiro e último capítulo se ocupará de uma discussão, a partir da
seleção de canções de compositores fernandopolenses, a respeito dos elementos
que constituem essa cultura caipira de Fernandópolis, assente nas representações
do violeiro e da viola, das sensibilidades e da relação entre natureza e religiosidade.
contato, além das cartas, com outros registros de memória da dupla, como discos, fotos e cartões de divulgação.
21
Assim, pretende-se questionar essa Fernandópolis onde a cidade e o campo
se encontram, a partir da presença da “música sertaneja de raiz”21 e sua leitura
sobre essa cidade, dos apreciadores dessa música na formação de duplas locais, da
ocupação dos espaços de expressão dessa cultura e de uma programação
radiofônica voltada para esse gênero.
21
Cabe ressaltar que o termo “raiz” tem múltiplos significados. A recorrência desse termo nas falas dos depoentes que compõem este estudo é interpretada a partir da sua conexão com a ideia de autêntico, na reivindicação de um “status de originalidade” para a música apreciada por esses sujeitos. GUTEMBERG, Jaqueline Souza. Entre modas e guarânias: a produção musical de José Fortuna e seu tempo (1950-1980). Dissertação (Mestrado em História), UFU, Uberlândia-MG, 2013, p.115-134.
22
I – A “VILA PEREIRA” EM EBULIÇÃO:
FERNANDÓPOLIS NOS ANOS 1960
Este primeiro capítulo tem como objetivo abordar algumas questões acerca
da cidade de Fernandópolis no início dos anos 1960, momento marcado por
transformações históricas e culturais nesse espaço urbano então de formação
recente, sem limites muito claros que o separassem do espaço rural, levando em
conta as especificidades para a configuração desse movimento.22
Esse cenário se estabeleceu em diálogo com um processo de mudanças
que estava ocorrendo em nível nacional, sobretudo no que tange às relações
campo/cidade, através de um significativo crescimento populacional dos centros
urbanos, em boa parte, decorrente das alterações nas relações de trabalho no
campo.23 Houve então um intenso deslocamento que promoveu uma literal inversão
dos números de habitantes em aproximadamente duas décadas24, marcadamente
entre as décadas de 1950 e 1960, período em que as elites políticas de
Fernandópolis reivindicavam, de forma mais contundente, o seu ideal de progresso
para a cidade, evocado em discursos efusivos.25
Desse modo, a busca por essa Fernandópolis situada na intersecção entre
campo e cidade surge na cena de interesses deste capítulo, no rastro dos suportes
de fala de seus intérpretes.
22
O critério político-administrativo oficial, utilizado pelo IBGE, de diferenciação entre o espaço rural e o espaço urbano no Brasil deve ser analisado criticamente por não considerar as “funções peculiares dos diferentes aglomerados”. MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Terra Livre. São Paulo, v. 2, n. 19, 2015, p.97. Disponível em: <https://www.agb.org.br/ publicacoes/index.php/terralivre/article/view/160>. Acesso em: abril/2018. 23
HUBER, Léo. O Bóia-Fria: espoliação e direitos (Jales-SP, 1960-2003). In: MOREIRA, Vagner José; NARDOQUE, Sedeval; PERINELLI NETO, Humberto (Orgs.). Noroeste Paulista: práticas e movimentos sociais, trabalhadores e experiências. São Paulo: Outras Expressões, 2013, p.178-192. 24
Os dados que balizam o referido apontamento foram pesquisados nos arquivos do IBGE, que disponibiliza em versão digital, na íntegra, os Censos Demográficos de 1950 e 1960. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Biblioteca. Disponível em: <https:// biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?acervo=coleta&campo=titulo¬qry=&opeqry= &texto=censo%201950&digital=false&fraseexata=>. 25
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.266-268.
23
1.1 NA ROTA DE EXPANSÃO PARA O NOROESTE PAULISTA
O processo de ocupação do extremo Noroeste Paulista intensificou-se a
partir da primeira metade do século XX26, todavia, vale destacar que a expansão
cafeeira nas chamadas Zonas Pioneiras27 do estado de São Paulo, ocorrida ainda
no século XIX, cumpriu papel relevante nesse decurso, assim como o incremento de
outras culturas, entre elas arroz, milho, algodão e a prática da pecuária, esta última
inserida em um circuito28 delineador dos aspectos econômicos, socioculturais e
políticos que constituíram essa região fronteiriça, conectando São Paulo, Mato
Grosso, Minas Gerais e Goiás.
Na sua marcha para o interior, o café vai, como já se disse, desbravando os sertões e fazendo surgir, em seu lugar, grandes cafezais. A partir do início do século XX tem início a quarta avalancha cafeeira que desbravava as regiões Araraquarense, Alta Sorocabana e Noroeste.29
A fundação da Vila de São Bento de Araraquara em 1817 (transformada em
município no ano de 1832), considerada na época a “Boca do Sertão”30, representou
a porta de entrada para o avanço demográfico sobre as áreas próximas do Rio
Paraná, na divisa com o atual estado do Mato Grosso do Sul, sobretudo pela
consolidação dessa cidade como entreposto comercial e ponto de passagem,
condição amplificada pela chegada da ferrovia em 1885.
O avanço sobre as brenhas do sertão31 da Alta Araraquarense amalgamava
aspectos diversos do discurso político expansionista propagado durante as primeiras
26
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.10-11. 27
MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4ª ed. Campinas-SP: Pontes, 1990, p.43. 28
DOIN, José Evado de Mello; MELLO, Rafael Cardoso; PERINELLI NETO, Humberto. Caminhos de ferro, de chão e gado... Apontamentos sobre o comércio mercantil do boi no Noroeste Paulista (1820/1974). Caminhos da História. Montes Claros-MG, v. 13, n. 1, 2008, p.93-130. Disponível em: <https://sites.google.com/site/revistacaminhosdahistoria/numeros-anteriores-nova/v-13-1-1o-semestre-de-2008>. Acesso em: julho/2018. 29
ESTEVES, Antônio R. A república letrada e o sertão: escritores visitam a região da Alta Araraquarense. In: FERREIRA, Antônio Celso; MAHL, Marcelo Lapuente (Orgs.). Letras e Identidades: São Paulo no século XX, capital e interior. São Paulo: Annablume, 2008, p.108. 30
COSTA, Luiz Flávio de Carvalho. O caminho de São Bento de Araraquara. In: ALMEIDA, Angela Mendes de; LIMA, Eli Napoleão de; ZILLY, Berthold (Orgs.). De Sertões, desertos e espaços incivilizados. Rio de Janeiro: Mauad, 2001, p.120. 31
O termo “sertão”, utilizado nesta dissertação, está ancorado no discurso político modernizador observado no Brasil na virada do século XIX para o século XX: “Vale dizer que o significado do termo sertão foi, desde a época colonial, vinculado à áreas distantes dos centros urbanos, aquelas ainda
24
décadas do século passado, mormente o teor nacionalista, na busca por uma
identidade nacional.
Em suma, a necessidade de implantação de mecanismos de controle técnico e científico sobre o território, da qual as propostas de reconhecimento dos sertões brasileiros presentes na época são expressão tácita, pois ao dominá-los estaríamos construindo o país ao mesmo tempo em que o inseríamos na modernidade, pode ser entendida como parte de um movimento de forte conteúdo simbólico que acompanhava os projetos políticos, então em desenvolvimento, de delimitação das fronteiras internacionais nos primeiros tempos da república, e de integração econômica e política desses espaços distantes pouco depois.32
O alcance da região de São José do Rio Preto, até então concebida como
limite da Alta Araraquarense, contribuiu de modo significativo nesse processo de
expansão territorial. Cabe ressaltar que esse movimento não se operou
exclusivamente por fluxos migratórios33 via “Boca do Sertão”, estima-se que “os
primeiros moradores da região de São José do Rio Preto por ali chegaram na
década de 20 do século XIX, oriundos de Minas Gerais”34, ocorrendo a fundação da
não definitivamente conquistadas, o lugar da barbárie, portanto, onde imperava a falta de civilização. Isso importa ao detalhe que nos concerne na medida em que se pode notar uma espécie de associação entre a afirmação da identidade nacional e a elaboração de projetos nos quais a tarefa de construção do país é entendida como uma sucessiva incorporação de áreas e pessoas à órbita de atuação do Estado. Além do mais, dada sua importância, tal encargo com a construção identitária serviu no caso brasileiro como justificativa para a tomada de ações e a feitura de discursos em que o autoritarismo viceja como um forte componente. Estabelecidos esses parâmetros, percebe-se que na virada do século há uma expressiva mudança no entendimento do que era ou deveria ser o sertão, mudança esta que acompanha as alterações nas formulações discursivas preocupadas em ajustar a construção identitária ao processo de conquista territorial. Permeadas por uma interpretação globalizante da relação sociedade-natureza, essas formulações revelam avaliações negativas ou positivas das áreas qualificadas como sertões, pois se eram os espaços sertanejos os destinados a passar por um processo de civilização no século XIX, são também os sertões as áreas tidas como as mais aptas a receberem os fluxos modernizantes do século XX.” NOGUEIRA, Carlos Eugênio. Frentes pioneiras e formação territorial: a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) na consolidação do campo geográfico no Brasil. Revista Brasileira de História da Ciência. Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, jul./dez. 2012, p.318. Disponível em: <https://www.sbhc.org.br/revistahistoria/ view?ID_REVISTA_HISTORIA=48>. Acesso em: julho/2018. 32
Ibidem, p.319. 33
DOIN, José Evado de Mello; MELLO, Rafael Cardoso; PERINELLI NETO, Humberto. Caminhos de ferro, de chão e gado... Apontamentos sobre o comércio mercantil do boi no Noroeste Paulista (1820/1974). Caminhos da História. Montes Claros-MG, v. 13, n. 1, 2008, p.97-99. Disponível em: <https://sites.google.com/site/revistacaminhosdahistoria/numeros-anteriores-nova/v-13-1-1o-semestre-de-2008>. Acesso em: julho/2018. 34
ESTEVES, Antônio R. A república letrada e o sertão: escritores visitam a região da Alta Araraquarense. In: FERREIRA, Antônio Celso; MAHL, Marcelo Lapuente (Orgs.). Letras e Identidades: São Paulo no século XX, capital e interior. São Paulo: Annablume, 2008, p.108.
25
vila em 1852, pelo tenente-coronel João Bernardino de Seixas Ribeiro, e a elevação
à categoria de município em 1894.35
A extensão territorial do município de São José do Rio Preto, nos anos finais
do século XIX, compreendia aproximadamente um terço do estado de São Paulo,
estendendo-se até as fronteiras dos estados de Mato Grosso e Minas Gerais.
Compreendido entre os rios Tietê, Paraná e Grande, o novo município limitava-se com Bauru, Barretos, Jaboticabal e Monte Alto, no Estado de São Paulo; e com os estados de Minas Gerais e Mato Grosso. Uma vez mais, deslocava-se a fronteira oeste e São José do Rio Preto passaria a merecer o título de “boca do sertão”.36
No percurso deste estudo, foram localizados parcos registros que versam a
respeito da presença indígena no extremo Noroeste Paulista, não pela ausência
dessas populações originárias, mas há indícios que acenam para um processo
histórico de ocupação marcado por ações extremamente violentas por parte dos
desbravadores, que praticamente dizimaram esses grupos humanos. Os entusiastas
da “marcha pioneira”37 concebiam essas populações como “incivilizadas”,
“perigosas” e, sobretudo, as classificavam como entraves ante o discurso
civilizador/modernizador dos “pioneiros”.
Assim, a “exegese” desse processo histórico, cabendo salientar que esse
não é o foco do estudo aqui apresentado, pode contribuir para o debate acerca da
complexidade que envolve a construção da invisibilidade das comunidades
indígenas na região do extremo Noroeste Paulista e, de igual modo, sugerir estudos
futuros.
Quando na segunda metade do XIX e primeiras décadas do XX o café e a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil avançam sobre seus territórios no oeste do atual estado de São Paulo há fortes e cruéis conflitos entre os Kaingang e as frentes de expansão cafeeira (Pinheiro, 1992). O empecilho representado por esses
35
CAVENAGHI, Airton José. São José do Rio Preto fotografado: imagética de uma experiência urbana (1852-1910). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, n. 46, 2003, p.147-169. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882003000200007>. Acesso em: julho/2018. 36
ESTEVES, Antônio R. A república letrada e o sertão: escritores visitam a região da Alta Araraquarense. In: FERREIRA, Antônio Celso; MAHL, Marcelo Lapuente (Orgs.). Letras e Identidades: São Paulo no século XX, capital e interior. São Paulo: Annablume, 2008, p.109. 37
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.12.
26
índios legitimou a visão do bárbaro e uma política sistemática de extermínio.38
O mapa a seguir tem o objetivo de ilustrar “A Evolução da Franja Pioneira”39
no seu avanço pelo estado de São Paulo entre os anos de 1640 e 1900, destacando
a mancha maior, em tom laranja, que revela a área de ocupação mais recente do
interior paulista, a partir de 1900, em direção ao extremo noroeste, onde está
localizada a cidade de Fernandópolis:
Figura 1 - Períodos de expansão da Frente Pioneira e delineamento ferroviário no estado de São Paulo.40
O estudo de Marcel Mano sobre “Os Campos de Araraquara” indica a
presença majoritária, no trajeto para o extremo Noroeste Paulista, de povos
indígenas filiados ao tronco Macro-Jê, grupos que se adaptaram ao bioma do
cerrado41, entendendo que essa área do estado de São Paulo situa-se na faixa de
transição para o referido bioma.42 Nas proximidades do que hoje seria a região de
38
MANO, Marcel. Os campos de Araraquara: um estudo de história indígena no interior paulista. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), UNICAMP, Campinas, 2002, p.131-132. 39
SCHIAVON, Taís. Patrimônio da mobilidade no Brasil e o processo de identificação e valorização do território. Ferrovias e as paisagens industriais da região Oeste do estado de São Paulo. Faces da História. Assis-SP, v. 4, n. 1, jan./jun. 2017, p.90-122. Disponível em: <http://seer.assis.unesp.br/ index.php/facesdahistoria/article/view/406>. Acesso em: julho/2018. 40
Ibidem. 41
MANO, op. cit., p.129-130. 42
Fernandópolis está situada numa área de floresta estacional semidecidual, marcada pelo encontro (ecótono) entre a vegetação de Mata Atlântica e o Cerrado. Para uma análise mais densa ver: FIORAVANTE, Carlos; FIORI, Ana Maria. Os caminhos para salvar o Cerrado paulista. Pesquisa Fapesp. São Paulo, n. 63, abr./2001, p.38-43. Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2001/04/38_biota.pdf>. Acesso em: julho/2018.
27
Fernandópolis, divisa entre os estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, os
indícios acenam para a concentração numerosa dos Cayapó:
Por essas pistas está claro que os Cayapó deveriam ainda no século XIX ocupar uma extensa área que desde a margem direita do rio Grande, no atual triângulo mineiro, avança por toda extensão do norte e noroeste do atual estado de São Paulo, com aldeias extremamente numerosas, conforme fica explícito num comentário escrito pelo cônego uberabense Antonio José da Silva. Ele afirma que em 1820 existiam “Índios Aldeiados a margem do Rio Grande na distância de 40 léguas do Arraial, cujo número excede a 1:000 de ambos os sexos. Estes Índios (Caiapós) passeião de tempos em tempos por toda a Freguezia; mas não cometem a menor hostilidade [...]” (Silva, 1896, p. 341). De acordo com Alexandre de Souza Barbosa (1918, fl.27) em 1830 existiam no triângulo mineiro três aldeias de índios Panará: Macahuba, na margem esquerda do rio Paranaíba; São Francisco Salles, no arraial de mesmo nome; e Água Vermelha, na margem direita do rio Grande.43
Perscrutar a presença das populações indígenas na região de Fernandópolis
e sua posição em relação ao processo de ocupação promovido pelas frentes
pioneiras é tarefa árdua, levando em conta a escassa produção historiográfica
acerca do tema, como já mencionado. Entretanto, o esforço na busca por esses
vestígios surge como questão indispensável, especialmente no que tange aos
elementos constitutivos da cultura caipira44, que é resultado de um processo de
hibridação cultural45, marca da pluralidade étnica do povo brasileiro46, engendrada
pelas matrizes europeia, indígena e africana.
A moda caipira de raízes pressupõe a viola caipira, um instrumento amargurado que “chora”, pois, antes de ser viola, em sua fecundidade lúdica, deliciante, liga-se ao encadeamento de três estados interiores que estão na base ameríndia, africana e ibérica da cultura [...].47
Os acessos abertos nas fronteiras das províncias de São Paulo, Mato
Grosso, Minas Gerais e Goiás durante o século XIX e a sua transição para o século
43
MANO, Marcel. Os campos de Araraquara: um estudo de história indígena no interior paulista. Tese (Doutorado em Ciências Sociais), UNICAMP, Campinas, 2002, p.281. 44
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 10ª ed. São Paulo: Editora 34, 2003, p.26-28. 45
BURKE, Peter. Hibridismo Cultural. São Leopoldo-RS: Unisinos, 2003, p.49-55. 46
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.19. 47
SANT‟ANNA, R. A moda é viola: ensaio do cantar caipira. São Paulo: Arte e Ciência, 2000, p.95.
28
XX foram do mesmo modo importantes para a ocupação das áreas do Noroeste e
Sudoeste Paulista, motivada economicamente pela necessidade do escoamento do
gado de corte e a ocupação de áreas para a recria. Nesse sentido, as picadas foram
sendo abertas e as chamadas “estradas boiadeiras” se estabelecendo, conectando
assim as quatro províncias.
Surgiriam, então, ações que denotavam a intenção de se encurtar a distância percorrida pelas boiadas mato-grossenses. Foi por conta disso que, em 1830, Pimenta Bueno, presidente da Província de Mato Grosso, determinava a abertura de uma picada em direção a São Paulo, mas que cortasse também o Sertão da Farinha Podre (Triângulo Mineiro).48
Estudos recentes propõem outro olhar historiográfico acerca do processo de
ocupação do extremo Noroeste Paulista, criticando o entendimento de que a
expansão ferroviária e a cultura do café foram fatores exclusivos ou determinantes
nesse decurso, uma vez que a pecuária – e toda uma rede complexa de conexão
que a orbitava acomodando aspectos econômicos, culturais, sociais e políticos –
atuou na composição desse cenário histórico de expansão territorial.
Consequentemente, essa questão deve ser problematizada a partir da relevância do
“comércio mercantil do boi” nesse processo de ocupação das áreas correspondentes
ao Oeste do estado de São Paulo e seu “entroncamento”, para além da
espacialidade, com os estados do Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás.
Sendo assim, compreender a dinâmica histórica envolvendo o atual Noroeste Paulista, por meio dos nexos temporais e espaciais que possuía – especialmente quando se enfoca a pecuária –, gera a necessidade de rever a interpretação até então erigida sobre esse território. Como defendem acertadamente vários estudiosos, a movimentação de fluxos de capitais por uma região provoca a rearticulação das áreas vizinhas, constituindo uma complexa rede de interdependência não apenas econômica, mas também cultural, social e política. Embora os nexos indicados existam até os dias atuais, o que se nota nos trabalhos existentes sobre o Noroeste Paulista é a atribuição de um peso demasiado ou praticamente exclusivo ao entendimento de fatores como as ações das empresas de
48
DOIN, José Evado de Mello; MELLO, Rafael Cardoso; PERINELLI NETO, Humberto. Caminhos de ferro, de chão e gado... Apontamentos sobre o comércio mercantil do Boi no Noroeste Paulista (1820/1974). Caminhos da História. Montes Claros-MG, v. 13, n. 1, 2008, p.102. Disponível em: <https://sites.google.com/site/revistacaminhosdahistoria/numeros-anteriores-nova/v-13-1-1o-semestre-de-2008>. Acesso em: julho/2018.
29
loteamento, o estabelecimento de lavouras cafeeiras e a implantação dos trilhos da ferrovia Araraquarense.49
No bojo desse processo, o adensamento populacional foi se afirmando
nessas áreas a partir de núcleos que se estabeleceram às margens das estradas
por onde passavam as boiadas tangidas pelos peões de boiadeiro.50 A presença
desses indivíduos e suas atividades ligadas historicamente ao tropeirismo emergem
em registros coloniais, sobretudo a partir do século XVII. O transporte de muares,
entre outros produtos, destinados ao comércio das primeiras vilas do Brasil Colônia
promoveu a integração econômica e cultural entre áreas longínquas, do mesmo
modo, contribuiu para a abertura de novos caminhos que objetivavam conectar
essas áreas. Nesse sentido, aspectos marcantes da cultura caipira estão ancorados
na cultura dos tropeiros, passando pela indumentária, alimentação e pela atividade
agropastoril, vestígios que podem ser notados, reconhecendo-se as especificidades,
nas áreas rurais brasileiras.
Esses trabalhadores, na maioria dos casos contratados por pecuaristas,
compunham as comitivas de peões responsáveis pela condução dos rebanhos à
cidade de Barretos, na qual estava localizada a “Companhia Frigorífica e Pastoril”51.
À medida que a demanda de carne bovina empolgava o mercado interno brasileiro,
alcançando também nesse trajeto o mercado externo, intensificaram os fluxos de
boiadas pelo Noroeste Paulista, o que exigiu uma infraestrutura de transporte,
culminando na abertura de estradas de chão, paralelamente à ampliação da malha
ferroviária e à implementação de portos fluviais para a travessia de balsas e
49
DOIN, José Evado de Mello; MELLO, Rafael Cardoso; PERINELLI NETO, Humberto. Caminhos de ferro, de chão e gado... Apontamentos sobre o comércio mercantil do boi no Noroeste Paulista (1820/1974). Caminhos da História. Montes Claros-MG, v. 13, n. 1, 2008, p.103-104. Disponível em: <https://sites.google.com/site/revistacaminhosdahistoria/numeros-anteriores-nova/v-13-1-1o-semestre-de-2008>. Acesso em: julho/2018. 50
Sobre as comitivas e os peões de boiadeiro no Noroeste Paulista ver: ZANCANARI, Natália Scarabeli. A figura que conduz: comitivas e peões boiadeiros no Noroeste Paulista. Anais do VI Congresso Internacional de História. Maringá, 2013, p.1-10. Disponível em: <http://www. cih.uem.br/anais/2013/?l=trabalhos&id=139>. Acesso em: julho/2018. 51
A Companhia Frigorífica e Pastoril, localizada na cidade de Barretos, é considerada o primeiro frigorífico do Brasil, uma vez que os matadouros que existiam no Rio de Janeiro e em São Paulo operavam de maneira extremamente precária, sobretudo na óptica dos sanitaristas, tanto que o tema foi alvo de intensos debates no início do século XX. “A Companhia Frigorífica e Pastoril, primeira indústria de processamento de carnes do Brasil, localizada em Barretos, teve suas obras de construção iniciadas em 1910, suas operações em 1913 e as suas exportações em 1914.” ARAÚJO, Célia Regina Aiélo. Perfil dos operários do Frigorífico Anglos de Barretos – 1927/1935. Dissertação (Mestrado em História), UNICAMP, Campinas-SP, 2002, p.24-27.
30
vapores, como no caso das ações da “Companhia Porto Independência” durante a
década de 1900 nas margens paulistas do Rio Paraná.52
Na rota por onde erigiram os primeiros núcleos que deram origem à cidade
de Fernandópolis – Vila Pereira e Brasilândia – foi se constituindo um cenário
marcado pela presença de entrepostos comerciais, notadamente, áreas de recria e
“invernadas”53, que contribuíram para a consolidação de moradias fixas, traçando a
silhueta das primeiras vilas estabelecidas. Era o caminho da antiga “Estrada do
Taboado”, que conectava o Porto do Taboado, no Mato Grosso, situado na barranca
do Rio Paraná, à cidade paulista de Jaboticabal.
Em fins deste século [XIX], dada a movimentação de gado existente entre o Mato Grosso, Minas Gerais e São Paulo, decidiu o governo paulista encomendar estudos e a construção de estradas junto ao engenheiro Olavo Hummel. Em 1896, foi inaugurada uma estrada que cortava o Vale do Paranapanema, ligando os campos de Vacaria, Mato Grosso, ao Estado de São Paulo. Pouco tempo depois, mais precisamente em 1906, foi posto em execução o projeto que previa a formação de uma estrada ligando o Porto Taboado à localidade de Jaboticabal, passando por São José do Rio Preto. Assim, caminhos repletos de boiadas caracterizavam as terras paulistas localizadas no extremo Oeste, gerando, inclusive, a formação ou o incremento de novos entrepostos, caso da Vila Carvalho (próxima a Votuporanga) e Vila Jatai (atual Tanabi), situadas na Estrada do Taboado.54
Vale ressaltar que as primeiras picadas abertas, desbravadas até então pela
inciativa de grupos particulares compostos por ocupantes dessas áreas, tiveram sua
gênese ainda no século XIX. A consolidação do trajeto Porto do Taboado/
Jaboticabal ocorreu na primeira década do século XX, em 1906, destacando-se que
o processo de construção dessa via de acesso se desdobrou sob forte pressão
52
PERINELLI NETO, Humberto. Caminhos de Ferro, de Chão e Gado... Apontamentos sobre o comércio mercantil do boi no Noroeste Paulista (1820/1974). Caminhos da História. Montes Claros-MG, v. 13, n. 1, 2008, p.109-110. Disponível em: <https://sites.google.com/site/revistacaminhos dahistoria/numeros-anteriores-nova/v-13-1-1o-semestre-de-2008>. Acesso em: julho/2018. 53
As invernadas eram pastagens destinadas à “engorda do gado magro”, que adquiria essa condição em decorrência da longa jornada pela Estrada Boiadeira. O percurso completo era realizado em aproximadamente 30 dias. “Diante da importância da pecuária, peões de boiadeiro eram contratados para tanger o gado pelas estradas que ligavam as áreas de cria, recria, invernagem e abate.” Ibidem, p.107. 54
DOIN, José Evado de Mello; MELLO, Rafael Cardoso; PERINELLI NETO, Humberto. Caminhos de ferro, de chão e gado... Apontamentos sobre o comércio mercantil do boi no Noroeste Paulista (1820/1974). Caminhos da História. Montes Claros-MG, v. 13, n. 1, 2008, p.105. Disponível em: <https://sites.google.com/site/revistacaminhosdahistoria/numeros-anteriores-nova/v-13-1-1o-semestre-de-2008>. Acesso em: julho/2018.
31
política rio-pretense, uma vez que essa obra atendia a uma ampla rede de
interesses econômicos locais.55
Figura 2 - Planta de reconhecimento para a criação de uma nova estrada de rodagem entre a cidade de Jaboticabal e o Porto Taboado
no Rio Paraná – São Paulo, 1895.56
Nesse período, o município de São José do Rio Preto era a única cidade
localizada nesse percurso de mais 350 quilômetros que ligava os estados do Mato
Grosso e São Paulo, o que, na visão de suas lideranças políticas, poderia
representar uma oportunidade estratégica de se firmar nessa rota de expansão
comercial. Indícios dessa premissa podem ser recuperados a partir dos debates
acerca da questão da construção da estrada, registrados em atas e
correspondências da Câmara Municipal de São José do Rio Preto:
Era premente a necessidade de se encurtarem as distâncias, abrindo-se estradas que ligassem Paranaíba a Barretos, via Rio Preto, passando pelo Porto do Taboado [...] Desta forma é que, em 1897, a Câmara Municipal de Rio Preto dirigia um apelo ao Governo do estado de São Paulo, no sentido de estabelecer as vias de comunicação do Porto do Taboado. Assim a Câmara justificava: “Não era somente via de interesse municipal, mas artéria principalíssima da viação do estado que
55
DOIN, José Evado de Mello; MELLO, Rafael Cardoso; PERINELLI NETO, Humberto. Caminhos de ferro, de chão e gado... Apontamentos sobre o comércio mercantil do boi no Noroeste Paulista (1820/1974). Caminhos da História. Montes Claros-MG, v. 13, n. 1, 2008, p.106. Disponível em: <https://sites.google.com/site/revistacaminhosdahistoria/numeros-anteriores-nova/v-13-1-1o-semestre-de-2008>. Acesso em: julho/2018. 56
Acervo do Museu Municipal Edward Coruripe Costa, Votuporanga - SP, 2018.
32
mais de servir ao município, serve aos interesses de São Paulo, para não dizer da Nação, porque a estrada será via natural de comunicação entre Cuiabá e o porto de Santos, no Atlântico.”57
A fundação de vilarejos como a Vila Carvalho, Vila Carrilho, Vila Jataí (atual
Tanabi) e Maravilha (atual Meridiano) são vestígios dos núcleos edificados às
margens da antiga “Estrada do Taboado”. As citadas Vila Carvalho e Vila Carrilho,
pertencentes respectivamente aos atuais municípios de Votuporanga e Cosmorama,
constituem até hoje pequenos núcleos populacionais, bairros58 na zona rural dos
referidos municípios.
Do mesmo modo, as Vilas Pereira e Brasilândia surgiram nesse trajeto que à
época figurava como único acesso entre São José do Rio Preto e o Porto do
Taboado, no Rio Paraná. Por volta do início dos anos 1920, Joaquim Antônio
Pereira, considerado o fundador da antiga Vila Pereira, Afonso Cáfaro, Francisco
Arnaldo da Silva, Carlos Barozzi, entre outros, estabeleceram-se ali impulsionados
pela cultura do café, seguida da introdução de outras culturas, com destaque para o
cultivo do algodão e a prática da pecuária.59
Ela [a Estrada do Taboado] foi via por onde entraram e aqui chegaram em carros de bois e se fixaram nossos primeiros povoadores, entre eles Joaquim Antônio Pereira (1918/1925), Afonso Cáfaro (pouco antes 1928), Francisco Arnaldo da Silva (por volta de 1929, com café e pecuária, na Fazenda Maragogipe), Américo Messias (1936, na Fazenda Santa Maria), Quirino Luiz Ferreira, João Biroli.60
Joaquim Antônio Pereira, nascido em 13 de novembro de 1886, era natural
de Livramento, no estado da Bahia. Fixou moradia na cidade de Olímpia61, município
57
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus,1996, p.14-15. 58
Para uma discussão acerca dos conceitos de bairro rural e bairro urbano ver: HALLEY, B. M. Bairro rural/bairro urbano: uma revisão conceitual. GEOUSP: Espaço e Tempo. São Paulo, v. 18, n. 3, 2014, p.577-593. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/82793>. Acesso em: julho/2018. 59
SOUZA, Paulo Henrique de; SOUZA, Marta Maria Pereira de. Revisando a ocupação histórica do Noroeste Paulista. In: PERINELLI NETO, Humberto; NARDOQUE, Sedeval; MOREIRA, Vagner José (Orgs.). Nas Margens da Boiadeira: territorialidades, espacialidades, técnicas e produções no Noroeste paulista. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p.39-41. 60
PESSOTA, op. cit., p.16. 61
O município de Olímpia foi criado em 7 de dezembro de 1917 pela Lei Estadual nº 1.571. Situa-se no Noroeste Paulista compondo a Mesorregião de São José do Rio Preto. A distância entre o referido município e a cidade de Fernandópolis é de aproximadamente 170 quilômetros. Os dados apresentados foram colhidos no site da Prefeitura Municipal de Olímpia. OLÍMPIA (Município). Nossa
33
no qual era proprietário de terras que serviam ao cultivo do café e da cana-de-
açúcar. No ano de 1918, a serviço do escritório de engenharia de Leonardo Posela
Segundo, sediado em Olímpia, visitou as terras da “Gleba Santa Rita”62 com a
missão de demarcar uma extensa faixa de terra, uma vez que atuava
profissionalmente como agrimensor.
A primeira impressão de Pereira a respeito da localidade, segundo seu
próprio relato a Posela, foi “de não haver dinheiro algum que o fizesse voltar àquele
sertão sem fim”63. Entretanto, Joaquim Antônio Pereira retornaria à “Gleba Santa
Rita” em 1925 para novas medições, que o fariam mudar de opinião, especialmente
pela ampliação dos seus conhecimentos acerca da fertilidade daquelas terras. Tanto
que, a partir de 1927, alinhado a interesses ligados à especulação fundiária, Pereira
voltaria às terras da “Gleba Santa Rita” passando a efetuar sucessivas compras, o
que lhe conferiu uma extensa propriedade que se estendia até as proximidades dos
estados do Mato Grosso e Minas Gerais.
Cabe ressaltar que o uso nesta dissertação do termo “especulação fundiária”
está relacionado ao contexto de expansão da “Frente Pioneira” pelo extremo
Noroeste Paulista e seus desdobramentos em um processo de concentração de
terras, levando em conta registros e a sua ausência (silenciosa), em alguns casos,
bem como os indícios do modo de operação dos indivíduos que ocuparam essas
paragens, sobretudo pelos traços de violência que emergem do contato com os
grupos indígenas que habitavam essas áreas, legitimados pela “aura” do
progressismo e do projeto modernizador.
Com efeito, podemos ver que nas primeiras três décadas do século XX há uma relativa persistência na elaboração de inúmeras interpretações do Brasil apoiadas na ideia de um contraste entre litoral e sertão, antinomia que também pode ser
cidade. s/d. Disponível em: <https://www.olimpia.sp.gov.br/portal/cidade/12/Hist%C3%B3ria-de-Ol%C3%ADmpia>. Acesso em: julho/2018. 62
Sobre o conceito de gleba: “A gleba conceitua-se como a área de um terreno como um todo, inteiro, que ainda não foi dividida em lotes, isto é, ainda não foi parcelada em lotes para que se possa dar início a um parcelamento do solo ou loteamento. Também pode ser a área que ainda não sofreu desmembramento. Quando parcelada, a gleba deixa de existir como um todo sendo dividida em vários lotes de menor tamanho que, pronto o loteamento receberá escritura e matricula em separado e possibilidade de construção Portanto, Juridicamente na matricula imobiliária, a Gleba se extingue e passa a existir como coisa loteada.” ANGELA, Maria. Gleba - Conceito. Saberimobiliário. 29 out. 2008. Disponível em: <https://www.saberimobiliario.com.br/2008/10/gleba-conceito.html>. Acesso em: julho/2018. 63
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus,1996, p.31.
34
lida na base tradição vs modernidade (ou localismo vs cosmopolitismo), já que essas imagens surgem no pensamento político-social brasileiro referidas a duas ordens sociais de organização estruturalmente distintas, espelhando talvez uma concepção linear do desenvolvimento e do tempo histórico que carrega consigo uma representação geográfica da realidade na qual uma parcela do território é vista como atrasada, estagnada, enquanto outra, mais civilizada e desenvolvida, estaria apta a receber os fluxos de cunho modernizantes.64
Entrementes, os indicativos dos interesses (supracitados) de Pereira se
manifestam nos registros de loteamento e posterior venda desses lotes por parte do
proprietário, o que é visto, segundo alguns escritos locais, como ações de um
“progressista”.
Com várias famílias já assentadas em muitas fazendas que aqui se formaram, o progressista Joaquim Antônio Pereira percebeu as vantagens de se criar um povoado para a valorização das terras e forçar a abertura de estradas e o prolongamento da Estrada de Ferro Araraquarense, para o escoamento de produtos.65
Com objetivos econômicos bem definidos, regulados pela aquisição,
loteamento e venda de parte de sua propriedade, Pereira em 1939 deu início à
fundação do patrimônio, circunscrito em 18 alqueires, de suas terras na fazenda São
José, erigindo um cruzeiro, seguido da celebração de uma missa no dia 22 de maio
de 1939. No mesmo local, dois anos depois, seria construída a capela em honra à
padroeira da “Vila Pereira” que ali se formava, Santa Rita de Cássia, santa de
devoção de Joaquim Antônio Pereira.66
O traçado inicial da Vila Pereira estruturava-se a partir de dez avenidas67,
projetado inicialmente por Leonardo Posela Segundo, engenheiro e parceiro de
negócios de Pereira, como ilustra a “Planta Geral de Pereira” disposta a seguir,
publicada em um encarte sob o título “Marco de Trabalho e Progresso”, na edição de
1º de março de 1942 do jornal “A Folha de Rio Preto”. O impresso, além enumerar
64
LOCATEL, Celso Donizete; LOCATEL, Selma Aparecida. Aspectos políticos do coronelismo no processo de fundação de Jales-SP. In: MOREIRA, Vagner José; NARDOQUE, Sedeval; PERINELLI NETO, Humberto (Orgs.). Noroeste Paulista: práticas e movimentos sociais, trabalhadores e experiências. São Paulo: Outras Expressões, 2013, p.29-40. 65
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.32-33. 66
Ibidem, p.33. 67
Ibidem.
35
as vantagens oferecidas pelo novo povoado, ovacionava a figura de Pereira,
enaltecendo o “espírito de realização de um homem”68.
Figura 3 - “Planta geral de Pereira”, publicada no jornal Folha de Rio Preto, em 1942.69
Observa-se que no rodapé da imagem há uma especificação das faixas de
terra vendidas, assim como das áreas construídas e habitadas, o que pode sugerir a
inciativa de publicizar a nova vila e, dessa forma, atrair possíveis novos
compradores.
Em 1938, ano anterior à fundação da Vila Pereira, o italiano Carlos Barozzi
fundara um núcleo que levava seu nome e que mais tarde ficaria conhecido como
Vila Brasilândia. As terras de Barozzi localizavam-se na “Gleba Marinheiro”, tendo
68
FOLHA DE RIO PRETO. São José do Rio Preto - SP, 1942. Apud: PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.34. 69
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018.
36
sido adquiridas do Dr. Victor Garbarino, como consta em registro cartorial de uma
escritura de 162 alqueires datado de 27 de agosto de 1930.70
O comerciante Carlos Barozzi residia anteriormente na cidade de Elisiário71,
localidade na qual era proprietário de um armazém. Barozzi era fornecedor de
diversos produtos, entre os seus principais clientes estava o engenheiro novo-
horizontino72 Victor Garbarino, dono de terras na Gleba Marinheiro. Os negócios de
Carlos Barozzi com esse engenheiro e proprietário rural foram ampliados de tal
forma que Barozzi não figurou apenas como fornecedor de produtos, mas “era
também intermediário de vendas das terras de Garbarino, ou seja, vendia as terras e
recebia, a título de comissão, uma porcentagem em terras ou em dinheiro”73.
Assim como Joaquim Antônio Pereira, Carlos Barozzi se firmou no circuito
de compra e venda de terras na região, sendo responsável inclusive, de acordo com
os registros de uma caderneta que a ele pertencia, pela organização de um mutirão
que atuou na construção de uma estrada que ligava as terras da Gleba Marinheiro à
cidade Monteiro74, na época distrito de Tanabi, partindo da Fazenda São Luiz
Gonzaga, que era propriedade de Barozzi. O projeto da estrada “Reta do Dr.
Garbarino”, assim nomeada nos registros realizados por Carlos Barozzi, foi
financiado por ele, e o valor seria reembolsado posteriormente por Garbarino, que
via na abertura da estrada a grande oportunidade de valorizar suas terras, o que
também interessava a Barozzi enquanto comerciante e proprietário de terras
naquela localidade.
70
A área que deu origem à Vila Brasilândia, localizada nas terras da “Gleba Marinheiro”, foi adquirida por Carlos Barozzi em negócio firmado com o Sr. Victor Garbarino, como consta em registro cartorial de uma escritura de 162 alqueires na data de 27/08/1930. PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.17-18. 71
O município paulista de Elisiário está localizado, segundo dados do IBGE, na mesorregião de São José do Rio Preto e na Microrregião de Catanduva. Em 9 de novembro de 1923 a Vila Elisiário foi elevada a distrito de Catanduva, alcançando a sua emancipação em 1º de janeiro de 1933. ELISIÁRIO (Município). O município - Dados do município. s/d. Disponível em: <http://www.elisiario. sp.gov.br/website/?pgdst=dmunicipio>. Acesso em: julho/2018. 72
O termo “novo-horizontino” faz menção ao gentílico de quem nasce na cidade de Novo Horizonte, município localizado na mesorregião de São José do Rio Preto. Os primeiros colonos que ocuparam essas áreas chegaram por volta de 1895. A Lei Estadual nº 1.530 de 28 de dezembro de 1916 elevou Novo Horizonte à categoria de município. NOVO HORIZONTE (Município). Novo Horizonte - História. s/d. Disponível em: <http://www.novohorizonte.sp.gov.br/Institucional/novorizontino>. Acesso em: julho/2018. 73
PESSOTA, op. cit., p.18. 74
O distrito de Monteiro, atual Ibiporanga, ainda pertence ao município de Tanabi, que representava na época a sede administrativa das Vilas Pereira e Brasilândia, assim como outros povoados que estavam sob a sua jurisdição. O município de Tanabi, antiga Jathay, foi fundado em 4 de julho de 1882. OLIVEIRA, Sebastião Almeida. Subsídios para a História de Tanabi. São Paulo: Grafik, 1977, p.1-43.
37
Através das anotações da “Caderneta de Barozzi”, constatamos que foram abertos cerca de 28 quilômetros de estradas do Marinheiro até Monteiro, pagando-se 500$000 por quilômetro. Há anotações que se referem, igualmente, ao pagamento dos picadeiros a 7$000 por dia, incluindo a comida e roupa lavada, construção de estivas a 350$000 no córrego das Pedras, uma ponte no córrego Marco a 120$000 e consertos e limpeza do trecho da estrada já existente e mal conservada. Essa estrada é chamada “Reta do Dr. Garbarino”, que chegava à “Fazenda Barozzi”, sendo, junto com a estrada “Boiadeira”, a outra via de penetração nesta região.75
Com a conclusão do caminho e a estruturação da sua propriedade na Gleba
Marinheiro, Barozzi vendeu seu armazém na cidade de Elisiário e, juntamente com a
família, em 1937, fixou-se definitivamente em suas terras, intensificando a
comercialização de seus lotes. Em 10 de novembro de 1938, nas terras de Carlos
Barozzi, seria fundado o “Patrimônio da Brasilândia”76, que disputava com a Vila
Pereira a posição de distrito-sede.
As duas vilas rivalizaram no decorrer do processo de disputa pela posição
de sede política e administrativa, cenário materializado nas querelas que opunham
as lideranças de ambas as Vilas. Uma evidência episódica desse momento foi o
“certame” que marcou a instalação do Cartório de Paz, que, no caso, teve como
“vencedor” a Vila Brasilândia, graças à intercessão de suas lideranças, que
recorreram às autoridades de Tanabi77 e do próprio estado, rendendo para a Vila de
Carlos Barozzi o status de sede do Cartório. É o que ilustra a imagem a seguir, um
registro da cerimônia de instalação do “Cartório de Paz de Brasilândia” em 194378,
concebida na época como uma “vitória” sobre o povoado rival.
75
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.19. 76
Ibidem, p.20-21. 77
Segundo relato de Carlos Barozzi, registrado no primeiro volume da obra “Fernandópolis: nossa história, nossa gente”, lideranças políticas da Vila Brasilândia, em conjunto com o próprio depoente e o prefeito de Tanabi na época, Manoel Garcia, foram a São Paulo interceder pela instalação do Cartório. Ibidem, p.29-30. 78
A instalação do “Cartório de Paz de Brasilândia” se deu em 17 de Janeiro de 1943, sendo que o Decreto-Lei que o autorizava havia sido publicado em 24 de agosto de 1942. SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Decreto-Lei nº. 12.886. São Paulo, 24 ago. 1942. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto.lei/1942/decreto.lei-12886-24.08.1942.html>. Acesso em: ago./2018.
38
Figura 4 - Cerimônia de instalação do Cartório de Paz de Brasilândia, 3ª Zona Distrital de Monteiro, 1943.79
Essas divergências chegaram à sede do poder estadual, levando o então
Interventor Federal do Estado de São Paulo, Fernando Costa, a visitar a região
ainda em 1943. Considerando os arranjos políticos, Costa trouxe aos fundadores a
proposta de união entre as vilas, dando origem à cidade de Fernandópolis, nome
escolhido em homenagem ao Interventor.80
Do ponto de vista historiográfico, as questões que culminaram na escolha da
Vila Pereira como sede administrativa do que viria a ser o município de
Fernandópolis, assim como a ocupação dessa área, carecem ainda de maiores
estudos, uma vez que os parcos trabalhos81 existentes não trazem à cena histórica
“outros sujeitos” e “outras histórias” constituintes desse processo, o que se
apresenta como indicativo dos problemas dessas obras, levando em consideração
79
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018. 80
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol.1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.43-46. 81
Cabe ressaltar que, apesar das críticas, esses trabalhos constituem fontes importantes para pesquisas futuras acerca das questões que tocam o processo de ocupação e formação do município de Fernandópolis, cabendo reforçar que essa temática não é o foco da pesquisa aqui apresentada.
39
que os debates teóricos recentes alargaram consideravelmente os caminhos da
pesquisa em História.
Assim, destacar as diferenças a partir do reconhecimento de que a realidade histórica é social e culturalmente constituída tornou-se um pressuposto do pesquisador que procura pôr a nu a poesia do dia-a-dia, permitindo perceber a existência de processos históricos diferentes e simultâneos que compõem a trama histórica, bem como abrir um leque de possibilidades de focos de análise.82
Assim, surgiu para os registros “oficiais” o distrito de Fernandópolis, que, por
meio do Decreto-Lei Estadual n° 14.334, de 30 de novembro de 194483, foi elevado à
categoria de município, com terras desmembradas dos municípios de Tanabi e
Pereira Barreto e sede no povoado de Pereira, constituído de três distritos:
Fernandópolis, Pedranópolis (ex-Brasilândia) e Jales. Sua instalação verificou-se no
dia 1º de janeiro de 1945.
Dessa forma, cabe então discutir, entre outras tensões, as questões que
tocam o rural e o urbano no caso de Fernandópolis, essa cidade em modificação
que permite uma reflexão sobre campo/cidade.
1.2 RURALIDADE E URBANIDADE
A perspectiva de rural e urbano na contemporaneidade como categorias
isoladas apresenta problemas, uma vez que ambos se constituem a partir de uma
relação histórica e cultural.84 Entretanto, o entendimento dessa relação é fortemente
permeado pelo paradigma que os interpreta como espaços opostos. Em outras
palavras, o campo seria tudo aquilo que a cidade não é, e vice-versa. Esse prisma
implica um risco, haja vista que ambos são significados no terreno das correlações,
carregados de historicidade. Nesse sentido, emerge a noção de que o urbano e o
rural não estão presos a uma determinada espacialidade.
82
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 2ª ed. Vol. 1. Bauru: EDUSC, 2014, p.25-26. 83
SÃO PAULO (Estado). Secretaria Geral Parlamentar. Decreto-Lei nº. 14.334 de 30/11/1944. Diário Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 15 maio 1945, p.1. 84
MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Revista Terra Livre. São Paulo, v. 18, n. 19, jul./dez. 2002, p.95-112. Disponível em: <http://www.agb.org.br/files/ TL_N19.pdf >. Acesso em: ago. 2018.
40
O historiador inglês Raymond Williams, em sua obra “O Campo e a Cidade
na História e na Literatura”, pensando a partir da “experiência inglesa” entre os
séculos XVI e XX, reflete sobre o que de certa forma seria o decurso de cristalização
do contraste entre essas duas formas de ajuntamento social, ancorado nos
documentos literários do respectivo recorte temporal.
Em torno das comunidades existentes, historicamente bastante variadas, cristalizaram-se e generalizaram-se atitudes emocionais poderosas. O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações – de saber, comunicações e luz. Também constelaram-se poderosas associações negativas: a cidade como lugar do barulho, mundanidade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação.85
Chama atenção, na premissa de Williams, a forma como de fato essas
“atitudes constelaram-se”, inseridas em um processo multiforme da ideia de cisão
cabal entre campo e cidade. A música caipira86 traz um repertório vasto dessa
concepção que opõe esses dois espaços, seguindo com um dado grau de
semelhança entre essas variantes, de exaltação do campo como espaço de paz,
tranquilidade e, em alguns casos, de proximidade com o sagrado, e da cidade como
lugar do barulho, da neurastenia e da individualidade. Por outro lado, circula também
a representação da cidade como local do progresso, dos avanços técnicos e
científicos. Contudo, dificilmente se encontram indicativos de uma “visão negativa”
do campo, isso levando em conta a seleção de canções que compõem o rol de
fontes do estudo aqui apresentado.
Na sequência, a análise da canção “Fernandópolis” se apresenta como
possibilidade para a compreensão de alguns elementos que compõem esse cenário
multifacetado das representações de campo e cidade:
85
WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade na história e na literatura. Tradução de Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.11. 86
Em relação ao recorte temático das canções do gênero caipira/sertanejo, faz-se necessário sublinhar que, de acordo com estudos a respeito dessa questão, entre 1960 e 1970 o processo de urbanização do gênero se acentuou, ampliando assim o repertório de abordagens dessas canções que a partir de então passaram a acomodar outros temas, além do campo. GUTEMBERG, Jaqueline Souza. No limiar entre a música sertaneja e a música caipira: o perfil da dupla Zé Furtuna e Pitangueira na vertente moderna da música sertaneja. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da Associação Nacional de História. São Paulo: ANPUH, 2011, p.3-4. Disponível em:<http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300892880_ARQUIVO_textoanpuh.pdf>. Acesso em: ago. 2018.
41
Minha terra é cidade brilhante Criança gigante desse meu sertão Minha terra é cartão de visita Das moças bonitas, oh minha paixão Fernandópolis, Fernandópolis Quanto é bom eu poder te abraçar Fernandópolis, Fernandópolis Me abriga, meu querido lar Esta terra feliz que eu canto É toda um encanto, é um lindo jardim Onde um dia apanhei uma flor O meu grande amor, que é tudo pra mim Fernandópolis, Fernandópolis Quanto é bom eu poder te abraçar Fernandópolis, Fernandópolis Me abriga, meu querido lar Oh cidade formosa e faceira A Vila Pereira de tempos atrás É um lar que agrada quem chega E depois partindo, não esquece jamais87
O exercício proposto parte de três aspectos marcantes identificados nas
estrofes que a compõem, em consonância com o refrão, que suscita o elemento
central da canção, o da representação da cidade como lar seguro, abrigo e proteção
para aqueles que a habitam. Percebe-se, de certa forma, uma conexão entre essa
canção e “Adeus Palhoça”88, composição da dupla Quintino e Quirino,
especialmente por representarem tanto o campo (palhoça) como a cidade
(Fernandópolis) sob o símbolo do reduto familiar acolhedor, sentido esse vinculado
ao constructo de família como dádiva sagrada89, na visão de mundo desses
compositores, elementos repletos da carga simbólica da religião cristã católica90 que
pode ser captada no cancioneiro caipira, revelando ainda a permanência de certa
influência do período colonial.
87
Mauro André e Jonacir de Carvalho (Comp.). Fernandópolis. 78 rpm, Irmãos Souza. Califórnia, 1959. 88
Quintino e Quirino (Comp.). Adeus Palhoça. LP Festa de Reis - Vol.5, Quintino e Quirino. Lado 1, Faixa 4. São Paulo: Chantecler, 1980. Adeus Palhoça é uma composição da dupla fernandopolense Quintino e Quirino, a canção compõe o Long Play “Festa de Reis - Volume 5”, gravado pela Chantecler em 1980. Essa canção será objeto de análise no segundo capítulo desta dissertação. 89
JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Familiaris Consortio. 11ª ed. São Paulo: Paulinas, 1981. 90
Ressalta-se a dificuldade de pensar numa perspectiva homogeneizante do catolicismo, sobretudo pelas nuances que marcam a presença dessa religião em diversas espacialidades e temporalidades.
42
[...] E é sabido que os jesuítas utilizavam a música como instrumento de catequese dos indígenas. Aliás, esta é uma história muito interessante: Mário de Andrade afirma que o padre Anchieta se utilizou de danças indígenas, o cururu e o cateretê, nas quais inseriu textos litúrgicos em nheengatu com o propósito de catequizar o gentio. Nheengatu era a língua geral falada por esses índios – em grande parte uma mistura de tupi com guarani. Se olharmos por um outro lado veremos que a percepção de Anchieta foi muito aguda ao observar, talvez intuitivamente, que os índios da América do Sul têm uma característica comum às suas culturas que é a utilização da música como elemento mediador com o sagrado, segundo afirma o antropólogo Robin Wright.91
O padre José de Anchieta, figura relevante da Companhia de Jesus, no
processo de catequese das populações indígenas que habitavam a costa litorânea
do Brasil Colônia, tinha como base de seu plano cristianizador a utilização da música
e da linguagem teatral.92 Desse modo, a presença do cururu e do cateretê, danças93
tradicionalmente rurais que se inserem em festividades de algumas regiões do
Brasil, reforça a hipótese de relação da música caipira com os elementos da
religiosidade cristã católica, sobretudo por ter a viola, um instrumento harmônico94,
como mediadora dessas expressões carregadas de elementos da ancestralidade
ameríndia em diálogo com aspectos da cultura musical europeia.
[...] Seria correto pensarmos que a viola, instrumento harmônico, possa ter sido utilizada nos acompanhamentos dessas danças indígenas, uma vez que até hoje a utilizamos para acompanhar o cururu ou o sapateado e palmeado do cateretê. Acompanhando as violas, os portugueses tocavam
91
VILELA, Ivan. Na toada da viola. Revista USP. São Paulo, n. 64, dez./fev. 2004-2005, p.78. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13392/15210>. Acesso em: ago./2018. 92
Sobre a utilização das linguagens musical e teatral como instrumento pedagógico para os jesuítas no Brasil Colônia do século XVI: “Os jesuítas notariam, desde o início da sua missão no Brasil, que nas suas festas religiosas, momentos em que reuniam a cristandade, ou os índios, ou o povo de forma geral, era fundamental utilizar dança, música e representação para atrair o povo, o que despertava muita devoção nos fiéis, trazia-os para a confissão, comunhão e possibilitava a salvação de suas almas.” HERNANDES, Paulo Romualdo. José de Anchieta, o teatro e a educação dos moços do Colégio de Jesus na Bahia do século XVI. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, v. 12, n. 47, set./2012, p.26. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/ 8640037/0>. Acesso em: ago./2018. 93
ABAÇAÍ CULTURA E ARTE. Manifestações da Cultura Tradicional de São Paulo. Revelando São Paulo. s/d. Disponível em: <http://www.abacai.org.br/revelando-interno.php?id=92>. Acesso em: ago./2018. 94
Os chamados instrumentos harmônicos/ polifônicos são aqueles capazes de realizar acordes, que consistem na emissão de três ou mais sons simultâneos, como a viola e o violão.
43
também flautas, pifes, tambores e gaitas, aliando a isso as maracas, buzinas e flautas indígenas.95
Retornando à canção “Fernandópolis”, com o objetivo de desdobrar os
aspectos marcantes que permeiam suas estrofes, intenção citada anteriormente,
nota-se a representação da cidade sob alguns símbolos: a criança, o jardim e a Vila
Pereira. A referência à criança sugere a representação do vigor, da juventude, uma
vez que, no momento do lançamento da canção, início da década de 1960, não fazia
tanto tempo que Fernandópolis havia alcançado o status de município autônomo,
entre novembro de 1944 e janeiro de 194596, um período relativamente breve,
aproximadamente 15 anos.
A poética dos autores expressa em trechos como “Minha terra é cidade
brilhante” e “Criança gigante desse meu sertão” traz a noção de uma localidade que
se pretendia urbana, vinculada ao discurso urbano/modernizador que circulava no
Brasil desde o final do século XIX, e que naquele momento recebia novas
impressões e significados observados nessa região do estado de São Paulo.
A cidade definitivamente se diferencia do campo. A aceleração do processo de acumulação de capitais na cafeicultura, deslocando-se sobretudo a partir de 1880 do Vale do Paraíba para o planalto, traz no seu interior a imigração massiva e a ferrovia. Tendo por fulcro o sistema São Paulo-Santos, multiplicam-se as vias férreas no planalto paulista. Os trilhos da Light rasgam a cidade e redefinem sua fisionomia. Com o sistema de bondes elétricos do “polvo canadense”, a energia invisível anuncia a modernidade e questiona os hábitos e modos de vida da cidade provinciana.97
O projeto de cidade perpetrado na urbe paulistana, remodelado no decorrer
de quase 50 anos – entre as duas últimas décadas do século XIX e as primeiras três
décadas do século XX –, foi marcado pela implantação da rede elétrica, que
propiciava a iluminação dos espaços públicos, assim como pela expansão dos
95
VILELA, Ivan. Cantando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: EDUSP, 2015, p.39. 96
SÃO PAULO (Estado). Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Secretaria Geral Parlamentar. Decreto-Lei nº 14.334. São Paulo, 30 nov. 1944. Disponível em: <https://www.al.sp.gov. br/repositorio/legislacao/decreto.lei/1944/decreto.lei-14334-30.11.1944.html>. Acesso em: ago./2018. A instalação se deu em 1º de janeiro de 1945. Sua área foi composta por terras desmembradas dos municípios de Tanabi e Pereira Barreto. 97
CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana - 1890-1915. São Paulo: Arquivo Público do Estado de São Paulo, 2013, p.45.
44
trilhos e, posteriormente, do “plano de avenidas” de Prestes Maia98, estas que
seriam ocupadas pelos automóveis. Esse projeto e suas nuances estavam repletos
de signos fomentadores de uma aura de modernidade99 que se expandiu pelo
estado entre a primeira e a segunda metade do século XX.
Uma proposta estava sendo discutida na Câmara Municipal em fins de 1924. Tratava-se da abertura de uma avenida no Vale do Anhangabaú, ligando o centro da cidade [...] Se o trânsito dos bondes, automóveis e outros veículos iria ser facilitado, a abertura da nova avenida garantia o crescimento dos preços dos terrenos da vizinhança da avenida Paulista, propiciando a especulação imobiliária [...] São Paulo tornava-se cada vez mais uma cidade de túneis, viadutos e avenidas, facilitando a circulação necessária à metrópole que se expandia.100
O extremo Noroeste Paulista, concebido como “terras incultas”101 na última
área de atuação da Franja Pioneira102, foi alcançando nesse processo os seus
primeiros traços fisionômicos, à moda de seus “colonizadores”, bebendo da fonte do
moderno e do progresso, tendo como modelo mais próximo da capital do estado a
“princesinha do sertão”103, a cidade de São José do Rio Preto:
Desse modo, São José do Rio Preto, elevada à condição de município em 1894, tornou-se o centro de referência para uma zona em ampla expansão, exatamente no auge de seu movimento pioneiro que trouxe consigo enormes investimentos, atraindo trabalhadores em busca de seus próprios sonhos de riqueza. Assim, se em um tempo não tão distante aquelas
98
O engenheiro e professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Francisco Prestes Maia, elaborou um estudo com o nome original “Plano de Avenidas para a Cidade de São Paulo”, título do seu livro publicado em 1930, ainda como engenheiro da Secretaria de Obras e Viação da Prefeitura de São Paulo entre os anos de 1926 e 1930. Prestes Maia foi nomeado prefeito da capital paulista em 1938, permanecendo no cargo até o ano de 1945. 99
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. São Paulo: Paz e Terra, 1996, p.25-30. 100
TOTA, Antônio Pedro. A locomotiva no ar: rádio e modernidade em São Paulo (1924-1934). São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura/PW, 1990, p.39. 101
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.14. 102
O geógrafo francês Pierre Mombeing definiu essas várias áreas de fronteira como “Franjas Pioneiras”, ocupadas em etapas que guardaram peculiaridades nas ações, uma vez que se desdobraram em processos distintos. A obra de Mombeing traz a perspectiva dos pioneiros como indivíduos arrojados e comprometidos com o projeto expansionista e modernizador, essa premissa contribuiu para a associação entre os chamados pioneiros e os bandeirantes. “Através desses precursores o estado de São Paulo começou a ser retalhado. A marcha pioneira era infatigável através dos continuadores dos bandeirantes que iriam implantar as mais variadas cidades.” Ibidem, p.12. 103
CAMPOS, Raquel Discini de. A “princesa do sertão” na modernidade republicana: urbanidade e educação na Rio Preto dos anos 1920. São Paulo: Annablume, 2004, p.19.
45
paragens pareciam isoladas de tudo e de todos, agora a realidade se transformara, renovando-se as esperanças daqueles que buscavam trabalho através dos caminhos possibilitados por essa complexa e instigante ordem tributária dos cafezais.104
Na terceira estrofe da canção, a cidade é representada enquanto um jardim,
espaço de contemplação e encanto, da beleza natural das flores, que insurgem
como signo de uma relação passional, materializada na declaração de amor pela
cidade. Essa teia de sentimentos105 pode ser apanhada na fala de apenas um dos
compositores da canção, o radialista Mauro André106, uma vez que o seu parceiro na
composição era o também radialista, já falecido, Jonacir de Carvalho:
Mas eu quero aproveitar essa oportunidade, e eu iria ficar muito feliz, né, de saber que no seu trabalho, é... constasse essa parte da história. A música, você tem a letra dela com certeza, né? Então, tem um bom trecho dessa música, e... eu até nem me lembro bem se... [pausas prolongadas nesse trecho da entrevista, tentativa, por parte do depoente, de recuperação dessa memória] eu não me lembro se eu já tinha me casado, acho que não, eu ainda era solteiro, devia tá no noivado, alguma coisa assim... Então, diz assim: “Esta terra feliz que eu canto é toda um encanto, é um lindo jardim, onde um dia apanhei uma flor, o meu grande amor, que é tudo pra mim”. Então essa referência é a minha esposa. Então, traços da letra é voltado assim pra história da própria cidade, né, da Vila Pereira que nasceu Fernandópolis.107
Segundo o depoente, a produção dessa canção se deu no final dos anos
1950, motivada pelo desejo de homenagear a cidade, um jovem município que
104
MAHL, Marcelo Lapuente. Natureza e progresso econômico no Noroeste Paulista 1910-1920. História (São Paulo). Assis, v. 32, n. 2, jul./dez. 2013, p.52-53. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/his/v32n2/a04v32n2.pdf>. Acesso em: ago./2018. 105
Os sentimentos são entendidos neste trabalho sob a baliza da pluralidade, afastados de uma perspectiva generalizante/naturalizante. “Apesar dos sentimentos serem identificados como universais e naturais, eles são múltiplos e expressos de formas variadas. Reflexões em torno da subjetivação dos sentimentos amorosos e sua diferenciação/especificidade no masculino e no feminino permitem perceber que o processo de subjetivação é múltiplo e diferenciado para homens e mulheres.” MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de Emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru: EDUSC, 2005, p.29. 106
O radialista e músico Mauro José André, nascido em 1934 na cidade Monte Aprazível-SP, foi um dos primeiros locutores da extinta Rádio Cultura AM de Fernandópolis. Mauro André foi convidado por Moacyr Ribeiro para trabalhar na emissora no contexto de sua fundação em 1955, atuando pela rádio durante nove anos. 107
Depoimento do Sr. Mauro José André, em entrevista concedida ao autor a distância, através de telefonema efetuado para a cidade de Ribeirão Preto - SP, localidade na qual reside o depoente, em set./2018.
46
observou na transição de 1950 para 1960 a intensificação dos embates entre os
projetos políticos108 propostos para sua liderança.
Do ponto de vista urbano, uma série de transformações atravessaram de
forma contundente o final dos anos 1950 e toda a década 1960109, entre elas a
implantação e ampliação das primeiras redes de água e esgoto, dos postes de
iluminação pública, assim como os primeiros trechos de asfaltamento e uma
embrionária rede de telefonia, que pôde operar como aliada da radiodifusão, já que
interessava diretamente a seus representantes, no sentido de proporcionar uma
interação maior com os ouvintes. Cabe destacar que as cartas110 eram o principal
meio de conexão entre a Rádio Cultura AM de Fernandópolis e os apreciadores de
sua programação, além da presença “in loco” dos ouvintes, que em muitas
oportunidades acompanhavam a transmissão de programas, como o “Rancho
Alegre” e o “Rancho dos Canários”111.
Naquela época, o telefone da cidade tinha três dígitos, e o proprietário da rádio, quando ele adquiriu o telefone, ele caprichou na escolha né, o telefone da rádio era um, dois, três. E eu fazia um programa pelo telefone, que era na época que o Enzo de Almeida Bastos fazia programa de telefone também na Rádio Bandeirantes de São Paulo, né... E eu passei a fazer esse programa de telefone que se chamava Um, dois, três para música.112
Mesmo diante da divulgação do número telefônico, as cartas permaneciam
como principal meio de comunicação entre os ouvintes e a rádio não somente
devido às dificuldades impostas pela questão da infraestrutura, enfrentadas pela
cidade na época, mas em decorrência do acesso restrito a esse bem, uma vez que o
108
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.17-31. 109
Ibidem, p.38-40. 110
A discussão acerca da presença das cartas como forma de conexão entre os ouvintes da ZYR-90, Rádio Cultura AM de Fernandópolis, será apresentada no segundo capítulo da dissertação. 111
O radialista Mauro André, em seu depoimento, fez menção ao programa “Rancho Alegre”. De acordo com a descrição do depoente, no que tange à formatação do programa, este foi precursor do que viria a ser o “Rancho dos Canários”, alternando entre mudanças e manutenções a ideia de violeiros se apresentando ao vivo para o público, que ocupava o pequeno galpão construído por Moacyr Ribeiro, proprietário da extinta Rádio Cultura AM de Fernandópolis, no quarteirão onde estava localizada a rádio. 112
Depoimento do Sr. Mauro José André, em entrevista concedida ao autor a distância, através de telefonema efetuado para a cidade de Ribeirão Preto - SP, localidade na qual reside o depoente, em set./2018.
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telefone era um item extremamente caro.113 Todavia, as obras públicas citadas
surgiam como símbolos da transformação da “antiga”114 Vila Pereira, que se
pretendia como cidade moderna, porém calcada no legado de seus pioneiros, o que
pode ser captado na composição musical de Mauro André e Jonacir de Carvalho, a
partir dos elementos constitutivos da última estrofe que elencam essa Fernandópolis
originária, ancorada na construção de uma memória exitosa de seus primeiros
ocupantes.
Figura 5 - Avenida Amadeu Bizelli no ano de 1959.115
113
“A existência do telefone depende das preferências do consumidor, dado as suas restrições orçamentárias [...] Os censos de 1960 e 1970 não perguntaram sobre telefone e os censos seguintes perguntaram apenas sobre os telefones fixos (não se perguntou sobre telefones celulares). Em 1980, apenas 13% dos domicílios possuíam linhas telefônicas, em 1991 este percentual passou para 19% e, nos anos 90, o percentual mais que dobrou, chegando a 40% em 2000. O telefone fixo passou a ser o quarto item de consumo prevalecente nos domicílios brasileiros.” ALVES, José Eustáquio Diniz. As características dos domicílios brasileiros entre 1960 e 2000. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2004, p.31. 114
O uso do termo “antiga” tem como objetivo provocar uma reflexão acerca do possível paradoxo que operava numa Fernandópolis em processo de delineamento do seu projeto de “cidade progresso”, ao mesmo tempo que se via ainda cravejada de elementos marcantes da sua fundação. Essa questão será discutida no terceiro item deste capítulo. 115
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018.
48
A imagem apresentada mostra a Avenida Amadeu Bizelli no ano de 1959,
avenida que atravessa, atualmente, as duas principais ruas de comércio da cidade,
a Rua São Paulo e a Brasil. A vocação comercial dessa área torna-se perceptível na
imagem, que, além desse elemento, revela outros componentes que surgem na
cena da cidade durante a estruturação do espaço que se queria urbano, numa
avenida ainda de terra batida, com veículos de tração 4x4116, conforme indícios
captados no primeiro plano da foto, em que se notam possivelmente três Jeeps
Willys117, além da circulação de pessoas no que se transformaria em centro
comercial da cidade.
A identificação desses veículos torna possível a percepção de “elementos do
rural inseridos no urbano”, especialmente permite sugerir a circulação entre a cidade
e as propriedades rurais, que, em certa medida, iam sendo deslocadas para a
periferia que circundava a urbe em processo de formação. O traçado das primeiras
estradas, ruas e avenidas, sem a presença de asfalto, impunha a aquisição de
veículos adaptados às condições dos terrenos. Consequentemente, o Jeep Willys e
outros modelos118 da montadora estadunidense119, como o utilitário Willys Jeep
Station Wagon, rebatizado no Brasil como “Rural Willys”, e também sua versão pick-
up, ao lado de veículos de tração animal, foram ocupando as ruas de Fernandópolis
e os caminhos entre os sítios e fazendas e a cidade.
116
“4WD: sigla de four wheel drive – quatro rodas motrizes. No Brasil, tração nas quatro rodas. A diferença: estes são veículos que podem tracionar nas quatro rodas, mas que também operam em 4×2, tracionando nas rodas dianteiras ou traseiras. Esta variação pode ocorrer de forma manual ou automática, dependendo do modelo do veículo e de seu sistema de tração.” BARATA, Juliano. 4×4: qual a diferença entre tração integral e tração nas quatro rodas? E como elas funcionam? FlatOut. 14 jan. 2016. Disponível em: <https://www.flatout.com.br/4x4-qual-a-diferenca-entre-tracao-integral-e-tracao-nas-quatro-rodas-e-como-elas-funcionam/>. Acesso em: set./2018. 117
No ano de 1954 a Willys Overland anunciava seu primeiro "Jeep" brasileiro, com tração nas quatro rodas. O Jeep figurou como pioneiro na ainda incipiente indústria automobilística nacional. Ver: BITU, Felipe. Jeep: 75 anos na trilha da história. Quatro Rodas. São Paulo, 18 jul. 2016. Disponível em: <https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/jeep-75-anos-na-trilha-da-historia/>. Acesso em: set./2018. 118
Sobre as versões do Jeeps Willys: “O sucesso da versão civil desenvolvida pela Willys deu origem a duas variantes, muito apreciadas por trabalhadores, fazendeiros e famílias com espírito aventureiro: a perua fechada Jeep Station Wagon e a caminhonete Jeep Truck.” Idem. Grandes brasileiros: Willys Pick-Up Jeep / Ford F-75. Quatro Rodas. São Paulo, 24 out. 2014. Disponível em: <https:// quatrorodas.abril.com.br/noticias/grandes-brasileiros-willys-pick-up-jeep-ford-f-75/>. Acesso em: out./2018. 119
A montadora estadunidense em questão é a Willys Overland.
49
Figura 6 - Máquina pertencente à Prefeitura Municipal de Fernandópolis, sendo utilizada na manutenção das vias do município durante a década de 1950.120
O registro fotográfico da máquina da Prefeitura em ação durante a década
de 1950 lança a hipótese da necessidade constante de corrigir os acidentes dos
terrenos que integravam as ruas fernandopolenses daquele período, considerando
que esse quadro poderia ser agravado no período das chuvas. Todavia, para além
do conforto proporcionado pelos automóveis que transitavam por essas ruas, a
dimensão simbólica desse bem como representante do progresso e da modernidade
que otimiza a circulação entre o rural e o urbano emerge em diálogo com o projeto
nacional do período121, frisando que as noções de moderno e progresso são
constituídas historicamente.
120
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018. 121
A política desenvolvimentista implementada por Juscelino Kubitschek, a partir da segunda metade da década de 1950, esteve alicerçada na indústria automobilística, promovendo a entrada no Brasil das multinacionais do setor: “Embora já frequentasse a paisagem brasileira desde o início do século XX, foi somente a partir do Governo de Juscelino Kubitschek que o automóvel se tornou o carro chefe da industrialização do país [...].” Ver: ROCHA NETO, Osvaldo Assis. Mobilidade urbana e cultura do automóvel na singularidade da metrópole modernista brasileira. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p.53.
50
O século XX marcou o ingresso definitivo do Brasil na modernidade e coincidiu com a chegada dos automóveis no país, que logo foram alçados à condição de símbolos do progresso e expressão máxima da própria modernidade. Para alcançar o status de nação moderna, o Estado e a sociedade brasileira estimularam – e ainda estimulam – a posse e utilização de veículos automotores – símbolos de modernidade e ícones do progresso. Desde então, ter um automóvel no Brasil não significa apenas adquirir uma mercadoria cujo valor de uso é dar celeridade aos deslocamentos humanos, mas também alcançar status, poder, conforto, diferenciação e ascensão social.122
Observando-se a extensão da Avenida Amadeu Bizelli, cujo trecho de
aglomerado comercial era relativamente curto, o plano geral possibilita visualizar a
intersecção física urbano/rural, revelada no horizonte, em que se vê uma vegetação
densa, recortada por caminhos que acessavam as propriedades rurais situadas,
nesse período, dentro dos limites do município. Os planos alcançados pela lente da
câmera, guiada pela intencionalidade do fotógrafo123, abrem um amplo leque de
interpretações no que concerne aos objetivos desse sujeito que também se insere
nesse processo histórico, partindo-se de hipóteses para os sentidos imbricados nas
vicissitudes desse cenário, nos componentes indicativos do projeto urbanístico
fernandopolense, que aflora mediante a seleção daquilo que se quer retratar, a
escolha do lugar e seus “atores sociais”. Esse prisma de análise surge como
possibilidade para o historiador, sob a compreensão da relevância documental das
imagens.
As imagens fotográficas permitem conhecer aspectos significativos da memória coletiva, indo muito além de meras descrições, e trazem expressões vividas em outros tempos. Assim, retratam a História Visual de uma sociedade, documentam situações, estilos de vida, gestos e atores sociais, permitindo aprofundar o conhecimento da cultura material, expressa na arquitetura, nas cidades e nos objetos.124
122
ROCHA NETO, Osvaldo Assis. Mobilidade urbana e cultura do automóvel na singularidade da metrópole modernista brasileira. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de Brasília, Brasília, 2013, p.53. 123
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.104-115. 124
SÔNEGO, Márcio Jesus Ferreira. A fotografia como fonte histórica. Historiæn. Rio Grande - RS, v. 1, n. 2, 2010, p.119. Disponível em: <https://periodicos.furg.br/hist/article/view/2366>. Acesso em: set./2018.
51
Na etapa de seleção das fontes para a produção desta pesquisa, as
imagens emergiram como meio de ampliar a discussão acerca da questão do rural e
do urbano na cidade de Fernandópolis, trazendo à cena também indicativos da
seletividade espacial contida nas políticas públicas de saneamento e abastecimento
nas primeiras três décadas de emancipação do município, quando a prioridade era a
região central, onde se localizava a antiga Vila Pereira, logradouro das famílias mais
abastadas. Os cenários captados pelas imagens e os próprios documentos
legislativos que versavam sobre as obras municipais125 da época reforçam esse
pressuposto.
Figura 7- Praça Joaquim Antônio Pereira (Praça da Matriz)
entre as décadas de 1950 e 1960.126
125
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.115-123. 126
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018.
52
A imagem127 da Praça Joaquim Antônio Pereira fornece pistas para a
confirmação da hipótese de predileção pela área central (tema que será
aprofundado mais adiante)128, do mesmo modo que colabora no debate a respeito
da intersecção entre o rural e o urbano na cidade de Fernandópolis.
Os indícios que assinalam esse encontro entre a ruralidade e a urbanidade
em Fernandópolis cooperam para a superação da ideia da limitação de uma
determinada espacialidade à sua configuração material rígida, ditada por critérios
homogeneizantes.
No Brasil, adota-se o critério político-administrativo e considera-se urbana toda sede de município (cidade) e de distrito (vila). Segundo o IBGE, é considerada área urbanizada toda área de vila ou de cidade, legalmente definida como urbana e caracterizada por construções, arruamentos e intensa ocupação humana [...] Nessa classificação, o espaço rural corresponde a aquilo que não é urbano, sendo definido a partir de carências e não de suas próprias características. Além disso, o rural, assim como o urbano, é definido pelo arbítrio dos poderes municipais, o que, muitas vezes, é influenciado por seus interesses fiscais.129
Em meio à construção de prédios públicos e sobrados particulares, e à
abertura de ruas e avenidas que levantavam poeira conforme os primeiros
automóveis circulavam nessa região central e em seus arredores, os ícones da
ruralidade130 se misturavam aos signos do urbano, amálgama materializada nas
casas de quintais amplos com árvores frutíferas (em alguns casos, pequenos
127
A descrição nome/função de cada um dos prédios por meio de legendas foi inserida através do recurso de computação gráfica no processo de diagramação do segundo volume do livro “Fernandópolis: nossa história, nossa gente”, publicado no ano de 2012. PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012. 128
Essa questão terá a sua discussão ampliada no terceiro e último item deste capítulo. 129
MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Revista Terra Livre. São Paulo, v. 18, n. 19, jul.-dez./2002, p.97. Disponível em: <http://www.agb.org.br/files/TL_N19.pdf>. Acesso em: set./2018. 130
“O capitalismo é, em termos de história do mundo, o agente mais eficiente e poderoso de transformação da natureza e do social e as transformações nas relações entre cidade e campo constituem um dos fundamentos deste modo de produção [...] A divisão e oposição entre cidade e campo, indústria e agricultura, em suas formas modernas, correspondem à culminação do processo de divisão e espacialização do trabalho que, com o capitalismo, foi desenvolvido a um grau extraordinário.” Ibidem, p.103.
53
pomares), que possibilitavam também o cultivo de hortaliças, legumes e a criação de
animais pequenos e médios, em viveiros para galinhas, os chamados “galinheiros”, e
até, dependendo da amplitude do terreno, mangueiros para a engorda de porcos.
Todos esses elementos adequavam-se às necessidades cotidianas dos moradores,
corroborando a percepção de que as noções de rural e urbano não são estanques e
ultrapassam os limites da materialidade, em consonância com as múltiplas
experiências131 compartilhadas pelos sujeitos em espacialidades e temporalidades
específicas.
[...] rural e urbano extrapolam os limites espaciais tradicionais. As contradições colocam a realidade plural do desenvolvimento da sociedade, uma vez que, o campo é espaço predominantemente rural, mas não exclusivamente. De forma semelhante, a cidade é espaço urbano, o que não significa que seja exclusivamente urbano. Nem tudo o que existe no campo é rural, nem tudo o que há na cidade é urbano. Tanto os que se aproximam do urbano, quanto os que se aproximam do rural, tendem a adquirir características específicas de cada espaço.132
A presença de transportes de tração animal como charretes e cavalos
selados compartilhando o espaço da via pública, que ainda se constituía sob o
projeto urbanizador, com veículos automotivos reflete a confluência entre o rural e o
urbano nessa Fernandópolis germinal que transitava entre a cidade, na sua
pretensão de alcançar a modernidade, e as Vilas rurais fundadoras.133 É o que se
pode capturar na imagem da Rua Brasil de 1955, portanto, registrada na mesma
época que a imagem anterior que mostra a Praça Joaquim Antônio Pereira.
131
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 2ª ed. Bauru: EDUSC, 2014, p.35-36. 132
JACINTO, Janério Manoel; MENDES, César Miranda; PEREHOUSKEI, Nestor Alexandre. O Rural e o Urbano: contribuições para a compreensão da relação do espaço rural e do espaço urbano. Revista Percurso. Maringá, v. 4, n. 2, 2° sem. 2012, p.186. Disponível em: <http://www.periodicos. uem.br/ojs/index.php/Percurso/article/view/18767>. Acesso em: out./2018. 133
A menção feita às “Vilas rurais fundadoras” diz respeito às Vilas Pereira e Brasilândia, povoados que a partir da sua unificação deram início ao município de Fernandópolis em 1944.
54
Figura 8 - Rua Brasil no ano de 1955.134
O ponto de concentração das charretes, entre uma sequência de árvores
que ocupavam o entorno da Praça Joaquim Antônio Pereira, dividia o espaço público
com caminhões, pequenos automóveis e os passantes que transitavam pela
“empoeirada” Rua Brasil e suas calçadas. Estas, por sua vez, abriam espaço para
os postes da rede elétrica que gradativamente iam sendo instalados e, além de
servir como suporte para os fios da rede, cooperavam também para a segurança
dos proprietários dos cavalos selados, que os utilizavam para amarrar os animais
enquanto realizavam suas tarefas no centro da cidade.
Esse cenário revela a cidade de Fernandópolis em transformação. Todavia,
essas obras públicas, que poderiam representar a consolidação do projeto
urbanizador, colocavam-se no centro de algumas tensões e conflitos entre os
moradores e a prefeitura, conforme permite inferir o depoimento do radialista Adonai
César Mendonça:
134
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018.
55
[...] Houve também uma reforma no jardim da cidade, houve uma polêmica lá porque cortaram uma paineira antiga pá chuchu, cortaram para poder fazer o jardim novo... Inauguraram no dia 22 de maio a luz elétrica, mais o asfalto e mais o jardim, foi uma festa maravilhosa, né.135
Uma análise cuidadosa acerca do processo de criação da Praça Joaquim
Antônio Pereira possibilita perceber que existe uma carga simbólica significativa
sobre esse espaço, que remete aos primórdios da vila fundadora. Os registros
localizados na planta136 da antiga Vila Pereira indicam um espaço específico para o
“jardim central” e a “Matriz” a partir de duas praças, divididas por uma via, como
consta no memorial do agrimensor responsável pelo traçado da Vila Pereira no início
da década de 1940, Leonardo Posela Segundo.137
A construção da Igreja Matriz138, iniciada no ano de 1952, além da honraria à
padroeira da cidade, trouxe uma obra arquitetônica de grande porte, um símbolo de
uma Fernandópolis que visava galgar a modernidade. Ao longo desse processo
outras obras se sucederam na praça, a partir de projetos de jardinagem e da própria
construção da “fonte luminosa”, em 1965.139 Essas ações procedentes do plano
urbanizador disputavam o espaço com os signos de uma natureza afetiva
concatenada com a ruralidade, como no caso da paineira140 cortada em meados dos
anos 1960, episódio recuperado no depoimento do Sr. Adonai César Mendonça,
reforçando a hipótese das tensões que marcaram a transcursão de uma cidade em
busca de progresso.
135
Depoimento do Sr. Adonai César Mendonça, em entrevista concedida ao autor a distância, através de telefonema efetuado para a cidade de Limeira-SP, localidade na qual reside o depoente, em set./2018. 136
Ver Figura 3, presente no item 1 deste capítulo. 137
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.32-34. 138
A Igreja Matriz teve o início de suas obras em 1952, percorrendo toda a década de 1950. Essa obra foi edificada sobre a antiga capela construída em 1941 na antiga Vila Pereira. Projetada pelo pároco holandês Lamberto Van Leemput, em estilo românico, a Igreja de Fernandópolis disputou o direito de sediar a diocese com o município de Jales em 1959, entretanto, a sede do bispado acabou ficando na cidade Jales. 139
PESSOTA, op. cit., p.64. 140
Sobre as características da paineira: “Árvore caducifólia com até 30 m de altura e 120 cm ou mais de diâmetro, na idade adulta. Folhas com sete folíolos glabros, lanceolados com 10 a 15 cm de comprimento e 4 a 5 cm de largura, margem serrilhada; pecíolo de 5 a 17 cm de comprimento. Flores branco-arroxeadas ou branco-avermelhadas, com até 9 cm de comprimento por 3 cm de largura, vistosas, aveludadas e frutos de forma bastante variável e de coloração parda, com fibras brancas.” INSTITUTO BRASILEIRO DE FLORESTAS. Paineira rosa. Espécies nativas brasileiras. São Paulo, s/d. Disponível em: <https://www.ibflorestas.org.br/lista-de-especies-nativas/365-paineira-rosa.html>. Acesso em: out./2018.
56
1.3 EM BUSCA DA “CIDADE PROGRESSO”
Fernandópolis, terra-moça Tens progresso sedutor És “criança-gigante” Que eu amo com ardor És “criança-gigante” Que eu amo com ardor Tuas brisas tão suaves Teu céu de tão puro anil Abrigam estas crianças A esperança do Brasil Fernandópolis... Ó Deus bondoso e justo Olhai este meu rincão Fernandópolis este pedaço Da nossa grande nação Fernandópolis...141
Os registros existentes sobre o “Hino a Fernandópolis” – originalmente
chamada “Canção a Fernandópolis”, criada em 1954 – indicam como seus autores a
Professora Wandalice Franco Renesto e o Padre holandês Hugo Van Tuyl, sendo a
docente compositora da letra e o pároco, compositor da música. Essa composição
tinha como objetivo homenagear a cidade, do mesmo modo que a canção
Fernandópolis, de Mauro André e Jonacir de Carvalho.
De acordo com a Professora Wandalice Renesto, a canção não tinha a
pretensão de se tornar hino do município142, entretanto, a representatividade da
educadora aliada ao contexto da produção da letra, inserida no processo de
construção de signos de identidade143 para a cidade, fizeram com que se
transformasse, por lei, no hino oficial do município, no ano de 1965.
LEI Nº 20, DE 11 DE JUNHO DE 1965 CONSIDERA COMO HINO OFICIAL DO MUNICÍPIO A "CANÇÃO A FERNANDÓPOLIS". O Prefeito Municipal de Fernandópolis, faço saber que a Câmara Municipal decreta e eu promulgo a seguinte Lei:
141
Wandalice Franco Renesto e Hugo Van Tuyl (Comp.). Canção a Fernandópolis. Fernandópolis, 1954. 142
BRANCO, Josanie. Fernandópolis 78 Anos: “Eles fazem parte dessa história”. O Extranet. 20 mai. 2017. Disponível em: <http://oextra.net/materias/6284/fernandpolis-78-anos-eles-fazem-parte-dessa-histria>. Acesso em: set./2018. 143
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006, p.7-13.
57
Art. 1º Fica considerado como hino oficial do Município a "Canção a Fernandópolis", música do Padre Hugo Van Tuyl e letra da Professora Wandalice Franco Renesto. Art. 2º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Fernandópolis, 11 de junho de 1965. PERCY WALDIR SEMEGHINI Prefeito Municipal Publicada e registrada na D.E.P. na data supra. APPARÍCIO SIMÕES MOITA Diretor da D.E.P. 144
A senda percorrida por uma Fernandópolis autônoma, em busca de atributos
que pudessem lhe garantir o status de “cidade progresso”, mostrava consonância
com o discurso que circulava naquele momento145, ancorado no legado de seus
pioneiros que se inseriram no processo de ocupação das áreas do extremo Noroeste
Paulista. Discurso esse que, por sua vez, dialogava com uma perspectiva mais
ampla, de um Brasil que, na passagem do século XIX para o século XX, estava
diante da disputa entre projetos que visavam construir uma identidade nacional.
Assim, é fundamental que conheçamos o embrião de toda essa questão, entendendo como surgiram os nacionalismos, que evocaram, pela primeira vez, sentimentos de identificação entre pessoas encerradas dentro de um mesmo Estado. Lembranças (e também esquecimentos) partilhadas, heróis imaginários comuns e situações capazes de prover condições para que pessoas conheçam seus concidadãos, somente a partir de experiências compartilhadas.146
A canção emergia de maneira oportuna nesse cenário, como símbolo do
sentimento identitário aspirado por grupos políticos que disputavam a liderança do
município entre as décadas de 1950 e 1960. Nesse sentido, torna-se mais claro o
144
FERNANDÓPOLIS (Município). Câmara Municipal de Fernandópolis. Lei Ordinária nº 20, de 11 de junho de 1965. Considera como hino oficial do Município a "Canção a Fernandópolis". Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a1/sp/f/fernandopolis/lei-ordinaria/1965/2/20/lei-ordinaria-n-20-1965-considera-como-hino-oficial-do-municipio-a-cancao-a-fernandopolis?q=hino+de+fernandopolis>. Acesso em: set./2018. 145
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.266. 146
BARBATO, Luis Fernando Tosta. A construção da identidade nacional brasileira: necessidade e contexto. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 8 n. 15, jan.-jun./2014, p.10. Disponível em: <http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/view/3354>. Acesso em: set./2018.
58
processo de idealização desses signos e a construção, na cena pública, de figuras
representativas como a educadora Wandalice Renesto147 e o Padre Van Tuyl148.
Se o padrão de modernidade e civilidade urbana na passagem do século
XIX para o século XX149 era mais delineado por uma influência europeia, sobretudo
francesa, pautada pelo ideal de “cidade saneada e bela”150 sob a exuberância
decorativa da “Art nouveau”151, modelo apreciado pelos membros das elites
cafeicultoras152 do período, a partir dos anos 1920 a influência da perspectiva norte-
americana do traçado urbano moderno se tornaria hegemônica.
Assiste-se, a partir de então, à ampliação da presença cultural e econômica dos Estados Unidos, fato que indicava a preservação do viciante gosto pelo moderno, porém, sob uma nova e diferente perspectiva, que o associava a novos emblemas. O mundo das imagens, dos cartazes imensos, dos sportsmen, do jazz-band, de Chicharrão, da velocidade, do automóvel, do aeroplano, do cinematographo, de Perola White e de Mutt & Jeff, já coroava esse início dos frementes anos 20. A nova era surgia marcada por um sotaque de praticidade, ostentação, funcionalidade, crueldade darwinista e velocidade acentuada.153
A inspiração norte-americana, no tocante à cidade sob signos da
modernidade e do progresso, propõe novos traçados para as ruas e avenidas das
cidades brasileiras do período posterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918),
além de perspectivas arquitetônicas peculiares, marcadas especialmente pela 147
A professora e diretora aposentada Wandalice Renesto chegou na cidade de Fernandópolis em 1952. Sua ação como docente, aliada ao seu envolvimento em ações sociais voluntárias, renderam-lhe grande respeito na cidade. BRANCO, Josiane. Fernandópolis 78 Anos: “Eles fazem parte dessa história”. O Extranet. 20 mai. 2017. Disponível em: <http://oextra.net/materias/6284/fernandpolis-78-anos-eles-fazem-parte-dessa-histria>. Acesso em: set./2018. 148
Sobre o Padre Hugo Van Tuiyl: “Padre Hugo nasceu na Holanda. Formou-se padre pela Ordem dos Assuncionistas e veio para o Brasil no ano de 1953, ano que chegou a Fernandópolis. Aqui chegando, pouco sabia falar Português e foi com a Profª Wandalice Franco Renesto que aprendeu a se comunicar e conhecer a nossa língua.” PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.533. 149
NEDER, Gizlene. Cidade, identidade e exclusão social. Tempo. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1997, p.106-134. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg3-5.pdf>. Acesso em: out./2018. 150
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p.86-96. 151
BARBUY, Heloisa. A cidade-exposição: comércio e cosmopolitismos em São Paulo (1860-1914). São Paulo: EDUSP, 2006, p.52-57. 152
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 2ª ed. Vol.1. Bauru: EDUSC, 2014, p.43-44. 153
DOIN, José Evaldo de Mello (et al.). A Belle Époque caipira: problematizações e oportunidades interpretativas da modernidade e urbanização no Mundo do Café (1852-1930). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, n. 53, 1997, p.102. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882007000100005>. Acesso em: out./2018.
59
verticalização. No decorrer dos anos 1920, com a retomada da produção industrial,
capitaneada pela larga escala produtiva estadunidense, constituinte de uma política
industrial agressiva, observou-se uma verdadeira enxurrada de mercadorias
importadas a penetrar os “portos e praças brasileiros, drenando as reservas de ouro
amealhadas com sacrifício durante os anos de conflagração”154.
A euforia de consumo no imediato período pós-beligerância esgotou rapidamente as reservas acumuladas durante o período de contenção forçada. A forte entrada de manufaturados norte-americanos, facilitada por uma agressiva política de crédito, por preços altamente competitivos e pela utilização inovadora e inusitada da propaganda superlotou o mercado brasileiro de bugigangas, de automóveis, de artigos domésticos e de gramofones e, com isso, provocou a aceleração da constituição da sociedade de massas. O viciante gosto pelo moderno era transubstanciado agora em novas formas.155
O advento da indústria em São Paulo se dá, em grande medida, através do
financiamento promovido pelo capital proveniente da cafeicultura exportadora e de
toda uma infraestrutura que orbitava essa atividade. Mesmo diante do colapso
econômico instalado no final dos anos 1920, pela quebra da Bolsa de Nova York,
aliado à crise interna ocorrida no final da “República Velha”, os grandes produtores
do “ouro verde” tiveram os impactos dessa crise minimizados, sobretudo pela
promoção de políticas econômicas protetivas do café, sob um forte intervencionismo
estatal156, que propiciou a retomada gradativa das exportações a partir de 1932.
Os desdobramentos dessa espécie de “blindagem da produção cafeeira”,
perpetrada por Getúlio Vargas, refletiram num certo equilíbrio e manutenção do fluxo
industrial naquele momento, de modo que a atividade industrial alcançou índices
vertiginosos entre os anos de 1932 e 1939.
154
DOIN, José Evaldo de Mello (et al.). A Belle Époque caipira: problematizações e oportunidades interpretativas da modernidade e urbanização no Mundo do Café (1852-1930). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, n. 53, 1997, p.103. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882007000100005>. Acesso em: out./2018. 155
Ibidem. 156
No ano de 1931 o governo Vargas criou o Conselho Nacional do Café, um órgão ligado ao governo federal que promoveu a aquisição das sacas do grão produzidas durante a crise. A adoção dessa medida visava contornar o descompasso entre a produção e a demanda mundial, afetada, maiormente, pelos desdobramentos da “grande depressão” norte-americana, ressaltando que os Estados Unidos da América ocupavam, nesse período, o posto de um dos principais consumidores da produção cafeeira do Brasil.
60
As décadas de 30 e 40 trouxeram a consolidação e expansão da industrialização. A “cidade do café” tornou-se industrial, num processo de metropolização. Conjuntamente com a intensificação industrial, um ritmo intenso transformou a cidade num verdadeiro canteiro de obras, coexistiam permanências, demolições e construções, cresciam as obras públicas, territórios foram redefinidos como novas áreas comerciais e financeiras, além da zona do meretrício e da boêmia.157
A cidade de São Paulo, entre as décadas de 1930 e 1940, inseriu-se nesse
processo de “metropolização”, marcado especialmente pelas ações do engenheiro
Francisco Prestes Maia, que assumiu a prefeitura em 1938, no auge do Estado Novo
getulista, sendo nomeado por Ademar de Barros Interventor Federal do Estado na
época. Cabe ressaltar que Prestes Maia158 teve outras experiências na vida pública,
anteriores ao cargo de prefeito da capital paulista, destacando-se sua atuação como
chefe da Secretaria de Viação e Obras Públicas da Prefeitura de São Paulo durante
a gestão de José Pires do Rio (1926-1930).
A implementação do seu “Plano Avenidas”, norteado pelos princípios de
“centralização, expansionismo, verticalização e rodoviarismo, pelo qual a avenida
era identificada como símbolo e protagonista das intervenções, como solução para
as questões de tráfego, crescimento e estética”159, buscava adequar a cidade ao
aumento considerável no número de automóveis, objetivando “constituir uma malha
viária racionalizada”.
157
MATOS, Maria Izilda Santos de. Traços e sons da cidade que mais cresce no mundo: São Paulo de Prestes Maia e Adoniran Barbosa. In: GLEDHILL, John; HITA, Maria Gabriela; PERELMAN, Mariano (Orgs.). Disputas em torno do espaço: processos de reprodução, reconstrução e apropriação da cidade. Salvador: EDUFBA, 2017, p.129-130. 158
O engenheiro e urbanista Francisco Prestes Maia graduou-se em Engenharia Civil pela Escola Politécnica de Engenharia da Universidade de São Paulo no ano de 1917, por essa mesma instituição desempenhou a atividade docente durante dez anos. Sob influência dos referenciais teóricos da Escola de Chicago, Prestes Maia fundamentou o seu “Plano de Avenidas” para a cidade de São Paulo, influência essa que marcou também a sua ação em projetos urbanísticos de outras cidades, como Santos, Recife e Campinas. CUSTÓDIO, Vanderli. Dos surtos urbanísticos do final do século XIX ao uso das várzeas pelo Plano de Avenidas. Geosul. Florianópolis, v. 19, n. 38, jul.-dez./2004, p.82-84. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/viewFile/13433/12330>. Acesso em: out./2018. 159
MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: EDUSC, 2007, p.64.
61
Assim, centrou suas ações na finalização das obras iniciadas, em seguida, realizou verdadeiro “bota abaixo”, agindo no tecido urbano de forma inédita, abrindo avenidas, alargando ruas, refazendo ligações viárias, integrantes ou não do “Plano Avenidas”. Construindo parques, jardins, praças, remodelou o vale do Anhangabaú, além de dar início a obras que se completariam na década seguinte (avenidas Itororó - hoje 23 de Maio, Radial Leste, Rio Branco, Sumaré, além do prolongamento da Pacaembu).160
A promoção de ações no centro da cidade, trazendo a concepção da
revitalização, do “novo”, buscou articular os signos do ambiente metropolitano,
materializados nos arranha-céus e nas galerias comerciais, operando através da
“expansão urbana ilimitada – tanto vertical como horizontal –, incentivando a
expansão imobiliária, mas praticamente passando ao largo das questões sociais e
habitacionais”161. Esse projeto, que atendia às demandas do grande capital
industrial, foi amplificado pela onda eufórica dos anos 1950, no bojo da política
desenvolvimentista pretendida pelo governo “JK” (1955-1960). No desenrolar desse
processo, a cidade conviveu com a aceleração da industrialização, não obstante,
uma nova composição assinalava a penetração voraz do capital estrangeiro,
marcadamente do setor automobilístico.
O ritmo da modernidade contaminava São Paulo, transformando-a em um novo território: automóveis, ônibus, caminhões, buzinas, sons e odores, o ritmo acelerado dos transeuntes, o café no balcão, a pressa, a falta de tempo, os novos magazines, os modernos edifícios cada vez mais altos. São Paulo assumia o emblema da modernidade, os arranha-céus e as chaminés, “a cidade que não podia parar”.162
Pensar a questão do projeto urbano fernandopolense, salientando suas
peculiaridades históricas, sugere possíveis conexões e diálogos com a metrópole
paulistana e sua configuração estética, conferindo ao ideal de progresso163 o status
160
MATOS, Maria Izilda Santos de. Traços e sons da cidade que mais cresce no mundo: São Paulo de Prestes Maia e Adoniran Barbosa. In: GLEDHILL, John; HITA, Maria Gabriela; PERELMAN, Mariano (Orgs.). Disputas em torno do espaço: processos de reprodução, reconstrução e apropriação da cidade. Salvador: EDUFBA, 2017, p.133-134. 161
Idem. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: EDUSC, 2007, p.65. 162
Idem, op. cit., 2017, p.134. 163
Sobre a perspectiva do progressismo, ancorado no projeto da metrópole paulistana sob a égide de Prestes Maia: “Com o predomínio da ideologia do urbanismo progressista, tida como sinônimo de modernização e modernidade nos trópicos atrasados, os sucessores de Prestes Maia, independentemente de sua vertente política, levaram adiante seus projetos viários – a construção das vias marginais dos rios Tietê e Pinheiros adentrou pela década de 1960.” CUSTÓDIO, Vanderli. Dos
62
de componente norteador dos discursos políticos na cidade recém-emancipada, haja
vista a escolha do hino oficial do município, em 1965. Indicativo central dessa
premissa, a composição traz uma Fernandópolis que desde a sua gênese
sustentava o fascínio pela consolidação da sua imagem como “terra moça de
progresso sedutor”, representação sintomática.
Fernandópolis, desde sua fundação, carrega no imaginário a ideia de progresso, de desenvolvimento, “centro de região”, “cidade do futuro”, “cidade integração”, adotando posteriormente como lema o “slogan” “Cidade Progresso” [...] É possível perceber na fala das pessoas, vindas para cá nas décadas de 40 e 50, o sonho de encontrar um lugar que prometia oportunidade a todos, que fosse a “cidade do futuro”.164
A busca por esses signos do progresso converteu-se em debates
acalorados, protagonizados pelos grupos políticos que disputaram a prefeitura
municipal nos primeiros anos da década 1950, momento em que foi eleito o
candidato a prefeito Edson Rolim (PSB), e o vice-prefeito Adhemar Monteiro
Pacheco (PDC), ambos vencedores no pleito de 1951. O governo de Rolim ficou
marcado pela instalação da Comarca165, em 1953, uma pauta que remetia ao
período de emancipação do município.
As gestões que vieram na sequência – Adhemar Monteiro Pacheco, dessa
vez como prefeito (1956-1959), e o segundo mandato de Edson Rolim (1960-1963) –
atravessaram as décadas de 1950 e 1960 com atuação ainda insuficiente diante das
pretensões de um projeto urbanístico moderno. Evidências dessa afirmação surgem
levando em conta as dificuldades enfrentadas para o abastecimento de água dos
domicílios e a limitada rede de esgoto, que teve suas primeiras galerias abertas
tardiamente, após pressões do Serviço Sanitário do estado, no final do mandato de
Adhemar Pacheco, em 1959:
surtos urbanísticos do final do século XIX ao uso das várzeas pelo Plano de Avenidas. Geosul. Florianópolis, v. 19, n. 38, jul.-dez./2004, p.92-93. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index. php/geosul/article/viewFile/13433/12330>. Acesso em: out./2018. 164
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.274. 165
Idem. Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.24-29.
63
Em 1949, a prefeitura foi intimada pelo Serviço Sanitário do estado a resolver o problema de esgoto na sede do município. No entanto, a concorrência pública para o abastecimento de água e esgoto só foi concretizada através da Lei n. 11, de 03/04/1951, autorizando a Prefeitura a firmar contrato com a Sociedade Técnica do Estado Ltda. (SOTEC). No final da década de 1950 (13/04/1959), inicia-se a perfuração das galerias de esgoto, começando pela Rua São Paulo.166
As melhorias urbanas, ainda que tardias, emergiram como lampejos de
recuperação da aura de progresso, que parecia ter se dissipado entre as brenhas do
sertão. Todavia, vestígios acenam para recortes espaciais bem definidos,
priorizando a área central da cidade, em outras palavras, a “Vila Pereira”.
Desse modo, o caráter seletivo das ações progressistas fez com que alguns
espaços fossem relegados à exclusão, sofrendo até os dias de hoje com os
resquícios desse processo. Esse fenômeno, apesar de suas variações, manifesta-se
com certa similaridade nos vários centros urbanos que insurgem no cenário
capitalista:
Em geral, a população de baixa renda só tem a possibilidade de ocupar terras periféricas – muito mais baratas porque em geral não têm qualquer infraestrutura – e construir aos poucos suas casas. Ou ocupar áreas ambientalmente frágeis, que teoricamente só poderiam ser urbanizadas sob bases muito mais rigorosas, exatamente o inverso do que acaba acontecendo. Esse comportamento não é exclusivo dos agentes atomizados do mercado informal: a política urbana e habitacional tem reforçado a tendência de expulsão dos pobres das áreas mais bem localizadas. Procurando os terrenos mais baratos e periféricos para a construção de grandes e desoladores conjuntos habitacionais.167
166
PESSOTA, A. J. Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.114. 167
ROLNIK, Raquel. Regulação Urbanística no Brasil: Conquistas e desafios de um modelo em construção. Anais do Seminário Internacional Gestão da Terra Urbana e Habitação de Interesse Social. Campinas: PUCCAMP, 2000, p.3. Disponível em: <https://raquelrolnik.files.wordpress.com/ 2009/10/regulacao-urbanistica-no-brasil.pdf>. Acesso em: out./2018.
64
Figura 9 - “Iniciado o Serviço de Esgôto em Fernandópolis”, matéria publicada no jornal “O Município”, em 17 de abril de 1959.168
A matéria do jornal “O Município” descreveu na sua primeira página o
entusiasmo que marcou a abertura das primeiras valetas que dariam origem à rede
de esgoto, e mais, celebrou o contrato assinado pelo prefeito Pacheco com uma
“Companhia especializada para o asfaltamento de doze quadras do centro da
cidade”. Porém, o que mais chama atenção na matéria são as últimas linhas, que
parecem “enviar um recado” àqueles que andavam oscilantes em relação ao
“vertiginoso crescimento de Fernandópolis”. O conteúdo dessa matéria, assim como
outros textos desse mesmo jornal, indica, ainda que em fragmentos, um possível
alinhamento do periódico com o discurso político vigente no período.169
168
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018. 169
O jornal “O Município” foi um periódico que circulou na cidade de Fernandópolis entre os finais das décadas de 1950 e 1960. O Centro de Documentação da Fundação Educacional de Fernandópolis reúne, em seu acervo, alguns exemplares desse jornal.
65
Figura 10 - Início do serviço de esgoto, no primeiro quarteirão, trecho da atual Rua São Paulo (área central da cidade), entre as Avenidas Amadeu Bizelli
e Manoel Marques Rosa. Jornal “O Município”, 1959.170
A retomada171 do discurso da “cidade progresso”, promovida entre o final do
mandato de Adhemar Pacheco e o início do segundo mandato de Edson Rolim,
abriu caminho para novas realizações, porém ainda privilegiavam o setor central da
cidade. O elemento novo, verificado na segunda gestão de Rolim, foi o crescimento
vertiginoso da população urbana.
O Censo Demográfico de 1960172 levantou uma população rural para o
município de Fernandópolis de 24.157 habitantes, e uma população urbana de
16.083, totalizando 40.240 habitantes, uma mudança significativa levando em
consideração a década anterior, que, segundo dados, tinha uma população urbana 170
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018. 171
A aceleração das melhorias urbanas, sobretudo no que tange à implementação da rede de esgoto, não estava somente em sintonia com as pressões sanitaristas estaduais, mas também com as pressões políticas locais. 172
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo Demográfico de 1960 – São Paulo. São Paulo, 196-. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/ 68/cd_1960_v1_t13_sp.pdf>. Acesso em: abril/2018.
66
estimada em 5.528 habitantes. Essa mudança expressiva pode ser pensada a partir
de dois fatores: o processo de mecanização do campo173 e o fim do colonato, com
consequente emergência do sistema de trabalho eventual.174
Diante desse quadro, na segunda metade da década de 1960, já sob a
gestão de Percy Waldir Semeghini, opositor175 das lideranças vigentes em
Fernandópolis até então, manteve-se a priorização do centro e adjacências,
principalmente promovendo benfeitorias no recém-nascido bairro Santa Helena,
logradouro que passou a ser ocupado por famílias mais abastadas do município.
Figura 11 - Manchete anunciando a inauguração da iluminação pública na cidade.
Fernandópolis Jornal, 1968.176
As áreas mais afastadas do centro da cidade de Fernandópolis sofriam com
inúmeras carências, pois o progresso insistia em “não transitar” por essas
localidades. Uma evidência desse panorama está nos dados do IBGE, como se
pode notar na análise dos Censos de 1960 e 1970 no que se refere à caracterização
dos “domicílios particulares permanentes”:
173
LIMA, João de Souza. Os rearranjos provocados pela modernização da agricultura brasileira e as implicações nas relações de trabalho no campo, no município de Fernandópolis. In: MOREIRA, Vagner José; NARDOQUE, Sedeval; PERINELLI NETO, Humberto (Orgs.). Noroeste Paulista: práticas e movimentos sociais, trabalhadores e experiências. São Paulo: Outras Expressões, 2013, p.160-164. 174
STOLCKE, Verena. Cafeicultura: homens, mulheres e capital (1850-1980). São Paulo: Brasiliense, 1986, p.178-188. 175
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.50. 176
Ibidem, p.64.
67
Tabela 1 - “Domicílios particulares permanentes por algumas das principais características, segundo as zonas fisiográficas e os municípios”.177
1960 1970
Número de domicílios 7.274 7.481
Com ligação de água na rede geral 474 2.635
Poços ou nascentes 5.683 4.170
Com ligação na rede de esgoto 289 1.321
Fossa séptica 382 276
Fossa rudimentar 3.957 5.272
Outros 262 38
Com ligação na rede elétrica 1.829 4.705
Os indicadores revelam que a maioria da população fernandopolense não
era contemplada pelos signos do progresso urbano, haja vista, por exemplo, o
número de fossas rudimentares, que superavam de forma esmagadora as fossas
sépticas. O cenário é ainda mais alarmante quando se observam os dados
referentes à rede de esgoto, tão exaltada pelo jornal O Município.
Os bairros mais afastados do centro, na virada dos anos 1950 para os anos
1960, como a antiga Vila Brasilândia e o Jardim Paulista, eram ocupados
basicamente por populações pobres oriundas das áreas rurais. No caso do Jardim
Paulista, localizado à margem esquerda178 da estrada de ligação entre as antigas
Vila Pereira e Vila Brasilândia, muitas famílias construíram casas “com restos de
madeira que vinham nas embalagens de geladeira”, como relata o Sr. Darci Romão
Liberato179, que chegou a Fernandópolis com os pais, irmãos e familiares na
segunda metade dos anos 1960, tendo sido um dos primeiros moradores do
“Paulista”, como referenciado pelo depoente.
177
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo Demográfico de 1960 – São Paulo. São Paulo, 196-. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/ 68/cd_1960_v1_t13_sp.pdf>. Acesso em: abril/2018. Idem. Censo Demográfico de 1970 – São Paulo. São Paulo, 197-. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo. html?id=769&view=detalhes>. 178
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.103. 179
Depoimento do Sr. Darci Romão Liberato, em entrevista concedida ao autor na sua residência, Fernandópolis, em nov./2011.
68
As tensões que caracterizaram esse momento histórico específico,
sobretudo no que diz respeito à relação campo/cidade, podem ser captadas a partir
das múltiplas representações desses espaços encontradas no cancioneiro caipira
fernandopolense. Essas canções trazem à cena a urbe e a roça em meio aos seus
nexos e contradições, negociados no terreno das significações que se estabelecem
por meio das experiências pessoais e coletivas180 que puderam ser captadas, ainda
que em fragmentos, a partir dos depoimentos de sujeitos históricos amalgamados a
esse processo.
180
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 2ª ed. Bauru: EDUSC, 2014, p.35.
69
II – “A REVOADA DOS CANÁRIOS”: PRODUÇÃO MUSICAL,
RADIODIFUSÃO E SONORIDADES
Este capítulo tem como objetivo enfocar a produção musical caipira na
cidade de Fernandópolis, ancorado nas ações de seus compositores, intérpretes e
apreciadores, partindo do cotidiano de sujeitos com experiências variadas que
constroem através das canções181 representações182 articuladas a toda uma gama
de signos compartilhados. Ainda neste capítulo busca-se recuperar, a partir da fala
dos depoentes, os espaços de promoção do gênero musical caipira na cidade, assim
como as atividades da Rádio Cultura AM de Fernandópolis.
A referida emissora trazia uma programação voltada para a execução de
músicas do gênero caipira, referenciado pelo “Rancho dos Canários”, programa de
grande audiência não somente em Fernandópolis e cidades da região. Segundo
relatos sobre o recebimento de cartas dos ouvintes183, as ondas da Rádio Cultura
AM alcançavam para além dos limites do estado de São Paulo, chegando aos
estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.
Numa última parte busca-se uma reflexão sobre a constituição da paisagem
sonora184 na cidade de Fernandópolis durante a década de 1960, num cenário de
entrecruzamento do campo com a cidade sob o entendimento de que “a paisagem
sonora é cultural, pois reflete a identidade de um lugar e de seus habitantes”185.
181
A utilização do termo canção no lugar de música decorre da escolha, neste estudo, pela análise específica das letras. MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p. 20. 182
Entenda-se aqui o papel relevante da música caipira na construção das representações do campo, da cidade e do próprio caipira: “Representação é uma parte essencial do processo pelo qual os significados são produzidos e compartilhados entre os membros de uma cultura. Representar envolve o uso da linguagem, de signos e imagens que significam ou representam objetos.” HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, Apicuri, 2016, p.31. 183
Depoimentos da dupla Quintino e Quirino, do Sr. Jorge Spósito Ribeiro e do Sr. Antônio Sanchez, em entrevistas concedidas ao autor, respectivamente, em 13/10/2017, 30/12/2017 e 31/12/2017. 184
MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: EDUSC, 2007, p.109-114. 185
TORRES, M. A.; KOZEL, S. Paisagens sonoras: possíveis caminhos aos estudos culturais em Geografia. Ra'e Ga - Espaço Geográfico em Análise. Curitiba, v. 20, 2010, p.127. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5380/raega.v20i0.20616>. Acesso em: abr. 2018.
70
2.1 MÚSICA E MUSICALIDADE EM FERNANDÓPOLIS
A música enquanto manifestação que toca o sensível186, numa perspectiva
subjetiva, revela-se como possibilidade de internalização e expressão de
sentimentos múltiplos – anseios, angústias, alegrias, tristezas, dores, amores e
saudades –, vinculados ao significado que lhes é atribuído pelos sujeitos e grupos
sociais em suas especificidades, tanto espaciais como temporais.
O caminho aberto nas últimas décadas pela História Cultural187, sobretudo a
partir da década de 1990 no Brasil, trouxe à cena novas reflexões que ampliaram o
debate acerca do potencial documental das canções, numa concepção de operação
paralela, da música como expressão artística e ao mesmo tempo como portadora de
aspectos da vivência cotidiana, em outras palavras, portadora dos elementos que
elencam a experiência social vivida.188 Nesse sentido, os estudos de história e
música irrompem embasados na compreensão de que o universo das canções
constitui documentação para a investigação do cotidiano. Entretanto, cabe ressaltar
o entendimento de que as canções não podem ser concebidas como representação
da totalidade desse cotidiano, mas como vestígios passíveis de inúmeras
indagações.
A trajetória da música caipira189 na cidade de Fernandópolis é reveladora na
busca por esses vestígios, no alcance de “outras histórias”190, que emanam de uma
canção criadora de laços identitários, presentes nas festas de Santos Reis, em
bailes, festividades familiares, nas rodas de viola organizadas em bares e também
na presença da Orquestra de Violeiros de Fernandópolis191, que coloca em diálogo
186
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru: EDUSC, 2005, p.92. 187
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. 3ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. 188
MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: EDUSC, 2007, p.38. 189
Os termos música caipira e música sertaneja de raiz, adotados nesta dissertação, fazem referência às canções produzidas, interpretadas e apreciadas pelos sujeitos que compõem o rol de depoentes aqui apresentado. A razão da escolha está ancorada nas falas desses sujeitos que não somente reconhecem e nomeiam essa música como tal, mas a concebem como expressão que revela o seu modo de ser e agir, salientando as conexões entre esses indivíduos e os elementos que circulavam na cena radiofônica e fonográfica do período em questão. 190
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 2ª ed., Vol.1. Bauru: EDUSC, 2014, p.21. 191
A Orquestra de Violeiros de Fernandópolis foi criada no ano de 2004 por iniciativa da Secretaria de Cultura do Município e de Francisco Ferreira de Souza, o Maestro Thito, regente dessa orquestra que se apresenta em eventos na cidade de Fernandópolis e outras cidades da região. Os ensaios são
71
diferentes gêneros e gerações na realização de concertos no Teatro Municipal e em
outros locais da cidade e da região. Espaços onde os significados192 dessa “cultura
caipira fernandopolense”193 são compartilhados, entendendo-se que o processo de
ressignificação também emerge à medida que essa música alcança novos pontos de
contato, desde outros instrumentos (além da viola) até outros gêneros musicais.
A referência feita à “cultura caipira fernandopolense” articula-se com a
compreensão das especificidades que marcam a produção dessas canções na
cidade de Fernandópolis, assim como um conjunto de valores que constituem e são
constituídos por elas. Assinala-se ainda o entendimento de cultura como “um modo
de vida global distinto, dentro do qual se percebe, hoje, um “sistema de
significações” bem definido não só como essencial, mas como essencialmente
envolvido em todas as formas de atividade social”. Cabe salientar que, no presente
estudo, a música caipira produzida e reproduzida em Fernandópolis é concebida
como expressão cultural que não está isolada, sob a perspectiva de que se insere
num processo contínuo de hibridação.194
Os indícios da fluidez dessa canção podem ser apreendidos a partir da
forma como ela é entendida e aceita por seus apreciadores na cidade de
Fernandópolis e da observação de códigos compartilhados que resultam de
negociações e conflitos, mesmo diante da indústria fonográfica195, haja vista as
disputas operadas nesse universo que marcam, por um lado, os interesses de
realizados semanalmente na sede da Corporação Musical de Fernandópolis, reunindo músicos de diversos gêneros e faixas etárias. 192
HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, Apicuri, 2016, p.31-65. 193
WILLIAMS, Raymond. Cultura. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992, p.13. 194
“Assim como não funciona a oposição abrupta entre o tradicional e o moderno, o culto, o popular e o massivo não estão onde estamos habituados a encontrá-los. É necessário demolir essa divisão em três pavimentos, essa concepção em camadas do mundo da cultura, e averiguar se sua hibridação pode ser lida com as ferramentas das disciplinas que os estudam separadamente [...] Precisamos de ciências sociais nômades, capazes de circular pelas escadas que ligam esses pavimentos. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. 4ª ed. São Paulo: Edusp, 2015, p.18-23. 195
A indústria fonográfica no Brasil, mais especificamente gravadoras como Continental (1943), Copacabana (1948) e Chantecler (1958), reuniu nomes da música caipira/sertaneja como Tonico e Tinoco, Milionário e José Rico, Chitãozinho e Xororó, entre outros, que abarcaram, gradativamente, uma parcela significativa do mercado discográfico nacional entre as décadas de 1950 e 1990, segundo dados da Associação Brasileira dos Produtores de Discos, atual Pró-Música Brasil. Assim, “quando pensamos em música caipira, nosso pensamento se reporta a um período não muito distante, quando ela começou a ser gravada, no fim da década de 1920. Através do rádio e dos discos, ela trouxe a nós o cotidiano do camponês do centro-sudeste do Brasil, o caipira, utilizando vozes e instrumentos como a viola e o violão. Embora alvo de preconceitos pela visão urbano-progressista, as gravações de música caipira representaram a terceira maior fatia do mercado de discos no país e, por sua vez, contribuíram para que o migrante dos bolsões rurais se fixasse na cidade sem perder totalmente os valores culturais de sua origem”. VILELA, Ivan. Cantando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2015, p.59.
72
mercado e, por outro, a recepção dessas canções nos diversos espaços e
temporalidades. Um traço importante dessa questão pode ser observado na fala do
radialista Geraldo Ricco:
[...] O sertanejo universitário tá chegando na boca da galera, as pessoas da terceira idade prefere mais a música sertaneja de raiz, é o que nós defendemos aqui nesse programa, mas, nós temos que respeita muito o sertanejo universitário que tá um sucesso muito grande. [...] Bom, as música de agora, realmente, é pra show e pra ganha dinheiro. Agora, os compositores caneta de ouro, já se foi, mora com Deus, e eles escreviam fatos acontecido, no caso de muitas e muitas música que é grande sucesso: Cabocla Tereza, Menino da Portera, Tristeza do Jeca. Essas música antiga era fatos acontecido, qualquer coisinha que acontecia entre os casais lá na fazenda, lá na lavoura, então, era fatos acontecido. Hoje não, os compositor de hoje escrevi um versinho e fica repetindo aquele verso pra entra na cabeça da galera pra canta junto.196
Manifesta-se na fala do depoente a reivindicação do “status de autóctone,
original”197 para a música cantada e apreciada por ele e seus ouvintes, sobretudo na
referência ao que ele nomeia de “sertanejo de raiz”. A oposição, no caso, é feita à
vertente do atual sertanejo universitário198. Apesar de toda a complexidade que
envolve a distinção entre música caipira e música sertaneja, além de outras
vertentes que se erigem, não se pode passar ao largo dessa questão, embora o
referido tema não seja o foco deste estudo.
Essa ideia de fronteira entre a música caipira e a sua variante moderna, a
música sertaneja, ganhou seus principais delineamentos entre as décadas de 1950
e 1970, momento no qual o gênero passou por um processo de urbanização e
modernização, aliado à sua inserção na indústria fonográfica. As críticas
direcionadas à música sertaneja naquele momento, oriundas dos apreciadores da
196
Depoimento do radialista Geraldo Ricco, em entrevista concedida ao autor nas dependências do CCI Vila Regina, Fernandópolis, em nov./2011. 197
GUTEMBERG, Jaqueline Souza. No limiar entre a música sertaneja e a música caipira: o perfil da dupla Zé Furtuna e Pitangueira na vertente moderna da música sertaneja. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH. São Paulo, 2011, p.1. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh. org/resources/anais/14/1300892880_ARQUIVO_textoanpuh.pdf>. Acesso em: abril/2018. 198
“Na escassez de estudos acadêmicos que abordem sistematicamente essa atualização do gênero, reuni alguns depoimentos que discutam o surgimento do sertanejo universitário. Não existe um consenso bibliográfico ou documental que aponte a origem da institucionalização „universitária‟ na música sertaneja. Tudo indica que até o próprio termo traduza mais os anseios da indústria fonográfica do que uma nova definição estética da música sertaneja.” REQUENA, Brian Henrique de Assis Fuentes. A universidade do sertão: o novo retrato cultural da música sertaneja. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016, p.22-23.
73
música dita caipira, indicavam a descaracterização dos elementos fundadores dessa
música, evidenciada pela promoção de novos ritmos, pela viola acompanhada por
novos instrumentos e, sobretudo, pela temática das letras, que abandonava aos
poucos o bucolismo e o cotidiano do homem do campo, passando a privilegiar temas
voltados para o espaço urbano.
O tracejar de uma linha divisória entre música sertaneja e música caipira enfatizou o discurso de descaracterização desta última, em função das influências tecnológicas e musicais que o sertanejo absorveu e, a partir disso, ganhou novos contornos. Até então a música caipira tinha como característica vital a sua relação com as experiências rurais, permitindo ao homem do campo relembrar o seu passado e se reconhecer na poética dessa música.199
A cidade de Fernandópolis, durante a década de 1960, inseriu-se num
processo de transformações locais200, principalmente por ser uma cidade recém-
emancipada e por estar em pleno diálogo com a conjuntura nacional daquele
período, mormente pelas mudanças nas relações de trabalho no campo, o que
contribuiu para o êxodo rural.
No começo dos anos 60, quase um século após a sua introdução nas fazendas cafeeiras de São Paulo, o colonato se extinguiu. Dos 640.000 colonos e suas famílias, que se calculava viverem e trabalharem nas fazendas de café em 1958, não sobrou nenhum, em meados dos anos 60. Entre 1964 e 1975, a força de trabalho agrícola do estado diminuiu em 35%, e o número de trabalhadores rurais residentes nas propriedades decresceu em 52%.201
O processo de transição do colonato para o sistema de trabalho eventual202
pode ser apontado como um dos fatores que colaborou para essas alterações
demográficas no estado de São Paulo, marcadamente entre as décadas de 1950 e
199
GUTEMBERG, Jaqueline Souza. No limiar entre a música sertaneja e a música caipira: o perfil da dupla Zé Furtuna e Pitangueira na vertente moderna da música sertaneja. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH. São Paulo, 2011, p.2. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh. org/resources/anais/14/1300892880_ARQUIVO_textoanpuh.pdf>. Acesso em: abril/2018. 200
Ver Capítulo 1. 201
STOLCKE, Verena. Cafeicultura: homens, mulheres e capital (1850-1980). São Paulo: Brasiliense, 1986, p.179. 202
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. Errantes do fim do século. São Paulo: UNESP, 1999, p.61-79.
74
1960203, acarretando um aumento significativo da ocupação das áreas urbanas por
famílias que até então estavam em colônias ou propriedades rurais de menor porte.
Esse cenário de mudanças revelou-se fértil para a produção musical na
cidade de Fernandópolis. Ele foi relido pelos compositores204, que se ancoravam nas
suas experiências205 e nas experiências de homens e mulheres inseridos nesse
universo multifacetado das vivências do campo amalgamadas à dinâmica da urbe
que se formava, aspectos que chamam atenção na canção “Adeus Palhoça”,
composta e interpretada pela dupla fernandopolense Quintino e Quirino:
Adeus paioça adeus peão companheiro, adeus mundo prisioneiro onde eu vivo a cantar. Dos meus colegas canto as minhas canções, pra alegrar seus corações de quem vive a chorar. Vivo no mundo de ilusão enganador, sentindo a minha dor e ninguém tem compaixão. Minha paioça onde muito eu cantei para sempre gravarei seu nome em meu coração. Adeus paioça eu sinto saudade sua, nas lindas noites de lua estou sempre a recordar. Você quem leva essas mensagem roceira, pras cabocrinha faceira que é bonita no oiá. Os meus amigos são os simples cantador, na viola eu tenho amor e alegria do meu lar. Adeus paioça que ficou lá no sertão, hoje não me esqueço não, só em você quero lembrar.206
203
BRASIL. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico de 1960 - São Paulo. São Paulo, 1960. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/68/cd_ 1960_v1_t13_sp.pdf>. Acesso em: abril/2018. 204
No que diz respeito à relação entre os compositores e à recepção dessas canções, é importante frisar que as composições utilizadas como material de análise nesta dissertação pertencem a autores que têm algum tipo de ligação com a cidade de Fernandópolis e seus moradores. Nesse sentido, esses compositores captavam “representações que circulavam no cotidiano, essencialmente elementos de uma experiência social vivida, por outro lado, o seu público podia assumir o papel, as ideias e os sentimentos expressos pelo compositor, ou então, rejeitá-los”. MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p.30. 205
Entenda-se a categoria “experiência” balizada na heterogeneidade que permeia as relações sociais apreendidas pela história. O debate é amplo em Thompson sob a percepção de que a experiência na vida de homens e mulheres reais é compreender o diálogo existente entre ser social e consciência social: “A classe se delineia segundo o modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do „conjunto de suas relações sociais‟, com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural.” THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Organizado por Antonio Luigi Negro e Sergio Silva. Campinas: Editora da Unicamp, 2002, p.277. 206
Quintino e Quirino (Comp.). Adeus Palhoça. LP Festa de Reis - Vol.5, Quintino e Quirino. Lado 1, Faixa 4. São Paulo: Chantecler, 1980.
75
A canção, na forma de toada207, traz em tom melancólico aspectos da
saudade de um cantador, marcada pela dor da ausência de um passado vivido e
idealizado.208 Nota-se na narrativa a representação do lar como espaço de
afetuosidade plena e, sobretudo, de proteção ao que os compositores nomeiam de
“mundo de ilusão enganador”. Esse lar parece, na visão deles, uma ameaça
astuciosa para aqueles que se deixam enredar em embustes que transitam fora
dessa harmonia que habitaria o campo, aqui representado pela “palhoça”209,
baseado em princípios de coletividade e cooperação mútua, aspectos que podem
ser captados nos laços de solidariedade que atravessam a cultura caipira.
Para essas populações rarefeitas, que, via de regra, só contavam para o convívio diário com os membros da família, assumem importância crucial certas instituições solidárias que permitem dar e obter a colaboração de outros núcleos nos empreendimentos que exigem maior concentração de esforços. A principal delas é o mutirão, que institucionaliza o auxílio mútuo e a ação conjugada pela reunião dos moradores de toda uma vizinhança para a execução das tarefas mais pesadas que excediam das possibilidades dos grupos familiares. [...] Assim, o mutirão não se faz só uma forma de associação para o trabalho, mas também uma oportunidade do lazer festivo, ensejando uma convivência amena.210
A canção supracitada, que compõe o quinto disco da dupla Quintino e
Quirino, gravado no ano de 1980, abre espaço para o exercício de recuperação das
207
“Outra forma do romance lírico brasileiro é a toada, canção breve, em geral de estrofe e refrão, em quadras melancólicas e sentimental, o seu tema, não exclusivo, mas preferencial, é o amor, sobretudo na toada cabocla.” CASCUDO Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Global, 2001, p.684. 208
“Descortinar a amnésia e desvelar acontecimentos esquecidos não constitui tarefa fácil, pois exige crítica e erudição, e escapar da memória consagrada por um grupo implica alguma forma de distanciamento crítico perante os fatos que a compõem. Para contrapô-la, não basta, portanto, afirmar que as construções da memória são mentiras, até porque elas não são. Se dissermos que a memória retira do passado alguns fatos e os escolhe para responder às demandas do presente, isso significa afirmar que elas não são meras fantasias, mas sim lembranças especiais, comemoradas como tal e que guardam um elo, ainda que linear – como já sabemos – com um passado idealizado. CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p.29. 209
Entenda-se o termo “palhoça” como habitação rústica coberta de palha ou bambu que varia de formato e técnica construtiva conforme a região. Sobre os modos de morar do caipira, ver: CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: Estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 10ª ed. São Paulo: Editora 34, 2003, p.145-149. 210
RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.383-384. Para se pensar um pouco mais acerca do Mutirão e as formas de solidariedade caipira, ver: CANDIDO, op. cit., p.87-102.
76
experiências desses sujeitos inseridos na ruralidade. Os irmãos Miguel e João211
nasceram na fazenda que pertencia aos seus pais, localizada na Brasitânia (distrito
de Fernandópolis que está a uma distância de aproximadamente 19 quilômetros),
onde vivem até hoje, alternando-se entre as atividades rurais e as apresentações
musicais.
Os idos de 1960 marcaram o início da trajetória dessa dupla, no distrito da
Brasitânia e na cidade de Fernandópolis, onde realizavam apresentações em circos
e desafios de violeiros, além da participação, desde muito jovens, nas Folias de
Reis, que tiveram papel preponderante na sua carreira, haja vista sua discografia.212
A relação da dupla com as Folias de Reis remete a uma tradição familiar, como
mencionado por Quintino, que busca a confirmação dessa memória, no final da fala,
com Quirino, seu irmão e parceiro de música:
[...] aí depois de, de mais rapaizinho, então passava as folias de reis, né, na nossa casa, e... o papai e minha mãe, também muito devoto, então nóis ficou, aprendeu a gosta da folia de reis também, e foi aonde... a hora que eles passava, que saía, nóis acompanhava também. Aí noís começou no cavaquinho também, né Quirino?213
Em 1963, com o nome “Irmãos Ferreira”, conquistaram o primeiro lugar num
festival de violeiros organizado pela extinta Rádio Cultura AM de Fernandópolis. A
premiação consistia na gravação de um disco 78 rotações, que foi gravado no ano
seguinte pelo Estúdio 7, na cidade de São Paulo, contendo o registro de duas
canções: no lado “A”, “Pagode 15” e no lado “B”, “Minha Esperança”. A imagem
exibida na sequência traz o cartão de divulgação desse disco da dupla Quintino e
Quirino.
211
Os irmãos Miguel Ferreira de Souza e João Ferreira de Souza, ambos com 80 anos de idade, formam, respectivamente, a dupla Quintino e Quirino. Nasceram em Brasitânia, distrito pertencente ao município de Fernandópolis, onde ainda adolescentes iniciaram-se na música sob o nome de Irmãos Ferreira. Depoimento da dupla Quintino e Quirino, em entrevista concedida ao autor na residência do Sr. Darci Romão Liberato, Fernandópolis, em nov./2011. 212
A discografia da dupla Quintino e Quirino estará disposta na lista de “Fontes” no final da dissertação. 213
Depoimento da dupla Quintino e Quirino, em entrevista concedida ao autor na residência do Sr. Darci Romão Liberato, Fernandópolis, em nov./2011.
77
Figura 12 - Cartão de divulgação da dupla confeccionado pela Rádio Cultura AM em parceria com o Estúdio 7.214
Nota-se na imagem, assim como em outros cartões de divulgação de
Quintino e Quirino, aspectos de uma indumentária específica que sugere um
possível diálogo com elementos constituintes do estilo de vestimenta que circulava
entre as duplas caipiras da época. A recorrência da união de irmãos na composição
das duplas também pode ser percebida no modo de vestir, sendo possível elencar
entre as hipóteses a intenção de representar uma cumplicidade fraternal – expressa
na semelhança de camisas, calças e calçados –, fruto da convivência consonante
entre os membros da família. Temática também abordada nas letras do cancioneiro
caipira, reforçando a presença dessa mentalidade215 que transitava entre o vestir e o
cantar desse nicho musical naquele momento.
O reconhecimento pela vitória no festival de violeiros, somado à gravação do
primeiro disco, fez com que a dupla alcançasse outros espaços do circuito artístico
na cidade de Fernandópolis durante a década de 1960, sendo convidada para
apresentações em circos e programas de rádio. O “Ranchinho do Quintino e
Quirino”, programa no qual os irmãos não somente cantavam, mas também
apresentavam, em parceria com o locutor Cid Ribeiro216, pode ser apontado como
214
Acervo da dupla Quintino e Quirino. 215
NICOLAZZI, Fernando. História das mentalidades e história cultural. Revista Vernáculo. Curitiba, n. 1, jan.-abr./2000, p.52-64. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5380/rv.v1i1.17430>. Acesso em: ago./2018. 216
Aparecido Francelino Ribeiro foi locutor da Rádio Cultura AM de Fernandópolis entre as décadas de 1960 e 1970. Com o nome de “Cid Ribeiro” comandou diversos programas nessa rádio, entretanto, ganhou notoriedade com o seu personagem “Nhô Cido”, atuando em esquetes cômicas no seu
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uma evidência da empatia conquistada na cidade de Fernandópolis e região,
levando em consideração as áreas abrangidas pelas ondas da ZYR-90, a Rádio
Cultura AM217.
A participação de Quintino e Quirino nesse cenário musical os colocou em
contato com duplas de renome nacional na época, como Vieira e Vieirinha218, que se
tornaram amigos pessoais de Quintino e Quirino, aqueles que, segundo relato dos
próprios irmãos, foram os responsáveis diretos pela sua inserção na gravadora
Continental:
[...] Aí fiquemo um tempo sem grava, aí viemo pra cá, vai pra lá, vem pra cá, Viera e Vierinha junto com nóis, e na festa do Bernardino, encontrava no Guarani, eles veio aqui pra casa, nóis foi pra casa deles em São Paulo... E um dia nóis levo o repertório pra mostra lá na Oscar Martins, que era pago, era pago. Aí o Viera encontro com nóis lá num café e disse: “Tá fazendo o que aqui?” Eu falei “Nóis tamo oiando o negócio de gravação”, “E oceis já viu?”, eu falei “Não, nóis num... nóis vai na Oscar Martins”, ele falou “Não, oceis não é dupla pra grava pago não... Pera aí, eu vou mostra oceis na Continental”. Eu falei: “Rapaiz, oce mata nóis do coração...” Aí ele levou e mostrou na Continental, aí eles falou “Vorta pro interior, faz uma fita, faz uma fita e traz”. Aí nóis fez uma fita, levemo, espero dois dia. Aí... nóis passemo no teste. Aí... assim que nóis passo no teste, o Viera falou pra ele “Ó, eu sei um negócio aí de Santo Reis e é bão”, falou pro gerente lá. O gerente falou: “Então vorta pro interior, grava Santo Reis e traz pra mim vê...” [...] Aí... nóis viemo, arrumei os companheiro, nóis vei, gravemo, quatro faixa... É aquela que deu sucesso, o “Santo Reis em sua residência” e mais três. [...] O Viera e Vierinha abriu o caminho pra nóis, Deus e Vieira e Vieirinha, eu vou te conta...Viera e Vierinha foi tudo pra nóis.219
programa de rádio e nas temporadas dos circos que passavam por Fernandópolis e região. A relação de Nhô Cido com a dupla Quintino e Quirino será desdobrada no segundo item deste capítulo. 217
Sobre a Rádio Cultura AM de Fernandópolis, trataremos no segundo item deste capítulo. 218
Rubens Vieira Marques (Vieira) e Rubião Vieira (Vieirinha), ambos de Itajobi, no interior do estado de São Paulo, fazem parte de uma família de violeiros conhecidos no cenário da música caipira como os primos-irmãos Liu e Leo e Zico e Zeca. Gravaram diversos discos pelo selo Continental/ Chantecler, o primeiro da dupla, um disco de 78 rotações, foi gravado em 1953. PERIPATO, Sandra Cristina. Vieira e Vieirinha – “Os maiores catireiros do Brasil”. Recanto Caipira. São Paulo, s/d. Disponível em: <https://www.recantocaipira.com.br/duplas/vieira_vieirinha/vieira_vieirinha.html>. Acesso em: abril/2018. 219
Depoimento da dupla Quintino e Quirino, em entrevista concedida ao autor na residência do Sr. Miguel Ferreira de Souza, Fernandópolis, fev./2018.
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A compreensão da saudade da “palhoça” pode ser ampliada a partir de um
conjunto de representações que operam na oposição campo/cidade:
Em torno das comunidades existentes, historicamente bastante variadas, cristalizaram-se e generalizaram-se atitudes emocionais poderosas. O Campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e virtude simples. A cidade associou-se à ideia de centro de realizações – de saber, comunicações, luz. Também constelaram-se poderosas associações negativas: a cidade como lugar de barulho, mundanidade e ambição, o campo como lugar de atraso, ignorância e limitação.220
Examinar essa questão a partir do contexto de Fernandópolis leva a pensar
a “palhoça” sob a representação da quietude, paz e tranquilidade do espaço rural
outrora vivido, marcado pelos ritmos da natureza, pela sonoridade presente no canto
dos pássaros, no mugido do gado, no ranger do movimento do carro de boi,
constituindo assim “paisagens sonoras”221, como se pode observar na fala da Sra.
Eunice Maria da Silva, frequentadora do programa de rádio “Caravana da Alegria”222,
promovido pelo radialista Geraldo Ricco. Atualmente os encontros de violeiros e
apreciadores da música caipira que caracterizavam o programa ocorrem aos
domingos pela manhã no Centro de Convivência de Idosos do bairro Vila Veneto,
em Fernandópolis:
[...] As música raiz, fala pra você, eu gosto quase toda, umas música que tem um sentimento, aquelas música que fala o que
220
WILLIANS, Raymond. O Campo e a Cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.11. Williams, em sua obra, chama a atenção para o poder das palavras campo e cidade, para a maneira como na história e, sobretudo, na literatura inglesa essas representações foram sendo construídas, assinalando que as suas reflexões sobre o tema dialogam com as suas experiências vivenciadas numa aldeia entre a Inglaterra e o País de Gales. 221
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo - Uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. 2ª ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.33-53. 222
O referido programa, na ocasião da realização das entrevistas, era transmitido ao vivo pela Rádio Águas Quentes AM de Fernandópolis. Entretanto, a assinatura do Decreto Presidencial nº 8.139, de 7 de novembro de 2013, que versa “sobre as condições para extinção do serviço de radiodifusão sonora em ondas médias de caráter local”, culminou na abertura de prazo para migração das rádios AM para o FM (frequência modulada). Nesse sentido, a transição trouxe profundas alterações nas programações dessas “novas rádios”, tanto que, após a inauguração da Rádio TEK 93,3FM, que substituiu a extinta Rádio Águas Quentes AM, o programa supracitado não foi mais transmitido. Não obstante, os encontros de violeiros ainda ocorrem, agora quinzenalmente e em outro local, no CCI do bairro Vila Veneto, em Fernandópolis. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto Presidencial nº 8.139, de 7 de novembro de 2013. Brasília, 7 set. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d8139.htm>. Acesso em: abril/2018.
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a gente sente, que a gente recorda o passado de antigamente, hoje em dia as música de hoje a gente não se lembra nada, então as música raiz a gente se recorda tudo, tudo o que passou antigamente com a gente, fazenda, sítio, cultura, um carro de boi andando, por “inxemplo”, a gente quando morava no sítio, a gente tinha aquela coisa pelo sítio, a gente sentia sempre animado, aquele chero de raiz, chero de relva que anima a gente.223
Percebe-se que essa música, chamada de “raiz” pela depoente, atua na
recuperação de suas memórias afetivas224, que remetem a variadas sensações
desse universo bucólico outrora vivido. Em outras palavras, é capaz de acionar
“campainhas de memória”225, conectadas àquilo que lhe é significativo desse
passado. Esse rememorar de sensações tão especiais, na concepção da Sra.
Eunice, somente a “música raiz” pode operar.
É preciso, portanto, estar atento ao fato de que a memória se constrói na lembrança, mas também no esquecimento. Em outras palavras, o processo de construção de memórias implica escolhas entre os fatos do passado que, por alguma razão, determinado grupo considera que devam ser lembrados/ rememorados; e, ao fazer escolhas, o grupo também sublima, oculta ou esquece outros fatos. Tal aspecto é de fundamental importância para delinearmos a relação entre passado e a história do tempo presente.226
As memórias ancoradas na música caipira fernandopolense, música essa
que se constitui em diálogo com outros lugares de produção e outros gêneros,
especialmente pelo papel da radiodifusão e do disco227, alcançam de igual modo
223
Depoimento da Sra. Eunice Maria da Silva, em entrevista concedida ao autor nas dependências do CCI Vila Regina, Fernandópolis, nov./2011. 224
Vale ressaltar que a memória individual e a memória coletiva atuam em um fluxo de contato contínuo, e não isoladas: “Consideremos agora a memória individual. Ela não está inteiramente isolada e fechada. Um homem, para evocar seu próprio passado, tem frequentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele reporta a pontos de referência que existam fora dele, e que são fixados pela sociedade. Mas ainda, o funcionamento da memória individual não é possível sem esses instrumentos que são as palavras e as ideias, que o indivíduo não inventou e que emprestou de seu meio. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990, p.54. 225
MATOS, Maria Izilda Santos de; TRUZZI, Oswaldo. Saudades: sensibilidades no epistolário de e/imigrantes portugueses (Portugal-Brasil 1890-1930). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 35, n. 70, jun.-dez./2015, p.15. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472015v35n70011>. Acesso em: junho/2018. 226
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Novos domínios da História. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p.27. 227
“Porém, nenhum momento legitimou e difundiu tanto a viola quanto o das gravações de canções dos caipiras, a partir de 1929. [...] Esse evento esteve intimamente ligado à radiodifusão que não só fez a viola se popularizar em regiões onde o seu alcance não se efetivava, como também fez a
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vestígios da musicalidade desses violeiros. Isso pode ser observado na forma
peculiar de conexão com a viola228, que se apresenta como símbolo dos laços
familiares, os quais podem ser pensados a partir da transmissão oral desses
conhecimentos musicais. É possível analisar esses indícios por meio do depoimento
cedido pelo Sr. Miguel Ferreira de Souza, o “Quintino” da dupla Quintino e Quirino:
Nóis desde pequeno, desde criança... Então a música sertaneja, a música raiz, é aquela daquele tempo que não tinha televisão, nóis não tinha, só tinha mesmo um rádio, aquele rádio antigo de pilha grande, então na nossa casa que nóis usava. Então nóis iniciemo assim, cantando a música sertaneja, a música raiz mesmo [ênfase]. E... então o nosso pai, a nossa mãe, vem de uma origem... nossa mãe era catirera, gostava de dança catira, papai também gostava de toca viola, e a gente, como vinha sem a televisão, essas coisa, então o divertimento era pega um caquinho, um violão, a viola e toca. E nóis tinha o carro de boi, nóis tinha o carro de boi e tava assim na... numa varanda assim, ou pudia se embaixo de uma árve, então nóis ia pra lá.229
O registro dos depoimentos, de igual modo a escuta das canções que
compõem o rol de fontes deste estudo trazem a dimensão do falar caipira230 dessa
região, transcrito aqui em fragmentos com o objetivo de evidenciar os múltiplos
significados dessa cultura e suas conexões com elementos orais que resistem às
convenções de uma norma culta atual, marcas de um processo histórico que permite
discutir a posição da língua no campo das relações de poder. Não obstante as
dificuldades em contemplar de maneira minuciosa os aspectos dessa oralidade após
o processo da transcrição, os registros da fala do Sr. Miguel de alguma forma
explicitam esse falar caipira e seu sotaque, marcado pelo “r” retroflexo, que figura
como elemento linguístico típico da região do extremo Noroeste Paulista.
As “tramas”231 desse cotidiano familiar pavimentam os caminhos que levam
à percepção de uma tradição232 musical que se manifesta nas relações familiares,
realidade e aspectos da história desse camponês do centro-sudeste do país chegarem ao conhecimento de todos.” VILELA, Ivan. Cantando a própria História: música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2015, p.92. 228
Ibidem, p.31-45. 229
Depoimento da dupla Quintino e Quirino, em entrevista concedida ao autor na residência do Sr. Darci Romão Liberato, Fernandópolis, nov./2011. 230
ALMEIDA, Joyce Elaine de. “Viola Quebrada”: Linguagem e estilo característicos do falar caipira. Polifonia. Cuiabá, v. 12, n. 2, p.91-105, 2006. Disponível em: <http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/ index.php/polifonia/article/view/1072>. Acesso em: ago./2018. 231
A perspectiva de que nada passa despercebido pelo olhar acurado da história acena para a importância do cotidiano como campo de investigação, na busca por trilhas renovadoras que
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desde o contato com os pais e irmãos, estendendo-se a outros parentes e amigos, o
que pode ser percebido na fala do Sr. Darci Romão Liberato, o “Darci”, da dupla
Darci e Dorimar:
[...] Bom, eu... a música entrou na minha vida eu tinha apenas uns oito anos de idade, ainda morando na cidade de Santa Albertina-SP no sítio [pausa na fala]. E lá eu ouvia meus parentes cantando, meus primos, meu irmão cantava, é... muita música sertaneja, inclusive, o “Zé Claudino”, uma música bastante conhecida hoje, ainda, há cinquenta anos atrás já foi feita e até hoje ela faz um grande sucesso.233
A fotografia apresentada a seguir foi selecionada com o objetivo de ilustrar a
reflexão acerca dos laços afetivos234 que conectam esses sujeitos a partir da música
caipira na cidade de Fernandópolis. À esquerda, o Sr. Darci Romão Liberato, o
“Darci” da dupla Darci e Dorimar; à direita, o Sr. João Ferreira de Souza, o “Quirino”
da dupla Quintino e Quirino. Ambos seguram o pôster do quinto disco gravado pela
dupla, no ano de 1980, em um almoço de confraternização entre as duplas235
organizado pelo Sr. Darci em novembro de 2011.
avancem sobre as lacunas deixadas pelos paradigmas tradicionais da historiografia, abrindo espaço para o alcance de “outras histórias”. “Assim, destacar as diferenças a partir do reconhecimento de que a realidade histórica é social e culturalmente constituída tornou-se um pressuposto do pesquisador que procura pôr a nu a poesia do dia-a-dia, permitindo perceber a existência de processos históricos diferentes e simultâneos que compõem a trama histórica. Bem como abrir um leque de possibilidades de focos de análise.” MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: história, cidade e trabalho. 2ª ed. Bauru: Edusc, 2014, p.25-26. 232
WILLlAMS, Raymond. Cultura e sociedade - 1780 -1950. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p.118. As tradições operam num processo continuado de modificações, considerando que a cultura não é estática. Assim, o próprio curso da transmissão da tradição incorpora possibilidades de mudanças, tornando, dessa forma, inevitáveis as variações que são trazidas pelo tempo. “Uma versão intencionalmente seletiva de um passado modelador e de um presente pré-modelado, que se torna poderosamente operativa no processo de definição e identificação social e cultural.” 233
Depoimento do Sr. Darci Romão Liberato, em entrevista concedida ao autor na sua residência, Fernandópolis, em nov./2011. 234
“Muitos de nós já reparamos como as comunidades rurais do Brasil têm a música como algo muito presente em seu cotidiano. É possível pensarmos que a música se portou como um elemento mediador nas relações dessas comunidades rurais. Nas festas religiosas, a música atua como o fio condutor de todo o processo ritual. É também por intermédio da música que os homens e as mulheres do lugar se reúnem e se organizam para fazer que ritos de celebração da vida e realizações pessoais sejam manifestos.” VILELA, Ivan. Cantando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2015, p.59. 235
Os irmãos Darci Romão Liberato e José Luiz Liberato Inocêncio formam a dupla Darci e Dorimar, eles participam do Programa Caravana da Alegria, do radialista Geraldo Ricco, e de encontros de violeiros realizados em Fernandópolis e região. No decorrer de suas vidas atuaram profissionalmente em funções distintas, ambos atualmente aposentados, não são músicos profissionais, porém, os dois têm pela viola e, sobretudo, pela música caipira uma grande paixão, segundo o relato dos irmãos. Declaram-se profundos admiradores de Quintino e Quirino, acompanhando a trajetória dessa dupla desde a adolescência, quando moravam no sítio e os ouviam cantar pelo rádio.
83
Figura 13 - Darci e João, em um almoço de confraternização das duplas Quintino e Quirino e Darci e Dorimar, realizado na casa do Sr. Darci Romão Liberato.236
Ainda na linha da tessitura desse cotidiano familiar, é possível observar no
depoimento do Sr. José Luiz Liberato Inocêncio, o “Dorimar” da dupla Darci e
Dorimar, os seus primeiros contatos com a viola, que pertencia ao seu tio José
Arlindo, revelando a relação com o instrumento desde a tenra idade:
[...] E... eu comecei a toca, quando eu tinha quatro ano, eu robava a viola do meu tio, ele ia trabalha e eu saía quietinho, eu morava com a minha vó, saia quietinho, pegava a viola e ficava tocano. Mais, daí um dia, ela pego eu no fraga né, e falo: “Puta que la merda, se o Zé Arlindo vê cê toca isso aí cê vai vê, quebra a viola dele...” Quando chego de tarde... eu cheguei da escola com medo, porque ele batia né [risos]. Cheguei, daí minha vó falou: “Zé Arlindo, ó, o Zézim tá tocano melhor que você cara.” Eu pensei que ele ia acha ruim e eu ia corre pro mato né... [risos], ele falou “Eu quero vê ele toca”. Ele pegou a viola e... “Tó, toma, eu quero vê ocê toca”. Peguei a viola, toquei, cantei... Ele falou “Pode continua, pode continua”. Eu tinha quatro anos, quatro anos de idade cara.237
236
Acervo do autor. 237
Depoimento do Sr. José Luíz Liberato Inocêncio, em entrevista concedida ao autor na residência do Sr. Darci Romão Liberato, Fernandópolis, em nov./2011.
84
A presença da viola e das canções que dela fluem sugerem elementos
marcantes de uma tradição musical presente na cidade de Fernandópolis, levando a
uma dimensão da canção como “fio condutor”238 das múltiplas relações operadas na
constituição desses laços de sociabilidade, o que pode ser pensado a partir do
depoimento da Sra. Eunice:
[...] Então, eu falo pra voceis o seguinte, a música raiz é uma coisa... é uma cultura que não pode acabar nunca. E a gente permanece aqui porque a gente ama isso aqui, aqui é um lugar de amigos, aqui é um lugar que a gente sente apoiado, e aonde tem um amigo, e esse amigo dá um grande apoio pra gente, que é o Gerardo Ricco, e a gente pede o apoio dos prefeito, da turma ali de cima [referência às lideranças políticas].239
A Sra. Eunice rememora aspectos do poder aglutinador dessa música que
se manifesta em diversos tempos e espaços na cidade de Fernandópolis, articulada
no seio da relação entre os compositores e seus apreciadores, em conexão com
suas memórias.
2.2 RÁDIO CULTURA AM: O RANCHO DOS CANÁRIOS
No processo preliminar de levantamento documental para elaboração deste
estudo, a Rádio Cultura AM de Fernandópolis surgiu como elemento relevante para
ampliar o panorama das reflexões acerca da música caipira na cidade de
Fernandópolis, marcadamente nos anos de 1960. Esses indícios foram captados a
partir dos depoimentos240 cedidos por ouvintes, radialistas e músicos.
A ZYR-90, Rádio Cultura AM de Fernandópolis, foi inaugurada em 14 de
agosto de 1955 pelo jornalista Moacyr Ribeiro241, com uma programação
238
VILELA, Ivan. Cantando a própria História: música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2015, p.59. 239
Depoimento da Sra. Eunice Maria da Silva, em entrevista concedida ao autor nas dependências do CCI Vila Regina, Fernandópolis, em nov./2011. 240
“A primeira coisa que torna a história oral diferente, portanto, é aquela que nos conta menos sobre eventos que sobre significados. Isso não implica que a história oral não tenha validade factual. Entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos dos eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da vida diária das classes não hegemônicas.” PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Projeto História. São Paulo, n. 14, jan.-jun./1997, p.31. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/ view/11233/8240>. Acesso em: abril/2018. 241
Moacyr Ribeiro nasceu em 7 de outubro de 1913, na cidade de Torrinha, centro geográfico do estado de São Paulo. Seus primeiros passos nas comunicações deram-se no ano de 1939, nos
85
diversificada. Não obstante, a música caipira foi alcançando, gradativamente,
espaço considerável na grade da emissora, sobretudo nos programas matutinos,
como nos aponta Jorge Ribeiro, filho do proprietário, já falecido, da extinta Rádio
Cultura AM, quando questionado acerca da programação da emissora no período:
[...] Era misturado, tocava de tudo, tinha os horários específicos. Normalmente, era de manhã, porque o povo do campo acordava muito cedo, então o horário da manhã entrava o sertanejo. E outra, pra... pra adquirir essa... essa audiência no campo, porque a gente era o meio de comunicação da pessoa da cidade pro... pro campo, então ó... tinha os “arrows”, né, os recados, a gente... inclusive eram vendidos. A pessoa vinha aqui, “Ó, fala lá que eu tô chegando no ônibus das quatro e meia, no ponto número tal, da vila lá...”, a gente fazia o recado aqui, a pessoa ouvia lá e ia busca, de carroça ou de charrete, sei lá do que, ia busca a pessoa. Esse tipo de recado: “Ó, fulano, vem pra cá que já conseguiu a consulta aqui no médico”, entendeu? “Fulano já fez a consulta, tá voltando no carro...” Na época não era ônibus, era o “carro das seis e meia”, sei lá, uma coisa assim, então era... a rádio era o meio de comunicação da época. [...]242
A fala de Jorge Ribeiro pode ser analisada a partir de dois aspectos que se
entrelaçam. O primeiro acena para a vinculação entre programação radiofônica e
audiência, revelando uma preocupação da rádio, no referido período, com o gosto
desse público que operava na outra ponta da relação “emissores/receptores”.
Durante um certo tempo o trabalho consistiu em indagar como nos manipula esse discurso que através dos meios massivos nos faz suportar a impostura, como a ideologia penetra as mensagens impondo-se a partir daí a lógica da dominação à comunicação. Percorri sociolinguísticas e semióticas, levei a cabo leituras ideológicas de textos e de práticas, e dei conta de tudo isso num livro que intitulei, sem ocultar as dúvidas, Comunicação massiva: discurso e poder. Mas já então – estou falando de dez anos atrás – alguns pesquisadores começaram
municípios fluminenses de Barra do Piraí e Barra Mansa, locais onde foi o responsável pela instalação dos serviços de alto-falantes. Sua passagem pelo estado do Rio de Janeiro decorre das suas atividades na Estrada de Ferro Central do Brasil, onde trabalhou até 1944. Na mesma Barra do Piraí, em 1946, inaugurou sua primeira emissora de rádio, a Rádio Difusora Vale do Paraíba – ZYG-7 –, que viria a ser o embrião de outras emissoras, especialmente na Rede Piratininga de Rádios, na qual, como inspetor contratado, instalou 22 rádios no estado de São Paulo. A ida de Moacyr Ribeiro para Fernandópolis ocorreu em 1954, local em que inauguraria, aproximadamente um ano depois da sua chegada, a Rádio Cultura AM de Fernandópolis, residindo com a família na cidade até o ano de seu falecimento, em 1986. PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.189-190. 242
Depoimento do Sr. Jorge Spósito Ribeiro, em entrevista concedida ao autor nas dependências da Rádio Cultura FM, Fernandópolis, dez./2017.
86
a suspeitar daquela imagem do processo na qual não cabiam mais figuras além das estratégias do dominador, na qual tudo transcorria entre emissores-dominantes e receptores-dominados sem o menor indício de sedução nem resistência, e na qual, pela estrutura da mensagem, não atravessavam os conflitos nem as contradições e muito menos as lutas.243
Os vestígios desse liame fluido244 tornam-se mais visíveis na apreensão do
segundo aspecto, revelado na atuação da Rádio Cultura AM como via de
comunicação entre o campo e a cidade. Nesse sentido, a consolidação de sua
audiência no perímetro rural de Fernandópolis, de igual modo no perímetro urbano,
constitui-se à medida que a emissora ultrapassa a linha do entretenimento e toca as
necessidades cotidianas dos ouvintes, que vão desde a preocupação com o estado
de saúde dos entes distantes até a confirmação da entrega de encomendas e
recados diversos, como se observa na fala do Sr. Darci Romão Liberato, quando
perguntado a respeito do seu gosto pela Rádio Cultura AM de Fernandópolis:
[...] Então, a gente morava no sítio, lá em Aparecida D‟Oeste, no sítio, bairro chamado... Bairro do Loro, e os meus irmãos tinha dois que morava aqui, o “Zézim” e a Aparecida, morava em Fernandópolis. Então, as notícias que a gente recebia lá era através do programa. Quem que eram os artistas? Quintino e Quirino, entendeu? Então era através... nós lá naquela... era a Rádio Cultura de Fernandópolis na época, não me lembro qual era os watts que ela tinha, eu só sei dize que era de uma potência maravilhosa, porque nós estávamos a oitenta, noventa quilômetros longe daqui e ouvia com a maior perfeição. Então as notícias chegavam, através do programa do Quintino e Quirino, que na época eu acredito que fosse aí, tivesse o que... uns quinze anos, igual eu tenho, eu tinha na época, né, claro, é... quatorze, quinze anos. Era aonde a gente ouvia o programa e recebia as notícias lá. [...]245
Ouvinte na época, o Sr. Darci busca na recuperação de suas memórias
expressar o que a Rádio Cultura AM significava, destacando seu papel como
243
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.15. 244
Nos seus estudos acerca da constituição do massivo, Jesús Martín-Barbero propõe que “a comunicação de massa deve ser vista como um processo social integrado nas práticas culturais da vida cotidiana e não como algo imposto arbitrariamente”. CALABRE, Lia. No Tempo do Rádio: Radiodifusão e Cotidiano no Brasil - 1923-1960. Tese (Doutorado em História), UFF, Niterói, 2002, p.29. 245
Depoimento do Sr. Darci Romão Liberato, em entrevista concedida ao autor na sua residência, Fernandópolis, em nov./2011.
87
“encurtadora das distâncias” entre o Bairro do Loro246, bairro rural247 localizado entre
os municípios de Nova Canaã Paulista e Aparecida D‟ Oeste, e Fernandópolis, a
uma distância de aproximadamente 90 quilômetros. Nessa localidade, no início dos
anos 1960, o Sr. Darci, ainda adolescente, viveu e trabalhou com parte da sua
família na atividade agrícola, como arrendatários e em empreitas. O arrendamento
consiste em um contrato de cessão temporária de uma determinada faixa de terra,
pelo qual seu proprietário a entrega para outro para ser cultivada, mediante
remuneração acordada entre as partes. Já no sistema de empreita o indivíduo vende
sua força de trabalho, geralmente por uma diária fixada, atuando nos campos de
outros arrendatários ou diretamente para o dono da terra.
Muitos trabalhadores vivenciaram ao mesmo tempo duas ou mais relações de trabalho. Arrendavam terras para plantar, o que pode identificar o trabalhador como arrendatário, mas ao mesmo tempo trabalhavam como diaristas, boias-frias, nas empreitas. [...] O arrendamento e a empreita aconteciam ao mesmo tempo, intercalando entre um e outro, enquanto não havia muito trabalho nas terras arrendadas, vendiam sua força de trabalho por meio de empreitas. Sendo que nestas recebiam imediatamente o dinheiro, enquanto a lavoura plantada demorava um ano para gerar a renda.248
Esses arranjos e rearranjos, em alguns casos, decorriam da necessidade de
remuneração imediata, uma vez que os processos de preparo da terra, de plantio e
246
O “Bairro do Loro”, pertencente ao município de Nova Canaã Paulista, está localizado no extremo Noroeste do estado de São Paulo, na mesorregião de São José do Rio Preto. No período em que o depoente viveu na localidade com seus familiares, o bairro rural fazia parte do município de Três Fronteiras, uma vez que a “Vila de Nova Canaã”, fundada em 29 de junho de 1954, foi elevada à categoria de Distrito no dia 28 de fevereiro de 1964, por força da Lei Estadual 8.092. Nessa ocasião, delimitou-se a área distrital dentro do município de Três Fronteiras. NOVA CANAÃ PAULISTA (Município). A cidade. Nova Canaã Paulista, s/d. Disponível em: <https://www.novacanaapaulista. sp.gov.br/a-cidade>. Acesso em: maio/2018. 247
“O bairro rural é a estrutura fundamental da sociabilidade do caipira. Cabe a ressalva que, nesta reflexão, o bairro é designado como sendo uma unidade de vizinhança rural e não como uma unidade urbana. Neste sentido, surge como necessidade de agregar os domicílios dispersos em que habitam alguns grupos familiares nas áreas ao entorno para o plantio de milho, feijão (entre outras atividades agrícolas de roçado), para os dias de festas ao padroeiro do bairro, criando assim uma unidade mais ampla de vizinhos. Desta forma, adota-se o termo „bairro rural‟ como um agrupamento de algumas ou muitas famílias mais ou menos vinculadas pelo sentimento de localidade, convivência, auxilio mútuo e atividades lúdico-religiosas. As habitações podem estar próximas umas das outras sugerindo um esboço de povoado ralo ou também podem estar de tal modo afastadas que pouco se pode atentar à unidade que as congrega.” VICTAL, J.; CORDOVA, V. S. Territorialidades caipiras: o ser e a identidade do lugar. Revista Iluminuras. Porto Alegre, v. 17, n. 41, p.88-89, 2016. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.22456/1984-1191.64560>. Acesso em: maio/2018. 248
CUNICO, Jaqueline Michele. Relações de trabalho e capitalismo no campo do oeste paranaense - 1970-2012. Espaço Plural. Mal. Cândido Rondon, v. 17, n. 34, 2016, p.305-306. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/espacoplural/article/view/14956>. Acesso em: maio/2018.
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de colheita poderiam levar até um ano. Assim, para suprir as necessidades básicas
da sua família nesse período, o trabalhador via-se obrigado a transitar em duas ou
mais relações de trabalho.
Cabe destacar que nesse período o acesso aos aparelhos de rádio
encontrava-se em franca ascensão no Brasil, observada especificamente nos
desdobramentos das duas décadas anteriores. No caso de Fernandópolis, segundo
dados do Censo Demográfico do Estado de São Paulo de 1960249, os números
apontam a presença de 2.631 aparelhos de rádio nas residências pertencentes ao
município, observando-se que no levantamento foram declarados 7.274 domicílios,
ou seja, pouco mais de 36% dos domicílios recenseados contavam com o item.
O rádio, no final da década de 1940, era um veículo de informação e lazer, francamente acessível a todas as camadas da população brasileira. Transmitindo uma programação variada, com capacidade de satisfazer preferências diversas, o rádio participa intensamente do cotidiano do conjunto da sociedade brasileira.250
O alcance da Rádio Cultura AM ultrapassava os limites territoriais do
município de Fernandópolis. A emissora era ouvida, segundo relatos, em outros
estados como Minas Gerais e Goiás, percorrendo uma distância de até 350
quilômetros, como menciona o Sr. Miguel Ferreira de Souza, quando indagado a
respeito da audiência conquistada pela programação da rádio, especificamente
pelos programas dos quais a dupla Quintino e Quirino participava:
[...] A Rádio Cultura era 250 watts, 250 watts! Pegava ihhhhh... [expressão que enfatiza a distância alcançada pelas ondas da Rádio Cultura AM de Fernandópolis], era Campina Verde, aquele mundo aí, nóis tem carta de Itumbiara, do Goiais. 250 watts! Mas naquele tempo que tinha poca rádio [...]251
O depoente faz menção a um período em que o número de emissoras de
rádio, na região de Fernandópolis, era reduzido. Deve-se levar em consideração que
249
Os dados que balizam o referido apontamento foram pesquisados nos arquivos do IBGE, que disponibiliza em versão digital, na íntegra, o Censo Demográfico de 1960. 250
CALABRE, Lia. No tempo do rádio: radiodifusão e cotidiano no Brasil - 1923-1960. Tese (Doutorado em História), UFF, Niterói, 2002, p.9. 251
Depoimento do Sr. Miguel Ferreira de Souza (Quintino), em entrevista concedida ao autor na sua residência, distrito de Brasitânia, em out./2017.
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os municípios da região estavam em processo de estruturação252, a partir da
instalação e ampliação das redes de energia e telefonia, redes de água e esgoto,
asfaltamento, entre outros elementos de infraestrutura urbana, aliado ao fato de que
esses municípios eram em sua maioria recém-emancipados ou, como
Fernandópolis, entre outros casos, estavam com a emancipação político-
administrativa em curso. Nesse sentido, a ampliação da radiodifusão se estabeleceu
de maneira paulatina, uma vez que requeria uma infraestrutura mínima para a
operacionalidade de pretensas emissoras.
Além das falas dos depoentes, poucos registros foram encontrados acerca
da instalação de emissoras de rádio no Noroeste Paulista, embora esse não seja o
enfoque da nossa pesquisa. Entretanto, os registros acessados indicam a presença
da Rede Piratininga, ligada à família Leuzzi253, como detentora da maior parte das
rádios na região de São José do Rio Preto entre o final de 1950 e o início de 1960,
grupo radiofônico no qual Moacyr Ribeiro foi inspetor responsável pela instalação de
22 emissoras, como é mencionado por Jorge, ao discorrer a respeito das atividades
de seu pai nesse grupo:
[...] Lembro muito dele trabalhando na Rede Piratininga, que era dum político Miguel Leuzzi, então ele foi inspetor da rede, montou vinte e duas emissoras. Monta na época era monta, desde monta a torre até monta o estúdio completo e... e o... quadro de funcionários [...]254
A imagem a seguir ilustra o período do início das atividades da Rádio Cultura
AM de Fernandópolis, que se deu a partir da instalação do estúdio e fixação da
antena. Nesse local, que pertence até os dias de hoje à família Ribeiro, e onde 252
VASCONCELOS, Luiz Antonio Teixeira. Desenvolvimento econômico e urbanização nas Regiões Administrativas de São José do Rio Preto e de Araçatuba. Dissertação (Mestrado em Economia), Unicamp, Campinas, 1992. 253
Miguel Leuzzi, médico e político paulista, foi o fundador da Rede Piratininga de Rádios. Essa rede chegou a somar 32 emissoras de rádio somente no estado de São Paulo, tendo como referência na capital a rádio Cruzeiro do Sul, que a partir da década de 1940 foi incorporada à rede. Sobre a atuação da Rede Piratininga em São José do Rio Preto: “Durante a década de 40, sem a concorrência de outras emissoras, a Rádio Rio Preto manteve sua programação, mas sem maiores investimentos em novas atrações. As novidades vieram na década de 50, quando a emissora passou a fazer parte da Rede Piratininga, a rede de emissoras de rádio paulistas controlada pelos irmãos José Ângelo e Miguel Leuzzi.” REZENDE, Vera Lúcia Guimarães. Histórias do rádio de São José do Rio Preto: a rádio Bambu Rachado, as novelas da difusora e a Boate da Independência. Anais do II Encontro Nacional Alfredo de Carvalho. Florianópolis, ALCAR, 2004, p.4-5. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-nacionais/2o-encontro-2004-1>. Acesso em: maio/2018. 254
Depoimento do Sr. Jorge Spósito Ribeiro, em entrevista concedida ao autor nas dependências da Rádio Cultura FM, Fernandópolis, em dez./2017.
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atualmente estão os estúdios da Cultura 90,5 FM, situada na Avenida Líbero de
Almeida Silvares, foram realizadas as primeiras transmissões da extinta Cultura AM.
Figura 14 - Em frente ao primeiro estúdio da Rádio Cultura AM de Fernandópolis estão os irmãos Elizabeth e Jorge, dois dos sete filhos do Sr. Moacyr Ribeiro.255
De acordo com Jorge Ribeiro, essa fotografia foi produzida entre 1959 e
1960, nos primeiros anos das atividades da emissora, que fora fundada em 1955.
Nota-se uma relação afetuosa da família Ribeiro com a rádio, sobretudo por
compartilhar com o estúdio da emissora o espaço de sua moradia, ambos situados
no mesmo terreno, como se pode observar nas considerações de Jorge, inclusive
mencionando o local onde era realizado o Rancho dos Canários, programa tido
como referência por violeiros, locutores e ouvintes que experienciaram256 a
programação da Rádio Cultura AM durante a década de 1960:
255
Acervo do Sr. Jorge Spósito Ribeiro. 256
Sobre a concepção da categoria “experiência” que norteia este estudo: “Tem se buscado aprimorar a categoria analítica experiência e superar sua visão a partir das simples coordenadas políticas e econômicas, incorporando também a cultural, englobando uma série de elementos – relações pessoais, redes familiares, étnicas e de amizades, ritos e sistemas simbólicos – que são focalizados nos laços de solidariedade, modos e formas de comunicação e de perpetuação e transmissão das tradições. Contudo, a categoria “experiência” necessita ser mais discutida criticamente pelos historiadores, sendo impossível uma definição única de experiência. A questão da diferença dentro da diferença faz emergir as possibilidades de análise, que trazem à luz a articulação entre gênero, classe, etnia e geração. Além disso, trabalhar a especificidade histórica é elemento de questionamento de padrões universais, admitindo-se o contingencial, o fortuito, a inventividade, a liberdade de ação dos sujeitos históricos.” MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p.26.
91
[...] A rádio era no quintal da minha casa, no outro quarteirão ali, então, a nossa casa era na esquina e a rádio no centro do... do quintal, porque a AM precisa de um quintal grande, pelo... de um terreno grande, pelos radiais que são necessários pra a transmissão, né. Então a rádio ficava no meio, do lado da torre, e... meu lugar de brinca praticamente era dentro do Rancho dos Canários, era no quintal da minha casa, a rádio era no quintal da minha casa, né... então era o lugar onde eu brincava [...].257
O Rancho dos Canários foi um programa de grande audiência, segundo os
relatos dos depoentes que acompanharam a referida atração na época. Outros
indícios da notabilidade do programa estão nas releituras de seu formato258, que se
sucederam em diferentes emissoras de Fernandópolis.
Embora não fosse a única atração da Rádio Cultura AM voltada para música
“sertaneja de raiz”, o Rancho dos Canários pode ser visto como catalisador desse
universo caipira fernandopolense, não apenas pela execução das vertentes dessa
música, mas pelo espaço concedido às representações do campo, vivido e
idealizado por esses frequentadores que se faziam presentes no auditório
organizado por Moacyr Ribeiro nas dependências da rádio, além, é claro, dos
ouvintes que acompanhavam a distância pelas ondas da emissora.
A ideia de um espaço rústico com gaiolas e canários cantando ao fundo dos
violeiros que se apresentavam sugeria uma sonoridade259 que reforçava a
257
Depoimento do Sr. Jorge Spósito Ribeiro, em entrevista concedida ao autor nas dependências da Rádio Cultura FM, Fernandópolis, em dez./2017. 258
Programas semelhantes ao Rancho dos Canários, com apresentação de violeiros ao vivo para o público, eram transmitidos até recentemente por emissoras de rádio de Fernandópolis e cidades vizinhas. “O Clube dos Violeiros”, apresentado pelo radialista “Compadre Sanchez” aos domingos pela manhã direto do Terminal Rodoviário da cidade, fez parte da grade de programação de emissoras como as rádios Difusora AM e Educadora AM, de Fernandópolis, e Alvorada AM, de Estrela D‟ Oeste, até o final da década de 1990. Outro modelo é o programa “Caravana da Alegria”, apresentado pelo radialista Geraldo Ricco, no Centro de Convivência do Idoso do bairro Vila Regina, na frequência dos 1360 AM da Rádio Águas Quentes, de Fernandópolis. No levantamento realizado por esta pesquisa, a respectiva atração teve sua última transmissão no final de 2017, entretanto, os encontros continuam sendo realizados, também dominicais, agora no Centro de Convivência do Idoso do bairro Vila Veneto. 259
“Os territórios não são só caracterizados e identificados pelas imagens, mas possuem polifonia e musicalidade, constituindo „paisagens sonoras‟, que se caracterizam por: sons fundamentais (criados pelos elementos da natureza – águas, ventos – e também pelas máquinas que se tornaram hábitos auditivos). [...] Uma paisagem sonora peculiar e diferenciada compreende múltiplas experiências, influências multifacetadas e específicas numa trama que inclui mudanças e permanências, choques e tensões, confrontos e assimilações, recusas e incorporações do rural, do regional e do internacional.” MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: EDUSC, 2007, p.36.
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representação do campo260 enquanto espaço de contato com uma natureza singela,
de paz e tranquilidade, um “microcosmo rural” inserido na urbe que se formava,
como pode ser apreendido na caracterização do programa Rancho dos Canários
feita por Jorge Ribeiro:
[...] O Rancho dos canários era... assim, um... tipo uma varanda, né, com dez bancos de madeira estilo igreja, aquelas igrejas de banco de madeira, e ali sentava o pessoal. Tinha... tinha um tipo de um palco, um elevadozinho, e o rancho dos canários, porque meu pai gostava de passarinho, ele colocava os canarinhos dele em cima de onde os violeiros cantavam, e o passarinho ouvindo música canta dobrado. E aí ficou o Rancho dos Canários, e aquilo era fundo pros violeiros [...].261
A conjunção de todos esses elementos simbólicos pode indicar que nesse
espaço os frequentadores do Rancho dos Canários dialogavam com as suas
experiências vivenciadas no campo. A constituição desse cenário rústico e os
elementos sonoros que o compõem podem ser pensados ainda enquanto uma ação
de resistência dessa cultura:
A cultura rústica passou a ser rememorada por meio de símbolos e objetos, entre eles a música sertaneja, permitindo a sobrevivência ainda que simbólica, de uma tradição rural. No campo das resistências, essa tradição foi se (re)significando e incorporando novos valores, evitando, assim, que caia no esquecimento o valor atribuído ao mundo rural.262
Os aspectos simbólicos da cultura caipira, significados por esses
frequentadores, fizeram com que o Rancho dos Canários se transformasse em um
espaço de promoção não apenas da música executada por violeiros de
Fernandópolis e até de outros estados, mas também de uma identidade partilhada.
Entendendo-se que esse movimento é fruto de sua condição de sujeitos históricos,
que, como tal, atuam, aferem e modificam.
260
Para uma reflexão sobre a construção das representações de campo e cidade, na história e na literatura, ver: WILLIANS, Raymond. O Campo e a Cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.11-21. 261
Depoimento do Sr. Jorge Spósito Ribeiro, em entrevista concedida ao autor nas dependências da Rádio Cultura FM, Fernandópolis, em dez./2017. 262
MACHADO, Maria Clara Tomaz; GUTEMBERG, Jaqueline Souza. Cheiro de relva: música sertaneja, desenvolvimento e tradição. Cadernos de Pesquisa CDHIS. Uberlândia, v. 1, n. 41 (22), jul.-dez./2009, p.24. Disponível em: <http//www.seer.ufu.br/index.php/cdhis/article/view/7539/4828>. Acesso em: maio/2018.
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A identidade não é fixa, estável, coerente, unificada, permanente. A identidade tampouco é homogênea, definida, acabada, idêntica, transcendental. Por outro lado, podemos dizer que a identidade é uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas. A identidade está ligada a sistemas de representação. A identidade tem estreitas conexões com relações de poder.263
No depoimento do radialista Antônio Sanchez, é possível alcançar novos
indícios da relevância do Rancho dos Canários para os violeiros e o seu público
naquele período:
[...] Era um rancho, era um barracão e tudo cheio de banco, de banco, “assim” ficava de gente, de domingo, “assim”. A região toda vinha, era um auditório, um auditório, auditório ao vivo, é... transmitido pelo rádio. Vinha artista de Minas Gerais, vinha violeiros de Minas Gerais, vinha violeiros de Santa Fé, vinha violeiros de Sargado, Nhandeara, Votuporanga, tudo canta aqui, que a Rádio Cultura era pioneira, foi a primeira emissora instalada aqui na região, nem em Votuporanga não tinha emissora de rádio, só aqui, só aqui. E... ela, se sabe, quanto ela funcionava? Ela funcionava com 250 watt, depois passou pra 1.000, depois pra 5.000, e ela começo não tinha energia, era tocada com motor, a diesel, motor a diesel, era tocada, ela ia no ar com motor [...].264
Nota-se na fala do depoente a vinculação do sucesso do programa com o
alcance das ondas da Rádio Cultura AM, pioneira na região, ao externar a
participação de violeiros das cidades vizinhas e de outros estados, além da
presença de grande público, que, segundo ele, lotava as dependências do auditório
da emissora.
O “Compadre Sanchez”265, como é conhecido pelos seus ouvintes na cidade
de Fernandópolis, é o único apresentador remanescente do Programa Rancho dos
Canários que permanece exercendo a profissão. A atração foi ao ar na Rádio
Cultura AM do início dos anos 1960 até meados de 1980, tendo seu formato relido
263
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 2000, p.96-97. 264
Depoimento do radialista Antônio Sanchez, em entrevista concedida ao autor na sua residência, Fernandópolis, em dez./2017. 265
O Sr. Antônio Sanchez nasceu na cidade de Uchôa, situada na mesorregião de São José do Rio Preto, no ano de 1932. Atualmente, o “Compadre Sanchez” apresenta o programa “Raízes do Sertão”, atração que vai ao ar diariamente pela Rádio Arena 87,9 FM de Fernandópolis.
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em outras emissoras que surgiram na cidade de Fernandópolis, inclusive em
programações comandadas pelo próprio radialista. Assim como o “Compadre
Sanchez”, outros nomes266 fizeram parte do grupo de apresentadores do antigo
Rancho dos Canários, do mesmo modo que outros programas do segmento foram
sendo elaborados e, aos poucos, inseridos na grade da rádio.
Segundo o filho do antigo proprietário da emissora, Jorge Ribeiro, o
radialista Mauro André, um dos primeiros locutores da Rádio Cultura AM, juntamente
com Jonacir de Carvalho e Edson Ribeiro, foi o articulador das primeiras atrações da
emissora pensadas para os apreciadores da música caipira. Vale salientar que
Mauro André e Jonacir de Carvalho são os compositores da música
“Fernandópolis”267, como é citado por Jorge, uma canção frequentemente cantada
pelos violeiros da cidade nos espaços pesquisados por este estudo.
Nesse sentido, o locutor supracitado é considerado por Jorge Ribeiro como
precursor na produção dessa programação específica, que teria sua consolidação a
partir da presença do radialista Aparecido Francelino Ribeiro, criador do personagem
“Nhô Cido”, como se pode observar no relato a seguir:
[...] Nós não podemos esquecer que, o começo da Rádio Cultura AM foi... locutor da época, Mauro André, que fazia o personagem Zé Picuá, que era mais ou menos o mesmo estilo do Nhô Cido, né. Porque era Nhô Cido e Cid Ribeiro, quando ele fazia um programa popular era Cid Ribeiro, quando ele fazia o jornalismo era Cid Ribeiro, quando era sertanejo que ele fazia, é... a novelinha dele pá brinca com todo mundo, era Nhô Cido. Então no caso aí o Mauro André era o Zé Picuá [...] Veio antes, veio logo no começo da rádio, o começo da rádio foi Mauro André, Jonacir de Carvalho, os dois que foram
266
Faz-se necessário salientar que outros locutores apresentaram o programa Rancho dos Canários, durante a sua trajetória na programação da Rádio Cultura AM de Fernandópolis. Foram citados pelos depoentes os nomes de “Nhô Dito”, Anézio Fernandes, “Tio Cândio” e do proprietário da Rádio, o Sr. Moacyr Ribeiro, que em algumas oportunidades também apresentou a referida atração. Entretanto, os relatos deram maior destaque para “Nhô Cido” e “Compadre Sanchez”, o último sendo um dos mais longevos à frente do programa. 267
A composição de Mauro André e Jonacir de Carvalho, gravada pelos Irmãos Souza (registrados equivocadamente como “Irmãos Barbosa” no primeiro volume do livro “Fernandópolis: nossa história, nossa gente”) e pela dupla Quintino e Quirino, é um “valseado” que encontrou “conforto nas violas fernandopolenses”, haja vista a frequência com que a canção é executada pelos violeiros da cidade. A letra dessa canção traz uma representação idílica de Fernandópolis enquanto cidade acolhedora, tanto que existem referências a essa canção como “nosso hino caboclo”, “nossa canção-terra”. PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vols. 1 e 2. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.237-238. A menção feita ao “conforto” que a canção encontrou nas violas fernandopolenses indica o diálogo entre a música caipira e outros gêneros, como no caso da valsa, numa demonstração das muitas misturas que operam nesse processo híbrido. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas. 4ª ed. São Paulo: Edusp, 2015, p.18-23.
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compositores da música Fernandópolis, e tinha o Edson, meu irmão, Edson Ribeiro, Edson Spósito Ribeiro [...].268
O radialista Aparecido Francelino Ribeiro é citado pelos depoentes como um
“grande artista, completo”269, seu personagem “Nhô Cido” figurou em esquetes270,
produzidas e encenadas por ele, inseridas na programação da Rádio Cultura AM.
Traziam como temática o cotidiano de um homem do campo, ancorado nas
representações do caipira que circulavam no período271, sobretudo pelo viés caricato
do personagem, evidenciado no uso da calça curta e do paletó xadrez, da botina
suja de barro, do chapéu, do andar desengonçado, entre outros elementos que
remetem à figura do “Jeca”272, encenado por Amácio Mazzaropi no cinema, e ao
personagem “Barnabé”, criado pelo músico e anedotista João Ferreira Melo273, que
268
Depoimento do Sr. Jorge Spósito Ribeiro, em entrevista concedida ao autor nas dependências da Rádio Cultura FM, Fernandópolis, dez./2017. 269
Depoimento do radialista Antônio Sanchez, em entrevista concedida ao autor na sua residência, Fernandópolis, em dez./2017. 270
Esquete designa uma peça de curta duração, interpretada ou escrita para um ou mais atores. Normalmente, o gênero é cômico e pode ser encontrado no teatro, cinema, rádio ou mesmo na televisão. 271
Tais elementos devem ser contextualizados, haja vista que, entre as décadas de 1950 e 1960, a produção cinematográfica brasileira tinha nos filmes do diretor Amácio Mazzaropi um de seus referenciais de bilheteria. Nesse período, Fernandópolis contava com dois cinemas, o Cine Santa Rita e o Cine Fernandópolis, especialmente o último que contemplava uma faixa etária mais geral. O cinema na cidade era um dos poucos espaços de lazer acessíveis aos estratos sociais menos privilegiados. Ver: PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vols. 1 e 2. Fernandópolis: Anglo, 1996, p.154-155. Nesse sentido, o personagem “Nhô Cido” carrega elementos muito próximos da caracterização do “Jeca” de Mazzaropi, não obstante, traz de igual o modo a resistência, a defesa de seu modo de vida, em oposição ao constructo lobatiano de indolência. “Por fim, há caipirismo presente nas produções cinematográficas de Amácio Mazzaropi. Sobretudo seus personagens, os caracteristicamente caipiras, personificam um sujeito histórico cujo modo de ser – de viver, de agir e de falar, de crer – revela elementos marcantes da identidade caipira que se identificaram com muitos dos que assistiram suas produções.” GONZAGA, Aguinaldo Divino. Identidade caipira: o caipirismo na produção cinematográfica de Amácio Mazzaropi. Anais do II Congresso Internacional de História da UFG. Jataí: UFG, 2011, p.23. Disponível em: <http://www. congressohistoriajatai.org/anais2011/link%2038.pdf>. Acesso em: maio/2018. 272
O “Jeca Tatu”, personagem criado pelo literato brasileiro Monteiro Lobato (Velha Praga, 1914), foi ressignificado no cinema pelo cineasta e ator Amácio Mazzaropi entre o final da década de 1950 e início dos anos 1960. Cabe ressaltar que a inspiração maior de Mazzaropi estava apoiada no personagem “Jeca Tatuzinho”, idealizada por Lobato doze anos depois, em 1926. 273
João Ferreira Melo nasceu na cidade de Botelhos, Sul do estado de Minas Gerais, no ano de 1932. João foi o criador do personagem “Barnabé”, iniciou sua carreira artística no final da década de 1950, contando com o apoio da dupla Tonico & Tinoco, que o levou para São Paulo em 1958. RECANTO CAIPIRA. Barnabé. São Paulo, s/d. Disponível em: <https://www.recantocaipira.com.br/ duplas/barnabe/barnabe.html>. Acesso em: maio/2018. O personagem cantava modinhas, narrava causos e anedotas, que tiveram seu registro fonográfico realizado pela gravadora Continental a partir do LP “Show de Graça – Volume I”, gravado em 1965. Os temas abordados orbitavam a representação do caipira como um sujeito simples, porém sagaz no seu cotidiano rural e nas experiências na cidade. Notam-se no personagem Barnabé influências marcantes da produção da “Turma Caipira Cornélio Pires”. Para uma análise mais densa da produção de Cornélio Pires, ver: FERREIRA, Elton Bruno. Sonoridades caipiras na cidade: a produção de Cornélio Pires - 1929-1930. Dissertação (Mestrado em História), PUC, São Paulo, 2013.
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realizava suas apresentações em shows e programas de rádio274 entre as décadas
de 1950 e 1960, inserindo-se na cena fonográfica a partir de 1965, ano em que
gravou seu primeiro LP de músicas e anedotas pela gravadora Continental.
Essas encenações estavam vinculadas ao seu programa “O Ranchinho do
Nhô Cido”, como apontado por Jorge Ribeiro, quando perguntado a respeito da
participação de Aparecido Francelino Ribeiro na extinta emissora:
[...] Ele fazia cinco, seis, personagens, ele fazia a mulher, a esposa, a filha, o filho, fazia todo mundo, né. E então o programa dele era muito engraçado. [Bruno: Ele tinha um programa só dele?] Tinha um programa só dele. Nós chegamos a montar um estúdio de gravação pra ele lá na Cobral, porque era patrocínio da Cobral o programa dele, nós montamos um estúdio lá pra ele pode grava em paz, porque... ele tinha os personagens, as coisas pra fazê, e na época não esse negócio de muito gravador, muito... computador nem pensa, né? Então ele tinha que fazê, errava e tinha que volta e começa, não tinha muita solução, era feito mesmo, na vontade, na unha [...].275
O personagem era também presença marcante nos espetáculos dos
circos276 que estabeleciam suas temporadas por Fernandópolis e região. Nos
picadeiros, “Nhô Cido” teve em várias oportunidades a companhia da dupla Quintino
e Quirino, contabilizando inúmeras apresentações marcadas pela música da dupla e
pela atuação cênica de “Nhô Cido” nos chamados “dramas” – estes também
partilhavam o espaço na programação da Rádio Cultura AM.
[...] Na época circo era uma coisa... fabulosa, lotava, enchia, mais tinha bons artistas que iam nos circos, inclusive a música sertaneja, o caipira, a maioria deles começou foi em circo, né. Nossa! Quantas vezes eu fui em circo aqui assisti shows de música caipira, mais vamo lá, o “Nhô Cido”, fora a rádio, ele ia
274
A programação da Rádio Cultura AM, assim como o personagem “Nhô Cido”, constitui-se no diálogo com a produção musical e radiofônica do período pesquisado por este estudo, haja vista a presença de programas voltados para a música sertaneja em rádios de São Paulo e do Rio de Janeiro, como as rádios Nacional, Tupi e Difusora, que tinham em sua grade de programação atrações nesse segmento, anteriores à própria década de 1960. Pensando na década em questão, localizamos o programa “Na Beira da Tuia”, que foi apresentado pela dupla Tonico & Tinoco na Rádio Bandeirantes de São Paulo, essa atração ganhou um formato televisivo a partir de 1983 no mesmo grupo. 275
Depoimento do Sr. Jorge Spósito Ribeiro, em entrevista concedida ao autor nas dependências da Rádio Cultura FM, Fernandópolis, dez./2017. PEREIRA, Odirlei Dias. No Rádio e nas Telas: o rural da música sertaneja de sucesso e sua versão cinematográfica. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), UNESP, Marília, 2008, p.28-32. 276
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vols. 1 e 2. Fernandópolis: Anglo, 1996, p.145.
97
pra um circo, aonde ele anunciasse que ia, a região ia, lotava o circo e às vezes dava duas, três sessões com a palhaçada que ele fazia no palco, ele punha uma piruca, ele punha uma roupa rasgada, tanto quanto o Barnabé, tanto quanto... né [...]
O Rancho dos Canários, que em algumas oportunidades contou com a
apresentação de “Nhô Cido”, foi uma das atrações que colocou lado a lado os
irmãos Miguel e João e o radialista Aparecido Francelino Ribeiro. Embora
apresentasse o Rancho dos Canários e tivesse seu próprio programa, o radialista
atuava também na atração apresentada pela dupla, “O Ranchinho do Quintino e
Quirino: Comando do Nhô Cido”, assim como em “reclames”277 que divulgavam os
patrocinadores da rádio e na própria programação voltada ao jornalismo informativo,
nas duas últimas situações como “Cid Ribeiro”. Esse trânsito fluido de Aparecido
Francelino Ribeiro na programação da Rádio Cultura traz evidências da relevância,
no período, desse artista para a emissora.
A imagem a seguir mostra um cartão impresso com a foto da dupla Quintino
e Quirino juntamente com “Nhô Cido” no início dos anos 1960. Esses cartões de
formato retangular, tendo em média 11 x 8 cm, eram confeccionados em gráficas a
partir de uma parceria com os patrocinadores dos programas da Rádio Cultura AM,
de maneira que na parte frontal do cartão estava a imagem dos artistas e no verso, a
propaganda de um determinado estabelecimento comercial da cidade, que atrelava
suas atividades ao poder de divulgação do rádio. Os artistas, por sua vez, enviavam
esse material para os ouvintes que faziam contato com a emissora por meio de
cartas, que por vezes solicitavam um registro material afetivo do seu artista predileto.
277
O rádio foi essencial no processo constitutivo de referenciais de consumo. “A publicidade é o meio através do qual os produtos costumam ser apresentados para o potencial mercado consumidor. Desde a década de 1930, mais precisamente nas de 1940 e 1950, o grande veículo de alcance nacional era o rádio. Junto com a propaganda do dentifrício, o ouvinte, rico ou pobre, leitor de revistas e jornais ou analfabeto, aprendia que deveria escovar os dentes para evitar as cáries.” CALABRE, Lia. No Tempo do Rádio: Radiodifusão e Cotidiano no Brasil - 1923-1960. Tese (Doutorado em História), UFF, Niterói, 2002, p.160.
98
Figura 15 - Cartão de divulgação da dupla Quintino e Quirino e “Nhô Cido”, início dos anos 1960.278
As cartas, na concepção dos depoentes, representam uma evidência do
sucesso de seus programas, resultado ainda do papel cumprido pela rádio na
prestação de serviços aos radiouvintes, sob o entendimento de que a emissora não
figurava apenas como veículo de entretenimento, mas também de comunicação e
acesso a informação entre os próprios indivíduos que a acompanhavam, como já
discutido anteriormente neste subitem. Tudo isso possibilitado pelo alcance das
ondas da Rádio Cultura AM de Fernandópolis, como podemos examinar no trecho
transcrito a seguir, extraído de uma carta enviada em agosto de 1966 pelo ouvinte
Sebastião Gonçalves de Lima, da cidade de Maringá, localizada na mesorregião
Norte Central do estado do Paraná, direcionada, como especifica a correspondência,
ao “Programa de Quintino e Quirino”:
278
Acervo da dupla Quintino e Quirino.
99
[...] Pela primeira vez que escrevo a esta querida Emissora Paulista. Quero omenagiar todos os artistas desta emissora. Quero omenagiar tambem atraves desta cartinha todos os ouvintes que se acha presente e a todo [rasuras] povo desta Região [...] Peço se for possível avizar o Sr Francisco Vitalino de Macedo que já fui em Maringá e já voltei: estou em São Paulo na casa de meu pai: vou seguir para o Paraná só dia 10 deste e aguarde mais noticias pela rádio nacional: de São Paulo [...] [sequência do trecho ilegível, pois se encontrava rasgado] 279
O conteúdo da carta expressa o apreço do radiouvinte pelos artistas da
emissora, seguido de um recado para o Sr. Francisco Vitalino de Macedo, no que
tudo indica, também ouvinte da rádio. Entretanto, não há nenhum registro no texto
da localidade onde reside o Sr. Francisco. Observa-se ainda que, no trecho final da
correspondência, Sebastião escreve: “[...] aguarde mais noticias pela rádio nacional:
de São Paulo”, o que reforça essa relação da radiodifusão, no período, com a
comunicação entre os ouvintes, fornecendo indícios de que essa prática não era
uma exclusividade da Rádio Cultura AM de Fernandópolis.
Em outra correspondência, enviada por Divanir Julio Pezzoto, datada
também de agosto de 1966, o ouvinte solicita uma foto da dupla Quintino e Quirino e
do locutor “Nhô Cido”:
[...] Prezada dupla “Quintino” e “Quirino” e locutor “Nhô Cido” escrevo pela segunda vez espero ser atendido porque eu ouvi o programa de voceis e voceis dizeno para os ouvinte quem solicitava fotografia nova de voceis então eu fico na expectativa de receber e fico muito alegre [...].280
Essa correspondência, com remetente da cidade de Nhandeara, Noroeste
paulista, faz menção à dupla Quintino e Quirino e ao locutor Nhô Cido. Expressa a
expectativa do ouvinte Divanir em receber um registro afetivo dos seus artistas, no
caso uma “fotografia nova”, o que de fato corrobora a produção dessas imagens
(cartões) no referido período.
279
Carta enviada por Sebastião Gonçalves de Lima, de Maringá, para Rádio Cultura de Fernandópolis, em 5 ago. 1966. Saudações à Rádio Cultura AM e recado ao Sr. Francisco Vitalino de Macedo. 280
Carta enviada por Divanir Júlio Pezzoto, de Nhandeara, em 12 ago. 1966, para Rádio Cultura de Fernandópolis. Solicitação de uma foto da dupla Quintino e Quirino e do locutor Nhô Cido.
100
A ouvinte Luzia, da Fazenda Santa Cruz281, também dirige à dupla Quintino
e Quirino uma solicitação de foto, em maio de 1964:
[...] Prezados Srs Quintino e Quirino. Espero que ao receber esta, estejam gozando saúde e felicidades. O fim desta é para pedir a fotografia de voceis por uma simples recordação. Peço para voceis mandarem a cópia daquela música Fernandópolis. Minha mana pede para voceis mandarem a fotografia de voceis, por uma simples recordação, e um livrinho. Sim voceis são casados ou solteiro. Aqui me despeço com muitas lembranças da jovem Luzia. Sim voceis quiser uma fotografia minha, manda me dizer qdo eu tirar eu envio para voceis [...].282
Além do pedido da foto, Luzia faz menção ao interesse de sua “mana” (irmã)
em obter informações a respeito do estado civil dos componentes da dupla,
revelando a ocorrência de possíveis flertes entre os artistas e suas admiradoras,
sobretudo quando constituído o arquétipo do “galã”, vinculado à popularidade das
figuras artísticas masculinas.283
Esses registros sob a forma de correspondência sugerem possibilidades de
reflexão acerca da relação entre a programação da Rádio Cultura AM de
Fernandópolis e a recepção por parte de seus ouvintes, sob diversos aspectos, que
ainda podem ser desdobrados em estudos futuros.
2.3 PAISAGENS SONORAS NA CIDADE
Refletindo a partir de uma perspectiva geográfica, o conceito de paisagem “é
aplicado para representar uma unidade do espaço, um lugar, e remete às
percepções que se tem sobre ele”284, sugerindo o segundo trecho que cada
paisagem é constituída e constitutiva da cultura.
281
O envelope da correspondência, assim como o conteúdo da carta, não especifica o sobrenome do ouvinte e o município de origem. 282
Carta enviada pela Sra. Luzia, da Fazenda Santa Cruz, em 18 mai. 1964, para Rádio Cultura de Fernandópolis. Solicitação de uma foto da dupla Quintino e Quirino. 283
VALDIVIA, Márcia Barros. As múltiplas faces da beleza de Heleno de Freitas: entre a boemia, o futebol, os lenitivos e a loucura. Revista Cordis. São Paulo, n. 14, p.47-48, jan.-jun./2015. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/cordis/article/view/26138>. Acesso em: jun./2018. 284
TORRES, M. A.; KOZEL, S. Paisagens Sonoras: possíveis caminhos aos estudos culturais em Geografia. Ra'e Ga - Espaço Geográfico em Análise. Curitiba, v. 20, 2010, p.124. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5380/raega.v20i0.20616>. Acesso em: abr. 2018.
101
Cada paisagem é produto e produtora da cultura, e é possuidora de formas, cores, cheiros, sons e movimentos, que podem ser experienciados por cada pessoa que se integra a ela, ou abstraído por aquele que a lê através de relatos e/ou imagens.285
A associação do termo paisagem à construção imagética de um lugar
tranquilo, bucólico, sem a interferência direta do ser humano pode estar relacionada
à operação conjunta das paisagens e da arte pictórica286, na confecção de obras que
traziam representações do campo inseridas nas normas fixadas por essa forma de
expressão.
A fruição da natureza como espetáculo estético, implícita à invenção da paisagem, implica o afastamento entre o sujeito e o objecto de contemplação (a natureza), a mobilização dos sentidos e a aprendizagem de códigos de selecção, apreciação e valorização, os quais fazem parte de um modelo cultural, pois a paisagem é uma maneira de ver o mundo e “só se vê o que se tem na cabeça” (PIVETEAU, 1989). A pintura desempenhou um papel determinante na construção de códigos estéticos de apreciação da natureza. De facto, a pintura de paisagem levou as pessoas a olhar a natureza com outros olhos, pois ao fazer da natureza tema de quadros, objecto e condição da beleza, valorizou o território como espetáculo estético (RONAI, 1976) e instituiu uma nova forma de olhar o território em busca do prazer.287
De antemão, cabe mencionar que a preocupação deste estudo não está no
debate acerca das “forças teóricas” que disputam o conceito de paisagem no campo
285
TORRES, M. A.; KOZEL, S. Paisagens Sonoras: possíveis caminhos aos estudos culturais em Geografia. Ra'e Ga - Espaço Geográfico em Análise. Curitiba, v. 20, 2010, p.124. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5380/raega.v20i0.20616>. Acesso em: abr. 2018. 286
Conceito de arte pictórica: “Pintura refere-se genericamente à técnica de aplicar pigmento em forma líquida a uma superfície, a fim de colori-la, atribuindo-lhe matizes, tons e texturas. Em um sentido mais específico, é a arte de pintar superfícies, tais como papel, tela, ou uma parede (pintura mural ou de frescos).” UNITED PHOTO PRESS. Conceito de arte pictórica. 24/08/2008. Disponível em: <http://kulturiart.blogspot.com/2008/08/conceito-de-arte-pictrica.html>. Acesso em: jun. 2018. Ainda sobre as bases da linguagem pictórica: “Para elaborar sua obra pictórica, o artista utiliza um alfabeto básico que, conforme sua maestria, emprega de forma variada. Esse alfabeto pressupõe o desenvolvimento de um estilo a partir do emprego da cor, da luz e de materiais específicos, os quais deverão ser combinados segundo os „limites de percepção‟ do pintor.” FERRAZ, Cláudio Benito Oliveira. Geografia: o olhar e a imagem pictórica. Pro-Posições. Campinas, v. 20, n. 3, set.-dez./2009, p.33. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-73072009000300003>. Acesso em: jun./2018. 287
SALGUEIRO, Teresa B. Paisagem e Geografia. Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia. Lisboa, v. 36, n. 72, 2001, p.38. Disponível em: <https://doi.org/10.18055/Finis1620>. Acesso em: jun./2018.
102
da Geografia. Entretanto, a Geografia Cultural288, em diálogo com a História,
pavimenta o caminho no sentido de pensar a paisagem a partir da sua pluralidade,
mormente a construção de representações da paisagem, uma vez que é constituída
e constitutiva da cultura, como mencionado anteriormente. A trama de elementos
culturais atua na configuração da paisagem, pois a percepção não está limitada ao
sentido da visão, outros sentidos operam no processo de apreensão da paisagem,
construída historicamente por sujeitos que lhe atribuem sentidos e significados numa
teia complexa de formas e relações culturais.
Cada paisagem traz em si valores erigidos no decorrer do tempo. Uma pessoa que vive muitos anos numa mesma casa, cria laços afetivos com o lugar e com os moradores vizinhos. Para Tuan, “uma pessoa no transcurso do tempo, investe parte de sua vida emocional em seu lar e além do lar, em seu bairro” (TUAN, 1980, p. 114). Essa afetividade é expressa na paisagem tanto nas formas físicas (casas, cores, jardins, etc.), como também nas relações e significados presentes na paisagem, o que comprova uma dinâmica constante existente: a paisagem percebida não será mais a mesma num momento posterior, mas manterá elementos dos quais foram percebidos anteriormente, enquanto outros já terão sido alterados.289
Para os autores, constitui-se historicamente a relação de afetividade com
uma determinada paisagem, expressa tanto na materialidade quanto na
imaterialidade dos elementos que compõem os cenários percebidos e significados
por múltiplos sentidos, reforçando o caráter mutável desse movimento, o que é
inerente à tessitura da história.
Pensando a partir do contexto fernandopolense, essas reflexões propõem o
possível papel desempenhado pela música nessa operação de construção das
paisagens sonoras290 rurais, ao edificar paisagens quase que emolduradas do
campo291, que, além dos quadros, encontram suporte também nas letras das
288
Para uma discussão mais densa acerca da Geografia Cultural, ver: CLAVAL, Paul Charles Christophe. Geografia Cultural: um balanço. Geografia (Londrina). Londrina, v. 20, n. 3, set.-dez./2011, p.5-24. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia>. Acesso em: jun./2018. 289
TORRES, M. A.; KOZEL, S. Paisagens Sonoras: possíveis caminhos aos estudos culturais em Geografia. Ra’e Ga - Espaço Geográfico em Análise. Curitiba, v. 20, 2010, p.124. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5380/raega.v20i0.20616>. Acesso em: abr. 2018. 290
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. 2ª ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.23-24. 291
Raymond Williams discute em seu estudo “O Campo e a Cidade na história e na literatura” a questão da construção das múltiplas representações do campo e da cidade, a partir de uma análise
103
canções. A composição “Saudade companheira” pode se inserir na discussão,
trazendo elementos de uma sonoridade oposta, rejeitada por esse sujeito oriundo do
campo que, em decorrência de circunstâncias econômicas, teve de sair do seu
“recanto feliz” e migrar para a cidade:
Ao deixar o recanto feliz nós partimos pra outro rincão, e tivemos que mudar de vida eu, papai, mamãe e os irmãos. Fui morar numa casa pequena bem pertinho da velha estação, de manhã é um tremendo barulho no ponto de lotação. O quintal era tão pequeno pra fazer a varanda não dava, o pilão ficava na chuva com as tralhas que o papai guardava. Como é triste rever o passado vendo as que a gente gostava, acabou as nossas criação e o pomar onde as aves cantava. Nosso carro de boi está encostado e os bois foram para a fronteira, as cangas os canzis foi levado pra expor na feira. Nunca mais eu voltei lá na vila a saudade é minha companheira, o papai sempre fala dos bois e em sonho eu abro a porteira. Nosso sítio era uma beleza e o cafezal bem formado, precisamos vender nossas terras recebemos um cheque visado. A saudade veio do meu lado e partimos pra cidade grande, e de lá só resta lembranças daqueles tempos passados. E as coisas que lá ficaram todas elas tiveram seu fim, a figueira morreu de doença atingida pelos cupins. Nossa casa também derrubaram até o forno de lenha se foi, apodreceu junto a figueira nosso velho carro de boi. 292
Os indícios que acenam a essa ideia de sonoridade oposta se encontram
logo no final da primeira estrofe: “[...] de manhã é um tremendo barulho no ponto de
lotação”. Notam-se indicativos da localização dessa casa na cidade em que a família
acabara de chegar e se instalar, vizinha à “Velha Estação”. Pressupõe-se também
que alguns sons marcavam as chegadas e saídas das composições, como o ranger
antológica que reúne textos da literatura inglesa entre os séculos XVI e XX. A perspectiva dos contrastes que marcam o “bucólico e o antibucólico” se apresenta como problemática para Williams, o que pode dar estofo à trilha reflexiva aqui proposta, no alcance da trama operatória das sensações e a sua atuação na construção das paisagens, dinâmica experienciada pelo próprio Williams na aldeia onde nasceu, como ele mesmo refere: “ao pé das Black Mountains”. “Para mim, a vida rural tem diversos significados. São os olmos, o cavalo branco que vejo no campo enquanto escrevo. São os homens na tarde de novembro, voltando para casa depois da poda, as mãos enfiadas nos bolsos dos casacos cáqui; e as mulheres de lenço na cabeça, paradas às portas das casas, esperando pelo ônibus azul que as levará para o campo, onde trabalharão na colheita durante o horário escolar.” WILLIANS, Raymond. O Campo e a Cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.14. 292
José dos Reis Dalben e Darci Romão Liberato (Comp.). Saudade Companheira. Música sem registro fonográfico ou data de criação, localizada em um caderno de anotações cedido pelo compositor Sr. José dos Reis Dalben para a realização desta pesquisa. Fernandópolis, s/d.
104
dos ferros dos trilhos em contato com a estrutura das locomotivas, as sinalizações
dos maquinistas a partir de longos apitos, a movimentação e a conversação entre os
transeuntes que iam e vinham para/de destinos variados.
Essa configuração sonora fornece pistas de uma oposição rígida, na
concepção dos autores da canção, entre as sonoridades que representam as
paisagens do campo e da cidade.293 Observam-se as causas da insatisfação desses
sujeitos, recém-chegados à urbe, sintetizadas na palavra “barulho”. O emaranhado
de sons citadinos, emitidos a partir da estação de trem que é parte integrante da
cidade, constitui um cenário rejeitado, interpretado como uma “desordem sonora”,
antagônico ao experienciado na configuração sonora campesina.
Em outros trechos da canção podem ser fisgados subsídios para a análise
dos elementos da paisagem sonora rural, que levam a afirmar que a “saudade é
companheira” nesse processo de rememoração294. Esses elementos estendem a
ideia de oposição entre os sons do campo e os sons da cidade, estes rejeitados
nesse contexto adverso, imposto pelas circunstâncias descritas na narrativa da
música.
O canto das aves, assim como os sons vindos do movimento do carro de
boi, do socar dos grãos no pilão, do abrir e fechar da porteira são vestígios desse
cenário que agora reside apenas nas lembranças. Cabe ressaltar que, na dinâmica
do cotidiano, ao experienciar sensivelmente os sons seja na cidade ou no campo, as
pessoas atribuem sentidos a eles, de maneira que os sons percebidos “passam a
integrar e atuar na significação das suas trajetórias”295. Essa premissa reforça o
papel da cultura na interpretação dos sons e dos sentidos atribuídos a eles, em uma
operação carregada de historicidade.
293
MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: EDUSC, 2007, p.109. 294
“A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é uma reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, em elo vívido no eterno presente; a história uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensíveis a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções.” NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, v. 10, 1993, p.9. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12101>. Acesso em: junho/2018. 295
MACHADO, Renata Silva. Abordagens aos sons da cidade: entre o cotidiano e prática científica. Revista Iluminuras. Porto Alegre, v. 11, n. 25, 2010, p.2. Disponível em: <http://www.seer. ufrgs.br/iluminuras/article/view/15559>. Acesso em: junho/2018.
105
Enquanto experiência do mundo em seu caráter intrinsecamente ondulatório, o som projeta o limiar do sentido na medida da sua estabilidade e instabilidade relativas. Este sentido é vazado de historicidade – não há nenhuma medida absoluta para o grau de estabilidade e instabilidade do som, que é sempre produção e interpretação de culturas.296
Os muitos ruídos que compõem a paisagem sonora citadina, no contexto da
canção, são interpretados como um incômodo aos ouvidos, que estavam habituados
à sonoridade do campo, onde os sons são percebidos com mais nitidez, sugerindo
uma internalização prazerosa desses muitos sons produzidos no ambiente rural. A
passagem da paisagem sonora rural, “hi-fi” (alta-fidelidade), para a urbana, “lo-fi”
(baixa-fidelidade), pode indicar algumas razões para o choque entre essas
espacialidades que se apresentam totalmente distintas, sem perder de vista a
narrativa da canção “Saudade companheira”, que subsidia essas proposições.
Ao discutir a transição da paisagem sonora rural para a urbana, utilizamos dois termos: hi-fi e lo-fi. Esses termos precisam ser explicados. Um sistema hi-fi é aquele que possui uma razão sinal/ruído favorável. A paisagem sonora hi-fi é aquela em que os sons separados podem ser claramente ouvidos em razão do baixo nível de ruído ambiental. Em geral, o campo é mais hi-fi que a cidade, a noite mais que o dia, os tempos antigos mais que os modernos. Na paisagem sonora hi-fi, os sons se sobrepõem menos frequentemente; há perspectiva – figura e fundo, “o som de um balde na borda de um poço e o estalido de um chicote a distância” – a imagem é de Alain Fournier, para descrever a economia acústica da zona rural francesa.297
O “silêncio” da paisagem sonora “hi-fi” possibilita ao ouvinte uma percepção
auditiva mais distante, ao passo que na cidade ocorre a contração dessa habilidade,
levando em conta que em uma “paisagem sonora „lo-fi‟ os sinais acústicos
individuais são obscurecidos em uma população de sons superdensa”.298
A expansão da malha ferroviária pelo estado de São Paulo alcançou o
extremo Noroeste paulista a partir de 1912, com a chegada dos trilhos da Alta
296
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.30-31. 297
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo - Uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. 2ª ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.71. 298
Ibidem, p.71.
106
Araraquarense299 à cidade de São José do Rio Preto. A expansão dessa malha
atendia a interesses econômicos dos grandes proprietários rurais da região300, em
harmonia com o discurso modernizante/civilizador que balizava os projetos
urbanísticos das primeiras cidades que se formavam nessa região.
A miríade de novidades que chegava a Rio Preto por meio das locomotivas e dos jornais era um emblema do que os próprios enunciadores da cidade chamavam de “civilização”. Artefatos inéditos e novos comportamentos considerados de bom gosto invadiam o cotidiano dos habitantes do município e se confundiam com as palavras de ordem do momento: “sciencia” e “progresso”.301
Os desdobramentos desse processo de transformações que coloca em
diálogo o crescimento das cidades302 do extremo Noroeste paulista, no início do
século XX, e a chegada dos trilhos encontram no olhar de seus intérpretes a
produção de representações diversas a partir do contato com as “novas
sonoridades”. O rompimento com a “harmonia” e ordenação dos sons da natureza
campestre, observado anteriormente nos elementos fisgados da canção “Saudade
companheira”, traz à cena uma dessas interpretações.
Sob outra perspectiva, emergem manifestações orais e escritas dos
“entusiastas do progresso”, como verificado no caso da urbe rio-pretense. Esses
cronistas produziam e reproduziam discursos, principalmente a partir dos
periódicos303 locais, ancorados nas dicotomias moderno/arcaico, progresso/atraso,
localizando no ritmo efervescente das cidades os “cheiros e sons” da modernidade e
do progresso, muito afinados com o cenário político nacional da segunda metade do
século XIX.
299
Os trilhos da EFA (Estrada de Ferro Araraquara) chegaram a São José do Rio Preto em 9 de junho de 1912, iniciando a partir daí um projeto oscilante, em decorrência de questões político-administrativas, de expansão da sua linha-tronco, esta que contava com mais de 400 quilômetros de percurso, ligando nos dois extremos as cidades de Araraquara e Rubinéia. 300
DOIN, José Evado de Mello; MELLO, Rafael Cardoso; PERINELLI NETO, Humberto. Caminhos de Ferro, de Chão e Gado... Apontamentos Sobre o Comércio Mercantil do Boi no Noroeste Paulista (1820/1974). Caminhos da História. Montes Claros, v. 13, n. 1, 2008, p.110-113. Disponível em: <https://sites.google.com/site/revistacaminhosdahistoria/numeros-anteriores-nova/v-13-1-1o-semestre-de-2008>. Acesso em: julho/2018. 301
CAMPOS, Raquel Discini de. A “princesa do sertão” na modernidade republicana: urbanidade e educação na Rio Preto dos anos 1920. São Paulo: Annablume, 2004, p.55. 302
Cabe salientar que outros fatores também contribuíram nesse processo. 303
CRUZ, Heloísa de Faria. São Paulo em papel e tinta: periodismo e vida urbana - 1890-1915. São Paulo: EDUC, FAPESP, Arquivo do Estado de São Paulo, Imprensa Oficial de São Paulo, 2000, p.30-37.
107
Interessante notar que o processo de crença nas verdades científicas, e de regozijo e deleite com as invenções e auspícios burgueses, que foi um movimento típico do século XIX, principalmente nas grandes cidades brasileiras era ainda muito intensos nos jornais de Rio Preto da década de 1920. (COSTA; SCHWARCZ, 2000; CAMARGOS, 2001) Uma parte considerável dos articulistas d‟O Município e d‟A Notícia vivam como se estivessem num outro tempo e numa outra cidade; transformavam discursivamente a empoeirada Rua Bernardino de Campos – centro do comércio local – na Rua do ouvidor, pólo do comércio e da boemia carioca.304
No fluxo dessas transformações, a fusão forçada entre as Vilas Pereira e
Brasilândia daria origem a Fernandópolis, entre 1944 e 1945, que na sua gênese
aspirava galgar o status de urbe pujante, apoiada no discurso do progresso305 do
início do século XX e sob a aura de seus pioneiros “indômitos”306. Nesse sentido, os
primeiros administradores do “recém-nascido” município elencavam como
prioridades a comunicação e o transporte307, um paradoxo instigante quando se
pensa a narrativa da canção “Saudade companheira” em paralelo a um projeto de
cidade que pretendia se desvencilhar dos matagais e quiçaças e de toda a sua
composição sonora, que em breve também contemplaria os ruídos dos trens, com a
ampliação da Estrada de Ferro Araraquarense308 em 1948, seguida da implantação
da iluminação pública, do calçamento das vias, da construção de casas, entre outros
elementos que se acomodavam, entre negociações e conflitos, nesse novo cenário
complexo de convergências e divergências sonoras. Verificam-se, assim, indícios de
um “contrafluxo” ou, em outras palavras, uma profusão de transformações que
transitavam entre a assimilação e a rejeição, manifestadas nas representações dos
304
CAMPOS, Raquel Discini de. A “princesa do sertão” na modernidade republicana: urbanidade e educação na Rio Preto dos anos 1920. São Paulo: Annablume, 2004, p.55. 305
Ver item 1.3 do Capítulo I. 306
A representação dos primeiros ocupantes dessas terras como desbravadores indômitos, obstinados e, sobretudo, como agentes civilizadores das áreas inóspitas do extremo Noroeste Paulista emerge no discurso dos cronistas rio-pretenses no início do segundo quartel do século passado, inscritos no Álbum Ilustrado da Comarca de Rio Preto, publicado em 1928. A ressonância dos fragmentos desse discurso pode ser garimpada nos registros de memorialistas fernandopolenses como Waldomiro Franco Renesto, um dos autores do primeiro volume da obra “Fernandópolis Nossa História, Nossa Gente”, publicado em 1996, além de outros textos assinados pelo autor. Da mesma maneira, ocorre a possibilidade de percepção desses traços na toponímia da cidade. Sobre os “lugares da memória”, ver: NORA, Pierre. Entre história e memória. A problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, v. 10, jul.-dez./1993, p.7-28. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/ index.php/revph/article/view/12101>. Acesso em: julho/2017. 307
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 1. Fernandópolis: Bom Jesus, 1996, p.57. 308
Ibidem, p. 60-61.
108
componentes materiais e imateriais que circulavam no cenário do programa
radiofônico Rancho dos Canários.
O Programa Rancho dos Canários309, atração da extinta Rádio Cultura AM
de Fernandópolis durante a década de 1960, trazia em seu formato a construção de
um cenário que remetia ao campo, sobretudo na recuperação das sonoridades.
Além da música produzida pelos violeiros que se apresentavam ao vivo para o
público que comparecia ao auditório da rádio, ouvia-se o canto vindo das gaiolas
com os canários do Sr. Arlindo Pavani310. Essa espécie de pássaros era muito
apreciada pelo proprietário da Rádio Cultura AM, o Sr. Moacyr Ribeiro, segundo
relatos do seu filho Jorge311. O canto criava essa atmosfera de recuperação de uma
memória sonora, atuando como “campainhas de memória”312, que traziam, pelo
menos naquele momento e espaço, o vivido amalgamado ao desejado por homens e
mulheres que acompanhavam todos os domingos pela manhã a música de diversas
duplas que ali se apresentavam.
[...] Não sei se te contaram, era cheio de gaiola e de canário do reino, gaiola pendurada, e o cara dos canário ainda vive, também se ocê quiser fazer entrevista com ele, ainda vive, mora aqui na Brasilândia, é... seu Arlindo Pavani [...] Ele levava as gaiola e canário, pendurava e os violeiro cantava embaixo, os violeiro cantava tocando e os canário junto, cantando junto... Ficou na história, ficou na história... ficou na história. [...]313
O relato do radialista Antônio Sanchez revela um conjunto de elementos
simbólicos despertados através dos sons emitidos pelos pássaros, em harmonia
com a música produzida pela viola, posto que na paisagem sonora os sons não “são
meramente eventos acústicos abstratos”314. Eles devem ser investigados como
309
Ver o subitem 2.2, presente neste capítulo. 310
Arlindo Pavani é comerciante aposentado do ramo veterinário na cidade de Fernandópolis. A entrevista com o Sr. Arlindo não pôde ser realizada integralmente, pois, no período em que os depoimentos foram colhidos, encontrava-se com a saúde debilitada. 311
Depoimento do Sr. Jorge Spósito Ribeiro, em entrevista concedida ao autor nas dependências da Rádio Cultura FM, Fernandópolis, em dez./2017. 312
MATOS, Maria Izilda Santos de; TRUZZI, Oswaldo. Saudades: sensibilidades no epistolário de e/imigrantes portugueses (Portugal-Brasil 1890-1930). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 35, n. 70, jun.-dez./2015, p.14-16. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1806-93472015v35n 70011>. Acesso em: junho/2018. 313
Depoimento do radialista Antônio Sanchez, em entrevista concedida ao autor na sua residência, Fernandópolis, em dez./2017. 314
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo - Uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. 2ª ed. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p.239.
109
signos carregados de significados, com o poder de ensejar inúmeras sensações
individuais e partilhadas, que no caso marcaram a cidade de Fernandópolis durante
a década de 1960, quando o rádio e a música caipira compunham essa paisagem,
em articulação com os sons de uma natureza peculiar experienciada por esses
sujeitos, cenário esse que emerge na intersecção entre o vivido e o idealizado.
Na trajetória deste estudo as canções emergem como elementos essenciais
de análise, no curso dos laivos norteadores da busca por essa miríade de sons que
ecoavam numa Fernandópolis que se fazia no entrecruzamento campo/cidade, lócus
que se constituía como cena de circulação de múltiplas representações, sendo que
algumas delas poderão ser observadas a partir da análise das canções dispostas a
seguir.
110
III – REPRESENTAÇÕES: O VIOLEIRO E A VIOLA,
AMORES, RELIGIOSIDADE E NATUREZA
Este capítulo tem como proposta refletir, a partir da seleção de canções de
compositores fernandopolenses, acerca dos elementos que constituem a cultura
caipira de Fernandópolis, com base nas representações de violeiro e viola, amores,
natureza e religiosidade. No primeiro subitem pretende-se pensar a construção da
figura do violeiro na sua relação com a viola, bem como o caráter quase que
transcendente315 do instrumento que confere prestígio àquele que o executa com
destreza, no trânsito sem fronteiras trilhado por ambos entre o sagrado e o profano,
observando-se a concepção de que essas categorias são indissociáveis.
No segundo subitem a análise se concentrará nas sensibilidades, nos
vestígios de um universo de amores e dores316 que circundam as relações afetivas
entre homens e mulheres, narradas numa perspectiva masculina na documentação
analisada.
Por fim, tenciona-se examinar a religiosidade enquanto elemento da cultura
que extrapola os limites de uma categoria rígida, ancorada em processos de
ressignificação das formas e dos conteúdos dos ritos, materializados nas missas
sertanejas e nas Folias de Reis em Fernandópolis. Busca-se ainda pensar os
elementos da natureza, na concepção dos letristas, sob a representação de dádiva
divina, que sugere um código de conduta dessa relação homem/natureza, maculado
pelos discursos de progresso e modernidade.
3.1 O PONTEIO DA VIOLA E DA VIDA
Eu tenho sorte com o quinze, no jogo sempre ganhei No braço da minha viola quinze moda inventei Recebi quinze medaia, quinze veiz eu disputei Desses quinze bombardeio, uma vitória conquiste317
315
VILELA, Ivan. Contando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2015. 316
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru: EDUSC, 2005, p.91-128. 317
Mauro André e Quintino e Quirino (Comp.). Pagode Quinze. 78 rotações, Quintino e Quirino, Lado A. São Paulo: Estúdio 7, 1963.
111
A viola, enquanto instrumento musical, tem a sua imagem firmemente
associada ao universo da ruralidade, conectada à produção musical caipira, tanto
que a própria nomenclatura “viola caipira” cristalizou-se, difundida sobretudo pela
indústria fonográfica. É complexo afirmar categoricamente que esse termo tenha
sido cunhado pela indústria do disco, todavia, os indícios rastreados por
musicólogos e historiadores permitem perceber um processo de deslocamento do
instrumento para o ambiente rural a partir da primeira metade do século XIX:
A viola, por excelência, foi durante os três primeiros séculos da colonização o principal instrumento acompanhador de cantantes, e apenas na primeira metade do século XIX cedeu lugar, na cena urbana, ao jovem violão, que, pela afinação e por ter cordas simples e não duplas, mostrou-se mais funcional ao ofício de acompanhador do canto.318
Os estudos do professor e pesquisador Ivan Vilela319 acerca do gênero
musical caipira trazem elementos significativos a respeito dos meandros que
compõem o processo de constituição do referido gênero. No encalço de registros
encontrados nos “interiores”320 do Brasil, especialmente na busca por uma dimensão
da viola que não se limita à sua materialidade, concebe-a no terreno das
representações, supondo assim a compreensão desse instrumento como catalisador
de sentimentos multifacetados, ressaltando que, embora os sentimentos sejam
“identificados como universais e naturais, eles são múltiplos e expressos de formas
variadas”.321
A utilização da viola no Brasil remete ao período colonial. Contudo, estima-
se que esse instrumento, que no formato se aproxima da chamada “viola de mão
portuguesa”, tenha aproximadamente 800 anos322, tendo surgido em meio a um
entroncamento de culturas, considerando que a Península Ibérica (Portugal e
318
VILELA, Ivan. Contando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2015, p.41. 319
Ivan Vilela é músico profissional e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA). O professor Vilela é um dos violeiros mais renomados do Brasil, sua produção acadêmica, ancorada na temática da música caipira, contribuiu de maneira ímpar para a produção deste estudo. 320
A utilização do termo “interiores” tem como objetivo ressaltar que os estudos de Ivan Vilela trazem uma perspectiva ampla e plural da relação viola/ruralidade, uma vez que as pesquisas desse autor não estão restritas ao interior do estado de São Paulo. 321
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru: EDUSC, 2005, p.29. 322
VILELA, op. cit., p.31.
112
Espanha) viveu entre os séculos VIII e XV sob o domínio muçulmano323, situado
historicamente entre as invasões ocorridas a partir de 711, que culminaram na
tomada das cidades de Toledo e Córdoba (atual centro-sul da Espanha), e a Guerra
de Reconquista, consolidada no final do século XV. Cabe destacar que os povos de
origem árabe, quando chegaram à Península Ibérica, no primeiro quartel do século
VIII, trouxeram o alaúde, sendo “o primeiro instrumento de cordas dedilhadas com
braço, onde as notas podiam ser modificadas, que chegou à Europa”324, instrumento
ancestral do qual a viola é tributária.
A partir do alaúde árabe e da guitarra latina, surgiram as vihuelas, na Espanha, e as violas de mão, em Portugal. Na Espanha, junto das vihuelas, nasceu a guitarra mourisca e depois a guitarra barroca, o tiple e, mais próximo de nós no tempo, o violão. Em toda a Europa, o alaúde árabe se transfigurou no alaúde, ora com cordas simples e trastes (pequenas barras que fracionam o braço do instrumento em meios-tons). Em Portugal também houve uma proliferação de cordofones. O cavaquinho – lá conhecido como machete –, bandolins, bandolas, bandocelos, bandobaixos, bandurras, violiras e guitarras portuguesas.325
Ao longo do processo de colonização a viola figurou como elemento
fundamental na catequese dos indígenas, promovida pelos padres jesuítas, estes
que fizeram uso da linguagem musical326 como estratégia pedagógica no plano
cristianizador durante o período de atuação da Companhia de Jesus no Brasil
Colônia.
O Padre José de Anchieta, o mais importante nome do processo de catequese dos índios no início da colonização do Brasil pelos portugueses, sustentou todo o seu projeto de catequização dos índios no uso da música e práticas teatrais. Ele percebeu que os indígenas, com os quais travou contato, utilizavam a música como veículo de intermediação com o mundo sagrado. O general Couto de Magalhães (1940), sertanista brasileiro que viveu no século XIX, afirmou, em seu
323
DIAS, Amanda Pereira. A relação entre cristãos e muçulmanos na Península Ibérica: perspectivas e práticas da igreja ibérica a partir da análise da Crônica Profética do Pseudo-Ezequiel (século IX). Dissertação (Mestrado em História), USP, São Paulo, 2010, p.93-128. 324
VILELA, Ivan. Vem viola, vem cantando. Estudos Avançados. São Paulo, v. 24, n. 69, 2010, p.324. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000200021>. Acesso em: out./2018. 325
Ibidem, p.325. 326
MONTEIRO, Donald Bueno. Música religiosa no Brasil Colonial. Fides Reformata. São Paulo, v. 14, n. 1, 2009, p.75-100. Disponível em: <https://cpaj.mackenzie.br/fides-reformata/fides14-n1/>. Acesso em: out./2018.
113
clássico O selvagem, que o padre Anchieta se utilizou do cururu e do cateretê, duas danças de origem tupi, para catequizá-los.327
Desse modo, o Padre Anchieta adaptava toda a liturgia, inserindo os
conteúdos dos ritos católicos nas melodias e danças dos indígenas. Aliado
fundamental de Anchieta nesse processo, o nheengatu328, “chamada Língua Geral”,
ampliou a possibilidade de comunicação entre os nativos, os padres e os próprios
colonos. Assim, os indícios acenam para a possível utilização da viola “nos
acompanhamentos dessas danças, pois até hoje a utilizamos para acompanhar o
cururu ou o sapateado e palmeado do cateretê”329.
Uma vez assimiladas as canções que compunham os ritos católicos e suas
respectivas celebrações, “bases fundamentais da música caipira, como a folia do
Divino, dos Santos Reis, dança de Santa Cruz e a de São Gonçalo (que aliás era
realizada habitualmente dentro da igreja até o século XVIII)”330, a viola foi ocupando
os espaços de confluência entre o “sagrado e o profano”, nos festejos populares
amalgamados com o catolicismo.
No entanto, devido à forte ligação que os foliões possuem com a música caipira de raiz e sertaneja, durante todos os dias da festa podemos observar uma interessante sobreposição de estilos e práticas musicais: de um lado, os hinos de adoração e culto ao Santo Reis; de outro, modas-de-viola, cururus, toadas, querumanas e outros gêneros do cancioneiro caipira tradicional. Assim, a viola caipira se torna o instrumento responsável por fazer a articulação entre o universo sagrado da Festa de Santo Reis e o universo profano da música caipira de raiz e sertaneja, promovendo um constante diálogo entre estas distintas práticas musicais.331
327
VILELA, Ivan. Vem viola, vem cantando. Estudos Avançados. São Paulo, v. 24, n. 69, 2010, p.326. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000200021>. Acesso em: out./2018. 328
Acerca do Nheengatu: “A „Língua Geral falada pelos índios da costa do Brasil‟ era uma língua indígena e uma língua „missionária‟ (CÂMARA, 1977, p.101 et seq.). Ela não foi produzida nas aldeias, mas foi sistematizada e difundida a partir delas. [...] O „Nheengatu‟, a „fala boa‟ dos povos Tupi, foi se tornando, dessa forma, a língua franca dos intercursos entre brancos e índios ou mesmo entre as diferentes nações indígenas. Não só. Muitos brancos adotaram a Língua Geral. Alguns, dominavam apenas esta, chegando a desconhecer o Português.” QUADROS, Eduardo Gusmão de. A luta pela língua. História: Questões & Debates. Curitiba, n. 35, 2001, p.212. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5380/his.v35i0.2680>. Acesso em: out./2018. 329
VILELA, Ivan. Cantando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: EDUSP, 2015, p.39. 330
PINTO, João Paulo do Amaral. A viola caipira de Tião Carreiro. Dissertação (Mestrado em Música), Campinas, UNICAMP-SP, 2008, p.17. 331
GARCIA, Rafael Marin da Silva. A viola caipira na Festa de Santo Reis em uma cidade do Sul de Minas Gerais. Revista da Tulha. Ribeirão Preto, v. 2, n. 1, jan.-jun./2016, p.94. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/issn.2447-7117.rt.2016.120541>. Acesso em: out./2018.
114
As Folias de Reis332 podem ser pensadas como modelos para a exposição
de elementos que reforçam a premissa da intersecção entre o sagrado e o profano,
mediada pela viola, compreendendo-se que essa operação se dá de modo fluido,
em contraposição à visão dicotômica que organiza essas categorias a partir da ideia
de oposição. Deve-se levar em conta que esse movimento se desdobra, de maneira
dinâmica, no terreno da cultura333, haja vista que o universo religioso se constitui
como um “sistema de significados incorporados nos símbolos”334, assimilados e/ou
rejeitados por atores sociais que protagonizam esse processo de significação.
A nossa Bandeira, ela é sagrada, Vai abençoando a nossa chegada.335
À medida que a viola foi deixando a cena urbana, no final do século XVIII,
ela se tornou símbolo das manifestações culturais do camponês brasileiro. Esse
fenômeno decorreu sobretudo do processo de romanização assente nas
deliberações dos concílios da Santa Sé336, com o objetivo de proteger as “formas
puras do catolicismo”, na concepção do alto clero católico, das “impurezas dos ritos
pagãos”, que se misturavam às celebrações que ocorriam na América:
Na medida em que deliberações de algumas das inúmeras romanizações chegavam ao Brasil, muitos dos ritos católicos, que aqui iam ganhando forma própria, eram banidos das principais igrejas, mas resistiam mesmo afastados do poder religioso central. Esse “catolicismo popular” carreou ritos como as folias, as danças de Santa Cruz, de São Gonçalo, os congados para fora dos centros urbanos. No século XIX vimos não só esses ritos, mas também instrumentos como violas, rabecas e, posteriormente, as requintas caminharem para o
332
As Folias de Reis têm uma origem ibérico-medieval, celebradas através de cânticos e danças. O trajeto percorrido pelos devotos dos Santos Reis, que na celebração buscam representar a visita dos Três Reis Magos ao Menino Jesus na cidade de Belém, é marcado por elementos ritualísticos característicos para a saída, o trânsito e a chegada, do mesmo modo que é composto por personagens específicos, como os três reis magos, os palhaços (bastiões), o mestre, o bandeireiro e o coro. Cabe salientar que, apesar da sua origem ibérica, as Folias de Reis foram ressignificadas no Brasil, de modo que essa manifestação ocorre de forma plural pelas diferentes regiões brasileiras. Ver: CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 1998, p.402. 333
EVANS-PRITCHARD, E. E. Antropologia social da religião. Rio de Janeiro: Campus, 1978, p.126-127. 334
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p.91. 335
Joaquim Moreira da Silva e Compadre Pito (Comp.). Marcha de Santo Reis. LP Chegada de Santos Reis - Vol. 6, Quintino e Quirino. Lado B, Faixa 2. São Paulo: Chantecler, 1981. 336
A Santa Sé, também chamada de Sé Apostólica, faz referência à jurisdição eclesiástica da Igreja Católica em Roma.
115
interior e para o meio rural. Posteriormente, danças como a mazurca, a polca e a quadrilha, caindo em desuso nos salões urbanos, foram encontrar função no meio rural, onde até hoje são encontradas.337
Conforme esse cenário foi se compondo, a relação da viola com o seu
executante, o chamado violeiro, ganhou delineamentos peculiares, sublinhados pela
sacralidade. Em algumas situações, esse liame era concebido no terreno do místico,
uma vez que inúmeros “causos” traziam em suas narrativas os pactos estabelecidos
entre o violeiro e o “coisa-ruim”. O trato firmado com o “emissário das trevas” visava,
por parte do violeiro, alcançar a virtuosidade musical, a agilidade e destreza na
execução da viola, o que dava a esse indivíduo prestígio e respeito diante das
comunidades pelas quais transitava e tangia o instrumento, mesmo que circulasse
entre a ideia de dois mundos antagônicos, em outras palavras, o bem e o mal.
Curiosamente, o violeiro atrai para si uma aura de diferenciação, de misticismo, pois tocar viola com destreza é sempre visto como algo que salta aos olhos das pessoas e suscita curiosidades. E a habilidade no tocar é muitas vezes associada ao resultado de algum pacto. Assim, esse violeiro mantém um trânsito do profano para o sagrado e vice-versa como nenhuma outra pessoa da comunidade consegue. Ele toca nas festas da igreja e faz o pacto com o tinhoso para tocar melhor e nem por isso é rechaçado do meio onde vive.338
A figura do violeiro também está vinculada ao universo mágico, das
simpatias e crendices339, ampliando as possibilidades de conexão com o
sobrenatural, por meio de ritos e práticas que emergem a partir de outras matrizes
religiosas, situados na fronteira entre a fé católica e os elementos constitutivos de
religiões africanas e ameríndias:
A ligação com cobras peçonhentas – sobre as quais ele mantém um domínio e assimila delas parte de seu poder – se dá a ponto de ter sempre no bojo de sua viola um guizo (chocalho) de cascavel, ao qual atribui uma melhora na sonoridade. Também é presente o costume de manter preso em garrafas pequenos cramulhões (demônios) e o uso de simpatias para aumentar o seu domínio sobre o instrumento.340
337
VILELA, Ivan. Vem viola, vem cantando. Estudos Avançados. São Paulo, v. 24, n. 69, 2010, p.329. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-40142010000200021>. Acesso em: out./2018. 338
Ibidem. 339
GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do bem. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.48-50. 340
Ibidem, p.331.
116
O cancioneiro caipira apresenta um vasto repertório que possibilita alcançar
as representações do violeiro na sua relação com a viola, assim como a exaltação
desse instrumento como símbolo mediador na criação dos laços de sociabilidade341,
elementos marcantes da cultura caipira. No caso de Fernandópolis, as canções que
serão apresentadas a seguir foram selecionadas por contemplarem aspectos que
marcam a relação do violeiro com a viola na cidade, na busca pela inspiração que
move as composições, partindo das experiências desses compositores que, mesmo
em conexão com a produção musical de outros centros, haja vista a circulação
promovida pela radiodifusão e pelo disco, trazem a lume nas suas letras impressões
particulares acerca dessa relação, ressaltando que esse processo se dá em
articulação com a recepção das canções.342
Em “Violeiro educado”, composição de José dos Reis Dalben343 e Darci
Romão Liberato344, alguns elementos do vínculo entre o violeiro e a viola podem ser
captados e problematizados:
No braço desta viola Minha vida eu vou levando Sou um violeiro educado Não fique me criticando Gosto das coisas direitas Sempre vou selecionando Com a viola no peito Estes versos vou cantando Pra querer ser respeitado Então vai me respeitando Na festa que eu chego e canto A todos vou agradando Cumprimento os presentes Amigos vou abraçando O festeiro e a família Também vou cumprimentando Mocinhas fica assanhada As casadas cochichando As velhas ficam felizes Do passado recordando
341
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 10ª ed. São Paulo: Editora 34, 2003, p.87-114. 342
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.308-321. 343
Natural de Potirendaba-SP, o compositor José dos Reis Dalben nasceu em 1940. O Sr. Dalben mora na cidade Fernandópolis desde o início dos anos1960. 344
Sobre o violeiro e compositor Darci Romão Liberato, ver o item 2.1 do capítulo 2.
117
O tempo passou depressa Correndo foram passando Nossos grandes violeiros O mundo foram deixando Agora lá nas alturas Eles estão descansando O sucesso que deixaram No rádio ficou tocando Destes grandes pioneiros Com saudades relembrando Agora que já estou maduro Os cabelos estão branqueando Nossa moda sertaneja Com sucesso destacando Surgindo novos valores Que já vem se despontando Violeiros da região Suas forças vem mostrando No estilo sertanejo O Brasil representando345
A partir do título da canção pode-se capturar o seu aspecto norteador: a
representação do violeiro como um “sujeito educado”, que evoca a ideia de uma
“postura respeitosa” enquanto característica inata, sob convenções alinhadas
coletivamente que ditam os códigos de conduta dentro do grupo. Na primeira estrofe
da canção esses elementos são apreendidos, especialmente nas expressões: “Sou
um violeiro educado / [...] Gosto das coisas direitas / Sempre vou selecionando /
Com a viola no peito / Estes versos vou cantando / Pra querer ser respeitado / Então
vai me respeitando”.
A representação do violeiro como uma figura “respeitosa e de respeito” se
estrutura à medida que esse sujeito alcança notoriedade pelos seus dotes musicais,
atingindo um status que transcende critérios técnicos de execução do instrumento,
na acepção do “músico virtuoso”. Tal status resulta do papel desempenhado pelo
violeiro dentro das comunidades346 como mediador/condutor dos festejos religiosos
e dos momentos de lazer. Na imagem a seguir pode-se visualizar um desses
momentos, um encontro promovido quinzenalmente na cidade Fernandópolis pelo
345
Darci Romão Liberato e José dos Reis Dalben (Comp.). Violeiro educado. Música sem registro fonográfico, localizada em um caderno de anotações cedido pelos compositores Darci Romão Liberato e José dos Reis Dalben para a realização desta pesquisa. Fernandópolis, 2017. 346
VILELA, Ivan. Cantando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2015, p.45.
118
radialista Geraldo Ricco, evento em que os violeiros da cidade e região se reúnem
para tocar o instrumento e animar os apreciadores das canções caipiras.
Figura 16 - Encontro quinzenal de violeiros realizado no Centro de Convivência do Idoso da Vila Veneto, Fernandópolis - SP, 2018.347
Evidências do carisma conquistado pelo violeiro diante da comunidade
surgem na segunda estrofe, ao denotar sua popularidade entre os participantes do
festejo, satisfeitos com o desempenho dessa figura, que se coloca como
personagem fundamental para animar o encontro. Outros indícios presentes na
segunda estrofe permitem perscrutar a centralidade do violeiro, na perspectiva do
compositor, passando inclusive pela representação desse personagem como
“homem cobiçado pelas mulheres”348, dado o grau de destaque e fama que lhe é
conferido nesse contexto.
Entretanto, nesse trecho observa-se um reforço do constructo da “mulher
assanhada”349, cuja atitude ao flertar deve ser comedida, o que sugere um paradoxo,
uma vez que, paralelamente a essa ideia, insurgem indícios da expectativa do
347
Acervo do autor. 348
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru: EDUSC, 2005, p.136, p.144. 349
CONTIERI, Amanda Ágata. Mulheres do campo: análises de representações do feminino em canções sertanejas. Estudos Linguísticos. São José do Rio Preto - SP, v. 44, n. 2, mai.-ago./2015, p.545-558. Disponível em: <https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/993/575>. Acesso em: out./2018.
119
violeiro de ser desejado pelas mulheres da comunidade. Nesse universo, a
construção da ideia do “recato feminino” é organizada com base em um conjunto de
convenções morais que regem as relações de gênero350 nas sociedades rurais
tradicionais, em que se lançam sobre as mulheres o dever do cumprimento de
papéis351 sociais arraigados, sobretudo nos preceitos do catolicismo, que santifica a
figura feminina, fortemente associada à Virgem Maria, como o modelo de
mulher/mãe. Porém, quando essa mulher desvia-se da convenção estabelecida, a
sociedade “signatária” dessa norma entende que ela enveredou-se pelo caminho da
“danação”:
A pureza feminina das mães é reiterada, caracterizando-as como santas, e o descumprimento dos deveres para com os filhos, então, seria encarado como pecado. O apelo religioso possui a característica de ser fortemente emocional. Segundo Scott (1990), ele pode tanto evocar a santidade quanto um lado “diabólico” feminino [...] Sendo assim, ou a mulher se encontra na forma mãe pura e submissa, olha apenas para seus filhos e sofre infinitamente longe deles, ou é a “prostituta extravagante e ameaçadora”.352
A imagem apresentada na sequência traz a presença feminina353 nos
encontros de violeiros realizados pelo radialista Geraldo Ricco354 na cidade de
Fernandópolis.
350
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 20, n. 2, jul.-dez./1995, p.71-99. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/educacaoe realidade/article/view/71721/40667>. Acesso em: out./2018. 351
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru: EDUSC, 2005, p.136. 352
CONTIERI, Amanda Ágata. Mulheres do campo: análises de representações do feminino em canções sertanejas. Estudos Linguísticos. São José do Rio Preto - SP, v. 44, n. 2, mai.-ago./2015, p.553. Disponível em: <https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/993/575>. Acesso em: out./2018. 353
Durante o processo de desenvolvimento deste estudo, inúmeras visitas foram realizadas aos encontros de violeiros do CCI Vila Veneto, na cidade Fernandópolis. Cabe destacar que, mesmo diante de um número significativo de mulheres nesses eventos, notou-se que poucas ocupavam o espaço como violeiras ou cantoras, o que reforça a hipótese de que a função do violeiro ainda está, no caso de Fernandópolis, fortemente associada ao masculino. 354
Nascido em 1937, na cidade Cajobi - SP, o radialista Geraldo Ricco trabalhou em inúmeras rádios do Noroeste Paulista. Mudou-se para Fernandópolis no ano de 1967, onde acumula as funções de radialista e taxista. Atualmente, Geraldo comanda um programa vespertino na Rádio TEC 93,3 FM de Fernandópolis, do mesmo modo que mantém sua atuação à frente da Companhia de Reis “Alvorada” e no fomento dos encontros de violeiros da cidade e região, realizados quinzenalmente no Centro de Convivência do Idoso, no bairro da Vila Veneto.
120
Figura 17 - Encontro quinzenal de violeiros realizado no Centro de Convivência do Idoso da Vila Veneto, Fernandópolis - SP, 2018.355
O excerto da canção “Pagode Quinze” que inicia o presente subcapítulo é a
quarta e última estrofe da composição, que rendeu à dupla Quintino e Quirino a
vitória no festival de violeiros organizado pela Rádio Cultura AM de Fernandópolis
entre os anos de 1962 e 1963. Foi essa conquista que garantiu a possibilidade de
gravação do primeiro disco dos dois irmãos pela gravadora Estúdio 7 de São
Paulo.356
A exaltação da figura sedutora mencionada anteriormente pode ser
observada no percurso da canção, que utiliza o número 15 para contabilizar e
ilustrar os feitos prodigiosos do violeiro, cuja importância é aferida também pelos
“corações partidos que ficam pelo caminho”.
Eu conheço quinze Estados, quinze rio atravessei Já montei em quinze burro, quinze pardão adomei No lombo do meu tordio, quinze dia viajei Passei em quinze cidade, quinze saudade eu deixei
355
Acervo do autor. 356
Ver Capítulo 2.
121
Tive muitas namorada, mas só de quinze gostei E com quinze véio brabo, eu cheguei e conversei E quinze par de aliança, até hoje eu já comprei E dei para quinze moça, mas eu mesmo não usei Em quinze festa que eu fui, num prazo de quinze meis Pra atender a moreninha, quinze moda eu cantei Eu dancei com quinze moças, quinze namoro arranjei E depois de quinze dias, quinze fora eu mandei Eu tenho sorte com o quinze, no jogo sempre ganhei No braço da minha viola quinze moda inventei Recebi quinze medaia, quinze veiz eu disputei Desses quinze bombardeio, uma vitória conquistei357
A primeira e a última estrofe enaltecem a bravura de uma figura indômita,
citando “práticas rústicas”358 que desempenham o papel de reforçar a virilidade359.
Esses elementos chancelam, de certa forma, a concepção do controle do masculino
sobre o feminino, conforme evidenciado na segunda e terceira estrofes, que
ratificam o poder de conquista do violeiro, expondo aspectos indubitáveis da
objetificação da mulher.
Recuperando as duas últimas estrofes da canção “Violeiro educado”,
observa-se outro atributo do violeiro, que mediante o processo produtivo das
canções constrói um legado para as próximas gerações de tocadores de viola.
Nesse sentido, o violeiro transforma-se numa espécie de repositório dessa cultura,
que poderá ser visitada no futuro, de maneira a salvaguardar as bases dessa
tradição360 musical.
357
Mauro André e Quintino e Quirino (Comp.). Pagode Quinze. 78 Rotações, Quintino e Quirino, Lado A. São Paulo: Estúdio 7, 1963. 358
A ideia de rusticidade, ligada ao universo rural, traz uma conotação de reforço da masculinidade dos indivíduos que habitam o campo, onde a demanda de esforço físico associada aos riscos presentes especialmente nas atividades laborais insurgem como desafios diários à manutenção desse arquétipo. 359
“A masculinidade não é apenas a formulação cultural de um dado natural. Ela é um processo de construção social contínuo, frágil e disputado. A manutenção desse processo é permanentemente vigiado e, sobretudo, auto-vigiado. O homem é socialmente cobrado e deve, o tempo todo, evitar posturas não másculas e também fornecer provas de sua masculinidade (ALMEIDA, 1996, p.2). A masculinidade construída ao longo da vida é considerada uma qualidade que, assim como se obtém, pode ser perdida de acordo com as circunstâncias e a história de cada indivíduo (HARDY e JIMENEZ, 2001, p.82).” NADER, Maria Beatriz; CAMINOTI, Jacqueline Medeiros. Gênero e poder: a construção da masculinidade e o exercício do poder masculino na esfera doméstica. Anais do XVI Encontro Regional da ANPUH-RJ. Rio de Janeiro: ANPUH-RJ, 2014, p.4. Disponível em: <http://www.encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1400262820_ARQUIVO_Generoepoderaconstrucaodamasculinidadeeoexerciciodopodermasculinonaesferadomestica.pdf>. Acesso em: nov./2018. 360
ZAN, José Roberto. Tradição e assimilação na música sertaneja. Anais do XI Congresso Internacional de Brazilian Studies Association. Louisiana: BRASA, 2008, p.1-13. Disponível em:
122
Essa premissa encontra ressonância na canção “O Compositor”, de José
Luiz Liberato Inocêncio361, o “Dorimar”, da dupla fernandopolense Darci e Dorimar:
A nossa letra raiz sempre teve o seu valor É escrita com carinho por mão de compositor Homens de capacidade mostrando o seu amor Hoje mora na cidade, mas é filho do interior Os grandes compositor tem no peito uma paixão Tem muita facilidade com a caneta na mão Escreve verso na hora que sai da imaginação Defender o que é nosso faz parte da profissão Nossos bom compositor carrega o verso na mente Escreve com alegria o que o seu coração sente Das mãos dos nossos poetas saindo as letras quentes O sucesso dos artistas sai dos homens inteligentes Eu sou um compositor e não tenho faculdade Escrevo versos na linha com muita facilidade Cada um tem seu destino dependendo de vontade Nossa canção sertaneja que me traz felicidade 362
A canção, da primeira à última estrofe, exalta a capacidade criativa do
compositor. Todavia, esse aspecto explícito é seguido de elementos que perpassam
a canção de maneira quase que silenciosa.363 Um exemplo reside na ideia do
“enraizamento” como elemento fundamental na constituição da teia de
sentimentos364 que possibilita esse cenário fértil e propício ao letrista. Em outras
palavras, o compositor busca sua inspiração nas “raízes interioranas”, em suas
experiências individuais e coletivas, que o remetem para um passado vivido e
idealizado.
O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva
<http://www.brasa.org/wordpress/Documents/BRASA_IX/Jose-Roberto-Zan.pdf>. Acesso em: out./2018. 361
Sobre o violeiro e compositor José Luiz Liberato Inocêncio, ver o item 2.1 do capítulo 2. 362
José Luiz Liberato Inocêncio (Comp.). O Compositor. CD Demonstrativo, Darci e Dorimar. Faixa 5. Fernandópolis, 2016. 363
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, jan.-jun./1989, p.3-15. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/ 2278/1417>. Acesso em: out./2018. 364
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru: EDUSC, 2005, p.29-30.
123
vivo certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro. Participação natural, isto é, que vem automaticamente do lugar, do nascimento, da profissão, do ambiente. Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes. Precisa receber quase que a totalidade de sua vida moral, intelectual e espiritual, por intermédio dos meios de que faz parte naturalmente. As trocas de influências entre meios muito diferentes não são menos indispensáveis que o enraizamento no ambiente natural.365
Levando em conta as formas de representação do violeiro até aqui
discutidas, cabendo ressaltar que podem existir outras que não foram alcançadas
por esta análise, o exame das canções permite a percepção do violeiro sob uma em
específico: a representação do “porta-voz de uma cultura”, por dominar os códigos
de acesso a um universo do qual também é parte constituinte. A menção à escritura
dos “versos na linha com muita facilidade” reivindica para ele esse posto, pois
consegue reunir e expressar na sua poesia as histórias, a religiosidade, as
experiências, os anseios e paixões daqueles que o cercam.
3.2 NO LIMIAR ENTRE AMORES E DORES
Eu tive um amor na vida, mas não chegou a vingar Por ela eu sofri tanto que cheguei até chorar Meu coração bate forte e cortando devagar Por alguém que foi embora, não posso me conformar Mas eu tenho esperança que ela pode voltar366
O potencial das canções enquanto documento tem mobilizado um número
considerável de historiadores nas últimas décadas, sobretudo no Brasil.
Pesquisadores como Maria Izilda Santos de Matos, Marcos Napolitano, José
Geraldo Vinci de Moraes, José Roberto Zan, entre outros, têm explorado a partir da
perspectiva da história o universo das canções, repleto de inúmeros sentidos e
interpretações das tensões do cotidiano.
365
VILELA, Ivan. Cantando a própria história: música caipira e enraizamento. São Paulo: Edusp, 2015, p.124. 366
Antonio Sanchez e José dos Reis Dalben (Comp.). Só saudades. Registro escrito da canção localizada em um caderno de anotações cedido pelo compositor José dos Reis Dalben para a realização deste estudo. Fernandópolis, s/d. Essa música possui registro fonográfico (CD Coletânea), segundo informação dos autores. Entretanto, o pesquisador não teve acesso a esse material a não ser pelo registro escrito citado.
124
A música, sobretudo a chamada “música popular”, ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontros de diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional. Além disso, a música tem sido, ao menos em boa parte do século XX, a tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas utopias sociais. [...] Portanto, arrisco dizer que o Brasil, sem dúvida uma das grandes usinas sonoras do planeta, é um lugar privilegiado não apenas para ouvir música, mas também para pensar a música.367
A produção historiográfica recente tem trazido para a cena da pesquisa uma
pluralidade de documentos, “um mosaico de pequenas referências esparsas,
mediante uma paciente busca de indícios, sinais e sintomas, na tentativa de
esmiuçar o implícito e o oculto, para descortinar o cotidiano”368. Inserida nesse
processo, a produção musical tem se colocado de maneira consistente a fim de
constituir “corpo documental”, irrompendo para o historiador como possibilidade de
alcançar o terreno social habitado por grupos historicamente relegados ao
silêncio369, tarefa essa que pode ser definida, nas palavras de Walter Benjamin,
como o ato de “escovar a história a contrapelo”370.
Paralelamente ao papel de expressão artística, as canções carregam
consigo aspectos da vivência cotidiana371, anseios, angústias, paixões, amores e
dores, numa relação recíproca estabelecida entre os compositores e o público
ouvinte. Desse modo, é possível afirmar que as canções se constituem a partir das
representações que circulam no cotidiano, sendo captadas pelo compositor, que
sempre estará na linha divisória entre a aceitação e a rejeição da sua produção.
O processo produtivo das canções agrega um componente fundamental que
se move para além das letras e dos acordes, trata-se da forma de cantar, que pode
ser concebida como “gestualidade oral”, componente esse que coopera também
para a aceitação ou rejeição das composições pelo público:
367
NAPOLITANO, Marcos. História & Música: História cultural da música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2005, p.7. 368
MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p.29. 369
Idem. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: EDUSC, 2007, p.19-21. 370
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas. Vol. 1, 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p.225. 371
MATOS, op. cit., 2005, p.30-31.
125
O cancionista é um malabarista. [...] Cantar é uma gestualidade oral, ao mesmo tempo contínua, articulada, tensa e natural, que exige um permanente equilíbrio entre os elementos melódicos, linguísticos, os parâmetros musicais e a entoação coloquial. O cancionista é um gesticulador sinuoso com uma perícia intuitiva muitas vezes metaforizada com a figura do malandro, do apaixonado, do gozador, do oportunista, do lírico, mas sempre um gesticulador que manobra a sua oralidade, e cativa, melodicamente, a confiança do ouvinte.372
A referida premissa sugere uma multiplicidade de conexões abarcadas
nesse processo de estruturação das canções, uma vez que a ideia da imposição de
modelos prontos deve ser refutada, considerando que tanto forma quanto conteúdo
se deslocam constantemente na sua relação com a recepção, destacando-se o
papel da subjetivação373 como eixo dessas articulações. Nesse sentido, o conteúdo
das canções permite alcançar as “sensibilidades e as paixões, já que é algo que
está na boca e ouvidos de todos”374. Essa teia multiforme de sentimentos pode ser
localizada nos diversos gêneros musicais, em períodos distintos, entre os quais a
música caipira também se insere.
Entre variações e assimilações, as composições carregam esses elementos,
como no caso da canção “Sonhando contigo”, gravada por Quintino e Quirino no LP
“Folia de Reis - Vol. 3”, pela gravadora Continental, no ano de 1976:
Sonhando contigo vivo a meditar E às vezes chorando eu passo a chamar O teu nome querida eu não posso esquecer Nem do teu sorriso, quanto mais de você Ai se eu tivesse o poder de te amar Eu seria bem feliz, feliz a cantar
372
TATIT, Luiz. O cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: Edusp, 2002, p.9. 373
Cabe ressaltar que a subjetividade é entendida nesse processo como algo que não está dado, que está sempre se fazendo e sujeito a mudanças. “A subjetividade entendida como processo admite uma constante produção que não segue padrões fixos, que é mutável no tempo e na história. Então, entender o ser é mais do que entender o que faz o ser, mas saber que esse próprio pensamento não pode ser totalizante, pois que também ele é construído e sujeito a modulações.” SILVA, Rosana Saldanha. Canções, mídia e produção de subjetividade. Dissertação (Mestrado em Psicologia), UFF, Niterói, 2007, p.16. 374
MATOS, Maria Izilda Santos de. A cidade, a noite e o cronista: São Paulo e Adoniran Barbosa. Bauru: EDUSC, 2007, p.92.
126
Na noite de lua num lindo luar Eu a chamo baixinho pra ninguém escutar E você não me ouve, e se ouve não importa Com o sofrimento, que é a minha derrota375
A canção retrata o sofrimento ocasionado por uma paixão não
correspondida, sob uma perspectiva masculina, sendo atribuída a responsabilidade
por essa dor, no caso, à figura feminina. Cabe ressaltar que esse enredo é, de certa
forma, recorrente nas narrativas do cancioneiro caipira.
Passando pelos mais variados ritmos, desde modinhas, valsas,
lendas, chorinhos, sambas, marchas e sambas-canções,
bossa-nova e tantos outros, até os mais recentes, alguns de
indefinível classificação, as letras cuja a temática é o feminino
refletem uma ideologia patriarcal que, apesar de certas
mudanças no comportamento social em relação à mulher, vem
mantendo seus fundamentos ainda que a nível inconsciente.376
Apesar de curta, a letra construída pelos compositores estrutura-se a partir
de uma narrativa clara, abordando um sentimento que não encontra reciprocidade
no outro, e esse seria o motivo da angústia ilustrada. A indiferença da mulher amada
em relação a uma declaração de amor “pura e sincera” leva o ouvinte mais atento a
desprezar essa figura feminina imaginária, que “ouve e não se importa” com o
sofrimento alheio.
Esse discurso377 masculino acerca do feminino assenta-se em alguns
atributos que devem ser alcançados pela mulher, a fim de conquistar a condição de
“mulher ideal”, sob convenções que determinam predicados estabelecidos
culturalmente.
375
Quintino e Sebastião Arruda (Comp.). Sonhando contigo. LP Folia de Reis - Vol. 3, Quintino e Quirino. Lado 2, Faixa 5. São Paulo: Continental, 1976. 376
BELTRÃO JUNIOR, Synval. A cultura brasileira e a mulher: uma leitura através da música popular. Caravelle. Toulouse, n. 57, 1991, p.134. Disponível em: <https://www.persee.fr/doc/carav_1147-6753_1991_num_57_1_2472>. Acesso em: nov./2018. 377
“O discurso é um suporte abstrato que sustenta os vários textos (concretos) que circulam em uma sociedade. Ele é responsável pela concretização, em termos de figuras e temas, das estruturas semio-narrativas. Através da Análise do Discurso é possível realizarmos uma análise interna (o que este texto diz?, como ele diz?) e uma análise externa (por que este texto diz o que ele diz?). Ao analisarmos o discurso, estaremos inevitavelmente diante da questão de como ele se relaciona com a situação que o criou. A análise vai procurar colocar em relação o campo da língua (suscetível de ser estudada pela Linguística) e o campo da sociedade (apreendida pela história e pela ideologia).” GREGOLIN, Maria do Rosario Valencise. A Análise do Discurso: conceitos e aplicações. Alfa Revista de Linguística. Araraquara - SP, v. 39, 1995, p.17. Disponível em: <https://periodicos.fclar.unesp. br/alfa/article/view/3967/3642>. Acesso em: nov./2018.
127
[...] verificamos que a atitude ativa do homem é evidenciada: o homem canta, cabendo a mulher, passivamente, ser cantada, valendo aqui, não apenas a denotação, mas também o sentido figurado. Mas a mulher é sempre a musa do nosso cancioneiro, e essa musa missão, mulher-desejo, mulher-pecado, mulher-santa, mulher-traição, e tantas outras, evidenciando, em seu conjunto, o puro e o impuro, o espiritual e o carnal, o sagrado e o profano.378
A mulher enquanto objeto do desejo masculino deve, conforme as
“entrelinhas” da composição, ceder às vontades do homem, emergindo como
justificativa seus “sentimentos verdadeiros”, que não deveriam ser rechaçados.
Esses indicativos sugerem o papel de “submissão”379 da figura feminina em relação
à masculina, revelando vestígios desse constructo cultural que estabelece funções
específicas para os gêneros. Nota-se assim certo protagonismo masculino, sendo as
mulheres relegadas à posição de coadjuvante nas escolhas, o que em certa medida
perpassa o século XIX e o início do século XX na formulação do conceito de
família.380
Seguindo a trama que alinha paixões, amores e sofrimento, encontra-se a
canção “A cruz do meu destino”, gravada pela dupla Quintino e Quirino no ano de
1978, no quarto volume da série “Folia de Reis”, cabendo sublinhar que a dupla
alcançou destaque nos selos que compunham as Gravações Elétricas S.A.381 entre
a década de 1970 e o início dos anos 1990. Embora as Folias de Reis ocupassem
maior espaço na produção discográfica da dupla, haja vista a série de “LPs”
lançados pelas “GEL” no decorrer de quase duas décadas, canções dedicadas a
outras temáticas também se inseriram nos discos gravados pela dupla:
378
BELTRÃO JUNIOR, Synval. A cultura brasileira e a mulher: uma leitura através da música popular. Caravelle. Toulouse, n. 57, 1991, p. 144. Disponível em: < https://www.persee.fr/doc/carav_1147-6753_1991_num_57_1_2472>. Acesso em: nov./2018. 379
Cabe destacar que o constructo da submissão localiza-se no terreno da correlação de forças, compreendendo o papel de resistência das mulheres em contextos diversos. Ver: COUTINHO, Dolores Pereira Ribeiro; GRECO, Maria Madalena Dib Mereb. As mulheres e o discurso de submissão. Revista Cordis. São Paulo, n. 9, jul.-dez./2012, p.295-315. Disponível em: <https:// revistas.pucsp.br/index.php/cordis/article/view/14418/10517>. Acesso em: nov./2018. 380
Ibidem, p. 295-315. 381
O empresário paulista Alberto Byington Jr., no ano de 1943, fundou a “Discos Continental”, selo que seria seguido de outros como Chantecler e Phonodisc. Reunidos formaram a GEL - Gravações Elétricas S.A., sendo absorvida pelo grupo Warner Music no início da década de 1990. “Em 1943, a empresa não renovou seu contrato com a Columbia e criou seu próprio selo, o Continental, tornando-se a Continental Gravações Elétricas S/A, enquanto a Columbia passou a ser representada no Brasil pela Odeon.” VICENTE, Eduardo. A gravadora Chantecler e a música regional do Brasil. Estudos Avançados. São Paulo, v. 31, n. 90, 2017, p.325. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/s0103-40142017.3190021>. Acesso em: nov./2018.
128
No triste martírio que ela vivia Nas longas estradas tão cheias de espinho Sem rumo encontrei numa noite fria E não recusei de te dar meus carinhos No doce momento da louca ilusão Nos nossos corações o amor nasceu Naquele instante ela me jurou Que seria só minha e pra ela era eu Trocando as ruas e as noites de orgia Por um lindo lar tão cheio de abrigo Apesar da cruz que ela conduzia Ela repartia o peso comigo Com os lábios sorrindo cheios de esperança Senti que na alma não tinha rancor Nosso humilde lar tornou-se um jardim Ela era a rosa e eu seu beija-flor Tão pouco durou nossa felicidade Surgiu em sua vida um admirador Então deparei com a realidade E que meu rival foi o vencedor Nos longos caminhos que ela passava Hoje passo e piso nos mesmos espinhos Porque a cruz pesada que ela carregava Deixou-a pra mim carregar sozinho382
A canção apresentada congrega elementos que evocam a correlação
dor/amor, situada no centro de metáforas que dão o contorno de uma relação
turbulenta entre um homem e uma mulher. A posição da fala masculina indica, de
maneira semelhante à canção “Sonhando contigo”, a abnegação do homem que
assume todo o ônus por amar.
Nesse caso, os elementos expressos no trecho inicial da primeira estrofe –
“No triste martírio que ela vivia / Nas longas estradas tão cheias de espinho [...]” –
evidenciam que essa mulher enfrentava algum problema extremamente sério. No
entanto, toda essa adversidade é suprimida pela “força” do sentimento expresso
pelo seu parceiro, que, encontrando-a “sem rumo”, não lhe negou carinho.
Mas em que consistem tais metáforas, do “triste martírio” à “estrada cheia de
espinho”? Elementos ainda presentes na primeira estrofe sugerem pistas que
permitem, em consonância com a sequência da narrativa, propor uma interpretação
razoável.
382
Eurides Lourenço e Orlando Neto (Comp.). A cruz do meu destino. LP Folia de Reis - Vol. 4, Quintino e Quirino. Face A, Faixa 06. São Paulo: Continental, 1978.
129
As metáforas supracitadas dialogam com um cenário descrito como “noite
fria”, na qual a mulher da canção vagueia sem rumo nem esperança, até que se
depara com um homem que lhe oferece um amor incondicional, capaz inclusive de
superar sua “condição”. Desse modo, as brumas vão se dissipando. Elementos da
segunda estrofe ainda corroboram a hipótese de essa mulher ser uma prostituta,
todavia, estava agora diante de um amor que lhe possibilitava dividir o peso de sua
“cruz”. Em outras palavras, alcançaria a “redenção”, na troca das “ruas e as noites
de orgia por um lindo lar tão cheio de abrigo”.
Essa construção idílica do “lar” como um núcleo quase que divino encontra
eco na moral católica. Vestígios dessa proposição podem ser verificados nos
padrões de uma união monogâmica (como se observa no último trecho da primeira
estrofe) e nos signos harmônicos do lar “humilde”, que se constitui em conformidade
com as diretrizes dos “textos sagrados”383. Nesse caso o lar é visto sob a
representação do “jardim”, atribuindo a essa habitação, devidamente acomodada
nos termos da fé católica, uma aura de sacralidade que dialoga com elementos da
natureza – “ela era a rosa e eu seu beija-flor” – como expressões simbólicas da
criação divina.
Esse modelo de lar alicerçado na “koinonia384 plena” estabelece-se como
meta a ser atingida pelos casais, especialmente pelas mulheres, que, segundo
normas sociais amalgamadas com os paradigmas da fé cristã/católica, alcançariam
a “completude do ser feminino” mediante o matrimônio e a maternidade:
[...] para ser uma mulher que tenha essa característica, ela deve seguir algumas normas sociais, dessa forma, é convidada a assumir algumas posições de sujeito. O casamento ainda parece ser sinônimo de vitória para a mulher, que precisa de um homem ao seu lado.385
Ainda assim, diante da oportunidade, segundo os letristas, de consolidação
dessa espécie de “plano familiar divino”, um ato de insensatez fez com que a mulher
retornasse à sua “essência pecaminosa”, seduzida por outro homem, um 383
O uso do termo “textos sagrados” faz menção à Bíblia Católica. 384
A utilização da expressão grega “Koinonia” remete ao seu significado “comunhão”. Esse termo neotestamentário se tornou muito comum entre os cristãos, sendo utilizado no sentido de companheirismo, participação, compartilhamento e contribuição com o próximo e com Deus. 385
CONTIERI, Amanda Ágata. Mulheres do campo: análises de representações do feminino em canções sertanejas. Estudos Linguísticos. São José do Rio Preto - SP, v. 44, n. 2, mai.-ago./2015, p.555. Disponível em: <https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/993/575>. Acesso em: out./2018.
130
“admirador”, mencionado na terceira e última estrofe a partir de dois adjetivos que
chamam atenção, a saber, “rival‟ e “vencedor”. Essas expressões denotam uma
disputa em curso, em que a mulher seria o “prêmio”, o que revela certa objetificação
feminina, retirando-a da sua posição de sujeito com seus próprios desejos e
vontades e transformando-a, em suma, em um objeto passivo à mercê das
determinações do outro, sendo esse outro o homem.
O sertanejo é um gênero musical proveniente de um meio essencialmente tradicional, no qual, em sua maioria, os cantores e compositores são homens. Grande parte das canções tem a mulher como tema central, seja no âmbito familiar, amoroso, ou das “baladas” do sertanejo universitário.386
No desfecho da canção, ainda um último item requer análise: há mais uma
referência a elemento de religiosidade católica, no caso, a “cruz” como símbolo de
martírio e sofrimento. “[...] Nos longos caminhos que ela passava / Hoje passo e piso
nos mesmos espinhos / Porque a cruz pesada que ela carregava / Deixou-a pra mim
carregar sozinho”. A cruz no contexto da composição sugere a representação de um
sofrimento conectado à ideia de “vergonha”, dos estigmas da prática da prostituição.
Essa vergonha estaria, naquele contexto, imputada ao homem, que, além de ocupar
a posição de preterido, sendo trocado pelo “admirador”, assumiria sozinho os rótulos
decorrentes da relação com uma mulher repudiada socialmente.
Na composição “Menina do interior”, presente no primeiro disco (1974) da
dupla Quintino e Quirino gravado pela Continental, o olhar do apreciador da canção
alcança o cenário de uma “cidadezinha do interior”, idealizada pelos autores Dino
Franco387 e Nhô Cido, sugerindo o lócus mais que perfeito para o “florescimento de
um amor puro e verdadeiro”, baseado na cumplicidade de um casal. No entanto,
386
CONTIERI, Amanda Ágata. Mulheres do campo: análises de representações do feminino em canções sertanejas. Estudos Linguísticos. São José do Rio Preto - SP, v. 44, n. 2, mai.-ago./2015, p.548. Disponível em: <https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/993/575>. Acesso em: out./2018. 387
Osvaldo Franco (Dino Franco) nasceu em 08 de setembro de 1936, na cidade paulista de Paranapanema, porém foi registrado na cidade de Conceição do Monte Alegre. Depois de fazer parte de inúmeras duplas e também realizar a gravação de um LP solo, “Dino Franco e seus Mariachi” (Chantecler, 1979), firmou com Mourai (Luiz Carlos Ribeiro) uma dupla de grande sucesso, “Dino Franco e Mourai”, gravando um total de 17 discos. O reconhecimento de seu talento como músico e compositor rendeu-lhe o cargo de “produtor do cast da Gravadora Chantecler”. PERIPATO, Sandra Cristina. Dino Franco. Recanto Caipira. São Paulo, s/d. Disponível em: <https://www. recantocaipira.com.br/duplas/dino_franco/dino_franco.html>. Acesso em: nov./2018.
131
mais uma vez o “deslize da mulher” anuncia-se como ameaça à harmonia que cerca
a relação amorosa descrita na canção:
Na minha cidade bonita e pequena Que reina a paz e a tranquilidade Vivia feliz com a minha amada E desconhecia o que era saudade Porém o capricho da sorte madrasta Levou-a de mim causando-me mal E a vida gostosa do interior Ela desprezou pela capital E na despedida ela disse “Meu bem Chegando em São Paulo lhe escreverei Vou tentar a sorte na cidade grande E se fracassar então voltarei” Porém um otário de idade avançada Ofertou-lhe um mundo todo encantador E ela trocou por luxo e dinheiro O amor de um roceiro aqui do interior Agora em São Paulo a menina da roça Tem outro a seu lado que diz seu esposo Mas ele não sabe que a falsa madame Já teve comigo um amor misterioso Porém peço a Deus para guiar seus passos Que por toda a vida ela seja adorada Bem sei que não pude comprar seu amor Por não ter dinheiro eu perdi minha amada388
A descrição da cidade interiorana, logo no início da primeira estrofe, como
um reino de “paz e felicidade”, em oposição à “capital”, dá a tônica do enredo da
canção, trazendo para o centro da cena uma mulher amada que troca uma relação
segura por uma “aventura”, quase que fruto de um devaneio. Pode-se dizer que
essa oposição entre lugares estabelecida pelos autores, que figura como pano de
fundo da narrativa, é tributária das tensões campo/cidade389, sendo a cidade grande
(capital) representada como lugar inseguro, turbulento e ludibriante, embora tais
aspectos não sejam postos de forma explícita na canção. Entretanto, para além da
contraposição dos lugares encontra-se o ensejo para outra representação,
focalizada nas possíveis consequências da “insurgência feminina”.
388
Dino Franco e Nhô Cido (Comp.). Menina do interior. LP Folia de Reis, Quintino e Quirino. Lado B, Faixa 5. São Paulo: Continental, 1974. 389
Ver Capítulo 1.
132
A partir da poética dos compositores, é possível notar o reforço da ideia de
que a mulher, ao exercer sua autonomia, escolhendo “tentar a sorte” na capital,
sujeita-se às “ciladas” vistas como inerentes à cidade grande. Analisando esse
aspecto de forma cuidadosa, pode-se chegar à hipótese de que haja uma tentativa
de controle das ações da mulher por parte do discurso masculino, entendendo-se
que a figura feminina da canção insurge contra essa lógica que tenta se impor, e por
isso sofrerá as consequências por tal escolha.
Nos anos 40 e 50 as relações homem-mulher ainda se sedimentavam basicamente num pacto conjugal, pelo qual o homem deveria assumir o papel de provedor-trabalhador em troca do afeto exclusivo da mulher, que deveria zelar pelo conforto do lar e mostrar-lhe sincera e caseira, qualidades associadas à reserva e à decência, estabelecendo-se um contrato com trocas bem definidas, sendo a casa, vantagem material, garantia masculina da fidelidade da esposa.390
A quebra dessa “norma” é tratada na segunda e terceira estrofes sob o
prisma da inconsequência feminina, percebendo-se uma espécie de depreciação
dessa mulher, associando sua escolha, como que fruto de um desvio de caráter, a
uma conduta mercenária, já que cruelmente, na visão do roceiro abandonado, trocou
seus sentimentos singelos pela tentação material, nas palavras dos letristas, “um
mundo todo encantador [...] luxo e dinheiro [...]”, proporcionado por outro homem.
Por sua vez, o indivíduo de posses descrito na canção, escolhido pela mulher para
ser seu esposo, é identificado de maneira jocosa como “um otário de idade
avançada”, por não se dar conta de que a motivação dessa mulher seria o interesse
por seus bens.
Utilizando o adjetivo “falsa madame”, os autores na terceira e última estrofe
delineiam de maneira categórica o perfil dessa personagem, revelando uma visão
arraigada numa complexa trama de ressentimentos, como resultado do amor
preterido. Destaca-se ainda que toda essa caracterização é guiada pelo
inconformismo do personagem masculino diante da ousadia feminina, que no caso
foi protagonista nas suas escolhas.
A composição “Vida de roceira”, de José dos Reis Dalben, assim como as
demais letras do cancioneiro caipira fernandopolense selecionadas e apresentadas
390
MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, p.133.
133
anteriormente, sugere uma problematização dos laços afetivos entre homens e
mulheres, partindo sempre de uma concepção masculina acerca do feminino e da
relação homem-mulher. No entanto, a canção disposta a seguir apoia-se em
aspectos distintos das canções anteriores, na medida em que procura sedimentar a
ideia de “mulher ideal”, sendo esta reverenciada, em trechos da canção, por estar
circunscrita aos papéis que lhe são postos:
Encontrei com o meu benzinho De quarta pra quinta-feira É uma moça tão linda Morena da cor trigueira Seu trabalho é pesado Vivendo como roceira Assim é que leva vida Minha linda companheira O meu bem levanta cedo Ponha a água na chaleira Pra fazer um cafezinho Conforme ela é costumeira Depois sobe lá pra roça Pra ir passar carpideira Deixando a terra limpa Matando a sementeira Quando é de tardezinha Já com aquela canseira Ela prepara um virado Com uma galinha caseira “Nois passa ela no papo” Tomando uma bagaceira Cansado deita na cama E ronca a noite inteira No dia do feriado Nós vamos pra Pitangueira Para ir fazer as compra Lá no mercadão e feira Trazendo as mercadorias Lotando as prateleiras Nós somos muito felizes Vivendo desta maneira391
O cotidiano rural do casal descrito na canção está, mais uma vez, ajustado à
óptica masculina. A trajetória dos cônjuges tem como referência uma concepção
391
José dos Reis Dalben (Comp.). Vida de roceira. Música sem registro fonográfico ou data de criação, localizada em um caderno de anotações cedido pelo compositor Sr. José dos Reis Dalben para a realização desta pesquisa. Fernandópolis, s/d.
134
tradicional de família, em que os membros cumprem papéis definidos de acordo
como o gênero, tendo em vista alguns aspectos que se colocam de maneira explícita
na composição, reforçando a cisão entre atividades masculinas e femininas.
A elas são incumbidas as responsabilidades da educação, saúde e higiene da prole. Ao homem, menos comumente, é atribuída a dupla jornada (trabalho e casa/filhos) e não lhe cabe a responsabilidade pelas questões do lar, mas pelo sustento da família. As relações estão, sim, em mudança, mas não levar em conta a persistência dessa organização e das cobranças sofridas pela mulher seria não considerar a realidade.392
A “companheira” representada na canção, além de cumprir suas tarefas
domésticas, também coopera para o trabalho do marido, como revelam os trechos a
seguir: “Seu trabalho é pesado / Vivendo como roceira / [...] Ponha a água na
chaleira / Pra fazer um cafezinho / [...] Depois sobe lá pra roça / Pra ir passar
carpideira / Deixando a terra limpa / Matando a sementeira / [...] Ela prepara um
virado / Com uma galinha caseira”. A utilização de termos como “bem” e “benzinho”
denota o afeto do marido para com a esposa, todavia, o curso da narrativa sugere
que a pretensa admiração pela companheira opera-se mediante a sujeição da figura
feminina ao cumprimento das “incumbências” de esposa. A canção encerra-se
reforçando essa ideia – “Nós somos muito felizes / Vivendo desta maneira” –,
supondo uma necessidade, por parte do autor, de enfatizar a crença nessa visão de
mundo.
Embora essas sejam somente uma fração das questões pesquisadas, os
perfis de gênero são variados, cabendo destacar ainda que o corpo musical é muito
mais amplo do que o citado. O cancioneiro caipira fernandopolense, em diálogo com
a produção dos estilos em circulação pelo Brasil no período delimitado por este
estudo, revela-se como suporte para a expressão de visões de mundo acerca de
paixões, amores e dores, bem como se aproxima de aspectos da religiosidade e da
natureza, elementos frequentes no universo de inspiração dos compositores.
392
CONTIERI, Amanda Ágata. Mulheres do campo: análises de representações do feminino em canções sertanejas. Estudos Linguísticos. São José do Rio Preto - SP, v. 44, n. 2, mai.-ago./2015, p.554. Disponível em: <https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/993/575>. Acesso em: nov./2018.
135
3.3 ENTRE O SAGRADO E A NATUREZA
“O sertão é abençoado do Senhor Onipotente.”393
Figura 18 - Família Rolim em pequena embarcação na Cachoeira dos Índios, s/d.394
As representações da natureza presentes no cancioneiro caipira
fernandopolense, ressaltando conexões com a produção em outras localidades,
propõem uma análise fundamentada numa espécie de simbiose entre o espaço
natural na sua dimensão material, sujeito às interferências humanas, e o espaço
natural “sacralizado”, como cenário simbólico da criação divina, expresso sobretudo
na concepção de “convivência harmoniosa” entre os elementos que o constituem.
Assim, a natureza é vista como “regente da vida”, marcando o tempo do trabalho395,
do rezar, do lazer e do descanso, fragmentos que podem ser mensurados a partir da
primeira estrofe da canção “Só saudade”:
393
José dos Reis Dalben (Comp.). O compositor escreve e o caipira canta. Música sem registro fonográfico ou data de criação, localizada em um caderno de anotações cedido pelo compositor José dos Reis Dalben para a realização desta pesquisa. Fernandópolis, s/d. 394
Acervo da família Edison Rolim/CDP/FEF. 395
Para uma reflexão sobre a percepção do tempo ver: THOMPSON, Edward P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p.267-304.
136
As tardes lá no meu rancho eu vejo o sol entrar Eu vejo as tardes cair, também as noites chegar Com a noite vem a lua mostrando seu luar Vejo no céu azulado as estrelas a brilhar Completando essas belezas, uma viola a soluçar396
Nesse sentido, deve-se acentuar o papel desempenhado pelos atores
sociais na produção desses significados variados em temporalidades e
espacialidades diversas, sobretudo no que tange ao entendimento de que a relação
cotidiana de homens e mulheres com o espaço natural tangível é atravessada pela
construção desses símbolos associados à religiosidade.
Sob esse aspecto simbólico, a Natureza assume, não raro, uma personalidade feminina, a da Mãe Natureza, a da Grande Deusa ancestral, que estabelece com os seus filhos, os seres humanos, uma relação de sintonia e de sincronicidade. Mais do que isso, a Natureza, como entidade reverenciada, coloca-se na dimensão de profetisa, de portadora de uma revelação, de guia para a humanidade [...] Mesmo a conhecida oração católica que chama Maria de “Mãe de Deus”, e não de Mãe do Filho de Deus, guarda um parentesco com a crença alquímica de que a Natureza é a mãe da substância divina, a pedra filosofal, escondida nas entranhas da matéria.397
Cabe destacar que essa concepção de “Mãe Natureza” e/ou de uma
manifestação tangível do “poder divino”, presença marcante nas letras das canções
caipiras analisadas neste estudo, não é vista como algo restrito à orientação
cristã/católica, muito menos a uma prática religiosa isolada, valendo-se do
pressuposto de que esses arquétipos encontram ressonância em elementos
religiosos ancestrais que perpassam as práticas do catolicismo tal qual conhecemos
hoje. Esses traços podem ser rastreados nas ações humanas, a partir da produção
de “ideias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua
396
Antonio Sanchez e José dos Reis Dalben (Comp.). Só saudades. Registro escrito da canção localizada em um caderno de anotações cedido pelo compositor José dos Reis Dalben para a realização deste estudo. Fernandópolis, s/d. Essa música possui registro fonográfico (CD Coletânea), segundo informação dos autores. Entretanto, o pesquisador não teve acesso a esse material a não ser pelo registro escrito citado. 397
BOSCATO, Luiz Alberto de Lima. O sagrado e a natureza: a “Anima Mundi” dos alquimistas como resgate do feminino na espiritualidade. Projeto História. São Paulo, v. 23, PUC/SP, jul.-dez./2001, p.439-441. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/10679/7934>. Acesso em: nov./2018.
137
própria vida individual, social, suas relações com a natureza e com o
sobrenatural”398.
Em vista disso, a fotografia disposta no início deste subcapítulo traz a família
Rolim399 em um dia de lazer na chamada “Cachoeira dos Índios”, situada no Rio
Grande, divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais. A localidade citada
ficava nas proximidades de Fernandópolis, o que explicaria a presença constante de
frequentadores fernandopolenses nas cachoeiras e nos pontos de pesca dessa área
do Rio Grande400, especialmente antes da construção da Usina Hidrelétrica “José
Ermírio de Moraes”, mais conhecida como “Usina da Água Vermelha”401.
Essa usina hidrelétrica foi construída entre os anos de 1973 e 1979, nos
limites dos municípios de Ouroeste, Guarani d‟Oeste, Indiaporã e Iturama(MG), com
o objetivo de atender à demanda energética de parte do país. A área onde foi
construída a usina era denominada “Cachoeira dos Índios”, composta por várias
quedas d‟água.
No local onde está construída a usina, existia a Cachoeira dos Índios formada por várias quedas d‟água com nomes curiosos, tais como: Tombo das Andorinhas, Caldeirão do Inferno, Tombo dos Dourados, Tombo das Três Pedras, Tombo da Fumaça e Véu de Noivas. A denominação de Cachoeira dos Índios é uma referência aos antigos habitantes do local.402
Construída, com apoio de tecnologia francesa, pela Companhia Energética
do Estado de São Paulo (Cesp), empresa estatal paulista responsável pelo
fornecimento de energia elétrica que iniciou seu processo de desestatização no ano
de 1996, a Usina da Água Vermelha, ao longo dos seus seis anos de obras,
promoveu alterações contundentes na paisagem do rio e de seus arredores,
mudando o cotidiano de populações ribeirinhas, do mesmo modo que causou
398
CHAUÍ, Marilena de Sousa. Cultura e democracia: o discurso competente e as outras falas. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 1993, p.21. 399
Nascido na cidade de Cerqueira César em 1923, Edison Rolim mudou-se para Fernandópolis, motivado pela sua atividade profissional. Alcançou destaque na vida pública, ocupando os cargos de prefeito e vereador entre as décadas de 1950 e 1960. PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.452-455. 400
Tido como um rio de planalto, o Rio Grande nasce na Serra da Mantiqueira, em Bocaina de Minas, percorrendo uma distância de aproximadamente 1.360 quilômetros até encontrar o rio Paranaíba no município mineiro de Carneirinho, formando nessa localidade o rio Paraná. 401
Vários afluentes contribuem para aumentar o volume de água do Rio Grande, entre eles o córrego “Água Vermelha”. Em virtude de o deságue desse afluente trazer em seu curso uma grande quantidade de sedimentos, suas águas são “barrentas”, conferindo-lhe uma coloração avermelhada, proveniente de erosões, daí a denominação “Água Vermelha”. 402
PESSOTA, op. cit., p.211.
138
impactos ambientais, trazendo consequências para a flora e a fauna local,
especialmente no período de desova dos peixes, o fenômeno da “piracema”403. De
maneira geral, a edificação de barragens e a instalação de turbinas nas usinas
hidrelétricas constituem uma barreira artificial que impede o fenômeno da “arribação”
em grandes cardumes que nadam contra a correnteza, processo que, no entanto, é
determinante para a reprodução de diversas espécies de peixes.
A imagem aérea exposta a seguir mostra a barragem da Usina da Água
Vermelha em sua constituição recente:
Figura 19 - Barragem da Usina José Ermírio de Moraes – Água Vermelha/CESP, 2011.404
A construção da Usina da Água Vermelha e as alterações promovidas na
paisagem da localidade encontram uma diversidade de interpretações, alternando
entre a defesa do ideal de “progresso” e o lamento pelas perdas naturais. Sob o
suporte da música caipira encontramos sinais dessa alternância:
403
Sobre o fenômeno da piracema, período em que os cardumes seguem no sentido contrário ao das correntezas com fins de reprodução: “Durante o esforço físico acontece um aumento na produção de hormônios. A fecundação ocorre externamente, ou seja, a fêmea lança os óvulos na água, enquanto o macho lança os espermatozoides sobre os mesmos. Após esse momento, os peixes descem o rio. Enquanto os filhotes amadurecem, também descem o rio no sentido contrário ao da piracema.” PORTAL SÃO FRANCISCO. Piracema. São Paulo, s/d. Disponível em: <https://www.portalsao francisco.com.br/biologia/piracema>. Acesso em: nov./2018. 404
PESSOTA, A. J. (et al.). Fernandópolis: nossa história, nossa gente. Vol. 2. Fernandópolis: Anglo, 2012, p.211.
139
Fui nascido no sertão distante do povoado Lá nas margem do Rio Grande divisa dos dois Estado A Cachoeira do Índio era o ponto destacado Aquele lindo recanto com o tempo foi mudado Da natureza restou só lembrança do passado Na ilha da cachoeira eu ficava arranchado Passava dias e noites pelas trilhas do cerrado Pescava o tempo todo naqueles pontos marcado Muitos peixe ali peguei igual piranha e pintado Naquelas noites escuras, de um lindo céu estrelado E as lindas cachoeira nos deixavam admirado Mostrando sua beleza de um lugar purificado Os ponto de pescaria era o tombo dos dourados E o tombo das andorinhas, era o lugar mais pescado O caldeirão do inferno, deixava o povo assustado Lá no tombo da fumaça água corria embolado Levantando a neblina deixando o ar serenado Mostrando suas riquezas de um lugar abençoado Era o dom da natureza que ali foi transformado Acabando as cachoeira, e aquele reino encantado Com a vinda do progresso o nosso rio foi entancado Fizeram uma grande obra cruzando de lado a lado Instalaram as turbinas tudo foi iluminado Com a travessia da ponte coligou os dois estado São Paulo e Minas Gerais, caminham de braços dado405
A canção apresentada tem como título “Velhas lembranças”, um indicativo
de nostalgia acerca de algo, que no caso relaciona-se ao processo de edificação da
barragem da Usina da Água Vermelha e às transformações decorrentes desse
episódio, sob a óptica dos compositores José dos Reis Dalben e Darci Romão
Liberato, que na sua juventude também eram frequentadores desse espaço, então
tomado como uma área de lazer e diversão. Na primeira estrofe observa-se a
relação de afetividade com o rio e suas cercanias, expressa sobretudo na locução
“lindo recanto”, que é seguida de um lamento, em função das mudanças que
ocorreram na “destacada Cachoeira dos Índios”, que agora, por imposições
externas, não era mais como antes, ocupando espaço apenas nas memórias.
Um verdadeiro teste para a hipótese psicossocial da memória encontra-se no estudo das lembranças de pessoas idosas. Nelas é possível verificar uma história social bem desenvolvida: elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade, com
405
Darci Romão Liberato e José dos Reis Dalben (Comp.). Velhas lembranças. CD Demonstrativo, Darci e Dorimar. Faixa 14. Fernandópolis, 2016.
140
características bem marcadas e conhecidas; elas já viveram quadros de referência familiar cultural igualmente reconhecíveis: enfim, sua memória atual pode ser desenhada sobre um pano de fundo mais definido do que a memória de uma pessoa jovem, ou mesmo adulta, que, de algum modo, ainda está absorvida nas lutas e contradições de um presente que a solicita muito mais intensamente do que a uma pessoa de idade.406
Entre a segunda e a terceira estrofes, a descrição das lembranças acerca
dessa paisagem permite perceber aspectos considerados relevantes de um lugar407
que transcende a materialidade terrena, associado a símbolos que o idealizam como
“lugar purificado”, conforme revelado no início da terceira estrofe. Essa visão se
constitui com base no entendimento da existência de uma força “sobrenatural” que
rege essa ordem – estando além do entendimento humano –, propiciando beleza
para os olhos e fartura para o estômago. Tais elementos representam dádivas
divinas, consubstanciadas na excelência da criação que garante aos homens o
próprio sustento, considerando o consumo da carne de peixes, alimento presente na
dieta das populações campesinas que vivem próximo aos rios.408
Fotografias da área rememorada com riqueza de detalhes pelos
compositores dessa “moda de viola”409 permitem visualizar as quedas d‟água da
antiga “Cachoeira dos Índios”, no Rio Grande, antes da construção das barragens da
usina hidrelétrica da Água Vermelha:
406
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 11ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p.60. 407
Para uma reflexão acerca do conceito de lugar: “O lugar pode ser compreendido como uma construção social, fundamentado nas relações espaciais diretas, no cotidiano e na articulação entre a cooperação e o conflito. No contexto atual em que a fluidez e a simultaneidade caminham juntas e a informação é um elemento central, o lugar apresenta-se tanto como expressão de resistência como de adaptação à ordem global.” HESPANHOL, Rosângela Aparecida de Medeiros; MOREIRA, Erika Vanessa. O lugar como uma construção social. Formação. Presidente Prudente - SP, v. 2, n. 14, UNESP, 2007, p.48. Disponível em: <http://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/article/view/645>. Acesso em: nov./2018. 408
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 10ª ed., São Paulo: Editora 34, 2003, p.67. 409
A moda de viola é uma narração realizada em ritmo recitativo, cujo cantador conta uma história com marcações melódicas executadas pela viola. “Em sua pesquisa Romildo Sant‟Anna nos demonstra que muitas são as semelhanças, principalmente temáticas, entre as modas-de-viola do caipira e as narrativas quinhentistas do romanceiro tradicional ibérico. A profunda ligação deste cancioneiro com a Idade Média, e consequentemente com o Romantismo, irá se transportar para as narrativas do camponês brasileiro que, se baseando nestas formas de expressões lírico-narrativas – difundidas no devocionário dos jesuítas que chegaram ao Brasil em 1549 –, estruturará o cancioneiro do universo rural. Romildo Sant‟Anna (2000, p. 59) observa que este romanceiro „está na origem dos principais afluentes de modas caipiras‟.” GARCIA, Rafael Marin da Silva. Moda-de-viola: lirismo, circunstância e musicalidade no canto recitativo caipira. Dissertação (Mestrado em Música), UNESP, São Paulo, 2011, p.76.
141
Figura 20 - Fotografia da antiga Cachoeira dos Índios entre as décadas de 1950 e 1960.410
Figura 21 - Fotografia da antiga Cachoeira dos Índios entre as décadas de 1950 e 1960, período anterior à construção da Usina Hidrelétrica da Água Vermelha.411
A divinização desse espaço perpassa mais uma vez a poética dos
compositores, assente nas expressões “reino encantado” e “lugar abençoado”,
situadas na penúltima estrofe. Entretanto, uma ameaça a essa “harmonia divina”,
constituinte desse recanto idílico, anunciava-se à medida que o projeto de
construção da usina hidrelétrica avançava.
410
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018. 411
Acervo do Centro de Documentação e Pesquisa da Fundação Educacional de Fernandópolis - CDP/FEF, Fernandópolis - SP, 2018.
142
Com base no ideal de “progresso”, que se materializava em signos tangíveis,
como inúmeras obras públicas erigidas no contexto dos governos militares, ideal
esse amparado, maiormente, no discurso de “defesa dos interesses nacionais”, a
implementação de planos governamentais que priorizavam “obras faraônicas”
voltadas ao setor energético justificava-se frente às demandas do setor produtivo no
decurso do chamado “milagre econômico”412, de acordo com as articulações
políticas da época. Seguindo essa linha, a Usina da Água Vermelha, assim como
outras hidrelétricas, foi edificada no Brasil durante o período em questão.
Na área de energia, o engenheiro Antonio Dias Leite foi nomeado para o Ministério de Minas e Energia e correspondia aos interesses de organizações como o Clube de Engenharia, descontentes com as políticas do Paeg. Leite acusou o plano do período de Castello de monetarista, fazendo críticas também à política de energia anterior. Retomou os investimentos estatais, com aplicações do FEF para obras de grandes usinas de Furnas, Chesf, Cemig, Cesp e outras. A capacidade instalada aumentou cinco vezes mais entre 1964 e 1982 e essa geração de energia era feita sobretudo em usinas hidrelétricas, que viraram prioridade na política governamental. Os grandes beneficiários imediatos desses empreendimentos eram os empreiteiros de obras públicas [...].413
A última estrofe apresenta elementos que dialogam com a crítica a esse
discurso orientado pelo progressismo, em circulação sob a égide dos governos
militares, que se utilizaram de uma ampla propaganda dos “avanços” procedentes
dessa política nacional desenvolvimentista.414 Todavia, a estrofe citada traz indícios
de que tal propaganda não reunia argumentos o bastante para convencer as
populações ligadas ao Rio Grande a superar as contrapartidas em nome do
progresso nacional, haja vista o trecho que afirma em tom lastimoso “Com a vinda
do progresso o nosso rio foi entancado”. Em contraposição, a narrativa segue com
uma aparente exaltação dos benefícios gerados pela instalação da usina – “Fizeram
uma grande obra cruzando de lado a lado / Instalaram as turbinas tudo foi iluminado
/ Com a travessia da ponte coligou os dois estado / São Paulo e Minas Gerais,
caminham de braços dado”.
412
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Edusp, 2012, p.268-269. 413
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A ditadura dos empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985. Tese (Doutorado em História), UFF, Niterói, 2012, p.400. 414
Ibidem, p.392-393.
143
Pelo bucolismo assinalado na celebração da natureza e dos costumes rurais
perpassam elementos da sacralidade, constituindo um cenário casto como
representação do lar caipira, espaço de uma ordem natural que se faz em
consonância com as normas convencionadas pela religião. A canção “O Jeca”,
gravada pela dupla Quintino e Quirino no ano de 1975, revela-se como possibilidade
para ampliar essa proposição:
Eu moro em um ranchinho beira-chão, Iluminado só com a luz do luar Num pedaço de terra bem cuidada, Terra pura que dá tudo o que plantar No quintal tem uma fonte de água fresca Onde as tardinha sempre vou me banhar E o monjolinho vai batendo bum-bum Quebrando o milho pra farinha e pro fubá Ali tenho de tudo, mandioca e algodão Verduras e feijão, café, arroz e milho Tenho uma viola e uns versos que eu fiz Assim vivo feliz com a mulher e filhos No fim do dia após a oração Vou pro ribeirão pescar de anzol Ascendo meu cigarrinho de palha Fico olhando a água fazer caracol No outro dia cedo pego a enxada E vou cuidar da minha plantação Sou o Jeca mais feliz deste mundo Lá no meu ranchinho beira-chão415
A poética do compositor indica uma contemplação desse lugar idílico guiada
pela ideia de “plenitude natural”, assimilada como regente do cotidiano dos sujeitos
que habitam as localidades rurais. O personagem central da canção, denominado
“Jeca”, é apresentado como um indivíduo singelo, tal qual o modesto “ranchinho
beira-chão” em que habita, como descrito na canção. Essas observações sugerem o
entendimento de que esse sujeito seria quase que uma determinação416 desse lugar
narrado na letra.
415
Jack (Comp.). O Jeca. LP Folia de Reis - Vol.2, Quintino e Quirino. Lado A, Faixa 5. São Paulo: Continental, 1975. 416
A concepção de que os aspectos físicos de um determinado lugar definem ou influenciam consideravelmente a fisiologia e a psicologia humana é tributária da corrente do “determinismo geográfico”. “Essa corrente de pensamento criava uma dependência muito grande do homem com a natureza e, assim, as ações humanas eram determinadas pelas condições físicas, como: relevo, clima, vegetação, solo, entre outras características de cada lugar.” MORMUL, Najla Mehann; ROCHA, Márcio Mendes. Breves considerações acerca do pensamento geográfico: elementos para análise.
144
O personagem conhecido como “Jeca Tatu”417, criado pelo literato brasileiro
Monteiro Lobato no início do século passado, foi ressignificado no cinema nacional
no final do anos 1950 a partir dos filmes encenados por Amácio Mazzaropi.418 Estes
promoveram, em certa medida, a desconstrução419 de alguns estereótipos do
caipira, sobretudo os constructos da ingenuidade e da indolência, características
marcantes do personagem na obra lobatiana.420 A data de gravação de “O Jeca”
(1975) possibilita pensar que a circulação na época dos filmes encenados por
Mazzaropi, considerando o contexto de produção da canção, pode ter inspirado de
alguma forma o compositor, valendo-se da importância do cinema para a cidade de
Fernandópolis e região como espaço de entretenimento – nesse período já havia
dois cinemas instalados na cidade, o Cine Fernandópolis e o Cine Santa Rita.421
A concepção do seu “ranchinho” como uma terra próspera, com muita fartura
– símbolos da provisão divina –, sobressai-se, principalmente no refrão da canção,
situado entre duas estrofes dedicadas à exaltação desse lugar concebido como um
presente de Deus, em que elementos constituintes do “Gênese” governam, tendo na
figura humana o maior beneficiário desse “legado divino”, aspecto que confere papel
de centralidade aos homens, fundamentado no texto bíblico:
Geografia Ensino & Pesquisa. Santa Maria - RS, v. 17, n. 3, UFSM, set.-dez./2013, p.71. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/geografia/article/viewFile/7916/pdf>. Acesso em: dez./2018. 417
MATOS, Maria Izilda Santos de; FERREIRA, Elton Bruno. Em defesa da preservação das tradições dos interiores: Cornélio Pires e a cultura caipira (São Paulo 1920-1950). Diálogos. Maringá - PR, v. 19, n. 2, UEM, mai.-ago./2015, p.593-618. Disponível em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index. php/Dialogos/article/view/33768>. Acesso em: dez./2018. 418
GONZAGA, Aguinaldo Divino. Identidade caipira: o caipirismo na produção cinematográfica de Amácio Mazzaropi. Anais do II Congresso Internacional de História da UFG. Jataí: UFG, 2011, p.1-27. Disponível em: <http://www. congressohistoriajatai.org/anais2011/link%2038.pdf>. Acesso em: maio/2018. 419
FRESSATO, Soleni; NÓVOA, Jorge. Um caipira ingênuo e malicioso debocha da modernidade. Politeia: História e Sociedade. Vitória da Conquista - BA, v. 7, n. 1, UESB, 2007, p.198-201. Disponível em: <periodicos.uesb.br/index.php/politeia/article/view/228>. Acesso em: dez./2018. 420
Cabe destacar que a trajetória do personagem de Monteiro Lobato, o “Jeca Tatu”, inicia-se no ano de 1914 a partir da publicação dos artigos “A velha praga” e “Urupês”. Todavia, no ano de 1926, alinhado com o entusiasmo sanitarista do início do século passado, Lobato traz à cena uma nova versão desse personagem, o chamado “Jeca Tatuzinho”. Para uma discussão mais densa a respeito desse processo ver: PICCINO, Evandro Avelino. A persistência de Jeca Tatuzinho – Igual a si e a seu contrário. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. 421
Ver Capítulo 2.
145
[...] 26. Então Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra”. 27. Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. 28. Deus os abençoou: “Frutificai – disse ele – e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra”. 29. Deus disse: “Eis que eu vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que vos sirvam de alimento. 30. E a todos os animais da terra, a todas as aves do céu, a tudo o que se arrasta sobre a terra, e em que haja sopro de vida, eu dou toda a erva verde por alimento”. E assim se fez. [...]422
Figura 22 - Trecho da antiga “Estrada da Boiadeira”, entre as regiões de Fernandópolis - SP e Votuporanga - SP.423
O cotidiano campesino vivenciado pelo Jeca, esboçado na letra da canção e
imaginado a partir da área rural observada na fotografia da antiga “Estrada da
Boiadeira”, revela a religiosidade como componente indissociável – haja vista o
trecho “No fim do dia após a oração” – e evidencia a preocupação com o sagrado
422
BÍBLIA CATÓLICA. Bíblia Ave Maria. Gênesis, Capítulo 1: 26-30. Disponível em <https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/genesis/>. Acesso em: dez./2018. 423
Acervo do Museu Municipal Edward Coruripe Costa, Votuporanga - SP, 2018.
146
conectando desde o trabalho, na esperança de uma boa colheita, e a saúde dos
animais de criação até o lazer propiciado pelas festas, que raramente têm outro
motivo a não ser a religiosidade, como as Festas dos Santos Reis, Juninas e os
Terços:
São Sebastião recebe a oferta E depois ele agradece Seus milagres e seus poderes A você ele oferece Na chegada do seu dia São Sebastião é o padroeiro Se quiser vir no seu terço Dia 20 de janeiro São Sebastião já vai embora Pra voltar no ano que vem Quem partir leva saudade Quem ficar saudade tem424
A produção discográfica da dupla Quintino e Quirino425 é composta
majoritariamente pela temática da Folia de Reis426, tendo em vista a série de discos
lançados com o selo das Gravações Elétricas S.A. entre as décadas de 1970 e
1990. Nas canções que compõem os discos da dupla faz-se presente a louvação
aos “Três Reis Magos” e também a reverência a outros santos do catolicismo, como
424
Quintino e Luis Malavazi (Comp.). São Sebastião. LP Festa de Reis - Vol.4, Quintino e Quirino. Face B, Faixa 6. São Paulo: Continental, 1978. 425
Apesar da presença majoritária de canções que abordam a temática religiosa, a dupla Quintino e Quirino gravou também canções que retratavam outros assuntos, estas, por sua vez, inseriam-se entre as canções “de Reis”. O critério de seleção das canções utilizado neste estudo se deu em consonância com a orientação, partindo da organização de um índice de temas. 426
A Folia de Reis, também chamada de Reisado ou Festa de Santo Reis, é uma festa popular tradicional que ocorre em diversas regiões do Brasil entre os dias 24 de dezembro a 6 de janeiro: “A Folia de Reis tem sua origem na Europa e remonta à passagem bíblica de Mateus que conta a visita de alguns Magos a Jesus Cristo no seu nascimento. Guiados pela Estrela do Oriente, eles encontraram a manjedoura onde estava o menino e ali lhe entregaram os presentes que levavam: ouro, mirra e incenso. Mesmo com a rápida referência aos Magos, o imaginário popular conseguiu construir ao longo dos séculos uma rica narrativa sobre a visita. Os Magos foram então ganhando nome, idade, origem, quantidade e o status de Reis.” GONÇALVES, Gabriela Marques. Religiosidade popular e Folia de Reis. Anais do III Congresso Internacional de História da Universidade Federal de Goiás - UFG. Jataí - GO, 2012, p.3. Disponível em: <http://www.congressohistoriajatai. org/anais2012/Link%20(98).pdf>. Acesso em: dez./2012.
147
nos trechos extraídos da composição “São Sebastião”, que dialoga com o cotidiano
de homens e mulheres que habitam o campo, abordando a festa de devoção a esse
santo católico, realizada no dia 20 de janeiro, citando a realização de um “terço
festivo”427 em ação de graças ao santo.
O advento dos festejos religiosos cumpre papel de relevância, segundo
Antonio Candido, para a “preservação da sociabilidade”428 que permeia o cotidiano
das populações campesinas.
Santo Reis aqui chegou Santo Reis aqui chegou Esta hora tão sagrada Está pedindo a licença Está pedindo a licença Pra entra em sua morada429
A chegada das Companhias de Reis é frequente no Noroeste Paulista; na
região de Fernandópolis ocorrem festas que reúnem muitos devotos dos “Santos
Reis”. Uma das mais tradicionais é realizada desde 1956 na fazenda da família
Cândido, localizada na zona rural do município de Ouroeste, com a participação da
companhia organizada pelos irmãos Miguel e João Ferreira de Souza, Quintino e
Quirino. A imagem a seguir mostra a festa dedicada aos Santos Reis, realizada
anualmente pelos membros da família Cândido. Cabe ressaltar que essa tradição
tem sido cultivada por diferentes gerações dessa família, segundo o depoimento do
Sr. João Ferreira de Souza.430
427
Sobre a prática dos “terços”: “O terço é um ritual coletivo de fé no qual as pessoas se reúnem para rezá-lo cantando, festejando, e referenciando um determinado santo. De acordo com a doutrina católica, o terço é uma parte do rosário. O rosário é um importante instrumento ritual católico feito para ordenar as reza.” D‟ABADIA, Maria Idelma Vieira; LÔBO, Tereza Caroline. Reza e musicalidade: experiências de terços cantados nos municípios de Anápolis e Pirenópolis/GO. Anais do XIV Simpósio Nacional da Associação Brasileira de História das Religiões - ABHR. Juiz de Fora - MG, 2015, p.1228. Disponível em: <http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/viewFile/ 1013/855>. Acesso em: dez./2018. 428
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 10ª ed. São Paulo: Editora 34, 2003, p.67. 429
Quintino (Comp.). Santo Reis aqui chegou. LP Folia de Reis - Vol.3, Quintino e Quirino. Lado 1, Faixa 1. São Paulo: Continental, 1976. 430
Depoimento da dupla “Quintino e Quirino”, em entrevista concedida ao autor no sítio do Sr. Miguel Ferreira de Souza, Brasitânia - SP, em fev./2018.
148
Figura 23 - Registro fotográfico efetuado na Festa de Santos Reis realizada na propriedade da família Candido em 6 de janeiro de 2018.431
Uma análise minuciosa das letras com temática que relaciona o sagrado e a
natureza permite perceber a preocupação dos compositores com as alterações
promovidas nesse espaço tido como santificado do “sertão abençoado do Senhor
Onipotente”, conforme expresso na canção “O compositor escreve e o caipira canta”,
que introduz este subcapítulo. A construção da Usina Hidrelétrica da Água Vermelha
e a “volúpia” do agronegócio, maiormente da cultura da cana-de-açúcar,
representam uma ameaça à natureza propiciada pelas “mãos divinas”.
A minha palhoça é cercada de cana As folhas somem na imensidão Outras culturas foram assoladas O que se vê é só cana plantada No meu recanto a escuridão É iluminada por grandes queimadas Os nossos rios foram envenenados Estão acabando com a nossa água Ai, quanta maldade, só restou saudade meu sertão
431
Acervo do autor.
149
Os animais que sobreviveram Hoje comigo têm nova morada Não tem mais chuva é longa a espera Não tem mais flores na primavera Que coisa triste a natureza chora O meu lugar sem a fauna e a flora Tô muito triste nada me consola Nas noites cinzentas não toco viola Ai, quanta maldade, só restou saudade meu sertão Sou brasileiro homem legendário Quando aqui cheguei era um lindo cenário Já estou velho e muito cansado Mas nessa terra sou muito honrado Tudo está seco tudo está acabado Só Deus é justo, mas não é lembrado Com as queimadas só devastação Que pena seu moço mataram o sertão Ai, quanta maldade, só restou saudade meu sertão432
A expansão do setor agroindustrial canavieiro, impulsionada pelo advento do
Programa Nacional do Álcool, o “Pró-Álcool”, implantado ainda no período da
Ditadura Civil-Militar, teve sua primeira fase entre os anos de 1975 e 1979. A
aplicação desse programa se deu no contexto das chamadas “crises do petróleo”433,
vivenciadas sobretudo durante a década de 1970. Os desdobramentos das crises
encareceram os combustíveis derivados do petróleo, considerando que nesse
período o Brasil importava mais de 70% do petróleo consumido internamente.434
Em face da demanda interna de combustíveis, o governo promoveu um
pacote de incentivos ao setor produtivo do etanol. Desse modo, inúmeras áreas
cultiváveis (destinadas a outras culturas) foram ocupadas por canaviais, com o
objetivo de atender ao fluxo contínuo de produção das usinas de álcool que
gradativamente avançavam sobre o estado de São Paulo.
432
Santo e Santiago, Hagard, Maestro Thito (Comp.). Saudade do meu sertão. CD Demonstrativo, Santo e Santiago, Faixa 10. Fernandópolis, 2017. 433
A “crise do petróleo” decorreu do embargo imposto pelos países membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e Golfo Pérsico, nas tratativas comerciais pelo petróleo para os Estados Unidos e países da Europa. Diante da ofensiva dessas potências mundiais na época em relação a esse combustível fóssil não renovável e da posição das políticas internacionais norte-americanas e europeias frente aos conflitos árabe-israelenses, os membros da OPEP e os “Países Árabes” articularam-se pela defesa do valor de venda dessa commoditie, os últimos, além dessa questão, desaprovavam o apoio irrestrito à Israel. 434
MELO, Isabela Estermínio de. As crises do petróleo e seus impactos sobre a inflação do Brasil. Monografia (Graduação em Economia), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008, p.24.
150
A segunda fase do PROÁLCOOL é marcada pela expansão acelerada e a produção de álcool hidratado. Neste período há uma imensa ampliação das áreas com cultivo de cana, com a ocupação de áreas anteriormente destinadas a outras culturas. O Brasil passou a produzir álcool em grande escala e, em 1979, quase que 80% da frota de veículos produzida no país eram com motores a álcool.435
A ideia de “maldade” expressa no refrão da canção “Saudade do meu
sertão”, interpretada pela dupla Santo e Santiago, orienta toda a narrativa, que faz
uma crítica à cultura da cana, responsável, segundo os autores, pelo
desmantelamento da natureza divinizada. O próprio Deus, criador desse recanto
habitado pelo cantador, é ignorado em virtude de interesses que não são
mencionados de maneira explícita na letra da canção, embora existam inúmeros
estudos que versam a respeito do processo de avanço dos canaviais sobre o interior
do estado de São Paulo436, que registrou um crescimento vultoso do setor a partir
dos anos 1980, assim como uma alta alarmante dos impactos ambientais gerados
pela agricultura intensiva da cana-de-açúcar:
A agricultura brasileira tem se destacado, entre as demais, pelo uso indiscriminado de insumos, contribuindo sistematicamente para o desequilíbrio do agroecossistema. Nas áreas de cultivo intensivo, particularmente naquelas com a monocultura de cana-de-açúcar, é intensa a utilização de máquinas e agroquímicos que intervêm de maneira quantitativa e qualitativa nos meios biótico, físico e químico do agroecossistema.437
A cultura canavieira revela-se agressiva em relação ao solo cultivável,
precipuamente pela utilização de uma enorme quantidade de defensivos agrícolas.
Além disso, o cultivo desse gênero em larga escala e todo o processo de produção
do etanol realizado pelas usinas requerem uma grande quantidade de água. Água
essa que também é alvo dos impactos provenientes do uso de agroquímicos, tanto
435
BINI, Danton Leonel de Camargo; COSTA, Eliana Izidoro; DIAS, Dorico. A lavoura canavieira na Noroeste Paulista: um estudo de caso no município de Clementina(SP). ACTA Geográfica. Boa Vista - RR, v. 5, n. 9, jan.-jun./2011, p.38. Disponível em: <https://revista.ufrr.br/actageo/article/view/332>. Acesso em: dez./2018. 436
Ibidem. 437
GOMES, Marco Antônio Ferreira. Impacto da agricultura intensiva de cana-de-açúcar sobre as propriedades do solo de água subterrânea – estudo de caso em Ribeirão Preto. Anais do IV Encontro Anual da Seção Brasileira da International Association for Impact Assessment - IAIA. Belo Horizonte - MG, 2005, p.383. Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/ item/147486/1/1995PL007-Gomes-Impacto-3076.pdf>. Acesso em: dez./2018.
151
as águas de superfície quanto as subterrâneas (aquíferos). Nesse sentido, pode-se
apreender com mais consistência a crítica presente na canção, especialmente no
trecho final da primeira estrofe: “Os nossos rios foram envenenados / Estão
acabando com a nossa água”.
Ainda nessa estrofe da música uma referência é feita às “queimadas”,
prática realizada com o propósito de facilitar as operações de colheita. Essa ação
consiste em atear fogo no canavial para promover a limpeza das folhas secas e
verdes, que são consideradas matéria-prima descartável. A queima da palha da
cana-de-açúcar implica a emissão de gases poluentes, principalmente o gás
carbônico (CO2), o que pode ser danoso para a saúde de seres humanos e animais.
Apesar da proibição por lei dessa prática – Lei Estadual n. 11.241 de 2002 –, tal
cenário sugere que o poderio financeiro dos grandes grupos do setor sucroalcooleiro
revela-se como fator de resistência às determinações do poder público.
A presença de usinas como a Alcoeste438 e a Coruripe439 na zona rural de
Fernandópolis pode corroborar as questões postas pela canção, diretamente
conectadas com as transformações desse lugar, que na poética dos autores são
vistas sob uma perspectiva negativa.
Neste capítulo pôde-se mergulhar no universo do cancioneiro caipira
fernandopolense, ainda que esse mergulho tenha sido realizado “próximo da
superfície”. O exame dessas canções possibilitou alcançar um campo
representacional amplo, revelador das nuances do cotidiano, explicitando o
imaginário popular nos aspectos estudados.
438
O projeto de instalação na cidade de Fernandópolis da atual “Alcoeste Bioenergia Fernandópolis S/A”, iniciado em 1978, é tributário do Programa Nacional do Álcool, o “Pró-Álcool”, segundo registros da empresa em seu site oficial. ALCOESTE. Histórico da Alcoeste. Fernandópolis, s/d. Disponível em: <http://www.alcoeste.com.br/?pg=historico_f>. Acesso em: dez./2018. 439
A Usina Coruripe tem a sua origem no Nordeste brasileiro, em 1925, no estado de Alagoas. De acordo com o histórico da empresa, disposto em sua página oficial na internet, a consolidação do “Grupo Coruripe” se deu entre 1994 e 2001, momento em que o grupo se estabeleceu na cidade de Iturama - MG. Atualmente, existe um terminal da usina na cidade Fernandópolis, entretanto, durante o processo de produção desta pesquisa não foram localizados registros detalhados a respeito do referido terminal. USINA CORURIPE. Institucional. Fernandópolis, s/d. Disponível em: <http://www. usinacoruripe.com.br/institucional>. Acesso em: dez./2018.
152
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o percurso da pesquisa materializada nesta dissertação foi marcado
pela busca incessante por respostas, considerando a premissa basilar deste estudo
que toca às dimensões de produção e atuação do gênero musical caipira na cidade
de Fernandópolis, maiormente, diante da sua relevância na trama de laços
identitários e na mobilização de emoções variadas. Tal premissa se desenvolve sob
o entendimento de que a construção desse cenário se dá no terreno das práticas e
representações, norteado pelos rastros da História Cultural, com fins de “identificar o
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é
construída, pensada, dada a ler”440.
Todavia, a trilha explorada pela pesquisa não se faz única e exclusivamente
por um traçado retilíneo, ao contrário, “curvas sinuosas” se revelam pelo caminho,
talvez por isso o ofício do historiador torna-se copiosamente instigante à medida que
se avança no percurso da investigação. Partindo dessa perspectiva, o estudo em
questão localizou uma Fernandópolis nos primórdios de seu povoamento, no circuito
da expansão ocupacional do interior do estado de São Paulo – avançando pelas
“brenhas do Sertão do Noroeste Paulista” –, que no final do século XIX e na sua
transição para o XX emergiu como moldura de um quadro em que se pôde
visualizar, com criticidade, personagens reverenciados pela “bravura no
enfrentamento de um sertão tido como inóspito”.
Essa área de ocupação mais recente, nas chamadas “Franjas Pioneiras”,
estabeleceu-se em uma conjuntura nacional assinalada pelos projetos urbanísticos
das grandes capitais. Desse modo, os ecos do progresso que tinham na “urbe” o seu
maior símbolo logo se fizeram ouvir pelos interiores do Brasil, assim como no interior
paulista, ainda que diante da ruralidade característica da região Noroeste do estado
de São Paulo no período mencionado. Nesse processo, observou-se a evocação do
progressismo, ancorado nos discursos dos primeiros ocupantes dessa região, que
ansiavam lograr êxito em seus negócios diante de uma ampla oferta de terras férteis
para o cultivo, especialmente do café, e de pastagens para prática da pecuária, o
que engendrou as primeiras vilas.
440
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. 2ª.ed. Lisboa: Difusão Editorial, 1988, p.16-17.
153
A escrita desta dissertação visou promover uma breve discussão acerca do
surgimento das Vilas Pereira e Brasilândia, que deram origem a Fernandópolis, na
interlocução com todo o processo histórico supracitado. Esse exame propiciou o
encontro com uma dinâmica social, cultural e econômica fluida e extremamente
particular frente às demais regiões do estado de São Paulo no referido período,
sugerindo enormes possibilidades para futuras pesquisas que aceitem o desafio de
ampliar essas questões, uma vez que, embora este estudo traga uma contribuição
para a história local e regional, a história da cidade de Fernandópolis ainda está por
ser feita.
A discussão a respeito do universo cultural em que floresceu a produção
musical caipira fernandopolense, no início da década de 1960, foi “tateada” a partir
de depoimentos de seus compositores, intérpretes e apreciadores, assentados nas
suas experiências cotidianas e na operação de práticas e representações que
delineavam a intersecção rural/urbano, observadas não somente pelos vestígios
apanhados nas canções, que são objeto de análise deste estudo, mas na
programação radiofônica do período, sobretudo no que tange à extinta Rádio Cultura
AM de Fernandópolis.
A emissora fundada por Moacyr Ribeiro em 14 de agosto de 1955, tida como
pioneira da radiodifusão na região, trouxe para a cena musical fernandopolense a
promoção de festivais de viola, que representaram a porta de entrada para a
publicização de inúmeras duplas de violeiros residentes em Fernandópolis, região e
até de outros estados, do mesmo modo que contemplou esse gênero musical, na
sua grade de programação, a partir de atrações como o germinal “Rancho Alegre” e
o “Rancho dos Canários”. Nos desdobramentos da pesquisa, observou-se ainda que
a Rádio Cultura AM de Fernandópolis estimulou a divulgação de uma vasta
produção discográfica de duplas caipiras em circulação nacional na época, de
maneira que a presença física de duplas renomadas como Vieira e Vieirinha,
Leôncio e Leonel, Abel e Caim, Tião Carreiro e Pardinho, entre outros, fez-se
constante no estúdio da emissora, alavancando também artistas locais, como a
dupla Quintino e Quirino.
A parceria da dupla Quintino e Quirino com o radialista Aparecido Francelino
Ribeiro foi fundamental para a ascensão inicial da dupla na cidade e região, em
razão do notável sucesso registrado pela participação do “trio” na programação da
Rádio Cultura AM e em apresentações nos picadeiros dos circos. Desse modo,
154
ressalta-se o reconhecido talento desse radialista que, além da locução, atuava nos
“dramas” idealizados por ele, que ficaram marcados principalmente pelas aparições
do seu principal personagem, o “Nhô Cido”, papel no qual representava o seu tipo
caipira.
A recuperação das memórias que remetem à parceria entre Quintino,
Quirino e Nhô Cido, em especial na programação da extinta Rádio Cultura AM de
Fernandópolis, deu acesso a uma dimensão mais ampliada da recepção dos
programas veiculados pela emissora naquele momento, marcadamente pelo fluxo de
cartas dos ouvintes. Essas missivas deixaram fortes indícios de que, além de
proporcionar entretenimento, a rádio cumpria uma função de “encurtadora das
distâncias” entre os espectadores, que reconheciam nela o meio de comunicação
mais rápido entre o campo e a cidade, haja vista os registros de recados e avisos
dirigidos a amigos e parentes que puderam ser visualizados nas cartas, dividindo
espaço com demonstrações de afeto aos seus artistas prediletos. No caso
mencionado, todas as cartas analisadas foram endereçadas ao programa “O
Ranchinho do Quintino e Quirino: comando do Nhô Cido”.
As letras das canções selecionadas para análise nesta pesquisa enfocam
elementos constituintes da cultura caipira manifesta na cidade de Fernandópolis,
contemplando apenas alguns temas que foram escolhidos para a reflexão,
considerando que as temáticas são múltiplas. Como fruto dessa escolha, as
temáticas estão ancoradas nas representações que tocam à relação entre o violeiro
e a viola e sua representatividade ante os membros da comunidade em que se
inserem; aos amores, pautados por uma visão do masculino sobre o feminino; e à
natureza “divinizada”, sob os arquétipos da religiosidade cristã/católica. Detectou-se
nesse percurso a forma como todos esses temas abordados no cancioneiro caipira
fernandopolense são, de certa forma, atravessados pela moral religiosa do
catolicismo, diante do entendimento, por parte dos produtores das canções, da
natureza como “obra das mãos Deus”, contemplando ainda os riscos iminentes de
quebra dessa “ordem natural”, parte integrante da criação divina, em face da lógica
do progresso econômico.
A questão do violeiro e a sua relação com a viola insurge a partir do papel
desempenhado por esse sujeito na mediação dos festejos “religiosos e profanos” –
visão dicotômica que também foi questionada –, situada, de maneira semelhante, no
155
terreno do sagrado, do místico, amparada por “causos”441 (sob uma diversidade de
versões) que dão conta de que, com fins de conquistar a habilidade necessária para
executar o instrumento com destreza e, assim, garantir fama, transite na linha
divisória entre “o bem e o mal”, entre pactos com o “coisa ruim” e a busca pela
redenção celestial. Todavia, as canções analisadas trouxeram uma perspectiva de
maior ênfase ao prestígio conquistado pelas mãos daquele que executa a viola e
carrega, especialmente, a incumbência de ser o cronista do cotidiano da “gente
caipira”.
A temática dos amores também foi alvo de análise neste estudo. A partir das
canções pôde-se perceber o reforço do discurso masculino sobre o feminino,
apontando para a mulher como a responsável por todas as dores de amor. As letras
carregam a ideia de imposição à figura feminina do cumprimento de papéis relativos
à resignação, frente à prevalência dos desejos do homem. Outro aspecto
apreendido através do exame dessas canções é o da sacralização do feminino, sob
a noção da mulher/mãe identificada à figura da Virgem Maria, estabelecendo um
“tipo ideal de mulher”, embora uma pretensa quebra dessa ordem implique o
desprezo total pelo feminino.
Mesmo diante de todo o esforço empreendido neste estudo em busca de
alcançar as dimensões de produção e atuação do gênero musical caipira na cidade
de Fernandópolis, ante a construção de um universo multifacetado de
representações compartilhadas pela poética dos compositores, muitas questões
ficaram abertas para que sejam desdobradas em novas pesquisas. Por exemplo,
sobre Fernandópolis não se tem uma produção historiográfica efetivada, como
ocorre com muitas cidades de pequeno e médio porte da região Noroeste de São
Paulo, excetuando-se alguns municípios de outras áreas do interior paulista que são
objetos de uma vasta produção de teses e dissertações, como nos casos das
cidades de Ribeirão Preto, Campinas e Jundiaí. Dessa forma, as possibilidades são
múltiplas para a incursão por esse universo temático, cooperando sobretudo para o
questionamento das visões historiográficas generalizantes, prezando assim as
especificidades locais.
Outra possibilidade seria a análise de um maior número de canções, assim
como outras temáticas musicais, contemplando também um grupo mais extenso de
441
Os “causos” são histórias, não necessariamente verídicas, narradas de forma bem-humorada, com objetivo lúdico.
156
compositores e intérpretes não abrangidos neste primeiro momento, para ampliação
deste estudo. Ademais, caberia também um exame minucioso do papel
desempenhado pela Rádio Cultura AM de Fernandópolis, na sua função de
prestadora de serviços na esfera da comunicação, promovendo conexões entre o
campo e a cidade, revelando-se a partir da recepção desses programas que se
inserem nesse circuito de produção cultural. Vale destacar que a questão citada não
estava na preocupação inicial da presente pesquisa, todavia, a análise das fontes
selecionadas conduziu para a emersão desse aspecto, que surge com fôlego para
reflexões futuras.
Ainda, seria possível averiguar a hipótese de que o Noroeste Paulista, a
partir de algumas cidades, teria figurado como circuito de fomento da música caipira,
considerando, por exemplo, as conexões entre Fernandópolis e Itajobi (cidade da
mesorregião de São José do Rio Preto), chamada de “berço dos violeiros”,
localidade em que uma família deu origem a três duplas de renome nacional: Vieira
e Vieirinha, Liu e Léo, Zico e Zéca, além de Abel, da dupla Abel e Caim – sendo que
este último não é membro da família. Entre as duplas citadas, destaca-se Vieira e
Vieirinha, amigos pessoais de Quintino e Quirino, com trânsito frequente na cidade
de Fernandópolis e na propriedade dos pais dos irmãos Miguel e João, localizada no
distrito da Brasitânia.
Esta dissertação não tem a pretensão de esgotar a temática da música
caipira na cidade de Fernandópolis, ou mesmo da produção do gênero em âmbito
geral. O desejo aqui manifesto é o de que este estudo possa deixar contribuições e,
ao mesmo tempo, inquietações para outros historiadores que venham a se
preocupar com o assunto.
157
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Araçatuba. Dissertação (Mestrado em Economia), Unicamp, Campinas, 1992.
Depoentes
Sr. Adonai César Mendonça, 71 anos de idade, natural de General Salgado - SP.
Nascido em 20/10/1947. Profissão: Professor aposentado, Radialista e Cantor.
Reside no município de Limeira - SP. Entrevista realizada a distância, através de
telefonema efetuado para a cidade de Limeira - SP. São Bernardo do Campo - SP,
set./2018. Acervo do autor.
Sr. Antônio Sanchez, 86 anos de idade, natural de Uchôa - SP. Nascido em
26/07/1932. Profissão: Radialista. Reside na cidade de Fernandópolis - SP.
Entrevista realizada na residência do Sr. Antônio Sanchez. Fernandópolis - SP, 31
dez. 2017. Acervo do autor.
176
Sr. Darci Romão Liberato (Darci), 69 anos de idade, natural de Planalto - SP.
Nascido em 28/04/1949. Profissão: Trabalhador rural e bancário aposentado. Reside
na cidade de Fernandópolis - SP. Entrevista realizada na residência do Sr. Darci
Romão Liberato. Fernandópolis - SP, 13 nov. 2011. Acervo do autor.
Sra. Eunice Maria da Silva, 68 anos de idade, natural de Andradina - SP. Nascida
em 18/02/1950. Profissão: Do Lar. Reside na cidade de Fernandópolis - SP.
Entrevista realizada nas dependências do CCI Vila Regina durante a apresentação
do Programa “Caravana da Alegria” (Rádio Águas Quentes AM). Fernandópolis - SP,
27 nov. 2011. Acervo do autor.
Sr. Geraldo Ricco, 81 anos de idade, natural de Cajobi - SP. Nascido em
19/06/1937. Profissão: Taxista e radialista. Reside na cidade de Fernandópolis - SP.
Entrevista realizada nas dependências do CCI Vila Regina durante a apresentação
do Programa “Caravana da Alegria” (Rádio Águas Quentes AM). Fernandópolis - SP,
27 nov. 2011. Acervo do autor.
Sr. João Ferreira de Souza (Quirino), 81 anos de idade, natural de Fernandópolis -
SP. Nascido em 23/03/1937. Profissão: Proprietário rural, cantor e radialista. Reside
no Distrito de Brasitânia - SP. Entrevista realizada com a dupla “Quintino e Quirino”
na residência do Sr. Darci Romão Liberato. Fernandópolis - SP, 13 nov. 2011.
Acervo do autor.
Sr. João Ferreira de Souza (Quirino), 81 anos de idade, natural de Fernandópolis -
SP. Nascido em 23/03/1937. Profissão: Proprietário rural, cantor e radialista. Reside
no Distrito de Brasitânia - SP. Entrevista realizada com a dupla “Quintino e Quirino”
no sítio do Sr. Miguel Ferreira de Souza. Brasitânia - SP, 13 fev. 2018. Acervo do
autor.
Sr. Jorge Spósito Ribeiro, 65 anos de idade, natural de Monte Aprazível - SP.
Nascido em 06/07/1953. Profissão: Radiodifusor. Reside na cidade de Fernandópolis
- SP. Entrevista realizada nas dependências da Rádio Cultura FM de Fernandópolis.
Fernandópolis - SP, 30 dez. 2017. Acervo do autor.
177
Sr. José Luiz Liberato (Dorimar), 78 anos de idade, natural de Santa Rita do Sapucaí
- MG. Nascido em 24/02/1940. Profissão: Trabalhador rural e da construção civil
aposentado. Reside na cidade de Fernandópolis - SP. Entrevista realizada na
residência do Sr. Darci Romão Liberato. Fernandópolis - SP, 13 nov. 2011. Acervo
do autor.
Sr. Mauro José André, 84 anos de idade, natural de Monte Aprazível - SP. Nascido
em 28/08/1934. Profissão: Radialista. Reside na cidade de Ribeirão Preto - SP.
Entrevista com o Sr. Mauro José André, realizada a distância, através de telefonema
efetuado para a cidade de Ribeirão Preto - SP, localidade na qual reside o depoente.
São Bernardo do Campo - SP, set./2018. Acervo do autor.
Sr. Miguel Ferreira de Souza (Quintino), 80 anos de idade, natural de Fernandópolis
- SP. Nascido em 30/10/1938. Profissão: Proprietário rural, cantor e radialista.
Reside no Distrito de Brasitânia - SP. Entrevista realizada com a dupla “Quintino e
Quirino” na residência do Sr. Darci Romão Liberato. Fernandópolis - SP, 13 nov.
2011. Acervo do autor.
Sr. Miguel Ferreira de Souza (Quintino), 80 anos de idade, natural de Fernandópolis
- SP. Nascido em 30/10/1938. Profissão: Proprietário rural, cantor e radialista.
Reside no Distrito de Brasitânia - SP. Entrevista realizada com a dupla “Quintino e
Quirino” no sítio do Sr. Miguel Ferreira de Souza. Brasitânia - SP, 13 fev. 2018.
Acervo do autor.
Obras fonográficas
Antonio Sanchez e José dos Reis Dalben (Comp.). Só Saudades. Fernandópolis,
s/d.
Darci & Dorimar. CD Demonstrativo. Produção Independente, 2015.
José dos Reis Dalben (Comp.). O compositor escreve e o caipira canta.
Fernandópolis, s/d.
178
José dos Reis Dalben (Comp.). Vida de Roceira. Fernandópolis, s/d.
José dos Reis Dalben e Darci Romão Liberato (Comp.). Saudade companheira.
Fernandópolis, s/d.
José dos Reis Dalben e Darci Romão Liberato (Comp.). Violeiro educado.
Fernandópolis, s/d.
Mauro André e Jonacir de Carvalho (Comp.). Fernandópolis. 78 rpm, Irmãos Souza.
Califórnia, 1959.
Mauro André e Quintino & Quirino (Comp.). Pagode Quinze. 78 rotações, Quintino e
Quirino, Lado A. São Paulo: Estúdio 7, 1963.
Nhô Chico e Dino Franco (Comp.). Caboclo na Cidade. LP “Rancho da Paz”, de
Dino Franco & Mouraí. Discos Globo, 1982.
Pedro Bento e Zé da Estrada (Comp.). Mágoas de Boiadeiro. LP “Mágoas de
Boiadeiro”, de Pedro Bento, Zé da Estrada e Celinho. Copacabana, 1971.
Quintino & Quirino. Folia de Reis. LP. Continental, 1974.
Quintino & Quirino. Folia de Reis. LP. Vol. II. Continental, 1975.
Quintino & Quirino. Folia de Reis. LP. Vol. III. Continental, 1976.
Quintino & Quirino. Folia de Reis. LP. Vol. IV. Continental, 1978.
Quintino & Quirino. Violeiro - Edição Limitada. LP. Phonodisc, 1978.
Quintino & Quirino. Folia de Reis. LP. Vol. V. Chantecler, 1980.
Quintino & Quirino. Chegada do Santo Reis. LP. Vol. VI. Chantecler, 1980.
Quintino & Quirino. As Melhores de Quintino e Quirino. LP. Continental, 1988.
179
Quintino & Quirino. Santo Reis. LP. Phonodisc, 1991.
Quintino & Quirino. Grandes Sucessos Sertanejos - Disco de Canções. Produção
independente, 2011.
Santo & Santiago. CD Demonstrativo. Produção independente, 2016.
Wandalice Franco Renesto e Hugo Van Tuyl (Comp.). Canção a Fernandópolis.
Fernandópolis, 1954.
Correspondências
Divanir Júlio Pezzoto. [Carta] 12 Ago. 1966, Nhandeara [para] Rádio Cultura de
Fernandópolis, Fernandópolis. 1f. Solicitação de uma foto da dupla Quintino e
Quirino e do locutor Nhô Cido.
Sra. Luzia. [Carta] 18 Mai. 1964, Fazenda Santa Cruz [para] Rádio Cultura de
Fernandópolis, Fernandópolis. 1f. Solicitação de uma foto da dupla Quintino e
Quirino.
Sebastião Gonçalves de Lima. [Carta] 05 Ago. 1966, Maringá [para] Rádio Cultura
de Fernandópolis, Fernandópolis. 1f. Saudações a Rádio Cultura AM e recado ao Sr.
Francisco Vitalino de Macedo.
Caderno de anotações
DALBEN, José dos Reis. Caderno com registros de composições do autor.
Fernandópolis, s/d.
180
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Revelando São Paulo. s/d. Disponível em: <http://www.abacai.org.br/revelando-
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BARATA, Juliano. 4×4: qual a diferença entre tração integral e tração nas quatro
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